Decisão Arbitral
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IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A..., portadora do contribuinte n.º..., residente na Rua ... n.º..., ...-... ...;
Demandados: B... (B...), pessoa coletiva de direito público, com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ...; e C... (C...), com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ... .
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OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante propôs contra os Demandados a presente ação «de impugnação de ato administrativo, reconhecimento de situação jurídica subjetiva e condenação na prática de atos devidos», peticionando, concretamente, (i.) a anulação do ato de indeferimento da realização de provas públicas com vista à transição para uma categoria profissional superior (professor coordenador), por vícios de forma e de violação de lei; (ii.) o reconhecimento do seu direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para transitar da categoria de professor adjunto para a de professor coordenador; (iii.) a condenação dos Demandados à prática dos atos jurídicos e operações materiais exigidos para a realização e prestação das referidas provas públicas; e (iv.) a condenação dos Demandados em custas e encargos da demanda.
Alega, para tal, ter direito (por estarem verificados os respetivos pressupostos de facto e de direito) à realização de provas públicas de avaliação e competência pedagógica e técnico-científica para transitar para a categoria de professor coordenador, por via da interpretação extensiva ou integração do regime resultante do disposto no artigo 5.º e do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio e no preâmbulo e artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto.
Sustenta, em suma, que o ato de indeferimento do pedido para a realização de provas públicas de avaliação e competência pedagógica e técnico-científica para transitar para a categoria de professor coordenador (cf. documento n.º 3, junto com a Petição Inicial) está ferido de ilegalidade por (i.) violação do direito de audiência prévia; (ii.) falta de fundamentação; e (iii.) violação do disposto no artigo 5.º e do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio e no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto.
Os Demandados apresentaram contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. Relativamente à matéria de exceção invocam (i.) a falta de verificação do requisito temporal para a prestação de provas; (ii.) a incompetência absoluta do CAAD; e (iii.) a ilegitimidade passiva da C... . Relativamente à matéria de impugnação invocam que não se verificam quaisquer dos vícios imputados pela Demandante relativamente ao ato impugnado.
Foi notificada a Demandante para, requerendo, se pronunciar quanto à matéria de exceção e, bem assim, quanto aos documentos juntos com a Contestação, tendo vindo aos autos contraditar a existência das exceções invocadas e apresentar pronúncia quanto aos documentos juntos.
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Das questões prévias suscitadas pelos Demandados
Conforme se deixou exposto, na sua contestação, os Demandados suscitam três questões prévias: (i.) a falta de verificação do requisito temporal para a prestação de provas; (ii.) a incompetência absoluta do CAAD, que relaciona com o valor da causa da presente ação; e (iii.) a ilegitimidade passiva da C... .
Cumpre, portanto, apreciar as questões prévias suscitadas pelos Demandados:
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Quanto à falta de verificação do requisito temporal para a prestação de provas:
No que se reporta a esta questão, cumpre desde já mencionar que o fundamento alegado – portanto, a falta de verificação do requisito temporal para a prestação de provas – não consubstancia defesa por exceção, mas sim defesa por impugnação.
Com efeito, dispõe o Demandado defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição (denominada “impugnação de facto”), ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor (denominada “impugnação de direito”) e defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação (exceção dilatória) ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido (exceção perentória).
Ora, no caso, com o fundamento invocado, os Demandados contradizem os factos articulados na petição – alegam que os factos não se verificam –, pugnando, assim, pela não verificação dos requisitos de que a lei faz depender o direito (à prestação de provas), pelo que se defendem por impugnação (de facto) e não por exceção.
A impugnação (quer seja de facto, quer seja de direito), caso venha a vingar – o que será analisado em sede de apreciação do mérito da causa –, determina a improcedência da ação e, por conseguinte, a absolvição do demandado do pedido.
Em face do exposto, e porque o fundamento alegado não comporta matéria de exceção.
Acrescente-se, ainda assim, que conforme resulta da matéria de facto que abaixo se dá como provada, decorre que o Tribunal considera que não têm razão os Demandados na sua alegação.
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Quanto à incompetência absoluta do CAAD:
A segunda questão a resolver consiste em saber se o presente Tribunal Arbitral é competente para dirimir o presente litígio.
