Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 52/2013-A
Data da decisão: 2014-05-13  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 20.001,00
Tema: Reconhecimento do direito à contratação como professora adjunta, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7 do Regime Transitório do ECPDESP
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SENTENÇA

 

 

 

I RELATÓRIO

C…, divorciada, professora do Ensino Superior, residente na …,

 

instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente ação contra

 

 Instituto Politécnico …, pessoa coletiva de direito público, com sede na …,

 

pedindo a anulação do “(…)ato de indeferimento do requerimento de contratação da autora, sendo este substituído por outro que reconheça a contratação da autora como professora adjunta em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com período experimental de 5 anos, nos termos do regime transitório do ECPDESP, desde 31-10-2012 (…)”  e a condenação do réu “(…) a praticar os atos necessários à formalização do contrato cujo reconhecimento foi anteriormente peticionado (…)” e “(…) a pagar à autora a diferença entre salários efetivamente recebidos desde 31-10-2012 na categoria de Equiparao a Assistente do 1º Triénio e os salários que deveria ter recebido na categoria de Professor Adjunto, acrescidos de juros de mora desde a data de vencimento de cada um dos salários até integral pagamento, devendo este valor ser liquidado em execução de sentença (…)”

A fundamentar a sua pretensão alegou:

“(…)

  1. A Autora é professora do ensino superior, exercendo as funções de Equiparado a Assistente do 1º Triénio, em regime de exclusividade na Escola Superior de … (ES…) do Instituto Politécnico … (IP…).

 

  1. A 23/02/2004, foi a Autora contratada através de contrato administrativo de provimento em regime de tempo integral, com a duração prevista de 3 anos, na categoria de Equiparado a Assistente do 1º Triénio em regime de tempo integral, para substituir a Professora C…, conforme doc. 1 que se junta e se dá como reproduzido.

 

  1. Entretanto, no dia 24/08/2006, foi-lhe comunicado que o seu contrato terminaria no dia 30 de Novembro de 2006 dado o regresso às suas funções por parte da Professora C…, conforme doc. 2 que se junta e se dá como reproduzido.

 

  1. No entanto, tendo a responsável da área científica (a Professora C…) solicitado a continuação da leccionação da Autora na referida Instituição, esta continuou a prestar o seu trabalho exactamente nos mesmos moldes que tinha realizado até então.

 

  1. Nomeadamente, manteve exactamente o mesmo número de horas lectivas (equivalentes a um horário com tempo integral), continuou a leccionar as mesmas disciplinas e a realizar o mesmo tipo de trabalho não lectivo.

 

  1. Durante este período a Autora, dentro da independência própria da docência do ensino superior, sempre prestou o seu trabalho sobre as ordens e direcção da ES…, a qual, inclusivamente e nos termos do contrato anterior, tinha sobre ela um poder disciplinar e um poder de direcção, podendo através dos mesmos aplicar-lhe sanções disciplinares e orientando a forma de prestação do trabalho.

 

  1. Contudo, a Autora não assinou qualquer contrato com a ES… ou com o IP…, tendo, tal como lhe foi solicitado pelos serviços administrativos, passado recibos verdes relativos ao trabalho prestado.

 

  1. Em Março de 2007, a Direcção da ES… apercebeu-se que a situação da Autora era uma situação irregular.

 

  1. Neste sentido, em 15 de Março de 2007 celebrou com a Autora um contrato administrativo de provimento na categoria de Equiparado a Assistente do 1º Triénio em regime de tempo integral, conforme doc. 3 que se junta de se dá como reproduzido.

 

  1. Tendo a Autora, após a celebração deste contrato, continuado a prestar o seu trabalho exactamente nos mesmos termos que fazia anteriormente e já desde a sua contratação inicial.

 

  1. A Autora, no dia 12 de Junho de 2008, inscreveu-se no doutoramento na Faculdade de … da Universidade do …, conforme doc. 4 que se junta e se dá como reproduzido.

 

  1. Para além disto a Autora prestou provas públicas para obtenção do título de especialista no IP… a 31 de Outubro de 2012 tendo obtido aprovação, conforme doc. 5 que se junta e se dá como reproduzido.

 

  1. Assim, em 08/07/2013 a Autora requereu junto da ES… a sua contratação como Professora Adjunta ao abrigo do art. 6º, nº 7 Regime Transitório do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP – Decreto-Lei 207/2009 com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 7/2010), conforme doc. 6 que se junta e se dá como reproduzido.

 

  1. Em 22/07/2013 foi notificada do despacho do IP… recusando a sua contratação por entender, em resumo, que não preenchia o requisito do tempo de serviço necessário para contratação, conforme doc. 7 que se junta e se dá como reproduzido.

II – Do Direito

  1. Tal como se passará a demonstrar, o acto de recusa da contratação da Autora enferma do vício de violação da lei, uma vez que viola o disposto no art. 6º, nº 7 e 8 do Regime Transitório do ECPDESP (Decreto-Lei 207/2009 com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 7/2010).

 

  1. Verifica-se que a transição dos Equiparados a Assistentes e a possibilidade de contratação está prevista no art. 6º, nº 7 e 8 do Regime Transitório do ECPDESP (Decreto-Lei 207/2009 com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 7/2010):

“7 — No período transitório a que se refere o n.º 2 para os docentes a que se refere o n.º 1 que, no dia 15 de Novembro de 2009, estejam inscritos numa instituição de ensino superior para a obtenção do grau de doutor, em programa de doutoramento validado através de um processo de avaliação externa, e contem com mais de cinco anos continuados de serviço em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral, os contratos:

a) São inicialmente renovados pelo período de dois anos;

b) São obrigatoriamente renovados por mais dois períodos de dois anos na respectiva categoria, salvo se o órgão máximo da instituição de ensino superior, sob proposta fundamentada aprovada por maioria dos membros em efectividade de funções de categoria superior e de categoria igual desde que não se encontrem em período experimental, do órgão legal e estatutariamente competente da instituição de ensino superior, decidir no sentido da sua cessação, sendo esta decisão comunicada ao interessado até 90 dias antes do termo do contrato.

