Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 3/2019-A
Data da decisão: 2019-07-24  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento do direito de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Das Partes, do Tribunal Arbitral e do saneamento processual

 

É Demandante na presente ação arbitral A..., inspetor da B...; e o Demandado é, conforme a norma do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Ministério C... .

 

A legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada, ancora-se no disposto no art.º 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt/) e no Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de Fevereiro de 2009, página 6113.

 

A vinculação da Demandada ao CAAD emerge do disposto no art.º 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, conjugado com o art.º 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro.

No que especificamente respeita à B..., esta encontra-se expressamente mencionada na alínea d) do art.º 1.º da citada Portaria.

A vinculação da Demandada à jurisdição do CAAD abrange “litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”.

 

Em suma, ambas as Partes são legítimas, não apenas por serem parte na relação material controvertida, mas ainda porque:

a) o objeto da pretensão do Demandante enquadra-se no âmbito da vinculação da Demandada à jurisdição do CAAD;

b) o valor da presente ação (€30.000,01 – trinta mil euros e um cêntimo) não excede o valor da vinculação da Demandada à jurisdição do CAAD.

 

Nos termos do artigo 27.º, n.º 2, do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD - disponível em www.caad.org.pt/) “se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância.”. Não tendo qualquer das Partes exercido o direito de renúncia da presente decisão arbitral, de acordo com o preceito transcrito, da decisão proferida nos presentes autos caberá recurso nos mesmos aplicáveis a uma decisão de 1.ª instância dos tribunais estaduais.

 

Este Tribunal Arbitral, constituído em 2 de abril de 2019, é composto por um Árbitro, conforme dispõe o art.º 15.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem, tendo o signatário sido designado como Árbitro para apreciar e decidir a presente causa nos termos do mesmo Regulamento.

 

               

No Despacho n.º 1, proferido em 4 de abril de 2019, o Tribunal deliberou:

 

“Uma vez apresentadas a petição inicial e a contestação, cumpre ao Tribunal emitir despacho, nos termos do art.º 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD (doravante RAA), pronunciando-se sobre um conjunto de questões elencadas na norma acaba de citar.

Da análise dos autos, comprova-se:

a) a ausência de requerimentos probatórios apresentados por qualquer das Partes, designadamente de prova testemunhal;

b) a competência do Tribunal;

c) a capacidade judiciária das Partes; e

d) a ausência de invocação de exceções ou nulidades processuais.

 

Nesta conformidade e nos termos do n.º 4 do art.º 18.º e no 4 do art.º 7.º do RAA, entende o Tribunal que os ulteriores termos do processo arbitral se poderão basear na prova documental já produzida e nos restantes elementos juntos ao processo, com dispensa de realização de diligências adicionais, nomeadamente da audiência de julgamento e da produção de alegações finais, notificando-se as Partes para se pronunciarem sobre esta tramitação dos autos no prazo de 10 dias.

No mesmo prazo de 10 dias, deverão as Partes a pronunciarem-se acerca da pertinência da realização de uma tentativa de conciliação, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 18.º do RAA, conjugado com o n.º 4 do art.º 7.º do mesmo Regulamento.”

 

Notificadas do mencionado Despacho n.º 1, ambas as Partes, por requerimentos datados de 9/4/2109 e de 10/4/2019, comunicaram a sua não oposição a que os autos prosseguissem os respetivos termos baseados na prova documental já produzida (n.º 3 do artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa), com dispensa da tentativa de conciliação e da realização das demais diligências adicionais.

 

 

II – Breve síntese da posição das Partes e circunscrição do objeto da decisão

 

                O Demandante conclui, na petição inicial, requerendo a este Tribunal:

a)            “Ser declarado nulo ou anulado o despacho proferido pela Ex.ma Senhora Ministra C..., datado de 8 de janeiro de 2019, que indeferiu o pedido de passagem à disponibilidade fora da efectividade de serviço;

b)           Ser o Demandado condenado no deferimento da pretensão formulada pelo Demandante, reconhecendo-lhe o direito de passar à situação de disponibilidade fora da efectividade de serviço”

 

Por seu turno, o Demandado conclui que “deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e a Entidade Demandada absolvida do pedido, com todas as consequências legais”.

 

 

III – Fundamentação de facto

 

Nota: Os factos dados como provados nos n.ºs 1 a 13 correspondem a factos dados como provado no Processo n.º 88/2017-A do CAAD, que a seguir se transcrevem:

 

“1.º - Em 12 de dezembro de 2016, então com 56 anos de idade e 38 anos de serviço, o Demandante a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, à luz do artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, e do artigo 39.º, alínea a), da Lei do Orçamento de Estado para 2016, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, juntando “Relatório Médico” (datado de 6 de dezembro de 2016 e subscrito por médico “consultor hospitalar de ortopedia”) referindo sobre o Demandante, em síntese, “patologia osteoarticular de caráter degenerativo com principal repercussão a nível da coluna lombar e dos joelhos” e concluindo que a “evolução crónica e progressivamente invalidante serão definitivamente condicionadoras da sua atividade laboral sendo que, no momento atual, se recomenda a atribuição de serviços moderados considerando mesmo a hipótese de se recorrer à situação de aposentação se o quadro clínico e funcional se agravarem, como expetável, dado o caráter evolutivo da patologia descrita”.