Na sua contestação, os Demandados sustentam que, apesar da Demandante ter atribuído à presente ação o valor de € 5.156,01 (cinco mil, cento e cinquenta e seis euros e um cêntimo), verifica-se a incompetência do Tribunal, considerando que (i.) não é legalmente possível atribuir-se um valor determinado aos pedidos formulados pelo autor, em particular, considerando que, no caso, foi deduzido um pedido de reconhecimento de direitos, sendo, em consequência, o valor da presente ação «no mínimo, € 30.000,01» e (ii.) nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do B..., anexo ao Despacho n.º 8839/2011, publicado em Diário da República n.º 126/2011, Série II, de 2011.07.04, prevê-se que «O CAAD poderá dirimir litígios de valor não superior a 30.000 euros». Ou seja, entendem os Demandados que, atendendo a que os pedidos formulados na ação consistem no reconhecimento de direitos alegados pelo autor, seria forçoso concluir que o presente processo teria um valor indeterminável (por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 34.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos(“CPTA”), nos termos do qual se dispõe que «(…) quando o valor da causa seja indeterminável considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo»).
Notificada a Demandante para, querendo, se pronunciar quanto à exceção invocada, veio pugnar pela improcedência da mesma, juntando, para o efeito, aos autos, uma declaração subscrita pela Demandante e pela Presidente do Demandado B..., nos termos da qual, declaram, para efeitos dos presentes autos (cuja identificação resulta do cabeçalho), «com efeitos reportados a 31 de agosto de 2017», submeterem «ao Centro de Arbitragem Administrativa CAAD a decisão do objeto do presente litígio, com o valor de €30.001,00, nele pendente».
Entende-se, todavia, que não assiste razão aos Demandados, pelo menos no que se refere ao litígio com o Demandado B... (o que, de resto, conforme se deixará exposto a propósito da ilegitimidade passiva da Demandada C..., não será suscetível do colocar em causa a apreciação material da causa a decidir).
Sendo certo que assiste razão aos Demandados quando invocam que, na fixação do valor da causa, deverá adotar-se a regra aplicável às ações de valor indeterminável (no n.º 2 do artigo 34.º do CPTA), o que implica, que o valor da causa seja fixado em € 30.000,01, já não lhes assistirá razão quando invocam a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.
É que, dispõe o artigo 184.º do CPTA que:
«1 - A outorga de compromisso arbitral por parte do Estado é objeto de despacho do membro do Governo responsável em razão da matéria, a proferir no prazo de 30 dias, contado desde a apresentação do requerimento do interessado.
2 - Nas demais pessoas coletivas de direito público, a competência prevista no número anterior pertence ao presidente do respetivo órgão dirigente.» (realce nosso).
Ora, o Demandado B..., na pessoa do seu Presidente [cf. n.º 3 do artigo 44.º-A do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico e alínea y) do n.º 1 do artigo 27.º dos Estatutos do Instituto, em anexo ao Despacho normativo n.º .../2009, de ... de ... de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º ... –... de Fevereiro de 2009, páginas 4786 a 4796] –, subscreveu, conjuntamente, compromisso arbitral, declarando, de modo expresso e inequívoco e reportando efeitos a 31 de agosto de 2017, a sua vontade de que seja decidido pelo CAAD o objeto do litígio nele pendente com o número de processo 15/2017-A, com o valor de € 30 001,00, submetendo um tal compromisso à apreciação deste Tribunal. Com efeito, conforme decorre do documento junto pela Demandante na sua resposta às exceções (cf. documento n.º 3 junto com aquela peça processual), a Presidente do Demandado B..., declarou, para efeitos dos presentes autos (cuja identificação resulta do cabeçalho), «com efeitos reportados a 31 de agosto de 2017», submeter «ao Centro de Arbitragem Administrativa CAAD a decisão do objeto do presente litígio, com o valor de €30.001,00, nele pendente».
Ora, sendo competente para a outorga de um compromisso arbitral nos termos do disposto no artigo 184.º do CPTA o «presidente do respetivo órgão dirigente» e tendo a Presidente do B... declarado aceitar a submissão do litígio a arbitragem, com o valor de € 30.001,00, está garantida a competência deste Tribunal Arbitral para decidir do mérito da causa.
Assim, poderia não o ser quanto à Demandada C..., não obstante, pelos fundamentos que se deixarão expostos a propósito da exceção invocada quanto à ilegitimidade passiva desta Demandada, fica prejudicada a questão.