8 — Após a obtenção do grau de doutor, dentro do período da vigência dos contratos referidos nas alíneas do número anterior, os docentes transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, com um período experimental de cinco anos na categoria de professor -adjunto ou, no caso de equiparados a professor -coordenador, de professor -coordenador, findo o qual se seguirá o procedimento previsto no artigo 10.º -B ou no artigo 10.º do Estatuto, conforme se trate de professor -adjunto ou de professor -coordenador.”

 

  1. Deste artigo, resulta que a contratação ao abrigo deste regime transitório depende do preenchimento de dois requisitos cumulativos:
  • A inscrição no doutoramento, pelo menos em 15 de Novembro de 2009, e que venha a completar o mesmo ou o título de especialista dentro do regime transitório do ECPDESP; e
  • Que o docente conte com pelo menos cinco anos de serviço em regime de dedicação exclusiva ou tempo integral.

 

  1. Quanto ao primeiro requisito, não há qualquer dúvida que se encontra preenchido, visto que a Autora em 15 de Novembro de 2009 se encontrava inscrita em programa de doutoramento.

 

  1. Por outro lado, a Autora veio a completar o título de especialista antes do fim do período transitório, o que, nos termos do art. 9º-A do Regime Transitório do ECPDESP, para efeitos do Regime Transitório equivale à obtenção do doutoramento e consequentemente ao preenchimento deste requisito.

 

  1. Tal como se passará a referir, o segundo requisito também se encontra preenchido porquanto a antiguidade da Autora terá sempre que ser aferida desde a sua contratação inicial em 23/02/2004.

 

  1. Na análise deste segundo requisito teremos desde logo que verificar que, ao contrário do que afirma o Réu IP… na fundamentação do acto aqui impugnado, o contrato que vinculou a Autora ao Réu desde 01/12/2006 até 15/03/2007 não foi um contrato de prestação se serviços.

 

  1. Ora, tal facto é evidente desde logo na medida em que o mesmo resulta da continuação do anterior contrato de provimento, o qual é caracterizado pela subordinação.

 

  1. Por outro lado, tendo em conta os factos supra alegados é evidente que o trabalho foi prestado em regime de subordinação.

 

  1. No período aqui em causa a prestação de serviços era regulada pelo art. 17º do Decreto-Lei 41/84, sendo que esta possibilidade de contratação apenas estava prevista para situações trabalhos excepcionais e sem subordinação.

 

  1. Nesta medida, é desde logo evidente que nunca o trabalho prestado pela Autora poderia ser considerado como um trabalho de prestação se serviços.

 

  1. Isto porque, face aos factos alegados, verifica-se que, desde o início da relação com a ES…, se estabeleceu uma relação de trabalho que poderá ser caracterizada como uma relação de trabalho em funções públicas subordinada.

 

  1. A isto acresce que, para além da já referida subordinação, a necessidade de contratação da Autora era uma necessidade própria e permanente da ES….

 

  1. Isto é evidente quando, nos termos alegados, findo o primeiro contrato administrativo de provimento a Autora continuou a exercer as suas funções exactamente nos mesmos termos que vinha exercendo até então, funções estas mantêm até aos dias de hoje.

 

  1. Para além da impossibilidade de contratar o trabalho prestado pela Autora através de um contrato de prestação de serviços, verifica-se que em 01/12/2006 a constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública era regulada pelo Decreto-Lei 427/89.

 

  1. Nos termos do art. 14º do Decreto-Lei 427/89, a contratação para o desempenho de funções próprias do serviço público apenas podiam ser feita através de contrato administrativo de provimento ou através de contrato a termo certo.

 

  1. Ora, esta disposição fica reforça a já referida impossibilidade legal de o Réu proceder à contratação da autora para a prestação de trabalho que constituía uma necessidade própria e permanente através de um contrato de prestação de serviços.

 

  1. Por outro lado, a forma como o trabalho foi prestado, para além de não integrar o conceito de prestação de serviços devido à evidente subordinação, preenche a previsão do art. 15º do Decreto-Lei 427/89, pelo que sempre teria que se considerar como um contrato administrativo de provimento.

 

  1. Neste sentido, verifica-se que, apesar da declaração que pretendeu fazer cessar o contrato de provimento inicial, este apenas cessou com a celebração do novo contrato administrativo de provimento em 15/03/2007 e que por isso a Autora também preenchia o requisito do tempo de serviço.

 

  1. Subsidiariamente, caso assim não se entenda e se entenda que vigorou entre as partes qualquer outro tipo de contrato, verifica-se que sempre estaria preenchido o requisito do tempo de serviço.

 

  1. Isto porque, nos termos já referidos, não sendo a Autora contratada através de um contrato de provimento essa contratação seria uma contratação irregular, pois não cumpria nenhum dos requisitos de contratação legalmente estabelecidos para as funções que a Autora efectivamente desempenhou.

 

  1. Nestes termos, de acordo com o art. 133º, nº 2, c) do CPA, este contrato seria sempre nulo.

 

  1. Contudo, sendo o contrato nulo teríamos sempre que ter em conta a previsão do art. 134º, nº 3 do CPA, a qual deverá ser ainda conjugada com o princípio da boa-fé na prossecução da actividade administrativa previsto no art. 6.º A do CPA e art. 266.º da CRP.

 

  1. De acordo com estas disposições, mesmo tendo em conta a nulidade de tal contrato teremos que ressalvar alguns efeitos jurídicos do mesmo.

 

  1. Destes efeitos jurídicos, tal como vem sendo entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, teremos sempre que ressalvar os efeitos decorrentes do pagamento de salário e da antiguidade.

