Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 141/2018-A
Data da decisão: 2018-12-28  Contratos 
Valor do pedido: € 221.308,03
Tema: Contencioso pré – contratual; Aproveitamento de qualidades de terceiros; Atividade regulamentada; Nadador – Salvador.
Versão em PDF

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Adolfo Mesquita Nunes e Jorge Bacelar Gouveia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I - RELATÓRIO

 

1. No dia 09 de Outubro de 2018:

  1. A..., LDA., com sede na..., ..., ...-... Algés, com NIPC ... (doravante designada por primeira Autora);
  2. B..., LDA., com sede no ..., Rua..., n.º..., ...-... Algés, com NIPC ... (doravante designada por segunda Autora); e
  3. C..., SA., com sede na..., ..., ..., ...-... Belas, com o NIPC ... (doravante designada por terceira Autora);

vieram, em litisconsórcio necessário e nos termos do disposto nos artigos 8.º n.º 1, 10.º n.º 1, 11.º e 19.º-A do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD (NRAA), do artigo 4.º n.º 1 alínea e) do ETAF e dos artigos 2.º n.º 2 alíneas a), f) e k), 4.º n.º 1 alínea a), 5.º n.º 1, 20.º n.º 1, 34.º n.º 1, 36.º n.º 1 alínea c), 100.º

n.º 1, 101.º, 102.º n.º 4 e 103.º-A n.º 1, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação dada pela sua 4.ª alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, propor acção arbitral em matéria administrativa para impugnação de acto de adjudicação e de contrato de prestação de serviços, ambos relativos à formação de contrato de aquisição de serviços, emergente de contencioso pré-contratual contra o:

- MUNICÍPIO D..., pessoa coletiva de direito público, NIPC..., com sede no..., ...-... ...; Indicando como contrainteressadas, de acordo com o disposto nos artigos 57.º e 78.º n.º 2 alínea b) do CPTA:

  1. E..., LDA, NIPC ..., com sede na..., ..., ...-... Vila Nova de Gaia; 
  2. F..., LDA , NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ...-... Viseu;  e 
  3. F..., LDA, NIPC..., com sede na Rua..., ..., ..., ...-... Aveiro; e pedindo que:
  1. Seja declarada a nulidade ou anulado o acto administrativo de adjudicação do objecto do procedimento concursal dos autos a favor da Contrainteressada G..., de 20/08/2018, da autoria da Câmara Municipal do Réu; ou subsidiariamente, seja o Réu condenado na prática de acto devido, que consiste em notificar a Contrainteressada G... para demonstrar a titularidade de licenciamento para o exercício da actividade de assistência a banhistas, sob pena de perante a falta de habilitação legal da contrainteressada adjudicatária, declarar a caducidade do sobredito acto de adjudicação, e adjudicar a proposta das Autoras nos termos do artigo 86.º n.º 4 do CCP; Ainda subsidiariamente, que seja ordenada a caducidade da adjudicação por falta de prestação de caução no prazo legal e por ausência de apresentação de comprovativo de situação tributária regularizada, com a consequente adjudicação da proposta das Autoras; Cumulativamente,
  2. Seja igualmente declarado nulo ou anulado o conexo contrato de prestação de serviços celebrado com a contrainteressada G...;
  3. Seja condenado o Réu no dever de restabelecimento da situação que existiria se tivesse excluído as propostas das Contrainteressadas e se o acto de adjudicação a favor da Contrainteressada não tivesse sido praticado, reconhecendo-se a situação jurídica subjectiva favorável das Autoras à celebração do contrato de prestação de serviços com o Réu;
  4. Seja declarada a ilegalidade do programa de concurso patenteado pelo Réu, na parte em que possa ser interpretado como não exigindo licenciamento para o exercício da actividade de assistência a banhistas pelos próprios adjudicatários e, ainda, no seu artigo 14.º, no fragmento (B1 e B2) em que inclui nos factores de densificação do critério de adjudicação a “experiência profissional” e a “certificação de qualidade”, com o inerente restabelecimento da situação que existiria se tais critérios não tivessem sido ilegalmente estabelecidos e valorados; e) Seja Declarada a nulidade ou anulada a deliberação da Câmara Municipal do Réu, de 24/04/2018, mantida ou confirmada por deliberação do mesmo órgão de 18/07/2018, que admitiu ilegalmente a proposta da Contrainteressada G... apresentada fora de prazo;

f) Seja condenado o Réu a adjudicar e celebrar contrato atinente ao objecto do procedimento dos autos com as Autoras ou subsidiariamente, seja o Réu condenado ao pagamento de indemnização por lucros cessantes no quantum indemnizatório que se vier a liquidar em fase de execução de sentença.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alegam as Demandante, em síntese:
  1. a ilegalidade da admissão das propostas das contrainteressadas por ausência de licenciamento para a actividade de assistência a banhistas;
  2. a ilegalidade da admissão da proposta da contrainteressada G... por:
  1. submissão da proposta fora do prazo estabelecido;
  2. por submissão da proposta sem assinatura electrónica qualificada e sem demonstração de poderes de vinculação;
  3. errado preenchimento do formulário principal
  1. a ilegalidade da avaliação e graduação de propostas.
  2. A violação dos princípios da transparência e sã concorrência.
  3. a ilegalidade do subsequente contrato de prestação de serviços celebrado com a contrainteressada.
  4. a caducidade da adjudicação.

 

  1. Tendo em conta o valor da causa indicado pelas Demandantes, no montante de € 30.000,01 nos termos do disposto no art.º 34.º/2 do CPTA, foi designado como árbitro singular, pelo Exm.º Sr.º Presidente do CAAD,  o ora Relator, e constituído Tribunal arbitral singular nos termos regulamentares, no dia 9 de Outubro de 2018.

 

  1. Tendo sido considerado que o valor da causa era determinável, no dia 10-10-2018 foram notificadas as Demandantes para indicarem novo valor para a mesma.

 

  1. Na sequência do despacho referido, por requerimento apresentado a 12-10-2018, vieram as demandantes indicar como valor da causa o montante de € 221.308,03.

 

  1. Em consequência do novo valor da causa indicado pelas Demandantes, e tendo em conta o disposto no art.º 15.º/2 do RAA, ao abrigo do disposto nos art.ºs 104.º/2 e 105.º/3 do CPP, determinou-se que fosse o presente processo presente ao Ex.º Sr.

Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, a fim de ser formado Tribunal Arbitral Colectivo, para tramitação e julgamento da causa.

 

  1. A 15-10-2015, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, tendo sido comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em consequência, foi constituído Tribunal arbitral colectivo, nos termos regulamentares, no dia 15 de Outubro de 2018.

 

  1. No dia 16-10-2018, foi determinada a citação do demandado e contrainteressados, nos termos dos art.ºs 6.º/1 e 12.º do NRAA do CAAD.

 

  1. Pelo Demandado foi apresentado requerimento a solicitar a prorrogação do prazo para contestar por 20 dias, tendo as Demandantes, no exercício do respectivo contraditório, manifestado a sua oposição.

 

  1. Tendo em conta o exposto pela Demandada e pelas Demandantes, e o disposto nos art.ºs 5.º/1/b) e 26.º/2 do NRAA, ponderando o efeito cautelar decorrente do art.º 19.º-A/12 também do NRAA e o carácter urgente do processo, deferiu-se parcialmente a requerida prorrogação do prazo para a Demandada apresentar a sua contestação, concedendo-se para o efeito o prazo adicional de 10 dias.

 

  1. O Demandando apresentou a sua contestação arguindo a extemporaneidade da impugnação do programa do concurso, correspondente ao pedido formulado pelas demandantes na al. d) da petição inicial, e defendendo-se por impugnação, rebatendo e contradizendo os fundamentos apresentados pelas Demandantes e concluindo pela improcedência total dos pedidos.