 

2.º - Por ofício de 15 de dezembro de 2016, o Diretor da ... enviou tal requerimento ao Diretor Nacional da B..., informando que, face à “enorme carência de meios humanos” da ... “e o facto de o relatório médico apresentado recomendar a atribuição de serviços moderados”, se opunha “à saída do referido funcionário, uma vez que a atual conjuntura vivenciada por esta ... e que é de enorme exigência não aconselha ou admite a saída de mais funcionários”.

 

3.º - Por ofício de 27 de dezembro de 2016, o Diretor Nacional Adjunto da B... enviou ao Gabinete da C... o referido requerimento, acrescentando que o ora Demandante reúne os requisitos legais de idade e tempo de serviço previstos no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, mas que, “considerando que a situação clínica do requerente apenas recomenda a atribuição de serviços moderados, somos de parecer que o seu pedido deverá ser indeferido”.

 

4.º - Em 3 de maio de 2017, o Demandante renova à C... o pedido formulado em 12 de dezembro de 2016, agora “em conformidade com o relatório médico que junto anexa, face ao resultado insuficiente do plano de tratamento conservador para controlar a sintomatologia dolorosa e o compromisso funcional associado”; juntando “Relatório Médico (Aditamento)” (datado de 28 de abril de 2018 e subscrito pelo mesmo médico subscritor daquele relatório inicial de 6 de dezembro de 2016), no qual, entre o mais, se conclui o seguinte:

“O plano de tratamento conservador em AINEs e Fisioterapia em curso, tem-se revelado insuficiente para controlar a sintomatologia dolorosa e o compromisso funcional associado resultado da sua atividade laboral.

“A evolução crónica e progressivamente invalidante serão definitivamente condicionadoras e determinantes da sua atividade laboral sendo que, no quadro atual, se recomenda a passagem à disponibilidade sem efetividade de funções considerando mesmo a hipótese de se recorrer à situação de aposentação se o quadro clínico e funcional se agravarem, como expetável, dado o caráter evolutivo da patologia descrita.”

 

5.º - Por ofício de 2 de junho de 2017, a ... enviou este novo requerimento do ora Demandante ao Diretor Nacional Adjunto da B..., dando a conhecer o “panorama” da ... em termos de recursos humanos afetos à investigação e informando que “os meios humanos nesta Unidade são excessivamente deficitários”.

 

6.º - Por ofício de 9 de junho de 2017, o Diretor Nacional Adjunto da B... enviou ao Gabinete da C... este novo requerimento, reafirmando que o ora Demandante reúne os requisitos legais de idade e tempo de serviço previstos no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, e alertando para o primeiro requerimento já antes remetido por aquele ofício de 27 de dezembro de 2016.

 

7.º - Em 26 de maio de 2017, a Secretaria-Geral do C... produz uma informação em que, dando nota de que nove outros pedidos de passagem à disponibilidade por razões de saúde obtiveram parecer favorável, esclarece estarem ainda pendentes seis situações do mesmo tipo – entre as quais a do ora Demandante – relativamente às quais a B...“emite parecer no sentido de que as limitações de saúde não são completamente impeditivas da realização das tarefas”, razão por que “considera-se prudente que tal avaliação seja concretizada por entidade externa e com conhecimentos científicos”, sugerindo como alternativa o D..., I.P..

 

8.º - Na sequência de tal posição, o Gabinete da Ministra da C... envia ofício à B..., em 18 de dezembro de 2017, no sentido de ser feita perícia médica ao ora Demandante pelo D..., I.P.; a qual foi realizada em 4 de abril de 2018.

 

9.º - O relatório, datado de 16 de maio de 2018, desta perícia médica realizada pelo D..., I.P. solicita a realização de um exame complementar de medicina do trabalho (destinado a permitir aferir se, face aos “antecedentes patológicos” em causa, o Demandante se encontra ou não apto para o exercício da profissão/função, com ou sem condicionalismos), exame este que a B..., em 21 de setembro de 2018, pediu à Ordem dos Médicos que fosse agendado.   

 

10.º - Em 18 de agosto de 2015, a C..., a requerimento do interessado, autorizou a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, à luz do artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, e do artigo 86.º, n.º 2, alínea a), da Lei do Orçamento de Estado para 2015, a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, de E..., inspetor da B..., colocado na ..., considerando ser este “portador de doença crónica de caráter incapacitante”, atestada em relatório médico, que lhe “condiciona de forma negativa o desempenho profissional”, encontrando-se por isso “limitado de forma significativa ou muito significativa no desempenho efetivo de funções”, tendo o Diretor daquela Unidade não obstaculizado tal pedido face aos motivos de saúde invocados, ao suporte legal do mesmo e aos “antecedentes favoráveis nesta matéria”, com o Diretor Nacional Adjunto da B... a emitir parecer no sentido do provimento do mesmo.