 

  1. Ressalvados estes efeitos, mais uma vez se verifica que estão preenchidos todos os requisitos da contratação exigidos pelo citado art. 6º, nº 7 e 8 do Regime Transitório do ECPDESP.

 

  1. Por outro lado, tendo o contrato ilegal resultado de uma actuação do Réu, a invocação do referido facto para alegar uma interrupção do contrato, configura um claro e manifesto abuso do direito.

 

  1. Assim, verifica-se que a Autora preenche todos os requisitos do citado art. 6º, nº 7 e 8 do Regime Transitório do ECPDESP (Decreto-Lei 207/2009 com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 7/2010), pelo que tem direito à contratação desde a data da obtenção do título de especialista.

 

Notificada a entidade demandada para responder, veio o Instituto Politécnico …, contestar o pedido alegando:

  1. Preambularmente, sempre se dirá que o valor atribuído ao requerimento não se encontra justificado.

 

  1. Mesmo aquele que vem designado por extenso, careceria, atento o pedido, de liquidação para ficar justificado.

 

  1. Sem prescindir, o presente requerimento estará, salvo melhor opinião e como assume a A., confinado à questão de direito parametrizada no artigo 30 do petitório.

 

  1. Outrossim, “Nos termos do art. 14º do Decreto-Lei nº 427/89, a contratação para o desempenho de funções próprias do serviço público apenas podiam ser feitas através de contrato administrativo de provimento ou através de contrato a termo certo” (cfr. art. 30 da petição).

 

  1. No caso da A. e à data dos factos, 23/02/2004, como docente apenas podia ser efetuada contratação através do contrato administrativo de provimento (CAP).

 

  1. Foi o que aconteceu, como se pode ver e melhor consta a fls. 27 do Processo Administrativo, que agora se junta.

 

  1. Talqualmente, foi o que aconteceu em 15/03/2007, como se pode ver e melhor consta a fl.s 205 do mesmo Processo Administrativo.

 

  1. Tudo, em conformidade com o disposto nos artigos 8º (pessoal especialmente contratado) e 12º (provimento do pessoal especialmente contratado) do DL nº 185/81, de 01.07.

 

  1. Aliás, conhecido como Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico (ECDESP) regulamentando esta matéria, àquela data.

 

  1. Por isso mesmo, a A. alega, e bem, a celebração de um CAP (Contrato Administrativo de Provimento) à data de 23/02/2004 e outro à data de 15/03/2007.

 

  1. Porém, à data de 01/12/2006 não estavam reunidos os pressupostos legais necessários à celebração de CAP com a A., nos termos do disposto nos art.s 8º e 12º do DL 181/85.

 

  1. Motivo pelo qual na reunião de 06/12/2006, o Conselho Científico da Escola deliberou aprovar a proposta de prestação de serviço docente da A.

 

  1. O que pode ver-se e melhor consta da ata nº 27/2006 a fls. 1 do Processo Administrativo.

 

  1. Assim sendo, mediante proposta e deliberação favorável, a A. prestou serviços à ES… de 01/12/2006 a 14/03/2007, em termos legais.

 

  1. Ilegal teria sido celebrar um CAP com a A. sem preenchimento dos pressupostos legais e, inclusivamente, falta de cabimento de verba.

 

  1. Àquela data, não era suposto antever a publicação de diplomas legais como o RJIES e outros que alteraram o DL nº 181/85 e regulamentaram a contratação docente.

 

  1. Muito menos é possível antecipar a disposição legal identificada pelo art. 9º-B aditado ao DL nº 207/2009 pela Lei nº 7/2010, de 13.05 que, expressamente, declara na al. a) “Para os efeitos previstos nos artigos 6º, 7º e 8º-A, consideram-se anos de serviço continuado aqueles em que a interrupção entre contratos, ainda que com mudança de instituição, não ultrapasse três meses”.

 

  1. Entre 30/11/2006 e 15/03/2007 não vigorou, entre A. e R., qualquer contrato administrativo de provimento e o prazo, embora curto, é superior a três meses.

 

  1. Muito menos suscetível de comprovação documental de ter sido celebrado contrato no regime de tempo integral ou de exclusividade.

 

  1.  Aliás, nunca foi posto em questão, por parte da A., o recebimento dos honorários pela prestação dos serviços durante aqueles três meses e meio.

 

  1. Há mais de seis anos (2006) que a A. deixou sedimentar essa situação na sua esfera jurídica e, a isso, talvez se chame boa fé dos particulares frente à administração.

 

  1. Boa fé que ficou consolidada no recibo verde emitido pela A. para documentar a situação de facto, insuscetível de tradução num contrato administrativo de provimento.

 

  1. Ignorar isso, hoje, significará, com a merecida vénia, violar a legalidade à posteriori, isto é, uma espécie de violação pós-datada com eficácia retroativa.

 

  1. Assim se mantiveram os factos e a aludida prestação de serviço e seus efeitos, mesmo em termos de prestações sociais e a contento da A.

 

  1. Desta sorte ou falta dela, impor-se-á, sempre salvo melhor opinião, o conhecido ditame “dura lex sed lex”.

 

  1. Presentemente, a A. vem alegar factos insuscetíveis de integrar a causa de pedir necessária ao pedido formulado.

 

  1. A A. apresenta uma causa de pedir que, para ser validada, carecerá de ser formulada em pedido e à qual corresponderá outra causa de pedir.

 

  1. Ainda que cada vez mais se assemelhem as relações jurídicas de emprego público e privado, a verdade é que ainda há diferenças substanciais.

 

  1. Nomeadamente no cumprimento de certos comandos e dispositivos que não podem ser afastados e, menos, arbitrariamente.

 

  1. Termos em que, também, não serão aqui aplicáveis os invocados artigos 133º, 134º e 6º-A do CPA, pois não estamos perante ato, e menos, nulo.

 

  1. Tanto mais quanto é certo para o ajuste da prestação de serviços ser competente a Escola Superior de Tecnologias da Saúde.