Em face do exposto e dos fundamentos que se deixaram explicitados, (i.) julga-se improcedente a exceção invocada de incompetência absoluta do Tribunal e (ii.) fixa-se o valor da causa em € 30.000,01.
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Quanto à ilegitimidade passiva da C...:
A segunda questão prévia a conhecer diz respeito à alegada ilegitimidade passiva da Demandada C... .
Os Demandados sustentam que a Demandada C... é uma «unidade orgânica de ensino e investigação do B... (B...)” e não uma pessoa coletiva de direito público, não dispondo, consequentemente, de personalidade jurídica.
Na sua resposta, a Demandante não se pronunciou sobre esta exceção.
Cumpre, portanto, decidir.
Efetivamente, as entidades com personalidade judiciária no contencioso administrativo são as pessoas coletivas públicas e, no caso da pessoa coletiva pública “Estado”, os respetivos ministérios (n.º 2 do artigo 10.º do CPTA).
Não há qualquer dúvida que o Demandado B... tem personalidade jurídica e judiciária, pois a lei reconhece claramente que se trata de uma pessoa coletiva pública (n.º 1 do artigo 3.º dos seus Estatutos, aprovados pelo Despacho Normativo n.º .../2009, de ... de janeiro).
Já a Demandada C..., apesar de gozar de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural e administrativa, não tem personalidade jurídica, pois é uma unidade orgânica integrada no Demandado B... [al. a), do n.º 1 e al. g), do n.º 2, do artigo 7.º dos Estatutos do B..., aprovados pelo Despacho Normativo n.º .../2009, de ... de janeiro e n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º dos Estatutos da C..., aprovados pelo Despacho n.º .../2009, de ... de junho].
Ou seja, não se tratando da pessoa coletiva pública “Estado”, quem tem personalidade é, efetivamente, o Demandado B... e não a Demandada C... .
Contudo, tal circunstância não obsta à possibilidade de a presente ação arbitral prosseguir contra a entidade com legitimidade passiva, que é o Demandado B..., pois a Demandante também propôs a ação contra o B..., podendo os seus pedidos prosseguir contra esta entidade.
Em consequência e com os fundamentos que se deixaram expostos, julga-se procedente a invocada exceção de ilegitimidade da Demandada C..., pelo que se considera esta como parte ilegítima nos presentes autos, determinando-se a sua absolvição da instância, prosseguindo os autos contra o Demandado B... .
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FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
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Entre 11.04.1991 até 19.10.2002, a Demandante exerceu funções de docente universitária em regime de tempo integral/exclusividade, nas categorias de Assistente estagiária e Assistente, no departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de ... .
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Desde de 19.10.2002 (pelo menos até 3 de agosto de 2017), a Demandante, em regime de prestação de serviço a tempo integral ou exclusividade na C..., exerceu funções docentes nas categorias de Equiparada a Assistente de 2.º triénio, Equiparada a Professor Adjunto e Professor Adjunto.
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Desde 22.04.2008, a categoria da Demandante é de Professor Adjunto.
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A Demandante possuía, até 3 de agosto de 2017, antiguidade em funções docentes na C... de catorze anos, nove meses e dois dias.
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A Demandante exerceu funções docentes no ensino superior público, em regime de exclusividade ou em regime de tempo integral, durante mais de 20 anos, contados até 18.08.2016.
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A Demandante, em 27.12.2016, requereu ao Presidente da C... a prestação de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para a categoria de Professor Coordenador.
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A Demandante, por ofício, datado de 01.06.2017, subscrito pela Vice-Presidente da C..., foi informada que, na sequência do Requerimento com Entrada na C.../P. ... Ref.º n.º ... de 27.12.2016, se remete para conhecimento o parecer recebido por Ofício Ref.ª .../ .../ ... / 2017, de 8.5, da Ex.ma Senhora Presidente do B..., Prof.º D..., e que, nos termos aí consignados, firma a interpretação da Instituição quanto ao requerido.
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez, concretamente, com base nos documentos indicados e juntos sobre cada um dos pontos e, por corresponderem a afirmações da Demandante que não são contrariadas pelo Demandado.