 

11.º - Relativamente a esta situação de E..., foi atestado medicamente que o estado de saúde deste se caracterizava por “persistência de diarreia com muco e sangue, acompanhada de emagrecimento significativo”, fruto de confirmada “colite ulcerosa total, em fase ativa”, a qual, apesar da medicação, mantém “persistência de sintomatologia com diarreia, múltiplas dejeções diárias e vontades imperiosas, situação que lhe condiciona de forma negativa o desempenho profissional”, acrescentando-se que esta doença inflamatória intestinal, “não tendo cura, pode ter evoluções muito dispares, sendo que o Sr. E..., com a colite ulcerosa em atividade, mantém os sintomas descritos, que em muito lhe condicionam a sua vida de relação e profissional”.

 

12.º - Em 16 de agosto de 2016, a C..., a requerimento do interessado, autorizou a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, à luz do artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, e do artigo 39.º, alínea a), da Lei do Orçamento de Estado para 2016, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, de F..., inspetor da B..., colocado na ..., considerando a sua situação de saúde, atestada por relatórios médicos, tendo a responsável por aquela Unidade alertado para que a mesma se encontra no “limite mínimo” de recursos humanos, com o Diretor Nacional Adjunto da B... a emitir parecer no sentido do deferimento do pedido.

 

13.º - Relativamente a esta situação de F..., foi atestado medicamente, estando disponíveis vários relatórios, que este “apresenta problemas de diabetes, com manifestos problemas ao nível dos membros inferiores, tem problemas na coluna lombar com várias hérnias discais e artroses, que provocam dor permanente, foi submetido nos últimos anos a duas cirurgias, sendo uma relacionada com uma hipertrofia benigna da próstata, que deixou marcas físicas e psicológicas, e outra com uma situação de hérnia inguinal, que passado um ano após a realização da mesma se encontra ainda a causar problemas por complicações pós operatórias”, acrescentando-se que “sofre de dores lombares crónicas, por vezes incapacitantes, devidas a problemas de tipo degenerativo como hérnias discais e artroses”, efetuando “tratamentos de vários tipos com resultados transitórios” e encontrando-se “em fisioterapia e a cumprir programa de exercícios físicos”, sendo que, porque “a situação é crónica e por vezes incapacitante, recomenda-se serviços moderados”, podendo ser necessário, “se a situação se deteriorar”, “encarar uma situação de reforma”.

 

                14.º Em 19.12.2017, o aqui Demandante, perante a ausência de resposta ao pedido formulado, instaurou neste mesmo Tribunal (vide Processo n.º 88/2017-A) uma ação administrativa contra o aqui Demandado solicitando o deferimento do pedido de passagem à situação de passagem à situação de disponibilidade.”

 

                15.º No mencionado Processo n.º 88/2017-A foi proferida, em 10/10/2018, a seguinte decisão: “À luz dos fundamentos expostos, condeno o Demandado a, por ato da Ministra da C..., emitir, no prazo de 60 (sessenta) dias, decisão, fundamentada em critérios inerentes à situação de saúde do Demandante devidamente atestada e conforme com as exigências de igualdade constitucionalmente consagradas, sobre o requerimento deste de passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.”.

 

                16.º Após a prolação da decisão do Processo n.º 88/2017-A, no dia 6/11/2018, foi o Demandante submetido a exame de especialidade de medicina no trabalho da Ordem dos Médicos, tendo o respetivo relatório, elaborado em 30.11.2018, concluído que “O examinado está apto condicional, sendo adequadas tarefas de backoffice, que permitam uma adequada alternância de pé/sentado cerca de 30 minutos de período, estando inapto para as tarefas associadas à condução automóvel ou as que não permitam a alternância referida”.

 

                17.º Posteriormente, o Instituto Nacional de Medicina Legal, em 30.11.2018, elaborou relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, concluindo que “O examinado encontra-se apto condicional para o exercício da sua profissão, podendo exercer funções em posto de trabalho de backoffice, que permita efetuar intervalos periódicos de alternância postural (pé / sentado). O examinado encontra-se inapto para o exercício da atividade do posto de trabalho que ocupava à data do exame pericial, cujas tarefas inerentes não permitem cumprir os condicionalismos descritos no exame pericial complementar de Medicina no Trabalho.”.

 

                18.º Em 8.1.2019, a Ex.ma Senhora Ministra da C... indeferiu o pedido do Demandante de passagem à disponibilidade fora da efetividade de serviço, remetendo a fundamentação para a Informação n.º..., acrescentando que “tendo por base a informação clínica do requerente constante dos relatórios médicos, datados de 11 de novembro de 2018 e de 31 de dezembro de 2018, determino que a B... adote as medidas necessárias para que o requerente exerça as suas funções de inspetor com os condicionalismos mencionados nos identificados relatórios”.

 

 

 

IV – Fundamentação de direito

 

1. Enquadramento jurídico da pretensão do Demandante

 

                A respeito do enquadramento jurídico da pretensão do Demandante, socorremo-nos, uma vez mais e porque com elas concordamos integralmente, das considerações expandidas no Processo n.º 88/2017-A, que adiante se transcrevem:

“Estatuía o artigo 146.º (sob a epígrafe “Passagem à situação de disponibilidade”) do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro:

1 – O pessoal de investigação criminal que não se encontre provido em comissão de serviço em cargos dirigentes passa à disponibilidade:

a) Obrigatoriamente, quando atinge 60 anos de idade;

b) Por despacho do Ministro da C..., ouvido o diretor nacional, a requerimento do funcionário, quando tenha completado 55 anos de idade, independentemente do tempo de serviço, ou 36 anos de serviço, independentemente da idade.  