 

  1. Enquanto para o contrato administrativo de provimento se afigurava necessária a intervenção formal e material de Presidente do Instituto Politécnico ….

 

                A convenção de arbitragem e a constituição do Tribunal Arbitral

A entidade demandada – Instituto Politécnico … e respetiva Unidades Orgânicas – pré-vincularam-se à resolução, por via arbitral (CAAD), de  litígios emergentes de relações reguladas pelo ECPDESP, nos termos do Regulamento anexo ao Despacho nº 8839/2011, publicado no DR – II Série, Nº 126, de 4 de julho de 2011 – pg 27953.

Foi aceite por ambas as partes a nomeação do signatário, que integra a lista de árbitros deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para, como árbitro único, apreciar e decidir o litígio.

Este Tribunal arbitral foi constituído, com a aceitação do encargo pelo signatário, em 8-2-2014, assumindo total, contratual e legal competência para dirimir o litígio à luz do Regulamento do CAAD (cf Despacho do Secretário de Estado da Justiça nº 5097/2009, DR II Série – nº 30, de 12 de Fevereiro e demais legislação aí citada).

 

                Despacho liminar e processo administrativo

Decorrente do meu despacho de 21 de fevereiro de 2014, vieram as partes aceitar que o processo fosse conduzido com base nos documentos juntos e no processo administrativo.

Ambas as partes apresentaram alegações finais escritas, que concluíram, no essencial, nos mesmos termos dos respetivos articulados, tendo apenas a demandante requerido a correção de alegado lapso de escrita na indicação do valor da causa no sentido de que este será o que foi indicado por algarismos [20.001 €] e não o indicado por extenso [trinta mil e um euros].

Está anexo o processo administrativo.

 

                Saneamento do processo

Este Tribunal Arbitral é absolutamente competente.

As partes têm personalidade e capacidade jurídica e judiciária, e são legítimas.

Este processo arbitral está isento de nulidades que o invalidem, e é o próprio.

Valor da causa:

A entidade demandada, sem formalmente suscitar o incidente de valor da causa, questiona o valor atribuído alegando que o mesmo não se encontra justificado, independentemente de tal valor ser o indicado por algarismos [20.001 euros] ou o indicado por extenso [trinta mil e um euros].

Em fase de alegações, veio a demandante corrigir o que alega ser um “evidente lapso de escrita”.

Vejamos:

O valor da causa representa a utilidade económica e imediata do pedido é uma cifra a que se atende para determinar a competência do Tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do Tribunal – Cfr artigo 31º, do CPTA e atualmente o artigo 296º-1, do CPC.

O valor da causa é o indicado pelo autor na petição à luz dos critérios previstos na Lei [arts 297º e segs., do CPC].

Se a parte contrária impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, terá, para eficácia da impugnação, indicar outro (valor) em substituição – Cfr artigo 305º-1, CPC.

Ora, in casu, a entidade demandada não indica valor alternativo para a causa quando tece as suas considerações discordantes daquele que foi indicado pela autora.

Assim e considerando que são formulados dois pedidos (um de anulação/substituição de ato administrativo e outro de condenação do réu no pagamento de alegadas diferenças salariais desde 31-10-2012, com juros de mora e com liquidação em sede de execução de julgado), não se antolham razões ou fundamentos para não considerar o valor da ação nos termos indicados na petição, dando relevância ao valor indicado por algarismos – € 20.001 [vinte mil euros e um cêntimo] considerando a existência de alegado lapso na indicação desse valor à luz do disposto no artigo 249º-1, do Cód Civil [“O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através de circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.

Não se antolhando elementos para o contrariar, o valor da ação indicado na petição será assim de € 20.001 (vinte mil e um euros).

 

Não há exceções e/ou outras questões incidentais ou prévias suscitadas pelas partes e/ou de conhecimento oficioso.

Cumpre então apreciar e decidir o litígio.

II FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Com relevo para apreciação do pedido nesta ação para reconhecimento de direito, estão assentes os factos alegados na petição inicial e acima transcritos, na medida em que estão documentados e não sofreram qualquer contestação pela entidade demandada.

Está assim provado:

 