Assim:
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O facto I. resulta provado por via da prova documental junta, especificamente, pelo documento n.º 5 junto com a Petição Inicial;
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Os factos II., III. e IV. resultam provados por via da prova documental junta, especificamente, pelo documento n.º 4 junto com a Petição Inicial;
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O facto V. resulta provado por via da prova documental junta, especificamente, pela conjugação dos documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a Petição Inicial;
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O facto VI. resulta provado por via da prova documental junta, especificamente, pelo documento n.º 2 junto com a Petição Inicial;
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O facto VII. resulta provado por via da prova documental junta, especificamente, pelo documento n.º 3 junto com a Petição Inicial.
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Do DIREITO
Em primeiro lugar, a Demandante peticiona a anulação do ato administrativo de indeferimento do pedido de realização das provas públicas suscetíveis de possibilitar a transição para a categoria superior de professor coordenador, com fundamento em vícios de forma e violação de lei, a saber:
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Falta de audiência do interessado;
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Falta de fundamentação do ato administrativo;
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Violação do disposto no n.º 5, do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto.
Apreciemos, individualmente, cada uma das questões suscitadas pela Demandante.
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Do vício de forma por preterição da audiência do interessado:
Alega a Demandante que o ato administrativo impugnado padece de vício de forma por falta de audiência do interessado, considerando que o ato administrativo impugnado decidiu contrariamente à sua pretensão e, ainda, que não foi ouvida no procedimento antes da tomada de decisão final.
Na verdade, entende a Demandante, neste ponto, a nosso ver, bem, que a decisão final se consubstancia no texto do ofício de 01.07. 2017 da Vice-Presidente da C... . Considera, portanto, que não tendo havido audiência do interessado antes dessa decisão, o ato em questão estaria viciado, pois não teria sido dado cumprimento ao disposto nos artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
Por seu turno, o Demandado B... defende-se invocando que a audiência prévia reveste «o caráter de mera formalidade não essencial, porquanto o ato praticado só podia ter o conteúdo de teve» (cf. artigo 30.º da Contestação), pelo que o «ato praticado é estritamente vinculado» (cf. artigo 33.º da Contestação).
Entendemos que assiste razão à Demandante na alegação de que o ato deveria ter sido antecedido da audiência do interessado, tal como o artigo 121.º CPA exige, tendo em consideração que decide desfavoravelmente a pretensão da Demandante e não se mostram aplicáveis quaisquer das outras situações suscetíveis de dispensar a audiência dos interessados (previstas no artigo 124.º CPA).
Não obstante, sem prejuízo de ter sido preterida a audiência prévia, dispõe a al. a), do n.º 5 do artigo 163.º do CPA que não se produz o efeito anulatório quando «o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado» [veja-se, neste sentido, além dos acórdãos citados pelo Demandado nos artigos 32.º e 33.º da sua Contestação, entre muitos outros, o acórdão do TCA Norte, de 19.12.2014, proferido no âmbito do processo n.º 02841/12.7BEPRT (disponível em www.dgsi.pt)].
Significa isto que é afastado o efeito anulatório por vício de forma quando o seu conteúdo seja vinculado e a Administração não pudesse ter adotado uma decisão diferente – o que se entende ter sucedido no caso trazido aos autos. Na verdade, e conforme melhor se terá oportunidade de deixar exposto no âmbito da análise do quadro normativo materialmente aplicável –, o ato praticado teria necessariamente de ser um ato de indeferimento.
Deste modo, não obstante impendesse sobre o Demandado a notificação para que a Demandante se pudesse pronunciar em sede de audiência prévia, tal omissão não é suscetível de determinar a anulação do ato administrativo impugnado, na medida em que (e pelos fundamentos que deixaremos expostos] o ato a praticar não poderia ter tido conteúdo diferente, circunstância que não seria afetada caso tivesse sido produzida a audiência prévia.
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Do vício de forma por falta de fundamentação:
Argumenta, ainda, a Demandante que o ato administrativo impugnado padece de falta de fundamentação, por carecer da respetiva fundamentação de facto e de direito. Afirma, a este propósito, que «(s)endo certo que, a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres» (artigo 62.º da Petição Inicial), tal «parecer não é sequer um documento oficial da entidade pública-B... » (artigo 64.º da Petição Inicial). Mais defende que «o parecer jurídico não dá resposta concreta ao objeto do requerimento. O parecer tem como objeto de estudo “Situação artigo 6.º- provas Públicas de Avaliação de Competências» (artigo 65.º da Petição Inicial).