2 – Os funcionários nas condições previstas na alínea a) do número anterior podem renunciar expressamente à passagem à disponibilidade, passando à situação de aposentação.

3 – As remunerações do pessoal na situação de disponibilidade é igual à 36.ª parte da remuneração do nível e escalão da categoria em que os funcionários se encontravam na data da passagem àquela situação, multiplicada pela expressão em anos do número de meses de serviço contados para a aposentação, o qual não pode ser superior a 36.

 

E o artigo 147.º (sob a epígrafe “Estatuto de disponibilidade”) do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, estatuía:

1 – Na situação de disponibilidade o funcionário conserva os direitos e regalias respetivos e continua vinculado aos deveres e incompatibilidades, com exceção:

a) Do direito de ocupação de lugar no quadro de pessoal;

b) Do direito de acesso e progressão.

2 – Na situação de disponibilidade o funcionário pode excecionalmente ser chamado a prestar serviço compatível com o seu estado físico e intelectual, em conformidade com os respetivos conhecimentos e experiência e com as necessidades e conveniências dos serviços, salvo o exercício de funções de chefia.

3 – Sempre que chamado a prestar serviço nos termos do número anterior, o funcionário usufrui remuneração igual àquela a que teria direito se estivesse no ativo.

4 – O tempo de serviço prestado na situação a que se referem os números anteriores é levado em conta, no fim de cada ano, para efeitos de melhoria da remuneração até ao limite de 36 anos e contado para efeitos de aposentação.

 

Como se disse, este regime foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, tendo o artigo 146.º (sob a mesma epígrafe “Passagem à situação de disponibilidade”) passado a estatuir:

1 – O pessoal de investigação criminal que não se encontre provido em comissão de serviço em cargos dirigentes passa à disponibilidade:

a) Obrigatoriamente, quando atinge 60 anos de idade;

b) Por despacho do Ministro da C..., a requerimento do funcionário, quando tenha completado 55 anos de idade e 36 anos de serviço.  

2 – Os funcionários nas condições previstas na alínea a) do número anterior podem renunciar expressamente à passagem à disponibilidade, passando à situação de aposentação.

 

E o artigo 147.º (sob a mesma epígrafe “Estatuto de disponibilidade”) passou a estatuir:

1 – Na situação de disponibilidade, o funcionário conserva os direitos e regalias respetivos e continua vinculado aos deveres e incompatibilidades, com exceção:

a) Do direito de ocupação de lugar no quadro de pessoal;

b) Do direito de promoção.

2 – Na situação de disponibilidade, o funcionário presta serviço compatível com o seu estado físico e intelectual, em conformidade com os respetivos conhecimentos e experiência e com as necessidades e conveniências dos serviços, não lhe podendo ser cometido o exercício de funções de chefia.

3 – A remuneração do funcionário na situação de disponibilidade em efetividade de serviço é igual àquela a que teria direito se estivesse no ativo.

4 – A remuneração do funcionário na situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço é igual à remuneração de base média do último ano, acrescida dos suplementos a que porventura tenha direito.

5 – O regime de prestação de serviço na disponibilidade é definido por portaria do Ministro da C... .

 

O Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, aditou ainda o artigo 147.º-A (sob a epígrafe “Contingente em efetividade de serviço”), estatuindo o seguinte:

1 – É fixado anualmente, por despacho do Ministro da C..., o contingente de funcionários a colocar na situação de disponibilidade na efetividade de serviço.

2 – Quando o número de funcionários em situação de disponibilidade exceder o contingente definido pelo despacho do Ministro da C..., são colocados fora da efetividade de serviço, na quantidade excedente, os funcionários que o requeiram.

3 – As regras de prioridade no deferimento dos requerimentos são estabelecidas, tendo em conta a idade e o tempo de serviço prestado pelos funcionários, por despacho do Ministro da C... .

 

Não pode, no entanto, esquecer-se que o artigo 39.º (sob a epígrafe “Suspensão da passagem às situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade”) da Lei do Orçamento do Estado para 2016 (a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), estatui, como medida de equilíbrio orçamental, que, entre o mais, a passagem à situação de disponibilidade, nos termos estatutariamente previstos, do pessoal com funções policiais da B... apenas pode ocorrer por situações de saúde devidamente atestadas (entre outras circunstâncias que não relevam in casu).

 

Sendo que esta norma teve equivalente no artigo 86.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro); e teve e tem continuidade, seja no artigo 55.º da Lei do Orçamento do Estado para 2017 (a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), seja no artigo 64.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (a Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)

 

Não restam dúvidas de que, em termos temporais, a pretensão do Demandante deve ser apreciada e decidida à luz das citadas normas do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, conjugadas com a referida medida de equilíbrio orçamental, presente em todas as Leis do Orçamento do Estado desde 2016, inclusive, até hoje.

 

Poderá colocar-se a questão de saber se a passagem à situação de disponibilidade conforme previsto no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro, constitui um direito do interessado exclusivamente dependente da verificação dos pressupostos de idade e tempo de serviço aí previstos ou se, diferentemente, pode depender de outras avaliações por parte do Ministro da C..., nomeadamente inerentes à gestão do pessoal.