 

  1. Com a contestação, o Demandado juntou o processo administrativo.

 

  1. Por despacho 20-11-2018 foi manifestado pelo Tribunal o propósito de, face ao teor da petição e dos pedidos aí formulados, alterar o valor da causa, submetendo tal questão ao contraditório das partes. No mesmo despacho foi facultado o contraditório às Demandantes em relação ao teor do art.º 87.º da contestação, bem como em relação ao pedido ali formulado pelo Demandado de que este Tribunal não atribuísse à presente acção arbitral efeito suspensivo da execução do contrato, ao abrigo do disposto nos n.ºs 13 e 14 do art.º 19.º-A do NRAA do CAAD. Foi, ainda no mesmo despacho, submetido ao contraditório das partes o propósito do Tribunal, ao abrigo do art.º 18.º/4 do NRAA, considerar que o processo era susceptível de decisão com base da prova documental junta ao processo.
  2. O Demandando veio desistir do pedido de não atribuição à presente acção arbitral de efeito suspensivo da execução do contrato.

 

  1. Tendo em conta as posições expressas pelas partes, por despacho de 03-12-2018 foi decidido pelo Tribunal manter inalterado o valor da causa, sem prejuízo de posterior alteração, manter o efeito suspensivo da execução do contrato, nos termos do art.º 19.º-A/2 do NRAA do CAAD, emitir decisão com base da prova documental junta ao processo, ao abrigo do art.º 18.º/4 do NRAA do CAAD, e, nos termos dos n.ºs 7 e 8/b) do art.º 19.º-A do NRAA do CAAD, facultar às partes o prazo de 10 dias para produção de alegações.

 

  1. Tendo em conta que, com as suas alegações, as Demandantes juntaram dois documentos, foi facultada ao Demandando a possibilidade, querendo, exercer o seu contraditório na matéria, tendo aquela pugnado pela desconsideração, por extemporâneos, dos documentos juntos pelas Demandantes.

 

  1. Nenhuma das contrainteressadas interveio no processo.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não enferma de nulidades. 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO A. MATÉRIA DE FACTO A.1. Factos dados como provados

 

  1. O Município Demandado aprovou um programa de procedimento de concurso público e respectivo caderno de encargos em que, no anexo XII, em conformidade com os modelos constantes do Código dos Contratos Públicos, aceitou a jurisdição de Centro de Arbitragem com competência no Círculo de Coimbra para toda e qualquer questão emergente desse procedimento pré-contratual.
  2. As Demandantes, em consórcio, bem como as Contrainteressadas, apresentaram com as suas propostas ao procedimento concursal as correspondentes declarações de aceitação, elaboradas em correspondência com o modelo do concurso.
  3. A 1.ª Autora é uma Sociedade Comercial por Quotas, que se dedica ao desenvolvimento de actividades de enriquecimento curricular, designadamente a divulgação e promoção da prática desportiva, actividades extracurriculares, componente de apoio à família, tempos livres, campos de férias, actividades educativas e outras conexas.
  4. Desde a sua constituição, em 1 de Fevereiro de 2001, a 1.ª Autora tem participado em diversos concursos públicos para prestação de serviços integrados no seu objecto social e tem sido a entidade adjudicatária.  
  5. A 2.ª Autora é uma Sociedade Comercial por Quotas, que se dedica à actividade de prestação de serviços de assistência a banhistas, através de nadadores-salvadores, em especial o salvamento e socorro.
  6. A 3.ª Autora é uma sociedade Comercial anónima que se dedica, há 30 anos, à investigação e fabrico de químicos para manutenção de piscinas, higiene e limpeza, entre outros.
  7. Por anúncio de procedimento n.º .../2018, publicado em DR, II Série, n.º..., de ... de Fevereiro de 2018, o Demandado abriu concurso público tendo por objecto a “aquisição de serviços para gestão das Piscinas Municipais de ....
  8. Visando com o mesmo a aquisição de serviços técnicos de docência e vigilância, prestação de serviços administrativos de recepção e controlo de entradas, de gestão, higiene, limpeza e tratamento de águas.
  9. Integra o objecto do procedimento concursal em questão a prestação de serviços técnicos de docência nas piscinas municipais de ..., incluindo a leccionação de aulas de natação para bebés, crianças dos 4 a 7 anos, crianças dos 8

a 12 anos, jovens de 13 a 17 anos, maiores de 18 anos, hidroginástica, turmas sincronizadas, polo e mini polo, pré-competição, natação no 1.º ciclo e programas seniores, assim como a vigilância das piscinas ou planos de água.

  1. O concurso prevê o prazo de execução de 1095 dias e o valor de € 680.422,38.
  2. A abertura do concurso foi antecedida de deliberação da Câmara Municipal do Demandado, de 31-01-2018, que tomou a decisão de contratar.
  3. O Demandado aprovou e fez constar o programa do procedimento e o caderno de encargos.
  4. As propostas deviam ser entregues até às 18.00 horas do 31.º dia a contar do envio do anúncio para publicação, o que sucedeu a 20-02-2018.
  5. A 1.ª Demandante solicitou a prestação de esclarecimentos sobre as peças do procedimento em 02-03-2018, quer sobre a exigência de certificação de qualidade como condição de participação no procedimento, quer sobre a exigência de experiência profissional como condição de participação, quer ainda a exigência de titularidade de alvará de licenciamento para transporte colectivo e veículo para o efeito.
  6. O júri do procedimento, integrado no Demandado, em 12-03-2018 emitiu a sua resposta aos pedidos de esclarecimentos propondo a alteração dos artigos 6.º, 7.º e 14.º do programa do procedimento, que o Demandado alterou, fazendo constar o programa de concurso modificado, no qual, para além do mais, passou a fazer constar a experiência profissional e a certificação de qualidade do critério de adjudicação, como factores de densificação do mesmo.
  7. Em 16/03/2018, as Demandantes apresentaram indicação de erros e omissões, pedindo a desconsideração no critério de adjudicação da experiência profissional e da certificação de qualidade.
  8. As Demandantes celebraram entre si uma promessa de consórcio e agruparam-se, apresentando uma proposta ao referido concurso público aberto pelo Demandado pelo valor de € 219.736,08 para cada um dos 3 anos, perfazendo o valor global de € 659.208,24.
  9. A 2.ª Demandante possui licenciamento pelo Instituto de Socorros a Náufragos (ISN) como associação de nadadores salvadores, estando autorizada a prestar serviços no âmbito da actividade de assistência a banhistas.
  10. Da sua licença com o n.º .../C/2016, de 15/01/2016, emitida pelo ISN, consta que o licenciamento tem por fim autorizar a prestação de serviços no âmbito da actividade de assistência a banhistas.
  11. A Contrainteressada E.../F... apresentou igualmente a sua proposta ao referido concurso público pelo preço de € 222.870,88 para cada um dos 3 anos, perfazendo € 668.612,64.
  12. A Contrainteressada G... apresentou igualmente a sua proposta ao referido concurso público pelo preço de € 221.308,03 para um ano, mencionando que “A presente prestação de serviços para gestão das Piscinas Municipais de ... será pelo período de 1 (um) ano renovável por período idêntico até ao máximo de 3 (três) anos, nos termos e condições previstas na cláusula 9ª do Caderno de Encargos..
  13. No formulário principal, a Contrainteressada G... indicou como prazo de execução dos trabalhos de 365 dias, e como valor total da proposta € 663.924,09.
  14. Os documentos que integram a proposta da Contrainteressada G... não têm aposta qualquer assinatura eletrónica qualificada, sendo digitalizações de documentos assinados em papel.
  15. Da plataforma H..., relativamente à assinatura da proposta da Contrainteressada G... consta o seguinte:

  1. O prazo para submissão de propostas terminava às 18.00 horas de dia 23-03-2018.
  2. As Demandantes entregaram a sua proposta às 17:31 desse dia.
  3. As Contrainteressadas E.../F... apresentaram a sua proposta às 17:43 desse dia.
  4. A Contrainteressada G... apresentou a sua proposta às 18:00.38’’ horas do dia 23-03-2018.
  5. A plataforma informática por meio da qual as propostas deveriam ser apresentadas esteve com alguns constrangimentos e os serviços temporariamente indisponíveis entre as 11H:30m e as 12H:35m.
  6. Os júris dos procedimentos afectados por tal problema foram informados para tomarem as medidas que considerassem adequadas;
  7. Às 12H.35m a Contrainteressada G... tentou entrar na plataforma (com sucesso) mas não lhe possível editar o mapa de quantidades.
  8. Às 14H.00m, hora de abertura do expediente, a Contrainteressada G... contactou a Câmara Municipal de ..., tendo-lhe sido sugerido que carregasse todos os documentos e submetesse assim a proposta.
  9. Às 17H:06m foi enviada uma mensagem através da plataforma a informar que tinha sido feito um aditamento ao concurso, uma vez que tinha sido feita a rectificação do mapa de quantidades.  
  10. Às 17H:45m ainda não era possível editar o referido mapa de quantidades, pelo que a Contrainteressada G... tentou submeter a proposta sem o mapa, mas tal não foi permitido pelo sistema.
  11. A Contrainteressada G... editou uma nova proposta, e por volta das 17H:48m, após receber uma mensagem de constrangimento da plataforma, conseguiu editar o questionário completo e completar a proposta, processo este que demorou cerca de 13 minutos;
  12. A H... informou ainda que a situação verificada se deveu à criação incorreta do questionário por parte da entidade adjudicante, e que com a remoção e criação de uma nova questão o problema ficou regularizado. 
  13. As dificuldades sentidas na submissão das propostas no período das 17H.00m e 18H:00m deveu-se à existência de erros aquando da criação do questionário por parte da entidade adjudicante.
  14. A Contrainteressada G... apresentou uma exposição, por correio eletrónico, ao presidente do Júri, datada de 25-03-2018, na qual alegou a existência de constrangimentos na plataforma.
  15. O júri do procedimento solicitou em 26-03-2018 à entidade gestora da plataforma electrónica a confirmação dos factos alegados pela Contrainteressada G... .
  16. A plataforma H..., ainda em 26-03-2018, informou que “as dificuldades reportadas pelo operador económico no dia 23 de março de 2018 ocorreram, exclusivamente, entre as 11h30m e as 12h35m, não se tendo verificado qualquer outro constrangimento além do referido período. (…) Assim, reforça-se, a partir as 12h35m a plataforma retomou o seu completo e normal funcionamento, não sendo tais constrangimentos (da manhã) justificação para qualquer dificuldade na submissão de propostas no período das 17 h e 18 h”… (v. documento n.º 11).
  17. O Júri do procedimento, em 06-04-2018, decidiu submeter a apreciação e decisão sobre a questão à Câmara Municipal do Demandado.
  18. A Câmara Municipal do Demandado, por deliberação de 24-04-2018, com base em informação de 20-04-2018, por maioria, considerou os fundamentos apresentados pela Contrainteressada G... e admitiu a sua proposta ao concurso.
  19. O Júri do procedimento elaborou o seu relatório preliminar, em 04-06-2018 e ordenou a proposta da Contrainteressada G... em 1.º lugar para efeitos de adjudicação, a proposta das Contrainteressadas E.../F... em 2.º lugar e a proposta das Demandantes em 3.º lugar.
  20. As Demandantes foram notificadas para audiência prévia ao aludido relatório preliminar em 12/06/2018.
  21. Em 19-06-2018, dentro do prazo de 5 dias úteis, as Demandantes pronunciaram-se em audição prévia aduzindo razões que, no seu entender, impunham a exclusão das propostas das contrainteressadas, quer por violação de lei no modo de apresentação da sua proposta, quer por infração no eventual contrato a celebrar com esta de normas legais e regulamentares que impõem o licenciamento junto do ISN para a actividade de prestação de serviços que englobem serviços de nadadores salvadores/actividade de assistência a banhistas.
  22. As Demandantes pediram ao júri integrado no Demandado a alteração do seu relatório preliminar, visando a exclusão das propostas das contrainteressadas bem como a ordenação da proposta das Demandantes em 1.º lugar para efeitos de adjudicação.
  23. Em 20-08-2018, as Demandantes foram notificadas dos relatórios finais do Júri de 03-07-2018 e de 19-07-2018, segundo os quais o Júri manteve a sua proposta de ordenação final de propostas e a Câmara Municipal do Demandado, por deliberação de 18-07-2018, manteve a sua deliberação anterior que admitia a proposta da Contrainteressada G... .
  24. Da informação n.º 9639, de 28 de Agosto, elaborada pela Chefe da Divisão Administrativa e Financeira do Demandado consta que: 

"Ou seja, foi assumido que o ocorrido se deveu, não só mas também, a um erro no ficheiro carregado na plataforma eletrónica pela entidade adjudicante, o qual não deveria ser motivo para cercear a concorrência, impedindo um agente económico de concorrer ao procedimento em curso.

  1. As Demandantes apresentaram impugnação administrativa em 24-08-2018, sob a forma de recurso administrativo para a Câmara Municipal do Demandado.
  2. Em 03/09/2018, as Autoras tomaram conhecimento dos documentos de habilitação da Contrainteressada G... e da sua aceitação pelo Demandado.
  3. Com aqueles, a Contrainteressada G... informou que: “aguardamos a emissão de garantia bancária para prestação da caução exigida. Enviaremos logo que possível.
  4. Com os mesmos documentos, a Contrainteressada G... apresentou uma declaração de situação contributiva regularizada perante a administração tributária referente a outra sociedade comercial, de nome I... Lda, com o NIPC... .
  5. Posteriormente, a Contrainteressada G... apresentou declaração de situação contributiva regularizada perante a administração tributária, datada de 0110-2018.
  6. Do programa informático SCA (Sistema de Contabilidade Autárquica) utilizado pelo Demandado, constava o seguinte:

  1. O Demandado aceitou os documentos de habilitação da Contrainteressada G... .
  2. Em 17-09-2018, as Demandantes solicitaram ao Demandado informação sobre a impugnação administrativa apresentada em 24-08-2018.
  3. Tendo, em 19-09-2018, respondido o Senhor Presidente da Câmara Municipal do Demandado a informar que “se encontra em análise”.
  4. Por ofício com a referência..., de 25-09-2018, recebido a 28-09-2018, o Senhor Presidente da Câmara Municipal do Demandado informou as Demandantes, para os efeitos do disposto no artigo 195.º n.º 2 do CPA, que em 21-09-2018 o mesmo foi remetido ao órgão competente para dele conhecer.
  5. As Demandantes, à data da propositura da presente acção arbitral não tinham sido notificadas de qualquer decisão do Demandado sobre a impugnação administrativa da admissão e graduação de propostas constante do relatório final ou da decisão de adjudicação, apresentada em 24-08-2018.
  6. O Demandado, em 27/10/2018, julgou improcedente o recurso hierárquico, mantendo o acto adjudicatório.
  7. O Demandado tem vindo a celebrar com a Contrainteressada G... contratos de prestação de serviços com o objecto do procedimento concursal dos autos, ininterruptamente desde o ano de 2009.
  8. O Demandado adjudicou à Contrainteressada G..., em 2015, idêntica prestação de serviços, que foi executada até ao corrente ano de 2018.
  9. Em 13/04/2018 e 25/06/2018, na pendência do concurso dos autos, o Demandado adjudicou a esta contrainteressada por ajuste directo, também para gestão das Piscinas Municipais, dois serviços, nos valores respetivos de € 50.623,35 e € 10.638,00.
  10. O Município de ... abriu concurso público para a aquisição de serviços para as piscinas municipais (nadadores salvadores) para o ano de 2016, mediante anúncio de procedimento n.º .../2015, publicado em DR, II Série, n.º..., de 22/12/2015, fazendo constar a necessidade de observância do disposto na Lei n.º 68/2014, de 9 de Agosto.
  11. A exigência de licenciamento para o exercício de actividade de assistência a banhistas levou o Município de ..., em concurso aberto em 2016 para a aquisição de serviços técnicos de desporto, de vigilância e socorrismo, e manutenção e operação de máquinas de sistemas, a determinar a exclusão dos concorrentes que não possuíam tal licenciamento.
  12. Em 2018, o Município de ..., em concurso para aquisição de serviços de pessoal especializado para o Serviços de Desporto e Tempos Livres, determinou a exclusão dos concorrentes que não reuniam os pressupostos do regime Lei n.º 68/2014, de 9 de Agosto.
  13. Nos termos do art.º 4º, nº 10, do Regulamento Municipal das Piscinas Municipais de ... é vedada a entrada a pessoas que não ofereçam condições de higiene e saúde.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC). 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