Entende-se, todavia, que, neste vício, não assiste razão à Demandante, pois, conforme afirma no artigo 62.º da sua petição inicial «a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres», sendo irrelevante que o ato administrativo seja alicerçado em parecer emitido por uma entidade externa à entidade que pratica o ato. Com efeito, o que assume relevância é que a decisão seja praticada pela pessoa/órgão competente para decidir a pretensão, ainda que suportada em parecer – independentemente de ser emitido por entidade externa ou pelos próprios serviços.
Mais se considera que não assiste razão à Demandante no que se refere ao âmbito material de análise do parecer emitido, na justa medida em que versa sobre a interpretação do regime do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, concretamente, no que concerne ao âmbito subjetivo de aplicação – recorde-se, que na al. b) do artigo 6 da Petição Inicial, a Demandante delimita como objeto da presente lide [o que de resto também decorre da al. b) do pedido formulado] o «reconhecimento do direito da Demandante à realização/prestação, ao abrigo do regime resultante do disposto no n.º 5, do art.º 8º-A, do DL n.º207/2009, na redação da Lei n.º 7 / 2010, no preâmbulo do DL n.º45/ 2016 e do art.º 6º deste diploma, de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico científica para transitar para a categoria de Professor coordenador» (sublinhado nosso).
O que se poderia colocar em dúvida é se, através do ofício de 01.07.2017, se estava efetivamente a indeferir a pretensão da Demandante, considerando que, não é expressamente referido no ofício que é indeferida a pretensão. Certo é que a Demandante percecionou, e bem, daquele ofício uma decisão de indeferimento, o que, de resto, justificou a presente ação impugnatória.
Deste modo, improcede o vício de falta de fundamentação invocado pela Demandante.
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Da violação de lei por incompatibilidade do ato com o n.º 5, do artigo 8.º- A, do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto:
A Demandante invoca que o ato administrativo impugnado violou a correta interpretação e aplicação da norma resultante do disposto no n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, e do preâmbulo e do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto.
Alega, para tal, que resulta das disposições identificadas que os professores adjuntos têm o direito de solicitar a realização de provas públicas de avaliação das suas competências, para efeitos de transição para a categoria de professor coordenador (categoria imediatamente a seguir), dispensando-se, assim, o regime geral de evolução na carreira por via do concurso documental, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º-A do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP).
Ora, também quanto à verificação deste específico vício se entende não assistir razão à Demandante.
Conforme reconhece a Demandante, o Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, não prevê expressamente, no respetivo articulado, a possibilidade de professores adjuntos transitarem para a categoria de professores coordenadores através da realização de provas públicas. Considera, todavia, que essa possibilidade decorre de uma interpretação extensiva ou integrativa, em que o regime anteriormente vigente deveria continuar a ser aplicado.
Sucede que, conforme exposto, não lhe assiste razão.
Na verdade, estabelecendo o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, que os docentes que, à data de 18 de março de 2016, exerciam funções de docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 20 anos, poderiam requer até 31 de dezembro desse ano a prestação de provas públicas de avaliação e competência, resulta do âmbito subjetivo de aplicação da norma, que a mesma apenas é aplicável aos assistentes, e os equiparados a assistente, professores-adjuntos e a professores coordenadores, isto é, aos “equiparados” a professores adjuntos, mas não aos professores adjuntos (que não estão em situação de equiparação). Isso mesmo decorre do n.º 1 artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, em que se prevê expressamente que «Os assistentes e os equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exerçam funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 20 anos podem, até 31 de dezembro de 2016, requerer a prestação das provas a que se referem os nos 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio» (realce nosso).
Acresce ainda que, o n.º 2 do referido artigo, ao prever a consequência da aprovação nas provas públicas, é claro em dispor que essa consequência é a transição para um contrato por tempo indeterminado, o que não teria qualquer enquadramento no caso concreto, na justa medida em que os professores adjuntos já beneficiam desse tipo de vínculo (n.º 1 do artigo 10.º-B do ECPDESP).
Ademais, recorrendo ao elemento de interpretação histórica, é possível retirar a conclusão de que a norma do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016 não tem aplicação ao caso concreto.