 

A nossa posição vai no sentido da primeira alternativa

Isso resulta, em termos jurídico-hermenêuticos, do elemento literal da atual norma, do confronto desta com a sua anterior redação [que pressupunha, diferentemente do que hoje ocorre, uma audição prévia do diretor nacional da B..., cuja razão de ser teria certamente a ver com questões de gestão de pessoal] e, determinantemente, de resultar expressamente da lei que o atual regime-regra da disponibilidade é (quando antes isso era algo excecional) o de prestação de serviço compatível com o estado físico e intelectual, em conformidade com os respetivos conhecimentos e experiência e com as necessidades e conveniências dos serviços [cfr. artigo 147.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro].

 

Pode, portanto, dizer-se que, nos termos da lei, o funcionário na situação de disponibilidade só não prestaria serviço – e serviço conforme com os respetivos conhecimentos, experiência e condições de saúde não inibitórias de tal prestação – se a sua saúde o não permitisse de todo ou se houvesse excesso de funcionários na situação de disponibilidade na efetividade de serviço e requeresse então ser colocado fora da efetividade de serviço, tudo conforme os artigos 147.º, n.ºs 2 e 5, e 147.º-A, n.ºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 30 de dezembro.

 

Acontece que continua a inexistir, seja a definição do regime de prestação de serviço na disponibilidade [reclamada por aquele artigo 147.º, n.º 5], seja a fixação anual do contingente de funcionários a colocar na situação de disponibilidade na efetividade de serviço [reclamada por aquele artigo 147.º-A, n.º 1], seja, ainda, o estabelecimento das regras de prioridade no deferimento daqueles requerimentos para colocação fora da efetividade de serviço [reclamado por aquele artigo 147.º-A, n.ºs 2 e 3].

 

Tais lacunas regulamentares não têm impedido – como a prática, comprovada aliás por factos dados como assentes na presente ação, demonstra à saciedade – o requerimento e o deferimento de passagens à situação de disponibilidade por razões de saúde; e serão certamente tais lacunas regulamentares a causa de esses requerimentos e deferimentos ocorrerem relativamente a passagens à situação de disponibilidade fora da afetividade de serviço, embora a lei só preveja que se requeira a passagem à disponibilidade (não a passagem à disponibilidade na efetividade de serviço ou fora dela).

 

Acontece que tal prática não é contraditória, inconciliável ou, sequer, incoerente com o regime em vigor da disponibilidade no seio da investigação da B... .

 

Porque o n.º 2 daquele artigo 147.º pressupõe que a prestação de serviço aí prevista só ocorra existindo as adequadas condições de saúde e porque aquela medida de equilíbrio orçamental pressupõe que a disponibilidade apenas possa ocorrer por situações de saúde devidamente atestadas, é de aceitar sem estranhezas a prática instituída de requerimento e deferimento de passagens à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço naqueles casos em que se verifiquem situações de saúde, devidamente atestadas/comprovadas, que contendam – de acordo com critérios razoáveis, estáveis e genéricos (não arbitrários, portanto) – com a continuação da efetiva prestação do serviço que vinha ocorrendo.

 

E na apreciação destas situações de acordo com tais critérios não pode o decisor deixar de avaliar cada uma das situações, na especificidade de cada uma delas, tendo o óbvio direito-dever funcional de, por si, lançar mão dos atos instrutórios que entenda adequados para conhecer bem a concreta situação de saúde com que se depara, condição necessária de uma correta e ajustada decisão.

 

E nem se diga que uma tal atuação é contrária àquele inciso normativo situações de saúde devidamente atestadas; pois um tal devido atestamento não se refere – não pode logicamente referir-se – a um mero formalismo a preencher através de um atestado médico apresentado pelo interessado, referindo-se antes a uma exigência probatória substancial de aferição, por parte de quem tem de decidir, das reais condições de saúde do interessado e da adequação concreta destas ao serviço efetivo a desempenhar ou não em função das mesmas.

 

Razão por que não pode considerar-se inadequada, errada ou ilegal a realização dos exames médicos complementares de que o Demandado lançou mão na situação sub judice.

 

Por outro lado, não pode acompanhar-se o Demandante quando este concebe uma redução a zero da margem de apreciação e decisão do seu caso em função das duas referidas situações já decididas que considera iguais à sua.

 

Pois, de facto, notoriamente, não o são, nem quanto às funções desempenhadas em causa, nem quanto às concretas patologias e seus efeitos profissionais atestados.

 

Veja-se, aliás, como claro indício de ausência de arbítrio, que o Demandado promoveu a realização de exames médicos complementares num conjunto de situações – nas quais se compreende a do Demandante – em que entendeu necessitar de informação adicional para o habilitar a uma decisão plenamente instruída e fundamentada.

 

Não quer isto dizer – de todo – que o Demandante não tenha direito a uma decisão sobre o que requereu e a uma decisão bem fundamentada naqueles critérios razoáveis, estáveis e genéricos, com garantia de igualdade e sem discriminação ou arbítrio.