B. DO DIREITO

      i.        Questões prévias

 

O Demandado, no art.º 87.º da sua contestação arguiu a extemporaneidade da impugnação sobre o programa do concurso efectuada pelas Demandantes, na al. do seu petitório, onde pedia que fosse declarada a ilegalidade do programa de concurso patenteado pelo Réu, na parte em que possa ser interpretado como não exigindo licenciamento para o exercício da actividade de assistência a banhistas pelos próprios adjudicatários e, ainda, no seu artigo 14.º, no fragmento (B1 e B2) em que inclui nos factores de densificação do critério de adjudicação a “experiência profissional” e a “certificação de qualidade”, com o inerente restabelecimento da situação que existiria se tais critérios não tivessem sido ilegalmente estabelecidos e valorados.

Nas suas alegações, as Demandantes vieram clarificar que não tinham interesse na declaração autónoma de ilegalidade do Programa do Procedimento, como poderia inferir-se do seu petitório em d), e reduziram este seu pedido de modo a que passasse a ser:

apreciada a ilegalidade do programa de concurso patenteado pelo Réu, na parte em que possa ser interpretado como não exigindo licenciamento para o exercício da atividade de assistência a banhistas pelos próprios adjudicatários e, ainda, no seu artigo 14.º, no fragmento (B1 e B2) em que inclui nos fatores de densificação do critério de adjudicação a “experiência profissional” e a “certificação de qualidade”, enquanto fundamentos de anulação do ato impugnado, com o inerente restabelecimento da situação que existiria se tais critérios não tivessem sido ilegalmente estabelecidos e valorados”.

 Face a tal redução do pedido, deixando de estar em causa a impugnação directa da legalidade do programa de concurso, tornou-se supervenientemente inútil a apreciação da extemporaneidade arguida pelo Demandado, bem como a eventual ocorrência de abuso de direito, relativamente a tal impugnação.

 

***

 Por Requerimento apresentado a 17-12-2018, o Demandado peticionou a não admissão dos documentos juntos pelas Demandantes com as suas alegações, com o consequente desentranhamento.

 Os referidos documentos consistem na decisão do recurso hierárquico apresentado pelas Demandantes e decidido pelo Demandado, e num print da plataforma online “Base”, onde são mencionados contratos públicos outorgados pelo Demandado.

 Dispõe o art.º 21.º/2 do NRAA do CAAD que “A junção de documentos após a fase de articulados só pode ter lugar em casos devidamente fundamentados, desde que não cause perturbação substancial à tramitação processual, nos termos a apreciar pelo tribunal.”.

 Tendo em conta que os documentos em conta são do conhecimento pessoal do Demandado, que a sua junção não aportou qualquer perturbação à tramitação processual, e que foi garantido o contraditório devido, ao abrigo do disposto nos art.ºs 5.º/1/b) e 26.º/2 do NRAA do CAAD, admite-se a junção dos documentos em questão.

 

 

***

      ii.       Do fundo da causa

 

A Lei n.º 68/2014 de 29 de Agosto aprovou o regime jurídico aplicável ao nadador salvador em todo o território nacional.

A referida Lei, reporta-se, expressamente, para além do mais, ao Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, que transpôs a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, relativa aos serviços no mercado interno.

Este diploma estabelece os princípios e as regras necessárias para simplificar, no território nacional, o livre acesso e exercício à actividade de serviços com contrapartida económica.

Nesse sentido, para além do mais, são ali limitados os casos em que é possível exigir-se uma licença ou autorização para a prestação de serviços em território nacional, de forma, às licenças ou autorizações passem a ser exigidas apenas em situações excepcionais, em que imperiosas razões de interesse público assim o justifiquem.

De um ponto de vista subjectivo, o decreto-lei em questão “aplica-se aos prestadores de serviços estabelecidos em território nacional ou noutros Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu” (art.º 2.º/1), entendendo-se “por «prestador de serviços» qualquer pessoa singular nacional de um Estado membro ou pessoa colectiva estabelecida em território nacional ou noutro Estado membro que ofereça ou que preste um serviço.” (art.º 2.º/3).

De um ponto de vista objectivo, o referido decreto-lei “aplica-se às actividades de serviços que se realizem mediante contraprestação económica e que sejam oferecidos ou prestados no território nacional” (art.º 3.º/1) entendendo-se “por «serviço» qualquer actividade económica não assalariada, prestada normalmente mediante remuneração

(art.º 3.º/2).

Em conformidade, o decreto-lei consagra o princípio de que “Os prestadores de serviços podem livremente estabelecer-se e exercer a sua actividade em território nacional, nomeadamente através da criação de sociedades, sucursais, filiais, agências ou escritórios sem necessidade de qualquer permissão administrativa ou mera comunicação prévia, excepto nos casos em que a lei preveja tal permissão administrativa e a mesma possa ser estabelecida, nos termos e nas condições previstos no capítulo III.”.

Neste capítulo III, refere-se que “As permissões administrativas são actos ou contratos administrativos que visam possibilitar o acesso ou o exercício de uma actividade de serviços nos casos em que essa actividade não possa ser prestada livremente ou através de uma mera comunicação prévia e consubstanciam-se, designadamente, em licenças, autorizações, validações, autenticações, certificações, actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo e registos.” (art.º 8.º/1).

Mais se estabelece que “A criação de um regime jurídico que estabeleça uma permissão administrativa para o acesso ou o exercício de uma actividade de serviços depende das seguintes condições:

  1. O objectivo visado com essa permissão administrativa não possa ser alcançado através de um meio administrativo menos restritivo, nomeadamente um regime de mera comunicação prévia para o exercício da actividade em causa, com possibilidade de início imediato dessa actividade após o cumprimento dessa formalidade;
  2. A sua existência e as suas formalidades se encontrem previstas na lei de forma clara e inequívoca;
  3. Seja absolutamente indispensável a existência dessa permissão administrativa; e
  4. A sua adopção se encontre justificada, de forma proporcional, por uma imperiosa razão de interesse público, na acepção do n.º 1 do artigo 30.º” (art.º 9.º).

 

*

A Lei n.º 68/2014 de 29 de Agosto assume-se então, no quadro do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, como uma excepção ou limitação ao princípio de que “qualquer pessoa singular nacional de um Estado membro ou pessoa colectiva estabelecida em território nacional ou noutro Estado membro que ofereça ou que preste” “qualquer actividade económica não assalariada, prestada normalmente mediante remuneração" “que se realizem mediante contraprestação económica e que sejam oferecidos ou prestados no território nacional” “livremente estabelecer-se e exercer a sua actividade em território nacional, nomeadamente através da criação de sociedades, sucursais, filiais, agências ou escritórios sem necessidade de qualquer permissão administrativa ou mera comunicação prévia[1].