  1. A Autora é professora do ensino superior, exercendo as funções de Equiparado a Assistente do 1º Triénio, em regime de exclusividade na Escola Superior de … (ES…) do Instituto Politécnico … (IP…);
  2. A 23/02/2004, foi a Autora contratada através de contrato administrativo de provimento em regime de tempo integral, com a duração prevista de 3 anos, na categoria de Equiparado a Assistente do 1º Triénio em regime de tempo integral, para substituir a Professora C…, [conforme doc. 1 que se junta e se dá como reproduzido];
  3. No dia 24/08/2006, foi comunicado à autora que o seu contrato terminaria no dia 30 de novembro de 2006 dado o regresso às suas funções por parte da Professora C…, [conforme doc. 2 que se junta e se dá como reproduzido];
  4. A responsável da área científica do IP… (a Professora C…) tendo solicitado à autora que esta continuasse continuação da lecionação, a partir de 30 de novembro de 2006, na referida Instituição, aquela continuou a prestar o seu trabalho exatamente nos mesmos moldes que tinha realizado até então;
  5. Nomeadamente, manteve o mesmo número de horas letivas (equivalentes a um horário com tempo integral), continuou a lecionar as mesmas disciplinas e a realizar o mesmo tipo de trabalho não letivo;
  6. Durante este período a Autora, dentro da independência própria da docência do ensino superior, sempre prestou o seu trabalho sobre as ordens e direção da ES… [Unidade Orgânica do IP…], a qual, inclusivamente e nos termos do contrato anterior, tinha sobre ela um poder disciplinar e um poder de direção, podendo através dos mesmos aplicar-lhe sanções disciplinares e orientando a forma de prestação do trabalho;
  7. A Autora não assinou qualquer contrato com a ES… ou com o IP…, tendo, tal como lhe foi solicitado pelos serviços administrativos, passado “recibos verdes” [prestação de serviços] relativos ao trabalho prestado;
  8. Em março de 2007, a Direção da ES… apercebeu-se que a situação da Autora era uma situação irregular;
  9. Neste sentido, em 15 de Março de 2007 celebrou com a Autora um contrato administrativo de provimento na categoria de Equiparado a Assistente do 1º Triénio em regime de tempo integral, [conforme doc. 3 que se junta de se dá como reproduzido];
  10. Tendo a Autora, após a celebração deste contrato, continuado a prestar o seu trabalho exatamente nos mesmos termos que fazia anteriormente e já desde a sua contratação inicial;
  11. A Autora, no dia 12 de Junho de 2008, inscreveu-se no doutoramento na Faculdade de … da Universidade do …, [conforme doc. 4 que se junta e se dá como reproduzido];
  12. Para além disto a Autora prestou provas públicas para obtenção do título de especialista no IP… a 31 de Outubro de 2012 tendo obtido aprovação, [conforme doc. 5 que se junta e se dá como reproduzido];
  13. Assim, em 08/07/2013 a Autora requereu a sua contratação como Professora Adjunta ao abrigo do art. 6º, nº 7, do Regime Transitório do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP – Decreto-Lei 207/2009 com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 7/2010)[conforme doc. 6 que se junta e se dá como reproduzido];
  14. Em 22-7-2013 o IP…/ES… indeferiu o mencionado requerimento por entender, em resumo, que não preenchia o requisito do tempo de serviço necessário para contratação [conforme doc. 7 que se junta e se dá como reproduzido];
  15. Na reunião de 6-12-2006 o Conselho Científico da Escola deliberou aprovar a proposta de prestação de serviço docente da autora, tendo considerado que, à data de 1-12-2006, não estavam reunidos os pressupostos legais necessários à celebração de contrato administrativo de provimento com a autora, nos termos dos arts 8º e 12º, do Dec Lei nº 181/85 [cfr ata nº 27/2006 – fls 1, do processo administrativo anexo].

Motivação

Os factos essenciais mostram-se provados porquanto, por um lado, estão documentados [cfr, entre outros, os documentos que se mencionam supra] pelas partes e no processo administrativo – documentos que não foram impugnados - e, por outro, não se antolha sobre eles a existência de controvérsia de qualquer das partes.

 

A questão decidenda essencial

Em causa está, nestes autos, saber se enferma de vício de violação de lei [arts 6º - 7 e 8, do Dec-Lei nº 207/2009, de 31 de agosto, que aprova o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), com a redação do artigo 3º, da Lei nº 7/2010, de 13 de maio (Regime Transitório do ECPDESP)], o ato, notificado em 22-7-2013, de indeferimento do pedido de contratação da autora, como professora adjunta do IP…, em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com período experimental de 5 anos.

Alegou a entidade demandada, no essencial, que o requerimento da autora foi indeferido porquanto teria ocorrido uma interrupção de 3 meses e meio entre os contratos celebrados de modo a não ser preenchida a exigência legal de serviço continuado em regime de tempo integral nos termos e para os efeitos do artigo 9º-B e 6º, nº 7, do ECPDESP.

 

O Direito

 

O DL nº 207/2009, de 31 de Agosto, procedeu à alteração do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, aprovado pelo DL nº 185/81, de 1 de Julho, alterado pelo DL nº 69/88, de 3 de Março.

Da explicação de motivos ou preâmbulo do mencionado diploma, extrai-se que:

- se reconheceu serem distintas as funções que cabem às instituições politécnicas e às instituições universitárias, “(…) sem prejuízo da desejável colaboração entre ambos os subsistemas, quando tal for apropriado (…)”;

- se manteve o princípio de duas carreiras distintas: a carreira docente universitária e a carreira docente do ensino superior politécnico no respeito pelo disposto na Lei de Bases do Sistema Educativo;

- em matéria de transparência, qualificação na base da carreira, estatuto reforçado de estabilidade de emprego (tenure), avaliação e exigência de concurso para mudança de categoria, são idênticos em ambas as carreiras, os respectivos princípios gerais;

Destacam-se ainda, na revisão da carreira docente politécnica operada pelo presente decreto-lei[1]:

- O regime de dedicação exclusiva como regime regra, sem prejuízo da opção do docente pelo regime de tempo integral e da possibilidade de transição entre regimes;

- A garantia da autonomia pedagógica, científica e técnica, através da introdução de um estatuto reforçado de estabilidade no emprego (tenure) para os professores coordenadores principais e para os professores coordenadores;

- Entrega-se à autonomia das instituições de ensino superior a regulamentação relativa à gestão do pessoal docente, simplificam-se procedimentos administrativos obsoletos e definem-se os princípios da avaliação do desempenho, periódica e obrigatória, de todos os docentes.

 - Um período experimental na entrada na carreira, isto é, após doutoramento ou obtenção do título de especialista e concurso para professor adjunto, de cinco anos [grifado nosso] segue a prática internacional e a experiência consolidada em Portugal, sendo ainda necessário face à desejada permeabilidade com a carreira de investigação científica e com a realidade paralela, em instituições de investigação, de contratos de cinco ou seis anos conformes à duração de projetos e programas de investigação, tal como expressamente previsto no atual Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro;

- Para os professores coordenadores principais e coordenadores que não tivessem anteriormente um contrato por tempo indeterminado é fixado um período experimental de um ano.

- Em qualquer dos casos, trata-se de períodos inferiores aos atuais períodos de nomeação provisória, que são objeto de regulação específica no Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, onde se prevê que, antes do seu fim, deverá ter lugar uma avaliação específica da atividade desenvolvida, e que a cessação do contrato só pode ter lugar sob proposta fundamentada aprovada por maioria de dois terços do conselho científico.