 

A decisão a proferir deve, pois, ter concretamente presente o sentido rigoroso que se extrai da proclamação constitucional do princípio da igualdade, comportando um sentido positivo de tratamento idêntico ou semelhante das situações idênticas ou semelhantes, respetivamente, e de tratamento desigual de situações substancial e objetivamente desiguais, com verificação por um processo de comparação (tertium comparationis), justificando-se tratamento diferenciado apenas em função e na medida da diversidade das situações.”

 

 

2. Fundamento jurídico da pretensão do Demandante

 

                Aqui chegados e depois de analisado o teor da decisão proferida no Proc. n.º 88/2017-A, (e a fundamentação a ela subjacente), a questão central a dirimir nos presentes autos prende-se com a adequação do Despacho proferido pela Ex.ma Senhora Ministra da ..., no passado dia 8.1.2019, na sequência da anterior decisão prolatada no supra citado processo n.º 88/2017-A.

Mais precisamente, importa verificar se a decisão tomada pelo Demandado Ministério da C... cumpriu ou não os requisitos ínsitos na decisão aqui exequenda.

Essa análise centrar-se em dois vetores essenciais.

Desde logo, aquilatando se, os pressupostos legais de passagem à situação de disponibilidade se encontram ou não preenchidos no caso em apreço, nomeadamente considerando a natureza de direito potestativo dessa passagem acima escalpelizada.

Paralelamente, avaliando se a aludida decisão objeto de impugnação respeita ou não os princípios constitucionais e legais da igualdade, juízo este que pressupõe uma comparação com as deliberações proferidas pela Demandada a respeito de outros requerentes que hajam formulado pedido análogo ao do Demandante, com especial enfoque naqueles que foram já objeto de pronúncias por parte do CAAD (cfr. Procs. n.ºs 75/2017 e 82/2017).

Essa análise imporá, desde logo, verificar a similitude (ou não) da situação fáctica (e, em especial, clínica) de cada um desses requerentes e da do aqui Demandante e, concomitantemente, do teor e fundamentação das deliberações da Demandada em todos esses processos.

 

2.1 A verificação dos pressupostos legais de passagem à situação de disponibilidade

 

                A este respeito, a já por diversas vezes afirmada natureza potestativa do direito de passagem à situação de disponibilidade aponta no sentido de, uma vez preenchidos os requisitos de que legalmente depende a atribuição daquele estatuto sui generis, a entidade empregadora pública se encontrar numa situação de sujeição, devendo limitar-se a consentir o exercício de tal direito.

                Isto posto, não significa a total ausência de discricionariedade na apreciação do preenchimento, em cada caso concreto, desses mesmos requisitos, em especial daquele instituído pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 (art.º 39.º, alínea a)), atinente à existência de “Situações de saúde devidamente atestadas”.

                Do que também não podem restar dúvidas é da irrelevância, para este efeito, das consequências relativamente aos recursos humanos disponíveis na entidade empregadora ou em alguma das suas secções ou divisões da eventual passagem à situação de disponibilidade por parte de algum inspetor.

                Mais precisamente, necessidades do serviço e, ou, a impossibilidade de substituição do trabalhador requerente da passagem à situação de disponibilidade, não constituem fundamento válido para a denegação de tais pedidos.

                No caso concreto e não se discutindo o preenchimento dos demais requisitos, questiona-se a existência ou não de uma situação de saúde devidamente comprovada por parte do Demandante.

                Aceita-se assistir legitimidade à Demandada para, como fez, requerer uma avaliação médica que, de forma objetiva, ateste a verificação de uma “situação de saúde”.

                Contudo e como bem se refere no Acórdão n.º 75/2017-A, do CAAD, “é também necessário notar que a lei não exige que se trate de uma incapacidade para o exercício de funções “de forma absoluta e permanente” (…), como se exige nos casos de aposentação ou reforma por invalidez (…). O regime de passagem à disponibilidade, ainda que baseado em razões de saúde, tem outros fundamentos. De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 235/2005, de 20 de Dezembro, que alterou o regime de aposentação e de disponibilidade do pessoal de investigação criminal e de apoio da E… e deu origem ao artigo em causa, “ao pessoal de investigação criminal está cometida, nos termos plasmados no regime da organização da investigação criminal, aprovado pela Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto, a realização das diligências de investigação da criminalidade socialmente mais grave e de maior dificuldade investigatória, o que significa que estes funcionários estão ao longo da sua carreira sujeitos a permanente desgaste físico, emocional e mental. De igual modo, algum pessoal de apoio à investigação criminal desempenha frequentemente funções muito próximas das dos investigadores, acompanhando-os à cena do crime, sem limite de horas, contactando com criminosos, contactando e manipulando objectos e substâncias prejudiciais à sua saúde; o mesmo é dizer-se, estando exposto aos mesmos perigos. / São estas as razões que justificam a existência de um regime de disponibilidade para o pessoal de investigação criminal aos 55 anos de idade e de aposentação aos 60”. Isto mesmo, aliás, é compreensível a partir da caracterização da situação funcional do funcionário em situação de disponibilidade, a quem é ainda exigida a prestação de “serviço compatível com o seu estado físico e intelectual, em conformidade com os respectivos conhecimentos e experiência e com as necessidades e conveniências dos serviços, não lhe podendo ser cometido o exercício de funções de chefia”, como decorre do artigo 147.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, que aprovou a Lei orgânica da E… . O funcionário nessa situação mantém a sua remuneração, sendo que, caso se trate de “funcionário fora da efectividade de serviço”, aufere a “remuneração de base média do último ano, acrescida dos suplementos a que porventura tenha direito”, enquanto se estiver em “efectividade de serviço”, tem a mesma remuneração “que teria direito se estivesse no activo”, como decorre dos n.os 3 e 4 do mesmo artigo. Ao mesmo tempo, saliente-se que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março – a que acrescentou o requisito de que “[c]omo medida de equilíbrio orçamental, as passagens às situações de […] disponibilidade […] apenas [pudessem] ocorrer [no caso de] [s]ituações de saúde devidamente atestadas” – deixou intocada a caracterização da situação funcional dos funcionários em regime de disponibilidade.”.