Daí que, em conformidade, a prestação de serviços de nadador salvador, nos termos definidos na regulamentação aplicável, “não possa ser prestada livremente”.

Antes, o Regulamento da actividade de nadador-salvador, aprovado pela Lei n.º 68/2014 de 29 de Agosto, “define os requisitos para o acesso (...) atividade de nadador salvador.” (art.º 1.º), “que consiste no exercício das funções de vigilância, salvamento em meio aquático, socorro a náufragos e assistência aos banhistas, ainda que a título não remunerado, e cuja complexidade e conhecimento técnico obriguem à aquisição de habilitações específicas e certificadas.” (Art.º 2.º), sendo que a «Assistência a banhistas», é definida no próprio Regulamento como “o exercício de atividades de informação, vigilância, salvamento e prestação de socorro por nadador-salvador” (art.º 4.º/1/a)).

Em conformidade, dispõe-se que “O acesso à atividade de nadador-salvador profissional é condicionado à verificação do cumprimento dos requisitos definidos para cada categoria de nadador-salvador, em especial os respeitantes às qualificações.” (art.º 15.º), sendo que “Ao nadador-salvador é permitido desenvolver as funções previstas para a respetiva categoria no apêndice ao presente Regulamento.” (art.º 35.º/2)

Impõe ainda o Regulamento em questão que “Toda a piscina de uso público deve contar com os serviços de pelo menos dois nadadores-salvadores e respetivo equipamento de salvamento definido pelo ISN destinado à assistência a banhistas.” (art.º 31.º/3).

Mais dispõe o Regulamento em causa que “A contratação de nadadores-salvadores pode ser efetuada através das associações de nadadores-salvadores legalmente reconhecidas ou de associações humanitárias de bombeiros.” (art.º 38.º/3). O texto actual desta norma resulta da Lei n.º 61/2017 de 1 de Agosto, que alterou o texto original que mencionava que “A contratação de nadadores-salvadores pode ser efetuada através das associações de nadadores-salvadores legalmente reconhecidas.”.

O Regulamento em questão foi desenvolvido pela Portaria n.º 311/2015 de 28 de

Setembro, entretanto alterada pela Portaria n.º 168/2016 de 16 de Junho, que define

«Associação de nadadores-salvadores» como “qualquer entidade, pública ou privada e independentemente da forma de constituição, devidamente licenciada que tenha como objeto exclusivo a atividade de prestação de serviços de assistência a banhistas” (art.º 3.º/f)).

Nesse sentido, dispõe o art.º 11.º da mesma Portaria que:

1 - As associações de nadadores-salvadores são entidades que têm como objeto exclusivo a atividade de prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadoressalvadores, em especial o salvamento e socorro.

  1. - Podem constituir-se como associações de nadadores-salvadores quaisquer entidades de direito público ou privado, independentemente da forma de constituição, dotadas de personalidade jurídica.
  2. - As entidades previstas no número anterior têm acesso à atividade mediante licenciamento pelo ISN.

Prosseguindo, dispõe a referida Portaria que “A atividade de assistência a banhistas prevista no presente regulamento pode ser exercida por associações de nadadoressalvadores”, que “têm acesso à atividade mediante licenciamento concedido nos termos do presente regulamento.” (art.º 12.º), licenciamento que “tem por fim autorizar a prestação de serviços no âmbito da atividade de assistência aos banhistas.” (art.º 13.º/1).

Nos termos do n.º 1 do art.º 14.º da mesma Portaria, as associações de nadadores salvadores que pretendam ser licenciadas devem apresentar um requerimento dirigido ao Diretor do ISN a solicitar o licenciamento, devidamente instruído, para além do mais, com a “Indicação dos meios humanos e materiais que pretende afetar à atividade” (art.º 14.º/2/c)), sendo que as alterações aos mesmos “devem ser comunicadas ao Diretor do ISN” (art.º 14.º/7) e que “A licença pode ser revogada quando se verifique (...) a) Prestação de elementos obrigatórios de modo irregular;” (art.º 16.º/1/a)).

O art.º 20.º da Portaria dispõe também que “Nos espaços concessionados destinados a banhistas, a contratação dos nadadores-salvadores compete aos respetivos concessionários.” (n.º 1) e que “A contratação de nadadores-salvadores pode ser efetuada diretamente ou através das associações de nadadores-salvadores devidamente licenciadas

(n.º 2).

Reafirma, a Portaria, que “Toda a piscina de uso público deve contar com os serviços de pelo menos dois nadadores-salvadores, e respetivo material e equipamento de informação e salvamento, definido pelo ISN, destinado à assistência a banhistas.” (art.º

23.º/1), e esclarece que “A aquisição dos materiais, equipamentos e sinalética destinados à assistência a banhistas nos espaços concessionados é da responsabilidade do concessionário ou da entidade responsável por piscina de uso público.” (art.º 24.º/7).

 

*

 A primeira questão a definir no presente caso será a de apurar se, efectivamente, o procedimento n.º .../2018, publicado em DR, II Série, n.º..., de ... de Fevereiro de 2018, se destina directamente à aquisição, para além do mais, de serviços próprios da actividade de nadador-salvador.

 Tendo em conta os elementos disponíveis, crê-se que a resposta a tal questão não poderá deixar de ser positiva.

 Efectivamente, o próprio anúncio do concurso publicado em D.R. (ponto 7.1) elenca como documentos de habilitação a necessária para o exercício da actividade profissional de nadador-salvador.

 Também o caderno de encargos, é explícito no sentido de estarem incluídos nos serviços a contratar, serviços de vigilância para as piscinas municipais do Demandado, designados como “Vigilância do Plano de Água”, impondo-se que “O Vigilante terá de possuir o curso de “Nadador Salvador” certificado pelo I.S.N.” (cfr. ponto 4.1 e 4.2 da Cláusula 2.ª da parte II do caderno de encargos).

 Não restarão dúvidas, assim, que o Demandado visa, com o concurso em questão, dar cumprimento às obrigações de “assistência a banhistas” que sobre si impendem, decorrentes do disposto no art.º 31.º/3 do Regulamento da actividade de nadador-salvador, enquanto responsável pelas Piscinas Municipais.

 Dúvidas também não haverá que a “assistência a banhistas” imposta por tal artigo, é a definida no art.º 4.º/1/a)) do referido Regulamento, compreendendo “o exercício de atividades de informação, vigilância, salvamento e prestação de socorro por nadadorsalvador”, dado que o próprio art.º 31.º/3 refere que tal assistência há-de ser prestada por nadador-salvador, e que o art.º 2.º do mesmo Regulamento define que a actividade daqueles “consiste no exercício das funções de vigilância, salvamento em meio aquático, socorro a náufragos e assistência aos banhistas”.

 Deste modo, conclui-se que o procedimento n.º .../2018, publicado em DR, II Série, n.º..., de ... de Fevereiro de 2018, se destina directamente[2], para além do mais, à aquisição de serviços próprios da actividade de nadador-salvador.

 

*

 A questão seguinte que se impõe enfrentar é a de saber se a contratação de serviços próprios da actividade de nadador-salvador, por uma entidade encarregue de os assegurar relativamente a um espaço pelo qual é responsável, pode ser efectuada a qualquer operador, ou a qualquer operador que tenha nadadores-salvadores no seu quadro de pessoal, ou se, antes, os serviços em questão apenas poderão ser adquiridos directamente aos próprios nadadores-salvadores habilitados, e às entidades referidas no art.º 38.º/3 do Regulamento.

 Como se viu, o Regulamento da actividade de nadador-salvador, aprovado pela Lei n.º 68/2014 de 29 de Agosto, e alterado pela Lei n.º 61/2017 de 1 de Agosto, incorpora assumidamente, uma restrição ao princípio do livre acesso e exercício à actividade de serviços com contrapartida económica, só podendo ter o sentido de que tal actividade “não possa ser prestada livremente” por qualquer operador económico que a pretenda levar a cabo, estando reservada àqueles operadores económicos que obtenham, para o efeito “permissão administrativa”.