- Finalmente, promove-se a estabilização do corpo docente dos institutos politécnicos:

a) Removendo a precariedade de vínculos que se tinha tornado dominante em algumas instituições determinando a abertura de concursos de forma faseada tendo em vista alcançar a percentagem atrás referida de professores de carreira;

b) Fixando um largo período de transição para que os atuais equiparados a docentes possam adquirir as qualificações necessárias ao ingresso na carreira;

c) Criando condições para apoiar o processo de obtenção do grau de doutor pelos atuais docentes.

 

Estatui-se no DL 207/2009:

CAPÍTULO III

Regime transitório

Artigo 5.º

Regime de transição dos professores coordenadores e adjuntos

1 - Os actuais professores coordenadores e adjuntos nomeados definitivamente transitam, sem outras formalidades, para o contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, mantendo os regimes de cessação, de reorganização de serviços e colocação de pessoal em situação de mobilidade especial e de protecção social próprios da nomeação definitiva.

2 - Aos professores coordenadores a que se refere o número anterior é aplicado o regime de tenure, nos termos do disposto no artigo 10.º-A do Estatuto.

3 - Os actuais professores coordenadores e adjuntos nomeados provisoriamente transitam, sem outras formalidades, para o contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado em período experimental para as mesmas categorias.

4 - Para os efeitos do número anterior:

a) O período experimental tem a duração do período de nomeação provisória previsto no regime vigente à data do seu início;

b) O tempo já decorrido na situação de nomeação provisória é contabilizado no âmbito do período experimental;

c) Concluído o período experimental aplicam-se, respetivamente, as regras constantes do n.º 3 do artigo 10.º e do n.º 1 do artigo 10.º-A do Estatuto que se referem ao termo deste período.

5 - Aos professores que se encontravam na situação de nomeação provisória e que

transitam para contrato por tempo indeterminado em período experimental aplica-se o

disposto no n.º 4 do artigo 88.º da Lei n.º 12- A/2008, por força do disposto no artigo 89.º da mesma lei.

6 - Os professores coordenadores e adjuntos a que se refere o n.º 3 podem optar, respectivamente, pela duração do período experimental prevista no n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 1 do artigo 10.º-B do Estatuto.

7 - A opção a que se refere o número anterior é comunicada ao órgão máximo da instituição de ensino superior no prazo de 30 dias após a data da entrada em vigor do presente decreto-lei.

 

Artigo 6.º [na redação introduzida pelo artigo 3º, da Lei nº 7/2010, de 13 de maio]

Regime de transição dos actuais equiparados a professor e a assistente

1 - Os actuais equiparados a professor coordenador, a professor adjunto e a assistente transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato a termo resolutivo certo ficando sujeitos às seguintes regras:

a) A duração do novo contrato e o regime de prestação de serviço correspondem aos termos fixados no contrato administrativo de provimento que actualmente detêm;

b) O tempo já decorrido na situação de contrato administrativo de provimento é

contabilizado no âmbito do novo contrato.

2 - Até ao fim de um período transitório de seis anos contado a partir da data de

entrada em vigor do presente decreto-lei, podem ainda ser renovados, para além do fim do contrato estabelecido de acordo com o número anterior, e nos termos do Estatuto na

redacção anterior à do presente decreto-lei, os contratos dos docentes a que se refere o

n.º 1.

                3 – (…)

                4 - Os actuais equiparados a professor-adjunto titulares do grau de doutor e que

exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há

mais de 10 anos transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de

trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado

como professor-adjunto.

5 - Os actuais equiparados a assistentes titulares do grau de doutor e que exerçam

funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de

três anos transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho

em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na categoria

de professor-adjunto, com período experimental de cinco anos, findo o qual se seguirá

o procedimento previsto no artigo 10.º-B do Estatuto, com as devidas adaptações.

6 - Os actuais equiparados a professor-coordenador ou a professor-adjunto titulares

do grau de doutor e que exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou

dedicação exclusiva e que ainda não tenham completado 10 anos de serviço docente

nesse regime transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de

trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na

categoria de professor-coordenador ou de professor-adjunto, respectivamente, com

um período experimental de cinco anos, findo o qual se seguirá o procedimento

previsto no artigo 10.º-B do Estatuto, com as devidas adaptações.

        7 - No período transitório a que se refere o n.º 2 [período transitório de seis anos contado a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei (1-9-2009)], para os docentes a que se refere o n.º 1 que, no dia 15 de Novembro de 2009, estejam inscritos numa instituição de ensino superior para a obtenção do grau de doutor, em programa de doutoramento validado através de um processo de avaliação externa, e contem com mais de cinco anos continuados de serviço[2] em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral, os contratos:

a) São inicialmente renovados pelo período de dois anos;

b) São obrigatoriamente renovados por mais dois períodos de dois anos na respectiva categoria, salvo se o órgão máximo da instituição de ensino superior, sob proposta fundamentada aprovada por maioria dos membros em efectividade de funções de categoria superior e de categoria igual desde que não se encontrem em período experimental, do órgão legal e estatutariamente competente da instituição de ensino superior, decidir no sentido da sua cessação, sendo esta decisão comunicada ao interessado até 90 dias antes do termo do contrato.

8 - Após a obtenção do grau de doutor, dentro do período da vigência dos contratos referidos nas alíneas do número anterior, os docentes transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, com um período experimental de cinco anos na categoria de professor-adjunto ou, no caso de equiparados a professor coordenador, de professor-coordenador, findo o qual se seguirá o procedimento previsto no artigo 10.º-B ou no artigo 10.º do Estatuto, conforme se trate de professor-adjunto ou de professor-coordenador.

9 – […]

 

 

No caso sub juditio, o requerimento da autora em que pedia a sua contratação como professora adjunta ao abrigo do citado e transcrito artigo 6º, nº 7, do Regime Transitório do ECPDESP, foi indeferido por invocado não preenchimento do requisito de tempo de serviço necessário para tal contratação.