                Por outro lado e conforme já se frisou, não foi fixado o contingente de trabalhadores a colocar na situação de disponibilidade na efetividade de serviço (n.º 1 do art.º 147.º-A) , nem tão pouco as regras de prioridade no deferimento dos requerimentos (tendo em conta a idade e o tempo de serviço prestado pelos funcionários) de colocação fora da efetividade de serviço, na quantidade excedente daquele contingente, por parte dos funcionários que o requeiram (n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito legal).

                Adicionalmente, não foi igualmente aprovada a portaria regulamentadora do regime de prestação de serviço na disponibilidade (art.º 147.º, n.º 5, do art.º 147.º do mesmo diploma).

                Registe-se que tais omissões são única e exclusivamente imputáveis ao aqui Demandado.

                Contudo e como se realçou no Processo n.º 88/2017-A, tais lacunas não têm impedido o requerimento e o deferimento de passagens à situação de disponibilidade, por razões de saúde, mesmo fora da afetividade de serviço, conquanto a lei apenas preveja que se requeira a passagem à disponibilidade (não a passagem à disponibilidade na efetividade de serviço ou fora dela).

Todavia, a ausência de regulamentação gera uma dúvida, qual seja a de saber se, respeitando, aparentemente, o n.º 2 daquele art.º 147.º (relativo à compatibilidade entre as funções a desempenhar ao abrigo do regime de disponibilidade e o estado físico e intelectual do agente, em conformidade com os respetivos conhecimentos e experiência e com as necessidades e conveniências dos serviços) unicamente à modalidade de disponibilidade em efetividade de serviço (por só essa pressupor a continuidade do exercício de funções), nas situações em que, como no caso em apreço, o trabalhador não se encontre incapacitado para toda e qualquer função inerente à sua carreira e categoria profissional (mas apenas para algumas delas), assistir-lhe-á ou não (verificados que sejam os demais pressupostos) o direito a requerer a passagem à disponibilidade fora da efetividade de serviço.

Em nosso entender e não obstante da conjugação dos n.ºs 2 e 3 do art.º 147.º-A resultar que a disponibilidade fora da efetividade de funções se assume como excecional face à sua homóloga em efetividade de funções, não é menos verdade que a ausência de regras (repete-se, exclusivamente imputável ao Demandado) quanto à fixação do contingente para cada uma delas (bem como dos critérios de satisfação preferencial dos pedidos formulados pelos interessados) faz com que, atendendo ao direito genérico à passagem à situação de mobilidade, os requerentes de tal passagem possam optar por qualquer daquelas modalidades, como aliás o vêm fazendo.

Por ser assim e considerando a natureza potestativa do direito de passagem à situação de disponibilidade, em qualquer das suas modalidades, uma vez exercido tal direito e comprovada a verificação de razões de saúde que contendem com o cumprimento das funções inerentes à sua categoria profissional, não pode o Demandado opor-se ao exercício de tal direito.

Nem se objete, em contrário do que se acaba de explanar, que, no plano lógico-racional, faria mais sentido que a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço fosse acantonada aos casos de incapacidade para toda e qualquer atividade, enquanto a disponibilidade em efetividade de serviço se deveria aplicar às hipóteses (como a do Demandante) em que o trabalhador requerente se encontra incapacitado para o desempenho de apenas algumas das tarefas que integram o seu conteúdo funcional.

Contudo, tal entendimento tende a confundir o regime da disponibilidade com o da aposentação por invalidez ou incapacidade (para qual se exige, aí sim, uma total incapacidade para o desempenho da função, devidamente comprovada por uma junta médica – cfr. art.ºs 43.º, n.º 2, alínea a) e 89.º a 92.º do Estatuto da Aposentação, na sua redação atual), aplicável quando o trabalhador se encontra absoluta e permanentemente incapaz para toda e qualquer profissão.

                Nesta conformidade, assiste ao Demandante, nos termos do quadro legal aplicável, o direito de obtenção de um despacho favorável, a emitir pelo Demandado, relativamente à sua pretensão de passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, desde que comprovada (como foi) a existência de patologia clínica que afete o seu desempenho profissional.

                Tendo o Demandado negado tal pretensão do Demandante, incorreu em violação do princípio da legalidade ou da subordinação do Direito, plasmado no art.º 266.º, n.º 2, da Constituição e no art.º 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

 

 

2.2 Decisões proferidas pela Demandada relativamente a outros pedidos de passagem à situação de disponibilidade por parte de outros inspetores da B...