 Por outro lado, nesse mesmo sentido deverá de ser lida a norma do referido art.º 38.º/3 do Regulamento em questão, já que se fosse permitido a qualquer entidade responsável por um espaço obrigatoriamente assistido por nadador-salvador assegurar os serviços dos mesmos por intermédio de qualquer outra entidade, a referida norma careceria de qualquer eficácia, dado que as entidades ali referidas (“das associações de nadadores-salvadores legalmente reconhecidas ou de associações humanitárias de bombeiros”), estariam abrangidas no universo de qualquer entidade que conte com nadadores-salvadores no seu quadro de pessoal.

 Acresce ainda que o entendimento que se vem de expor, resulta reforçado pela alteração operada pela Lei n.º 61/2017 de 1 de Agosto ao Regulamento em causa, na medida em que sendo, genericamente, lícito às associações humanitárias de bombeiros ter ao seu serviço nadadores salvadores, não seria necessário dispor que “A contratação de nadadores salvadores pode ser efetuada através” das mesmas, se tal já resultasse de um princípio geral de que a contratação dos serviços em questão fosse passível de ser feita através de qualquer entidade que tenha nadadores-salvadores no seu quadro de pessoal, não seria necessária a intervenção legislativa em apreço.

 Por fim, esta “exclusividade” para a prestação de serviços próprios da actividade de nadador-salvador, no que às pessoas colectivas diz respeito pelas associações de nadadoressalvadores legalmente reconhecidas ou pelas associações humanitárias de bombeiros, encontra fundamento material atendível no regime instituído.

 Assim, associações humanitárias de bombeiros são pessoas colectivas de utilidade pública administrativa[3], que têm como escopo principal, para além do mais o socorro a náufragos[4], o que implica, ipso facto, o exercício da actividade própria de nadador-salvador[5]. No que a associações de nadadores-salvadores legalmente reconhecidas diz respeito, que é o que releva para o caso, as mesmas, no seu pedido de licenciamento devem apresentar um requerimento dirigido ao Diretor do ISN devidamente instruído, para além do mais, com a “Indicação dos meios humanos e materiais que pretende afetar à atividade” (art.º 14.º/2/c)), sendo que as alterações aos mesmos “devem ser comunicadas ao Diretor do ISN” (art.º 14.º/7) e que “A licença pode ser revogada quando se verifique (...) a) Prestação de elementos obrigatórios de modo irregular;” (art.º 16.º/1/a)).

 Ou seja: as associações de nadadores-salvadores legalmente reconhecidas, para além de estarem obrigadas a dedicar-se em exclusivo a tal actividade, estão obrigadas a ter no seu quadro meios humanos e materiais adequados afectos à actividade a que se dedicam, devendo comunicar à autoridade administrativa – para efeitos de controle, naturalmente – quaisquer alterações aos mesmos.

 Pelo contrário, quaisquer outras entidades não sujeitas a tais obrigações, poderão em determinado momento ter ao seu serviço nadadores-salvadores (assim como os meios materiais adequados), e noutro momento deixar de o ter, sem qualquer controle ou sanção administrativas.

 Julga-se, assim, que a contratação de serviços próprios da actividade de nadador salvador, por uma entidade encarregue de os assegurar relativamente a um espaço pelo qual é responsável, apenas pode ser efectuada a directamente aos próprios nadadores-salvadores habilitados, e às entidades referidas no art.º 38.º/3 do Regulamento.

 Está-se, por isso, e em suma, perante uma actividade de exercício regulamentado, “cujo exercício se encontra condicionado ou sob reserva de um controlo público prévio de natureza permissiva.[6].

 Note-se, por fim, que o enquadramento da questão feito pelo Demandado, quer em sede do presente processo arbitral, quer em sede da decisão do recurso hierárquico, enferma de um erro de perspectiva.

 Com efeito, ao contrário do enquadramento feito pelo Demandado, não está em causa no regime em questão a faculdade de qualquer entidade contratar serviços de nadadorsalvador.

 Naturalmente, que quem quer seja, pessoa singular ou colectiva, pode contratar serviços de nadador-salvador.

            O que está em causa, isso sim, é quem é pode prestar serviços, ou seja, a quem é que os interessados podem contratar tais serviços.

 Assim, se qualquer entidade pode contratar serviços próprios da actividade de nadador-salvador, nos termos do regime legal que se vem de interpretar, tais serviços apenas podem ser contratados directamente aos próprios nadadores-salvadores, ou a associações de nadadores-salvadores legalmente reconhecidas ou associações humanitárias de bombeiros.  Daí que, em suma, voltando ao caso concreto, a contrainteressada G... é livre de contratar e ter ao seu serviço, nadadores-salvadores.

 Do mesmo modo, o Demandado é também livre de contratar e ter ao seu serviço, nadadores-salvadores.

 Não é lícito, é à contrainteressada G..., ou a qualquer outra entidade que não seja uma associação de nadadores-salvadores legalmente reconhecida ou uma associação humanitária de bombeiros, prestar serviços próprios da actividade de nadador salvador, não sendo, correspondentemente lícito ao Demandado (ou a qualquer outra entidade), adquirir serviços próprios da actividade de nadador-salvador à contrainteressada G..., ou a qualquer outra entidade que que não seja uma associação de nadadores salvadores legalmente reconhecida ou uma associação humanitária de bombeiros (para além, obviamente, de os contratar, directamente, a nadadores-salvadores devidamente habilitados), conforme se verá de seguida.

 

*

Como esclarece Pedro Costa Gonçalves, “quando os contatos públicos a adjudicar envolvam, na sua execução, o exercício de profissões ou de atividades regulamentadas, a participação no procedimento depende da titularidade das habilitações legais para desenvolver as atividades contratadas.[7].

Prossegue o mesmo Autor, esclarecendo: “Assim, por exemplo, a adjudicação de contratos de serviço de patrocínio judiciário só pode ser feita a advogados; a contratação de serviços de mediação imobiliária exige que o contratante tenha licença para o efeito8.

Concretizando, refere aquele Autor que, tendo em conta o disposto no art.º 2.º, n.º 2 da Portaria n.º 372/2017 de 14 de Dezembro[8]O facto de a execução das prestações contratuais exigir uma habilitação não implica que a participação no procedimento seja reservada a titulares dessa habilitação. Poderá ser suficiente a exigência de que as prestações em causa sejam asseguradas por pessoal do contratante devidamente habilitado. Não parece sequer de excluir a possibilidade de recurso a terceiros titulares da habilitação (v.g., subcontratados) desde que sejam estes a terceiros a assegurar a execução do contrato na parte em que este exige a titularidade de habilitação[9].

 Todavia, e ainda segundo o mesmo Autor, “o mecanismo do aproveitamento da capacidade de terceiras entidades encontra-se legalmente previsto e é operativo para o preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica (e financeira). Em muitos casos, não fará sentido e não se deverá aceitar este fenómeno de aproveitamento no campo da habilitação oficial: assim, por exemplo, não deve aceitar-se que um contrato de prestação de serviços jurídicos que envolva a prática de atos próprios de advogados tenha como cocontratante uma pessoa não inscrita na Ordem dos Advogados, embora conte com uma pessoa nestas condições na qualidade de subcontratado.[10].

Conclui, então, o ilustre Autor, que quanto aos contratos que têm como objeto “a execução de prestações que, nos termos da lei, só podem ser asseguradas por titulares de habilitações oficiais, no âmbito de profissões regulamentadas, o cocontratante, e, portanto, o concorrente, deve ser titular dessas habilitações, não se podendo socorrer de habilitações de subcontratados.[11].