Na verdade, conforme se lê no processo administrativo anexo, no parecer que mereceu o despacho concordante da vice-presidente do IP… e para onde remete o despacho ora sindicado, entendeu-se que a circunstância de a autora ter prestado serviço docente de 1 de dezembro de 2006 a 14 de março de 2007 (3 meses e meio) “[…] em regime de prestação de serviços (recibos verdes) […]”  equivale a interrupção entre contratos celebrados ao abrigo do ECPCESP e, consequentemente, ao não preenchimento do pressuposto legal de contagem de 5 anos de serviço continuado, em regime de tempo integral, nos termos e para os efeitos do artigo 9º-B, al. a) e artigo 6º, nº 7, do ECPDESP.

E tendo sido este o fundamento invocado para o não deferimento do requerimento da autora, é sobre ele que deverá incidir o poder sindicante deste Tribunal com vista a concluir ou não pela verificação do vício de violação de Lei suscitado.

Vejamos então.

 

A natureza do contrato de serviço docente.

É incontroverso e incontrovertível não serem as partes, através do nomen juris dado por elas ao contrato, quem o qualifica, designadamente como, v. g.,  contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços.

 

Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são: o objecto do contrato (prestação de atividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

A distinção entre os dois tipos contratuais emerge, v.g., do elucidativo sumário do relativamente recente Ac do STJ de 22-9-2010 (Proc 4401/04.7TTLSB.S1):

 “(…)IV - O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar, através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

V - Como característica fundamental do vínculo laboral, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, exigindo-se, apenas, a mera possibilidade de ordens e direcção.

VI - As dúvidas de qualificação que se verificam com particular expressão no domínio de actividades tradicionalmente desenvolvidas em regime de profissão liberal, hoje crescentemente inseridas em estruturas organizacionais complexas, devem ser resolvidas no sentido da subordinação quando o profissional está sujeito a medidas organizativas e a uma disciplina de trabalho em cuja definição não participa.
VII - É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo estabelecido entre o Autor (Professor Catedrático) e a Ré (detentora de um estabelecimento de ensino superior privado) quando está demonstrado que: o Autor foi contratado para exercer as suas funções em regime de “tempo integral”, renunciando a igual compromisso com outra instituição pública ou privada de ensino superior ou de outro grau de ensino; o exercício das suas funções decorria no estabelecimento de ensino da Ré e em horário definido por ela, sendo o Autor avaliado pelos Departamentos desse estabelecimento de ensino; em contrapartida da sua atividade, o Autor auferia uma retribuição mensal de acordo com uma tabela fixada pela Ré, incluindo o mês de Agosto e os subsídios de férias e o de Natal; cessado o vínculo, a Ré entregou ao Autor a declaração de situação de desemprego, na qualidade de sua entidade empregadora.
VIII - A circunstância de não ter sido publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo não põe em causa, em face da sua natureza geral, a aplicabilidade do regime geral do contrato de trabalho e, concretamente, do regime da cessação do contrato de trabalho no que diz respeito às suas consequências legais (…)”.

 

E, na melhor Doutrina, é de destacar o ensinamento do Professor Menezes Leitão (Direito do Trabalho – Almedina/Coimbra – 2008, pp. 121 e122):

“(…) Na prática a opção das partes pelo enquadramento jurídico do trabalho autónomo em lugar do trabalho subordinado, pode ser realizada com objetivos distintos:

O  primeiro é, naturalmente, o objetivo fraudulento de elidir a aplicação do regime legal do contrato de trabalho, em prejuízo do trabalhador, fenómeno, aliás, extremamente comum. Trata-se de opção que não é legalmente permitida uma vez que a qualificação dos contratos e a  consequente aplicação do seu regime não depende da vontade das partes, mas sim do preenchimento dos pressupostos do respetivo tipo legal. Assim, nada impede o trabalhador, que se encontra falsamente enquadrado como prestador de serviços, de, a todo o tempo, denunciar a sua situação de trabalhador subordinado, caso em que o regime do contrato de trabalho lhe será obviamente aplicável (…)”

 

 

Evidencia-se na situação sub juditio que a autora celebrou com o IP…, em 23-2-2004, um contrato administrativo de provimento[3], como docente em regime de tempo integral, com a duração previsível de 3 anos, na categoria de “equiparado a assistente do 1º triénio” para substituir uma outra docente (a professora C…) [cfr 2º, dos factos provados.].

Esse contrato terminaria em 30-11-2006 em virtude do regresso às suas funções da docente substituída, professora C…[cfr 3º, dos factos provados].

Acontece que a autora acabou por não cessar ou interromper aquelas funções porquanto continuou a lecionação das mesmas disciplinas, em regime de tempo integral, e a realizar o mesmo tipo de trabalho que vinha realizando desde o início da execução do sobredito contrato de provimento celebrado em 23-2-2004 [Cfr. 4º e 5º, dos factos provados].

O trabalho docente da autora foi sempre prestado sob as ordens e direção da Unidade Orgânica do IP… – a ES… – com sujeição ao poder disciplinar respetivo [cfr 6º, dos factos provados].

 

A questão que se coloca é a de saber se, neste enquadramento factual, se pode concluir pela interrupção do contrato de provimento ou, pelo contrário, se a continuação, nos mesmos moldes, do trabalho docente anterior da autora, a partir de 30 de novembro de 2006, desqualifica o contrato como prestação de serviços e mantém inalterada a qualificação anterior.

 

A emissão dos vulgarmente denominados “recibos verdes” emitidos pelos prestadores de serviços, não constitui – longe disso e como se viu anteriormente – indício seguro de que a relação contratual que justifica tal emissão seja uma relação contratual de natureza não laboral.

O fundamental é surpreender nessa relação os elementos distintivos ou diferenciadores de ambos os tipos contratuais.

Assim é que se existe, designada e especialmente, uma relação de subordinação jurídica indiciada pela necessidade de cumprimento de um horário de trabalho e a prestação da própria atividade em conformidade com um regime estabelecido pela entidade remuneradora, com sujeição ao poder disciplinar desta e em local de trabalho também a esta pertencente, não se antolha possível uma outra qualificação que não a de relação jus laboral.