 

O que ficou dito bastaria para considerar ilícito o ato administrativo objeto de impugnação nos presentes autos.

No entanto, existe uma outra razão ponderosa que depõe no mesmo sentido.

De facto, existem pelo menos dois casos em que a passagem de inspetores da B... ao regime de disponibilidade sem efetividade de funções foi deferida em sem que se demonstrasse a cabal incapacidade para desempenho de algumas das tarefas integradas no conteúdo funcional dessa carreira inspetiva (ou, numa perspetiva diversa, aptos para desempenar algumas dessas mesmas tarefas).

 

Com efeito, no caso do inspetor D..., foi por este apresentado atestado médico do qual constava “a persistência de sintomatologia com diarreia, múltiplas dejeções diárias e vontades imperiosas, situação que condiciona de forma negativa o desempenho profissional (…). A doença inflamatória intestinal, não tendo cura, pode ter evoluções muito díspares, sendo que o Sr.D..., com a colite ulcerosa em atividade, mantém os sintomas descritos, que em muito lhe condicionam a sua vida de relação e profissional”.

Não resulta do teor do atestado transcrito qualquer explicitação acerca das tarefas profissionais que o agora ex-inspetor estaria habilitado a desempenhar, nem tão pouco se estaria inapto para desempenhar algumas delas (apenas se afirmando que a patologia de que padece condiciona a atividade profissional).

Depois, o documento médico nem sequer afasta a possibilidade de melhoria da sintomatologia ou até da sua remissão, deixando mesmo tais hipóteses em aberto, quando esclarece que a patologia em causa “pode ter evoluções muitos díspares”, não resultando, assim, desse relatório médico qualquer comprometimento perene da performance profissional do examinado.

Não obstante tais circunstâncias e contrariamente ao que sucedeu com o Demandante, no caso acabado de expor o Demandado não solicitou a realização de quaisquer exames complementares, bastando-se com o atestado médico acima parcialmente reproduzido para deferir o pedido de passagem ao regime de disponibilidade fora da efetividade de serviço.

 

A analogia com a situação do Demandante é ainda mais patente com a do ex-inspetor E..., também ele requerente da passagem ao regime de disponibilidade fora da efetividade de serviço, desde logo quanto às patologias detetadas e situadas ao nível da coluna vertebral.

A similitude com o caso em apreço nos presentes autos reside no facto de, também naquele outro caso, resultar do relatório médico apresentado pelo requerente, para além do atestar da existência de patologias clínicas, a não declaração do examinado como incapaz para qualquer tipo de atividades inerentes à sua função, mas antes a recomendação de atribuição de “serviços moderados”.

Embora se admite a possibilidade futura de agravamento do seu estado de saúde (considerando-se mesmo a hipótese de aposentação por invalidez), não é menos verdade que se reconhece que os tratamentos conservadores a que vinha sendo sujeito (nomeadamente fisioterapia e exercícios físicos) produziam resultados transitórios.

A analogia com o Demandante é, por isso, notória, porquanto os relatórios médicos por si juntos e acima parcialmente transcritos consideram “a hipótese de se recorrer à situação de aposentação se o quadro clínico e funcional se agravarem, como expetável, dado o caráter evolutivo da patologia descrita.”, não mencionando sequer qualquer tratamento conservador com efeitos, ainda que transitórios (antes afirmando o “insuficiente do plano de tratamento conservador para controlar a sintomatologia dolorosa e o compromisso funcional associado”).

Por isso, a patologia do Demandante, quando confrontada com a do aludido ex-inspetor, apresentava, no momento do requerimento de passagem à disponibilidade de ambos e para além de uma similitude quanto às tarefas suscetíveis de serem desempenhadas, um prognóstico tão ou mais reservado.

Por outro lado e uma vez mais, o pedido do então inspetor foi deferido e uma vez mais unicamente com base no relatório médico apresentado pelo requerente, sem sujeição a quaisquer diligências de prova adicionais, sendo certo que, à imagem do que sucede no caso em apreço, o parecer médico recomendava o desempenho de apenas algumas tarefas (mais leves) de entre aquelas que incumbem aos inspetores da B... .

Em suma, perante situações similares às do Demandante, o Demandado proferiu decisões de deferimento dos pedidos de passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, motivo pelo qual a decisão alvo de impugnação nos presentes autos violou o princípio da igualdade, a cuja observância as entidades administrativas se encontram adstritas (art.º 266.º, n.º 2, da Constituição e art.º 6.º do Código do Procedimento Administrativo),

 

V – Decisão

 

                Em face do exposto e na integral procedência do pedido:

 

a) anula-se o despacho proferido pela Ex.ma Senhor Ministra da C... de 8/1/2019, com fundamento em violação dos princípios da legalidade e da igualdade; e

 

b) condena-se a Demandada, através da Ex.ma Senhora Ministra da C..., a emitir despacho reconhecendo o direito do Demandante passar à situação da disponibilidade

 

Fixa-se o valor da acção em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) - (cf. n.º 2 do artigo 34.º do CPTA), sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos regulamentares.

 

Os encargos devem ser suportados Demandante e Demandada, em partes iguais, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD.

 

Registe e notifique-se.

 

Coimbra, 24 de julho de 2019

 

O Árbitro

(Miguel Lucas Pires)