No mesmo sentido se há-de concluir relativamente ao aproveitamento da capacidade de terceiros, já não nos casos de contratação ou sub-contratados, mas nos casos de “candidatos ou concorrentes agrupamentos de pessoas singulares ou coletivas, qualquer que seja a atividade por elas exercida, sem que entre as mesmas exista qualquer modalidade jurídica de associação”, possibilidade prevista e permitida pelo art.º 54.º do CCP.

Efectivamente, também nestes casos o aproveitamento das capacidades dos membros de um agrupamento, uns pelos outros, é regulado pela supra-referida Portaria n.º 372/2017 de 14 de Dezembro, que refere no seu art.º 6.º, n.º 1, que “Quando o adjudicatário for um agrupamento de pessoas singulares ou coletivas, os documentos previstos no n.º 1 do artigo 81.º do CCP e na presente portaria devem ser apresentados por todos os seus membros.[12].

Ora, na portaria em questão, prevê-se, para além do mais, a titularidade dos “documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa” (art.º 2.º, n.º 1, in fine), sendo que é, precisamente, relativamente a tais documentos que se reporta o n.º 2 do art.º 2.º da mesma Portaria, que, como se viu supra, prevê que o adjudicatário pode socorrer-se das habilitações de subcontratados.

Ou seja, e em suma, face ao regime do CCP e legislação complementar:

  1. Por regra é admissível o aproveitamento da capacidade de terceiros, seja por intermédio da subcontratação de pessoal com as habilitações legais necessárias, seja por meio do agrupamento, independentemente da forma jurídica, de entidades que, complementarmente, reúnam entre si todas as habilitações necessárias;
  2. Essa regra vigorará, plenamente, nos casos de preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira;
  3. A mesma regra deverá sofrer uma excepção no campo da habilitação oficial para o exercício de determinadas actividades reservadas a certas profissões, excepção essa que que se aplicará a todas as formas de aproveitamento da capacidade de terceiros, seja por intermédio da subcontratação, seja por meio do agrupamento.

Face a tal regime, e voltando ao caso concreto, apenas se poderá concluir por uma de duas formas:

  1. Ou é admissível, na contratação de serviços de nadador-salvador, o recurso à capacidade terceiros, e então, tanto será válida a admissão a concurso e subsequente adjudicação do contrato, a entidades que se encontrem agrupadas com outras que tenham a habilitação necessária para o exercício daquela actividade, como a entidades que tenham no seu quadro, ou procedam à sub-contratação, nos termos do CCP, de profissionais com aquela habilitação;
  2. Ou não é admissível, na contratação de serviços de nadador-salvador, o recurso à capacidade terceiros, e então, será inadmissível a admissão a concurso e subsequente adjudicação do contrato, quer a entidades que se encontrem agrupadas com outras que tenham a habilitação necessária para o exercício daquela actividade, como a entidades que tenham no seu quadro, ou procedam à sub-contratação, nos termos do CCP, de profissionais com aquela habilitação.

Salvo melhor opinião, tertium non datur.

 

*

Face ao concluído, haverá então que determinar quais as consequências a retirar, dos regime legais, acima interpretados, relativos à aquisição de serviços próprios da profissão de nadador salvador por entidades encarregues de os assegurar relativamente a espaços pelos quais é responsável, e ao aproveitamento de capacidades de terceiros no âmbito da contratação pública, no que diz respeito ao procedimento concursal n.º .../2018, publicado em DR, II Série, n.º..., de ... de Fevereiro de 2018.

 O procedimento em questão, qualifica-se como um concurso público, do tipo previsto no art.º art.º 16.º/1/c) do CCP, e regulado nos art.ºs 130.º e ss. do mesmo Código.

            No caso, constata-se a seguinte situação:

  • Está em causa, no concurso sub iudice, a aquisição a título principal, de serviços técnicos de docência e vigilância de piscinas municipais (aqui se incluindo, como se viu, serviços de assistência a banhistas, próprios da actividade de nadador-salvador), prestação de serviços administrativos de recepção e controlo de entradas, de gestão, higiene e limpeza e tratamento de águas;
  • Os serviços de vigilância de piscinas municipais, abrangendo serviços de assistência a banhistas, próprios da actividade de nadador-salvador, apenas podem ser contratados, como se viu também, a nadadores-salvadores, a associações de nadadores-salvadores legalmente reconhecidas ou a associações humanitárias de bombeiros;
  • As associações de nadadores-salvadores, onde se inclui a Demandante B..., LDA têm de ter como objecto exclusivo a actividade de prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadores-salvadores, não podendo prestar outro tipo de serviços;
  • A contrainteressada G..., dispôs-se a prestar os serviços próprios de nadador-salvador, por meio da contratação ou subcontratação de profissionais habilitados para o efeito.

 Neste quadro, e transpondo para o caso as hipóteses previamente formuladas, verifica-se que:

  • Ou é lícita a admissão a concurso e adjudicação do contrato, sob o prisma ora em análise, quer à contrainteressada G..., quer às Demandantes, pelo aproveitamento da capacidade de terceiros, permitida pelo art.º 2.º/2 da Portaria n.º 372/2017 de 14 de

Dezembro;

  • Ou não é lícita nem a admissão a concurso nem a adjudicação do contrato, sob o prisma ora em análise, à contrainteressada G..., porque não poderá aproveitar as capacidades dos nadadores-salvadores que tenha ao seu serviço (ou que contrate ou subcontrate), nem às Demandantes, no que diz respeito a estas, porquanto não estão todos os seus membros, ou sequer um deles, legalmente habilitados a prestar todos os serviços que integram as principais prestações de serviços a contratar (ou seja: a A... e C... não estão habilitadas a prestar serviços próprios da actividade de nadador-salvador, e a B... não está habilitada a prestar os restantes serviços).

 Tendo com conta o quanto atrás se expôs, julga-se que a actividade própria de nadador salvador deve ser considerada uma actividade regulamentada, análoga, por exemplos, às actividades próprias de advogados, revisores oficiais de contas, de mediação imobiliária, etc., na medida em que apenas é autorizado o seu exercício a pessoas singulares previamente habilitadas para a actividade em questão, a pessoas colectivas de utilidade pública administrativa (associações humanitárias de bombeiros[13]), ou a entidades que tenham como objecto exclusivo o exercício de tal actividade (associações de nadadores salvadores) cuja constituição está condicionada ou sob reserva de um controlo público prévio de natureza permissiva.

 Daí que, a aquisição de serviços próprios da actividade de nadador-salvador, como a aquisição de serviços próprios de outras actividades regulamentadas, da índole das atrás exemplificativamente referidas, apenas poderão ser efectuadas por entidades públicas a entidades que estejam legalmente habilitadas a prestar os serviços em questão, não sendo de admitir o aproveitamento da capacidade de terceiros, seja por via da subcontratação, seja pela via da constituição de agrupamentos a concurso.

 Ou seja, e em suma: tal como se estivesse em causa, por exemplo, a contratação de serviços próprios de advogados, ou de revisores oficiais de contas, não poderiam ser admitidas a concurso, nem ser adjudicado o contrato, a entidades não habilitadas às prestação daqueles serviços, ainda que os subcontratassem ou que se associassem a entidades habilitadas para tal, também no presente caso não poderão ser admitidas a concurso, nem ser adjudicado o contrato, a entidades que não habilitadas às prestação de serviços próprios da actividade de nadador salvador, ainda que os subcontratem (caso da contrainteressada G...) ou que se associem a entidades habilitadas para aqueles (caso das Demandantes A... e C...), não podendo igualmente ser admitida a concurso, nem ser adjudicado o contrato à Demandante B..., por a mesma não estar habilitada à prestação dos demais serviços que integram o objecto principal concurso.