E, concretamente, se o objeto do contrato é a atividade docente, em regime de tempo integral, em estabelecimento de ensino superior público, dificilmente se concebe (para não afirmar a notória e absoluta impossibilidade de tal acontecer, pela sua própria natureza), o desenvolvimento de tal atividade à luz de um contrato de prestação de serviço.

Por isso é que, no caso concreto, se revela inquestionável que a autora manteve com a entidade demandada (e respetiva Unidade Orgânica), um ininterrupto contrato de provimento, de trabalho subordinado em funções públicas, tanto mais que, à data [30-11-2006] vigorava o DL nº 427/89 que, no seu artigo 14º, apenas previa o contrato administrativo de provimento ou o contrato de trabalho a termo certo, como únicas modalidades de contratação de pessoal na Administração Pública, com especificações para, designadamente, o pessoal docente do ensino superior politécnico (D L nº 185/81, de 1-7).

Tal situação torna não sufragável o entendimento de que a ausência de contratação escrita entre 30 de novembro de 2006 e 14-3-2007 – período em que a autora manteve o mesmo leque de funções que desempenhava anteriormente – tornou legítima e legal a (re)qualificação do contrato como de prestação de serviços e a consequente conclusão de existência de hiato (3 meses e meio) relevante na contratação à luz do disposto no citado artigo 9º-B, do ECPDESP, designada e especificamente para a desconsideração do tempo de serviço continuado exigível para a contratação da autora,  como professora adjunta, ao abrigo do art. 6º, nº 7, do Regime Transitório do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP – Decreto-Lei 207/2009 com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 7/2010).

 

Coloca, no entanto, a demandada a questão de ter a autora deixado sedimentar, na sua esfera jurídica, por ausência de reação durante 6 anos, a questão da qualificação do contrato a partir de 30 de novembro de 2006, como de prestação de serviços e, de forma dubitativa, enquadra a situação à luz do princípio da boa fé dos particulares perante a Administração [cfr arts 21 e ss., da douta contestação].

 

Todavia, se não se antolha questionável a boa fé da entidade demandada, seguramente que não se vê, necessariamente e do mesmo modo, fundamento para questionar a boa fé da autora.

Por outro lado, a entidade demandada não extrai quaisquer efeitos ou consequências jurídicas da mencionada alegação ou insinuação, certamente inócua na medida em que o pedido de requalificação formal do contrato pode ser feita a todo o tempo pelo trabalhador.

 

Por outro lado ainda, o que parece “justificar” o recurso ao regime formal da prestação de serviços, com pagamento das remunerações da autora mediante os denominados “recibos verdes”, terá sido a circunstância de não estarem então “(…) reunidos os pressupostos legais necessários à celebração de CAP [presume-se que seja este o acrónimo de “contrato administrativo de provimento”] com a A., nos termos do disposto nos arts 8º e 12º, do DL 181/85 (…)”   [Cfr artigo 11., da contestação, presumindo-se que ocorre na referência ao citado diploma um lapso de escrita na medida em que se tratará do DL nº 185/81, de 1-7, que aprova o então ECPDESP]

Naturalmente que, sendo este o fundamento, não é obviamente válido porquanto se a Lei impede a celebração de um tipo de contrato, não pode a Administração celebrá-lo, embora com outro nome, por lhe falecerem poderes para tal qualificação formal.

 

De todo o modo, ainda que eventualmente nula a contratação da autora, tal não obstava a que dessa circunstância se extraíssem efeitos válidos e eficazes à luz do disposto no artigo 134º-3, do CPA e dos princípios da confiança e da boa fé na prossecução da atividade administrativa [arts 6º-A, do CPA e 266º, da Constituição).

À luz deste enquadramento legal e jurídico, numa relação contratual, maxime com um docente, o estabelecimento de ensino público não poderá deixar de relevar o direito à antiguidade e à remuneração do docente, direitos em caso algum intocados pela eventual nulidade do contrato.

 

Do exposto se pode concluir, em síntese, que não há fundamento válido para extrair a conclusão de que houve interrupção entre contratos superior a 3 meses e meio e, consequentemente, que a autora não reunia a antiguidade necessária para a requerida contratação como professora adjunta.

 

III DECISÃO

Destarte, julgo totalmente procedente esta ação instaurada por C… e, conforme pedido:

a) anulo o ato de indeferimento do requerimento de contratação da autora apresentado em 8-7-2013 e determino a substituição desse ato por outro, de deferimento total com consequente reconhecimento do direito à contratação como professora adjunta, desde 31-10-2012,  ao abrigo do artigo 6º, nº 7 do Regime Transitório do ECPDESP e

b) condeno a entidade demandada a pagar ou promover o pagamento das diferenças salariais entre as remunerações efetivamente recebidas pela autora desde 31-10-2012, na categoria de equiparado a assistente do 1º triénio e as que lhe seriam devidas na categoria de professora adjunta, com juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada um dos salários até integral e efetivo pagamento.

  • Notifique-se, por cópia, esta sentença e deposite-se o original (art. 23º-3, do Regulamento).
  • Valor da causa: 20.001 € [vinte mil e um euros].

 

Lisboa e CAAD, 13 de maio de 2014

 

O juiz árbitro,

 

 

(José A. G Poças Falcão)

 

 



[1] Cfr preâmbulo do citado DL 207/2009.

 

[2] Consideram-se anos de serviço continuados aqueles em que a interrupção entre contratos, ainda que com mudança de instituição, não ultrapasse três meses – artigo 9º-B, do ECPDESP, com alteração do artigo 4º, da Lei nº 7/2010.

[3] E o  Regime do Contrato de Trabalho do direito privado, para efeitos de qualificação do contrato, é, no essencial, também aplicável à contratação pública.