 

*

                 À luz do entendimento exposto, julga-se que será ilícita a prestação de serviços de

Assistência a Banhistas”, nos termos atrás definidos, pela contrainteressada G..., por não ser uma associação de nadadores-salvadores legalmente reconhecida nem uma associação humanitária de bombeiros, sendo, correspondente ilícita, a aquisição de tais serviços pelo Demandado, àquela contrainteressada, pelo que serão de julgar procedentes os seguintes pedidos formulados pelas Demandantes:

  1. O pedido de anulação do acto administrativo de adjudicação do objecto do procedimento concursal dos autos a favor da Contrainteressada G..., de 20/08/2018, da autoria da Câmara Municipal do Demandado; 
  2. O pedido de anulação do contrato de prestação de serviços celebrado pelo Demandado com a contrainteressada G... .

Face à procedência destes pedidos, fica prejudicado o conhecimento dos pedidos subsidiários de condenação do Demandado na prática de acto devido, que consiste em notificar a Contrainteressada G... para demonstrar a titularidade de licenciamento para o exercício da actividade de assistência a banhistas, sob pena de perante a falta de habilitação legal da contrainteressada adjudicatária, declarar a caducidade do sobredito acto de adjudicação, e adjudicar a proposta das Autoras nos termos do artigo 86.º n.º 4 do CCP;, que seja ordenada a caducidade da adjudicação por falta de prestação de caução no prazo legal e por ausência de apresentação de comprovativo de situação tributária regularizada, com a consequente adjudicação da proposta das Autoras.

Do mesmo modo, face à procedência dos pedidos acima indicados, fica prejudicado o conhecimento do pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação da Câmara Municipal do Réu, de 24/04/2018, mantida ou confirmada por deliberação do mesmo órgão de 18/07/2018, que admitiu a proposta da Contrainteressada G... apresentada fora de prazo, porquanto não se reveste o mesmo de qualquer utilidade face ao decidido.

À luz do mesmo exposto entendimento, será igualmente ilícita a contratação de serviços de “Assistência a Banhistas” às Demandantes A... e C..., bem como a contratação dos restantes serviços a concurso à Demandante B..., pelo que serão de julgar improcedentes os seguintes pedidos:

  1. O pedido de condenação do Demandado no dever de restabelecimento da situação que existiria se tivesse excluído as propostas das Contrainteressadas e se o acto de adjudicação a favor da Contrainteressada G... não tivesse sido praticado, reconhecendo-se a situação jurídica subjectiva favorável das Autoras à celebração do contrato de prestação de serviços com o Demandado, uma vez que não decorre das anulações acima decretadas o direito das Demandantes à celebração do contrato de prestação de serviços em questão;
  2. O pedido de condenação do Demandado a adjudicar e celebrar contrato atinente ao objecto do procedimento dos autos com as Autoras ou subsidiariamente, de condenação daquele ao pagamento de indemnização por lucros cessantes no quantum indemnizatório que se vier a liquidar em fase de execução de sentença, idem, pelos mesmos motivos.

Não será igualmente conhecido o pedido de que fosse declarada a ilegalidade do programa de concurso patenteado pelo Réu, na parte em que possa ser interpretado como não exigindo licenciamento para o exercício da actividade de assistência a banhistas pelos próprios adjudicatários e, ainda, no seu artigo 14.º, no fragmento (B1 e B2) em que inclui nos factores de densificação do critério de adjudicação a “experiência profissional” e a “certificação de qualidade”, com o inerente restabelecimento da situação que existiria se tais critérios não tivessem sido ilegalmente estabelecidos e valorados, porquanto, como se viu já, as Demandantes, em sede de alegações, esclareceram que apenas pretendiam a apreciação de tal questão enquanto fundamento dos actos impugnados, que se anulam nos termos previamente indicados.

 

*

 In fine, cumpre apenas fazer uma menção à alegação do Demandado, no art.º 9.ºda sua contestação, de que “a interpretação da portaria n.º 311/2015, de 28 de setembro, nomeadamente da norma vertida no artigo 20.º, n.º 2, no sentido de que a contratação de nadadores salvadores por parte de uma pessoa coletiva tem que ser efetuada por meio de associações de nadadores-salvadores legalmente reconhecidas viola a CRP, nomeadamente as normas dos números 1, 6 e 7 do artigo 112.º.”.

 Assim, e desde logo, conforme resulta da fundamentação atrás exposta, a conclusão de que apenas podem prestar serviços próprios da actividade de nadador salvador, para além destes, as associações de nadadores-salvadores legalmente reconhecidas e as associações humanitárias de bombeiros, decorre directamente do próprio regime jurídico aplicável ao nadador-salvador em todo o território nacional, aprovado pela Lei n.º 68/2014 de 29 de Agosto, e não da “portaria n.º 311/2015, de 28 de setembro, nomeadamente da norma vertida no artigo 20.º, n.º 2”.

 Por outro lado, o regime jurídico em causa, tal como outros análogos, responde a necessidades de interesse público, que o legislador entendeu justificativas da restrição do princípio do livre acesso e exercício à actividade de serviços com contrapartida económica, não se antevendo qualquer violação dos deveres de necessidade e proporcionalidade a que a restrição em questão deve obediência.

 

*

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência: 

  1. Anular o acto administrativo de adjudicação do objecto do procedimento concursal dos autos a favor da Contrainteressada G..., de 20/08/2018, da autoria da Câmara Municipal do Demandado, bem como o contrato de prestação de serviços celebrado pelo Demandado com a contrainteressada

G...;

  1. Julgar improcedentes os pedidos de condenação do Demandado:
    1. no dever de restabelecimento da situação que existiria se tivesse excluído as propostas das Contrainteressadas e se o acto de adjudicação a favor da Contrainteressada G... não tivesse sido praticado, reconhecendo-se a situação jurídica subjectiva favorável das Autoras à celebração do contrato de prestação de serviços com o Demandado;
    2. a adjudicar e celebrar contrato atinente ao objecto do procedimento dos autos com as Autoras ou subsidiariamente, de condenação daquele ao pagamento de indemnização por lucros cessantes no quantum indemnizatório que se vier a liquidar em fase de execução de sentença.
  2. Não conhecer dos restantes pedidos, nos termos e pelos fundamentos supra expostos;
  3. Condenar as partes nos encargos processuais na proporção de 50% cada uma.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 221.308,03.

 

E. Custas

Os encargos processuais previstos na Tabela anexa ao RAA serão suportados pelas partes na proporção de 50% cada uma, uma vez que a presente acção arbitral foi apenas parcialmente procedente.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Dezembro de 2018

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Adolfo Mesquita Nunes – Art.º 153.º/1 CPC, in fine)

 

 

O Árbitro Vogal

(Jorge Bacelar Gouveia)

 

 



[1] Sublinhado nosso.

[2] No sentido de que não está em causa uma prestação secundária, acessória, ou lateral ao próprio contrato, mas é uma parte essencial do conjunto de prestações a contratar, que não poderá ser retirada sem afectar, qualitativamente, aquele conjunto.

[3] Cfr. art.º 3.º da Lei n.º 32/2007 de 13 de Agosto.

[4] Cfr. art.º 2.º/1 da mesma Lei.

[5] Cfr. para além do mais, os art.ºs 2.º e 4.º/a) da Lei n.º 68/2014 de 29 de Agosto.

[6] Pedro Costa Gonçalves, “Direito dos Contratos Públicos”, 2.ª Edição, Vol. 1., Almedina 2018, p. 680.

[7] Idem. 8 Idem.

[8]Para efeitos de comprovação das habilitações referidas no número anterior [documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa], o adjudicatário pode socorrer-se das habilitações de subcontratados, mediante a apresentação de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes.

[9] Idem, p. 682.

[10] Idem, pp.682 e s.

[11] Idem, p. 683.

[12] Sublinhado nosso.

[13] Cfr. art.º 3.º da Lei n.º 32/2007 de 13 de Agosto.