Conforme se decidiu no Processo n.º 51/2017-A, que aqui se transcreve, «na presente situação, o legislador estava consciente da situação dos professores coordenadores, pois num primeiro momento temporal reconheceu a possibilidade evolução na carreira através de um regime excecional por via das ditas provas públicas (n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio) e, mais tarde, uma vez esgotado o prazo em que se poderia aproveitar esse regime, deixou de a contemplar. Com efeito i) foi evidente, num primeiro momento temporal, que o legislador ofereceu a várias categorias profissionais (como os professores coordenadores) a possibilidade de evoluir na carreira através de provas públicas e ii) num segundo momento, a lei deixou de referir a maioria dessas categorias. Ora, face a uma sucessão de leis sobre o mesmo assunto onde é claro que se deixou de referir expressamente carreiras que antes eram abrangidas, é legítimo presumir que teria sido objetivo do legislador não lhes renovar a possibilidade de transição na carreira por via das ditas provas públicas por um novo período temporal.
É certo que, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, se refere que “Faculta-se igualmente possibilidade de a realização das provas públicas para a transição para a carreira, introduzida pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, através do aditamento dos n.os 9, 10 e 11 ao artigo 6.º e do n.º 5 do artigo 8.º-A ao Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, aos docentes que contem, desde 1 de setembro de 2009, 20 anos de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva”.
Por essa razão, o autor entende que a vontade expressa do legislador seria, uma vez mais, a de renovar a possibilidade de prestação de provas públicas pelos professores coordenadores, para transitarem para professores coordenadores principais, pois aí se alude ao regime transitório e excecional que vigorou quanto a estes. E também é certo que a redação do preâmbulo poderá induzir em erro, na medida em que parece dar a entender que é intenção do legislador renovar o regime que vigorou e do qual os professores coordenadores beneficiaram.
Porém, o parágrafo em questão do preâmbulo também pode ser entendido de outra forma, como fazendo alusão ao aproveitamento do mecanismo das provas públicas como forma de transição na carreira (o qual já havia sido utilizado por outro diploma legislativo), mas agora relativamente a um universo de docentes relativamente diferente e com um outro propósito e fundamento.
Ou seja, a leitura deste parágrafo do preâmbulo com o mencionado n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, pode e deve ser integrada com esta disposição, por forma a que se entenda que se utilizou novamente o mecanismo das provas públicas como forma de transição de carreiras (o qual já havia sido acolhido pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio), mas agora relativamente a apenas certas carreiras docentes e não a todas. Parece-nos que é essa a interpretação mais adequada em função do texto do preâmbulo ser mais abrangente que o do artigo 6.º.
(…)
Em suma, a natureza transitória e excecional desse regime aconselha a que se interprete o regime do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, no sentido de essa possibilidade não ter sido renovada, uma vez que não foi expressa de forma clara. Por outras palavras, tendo em conta que a transição de carreiras por via de provas públicas para os professores coordenadores era excecional e transitória, esperar-se-ia que a sua renovação estivesse acolhida de forma inequívoca, quando não o foi».
Por fim, conforme sustenta o Demandado (artigos 89.º a 92.º da Contestação), o principal objetivo do regime de transição de carreiras através do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, terá sido a criação de condições para uma redução da precariedade no corpo docente dos estabelecimentos de ensino superior politécnico, o que decorre do preâmbulo e do n.º 2 do artigo 6.º do diploma, o que não ocorre com os professores adjuntos que, conforme se dispõe no n.º 1 do artigo 10-B do ECPDESP, «são contratados por tempo indeterminado com um período experimental de cinco anos» (realce nosso).
Em face do exposto, julga-se improcedente o vício de violação de lei por não se ter reconhecido a possibilidade de um professor adjunto evoluir na sua carreira através de provas públicas, nos termos das disposições que invocou, em vez de seguir a via do concurso documental, pelo que se julga improcedente o pedido de anulação do ato de indeferimento praticado.
Consequentemente, julga-se, igualmente, improcedente (i.) o pedido da Demandante para que lhe seja reconhecido o direito a realizar provas públicas para transitar para a categoria de professor coordenador e (ii.) o pedido de condenação do Demandado a praticar os atos e operações materiais necessárias à realização das provas públicas, pelas mesmas razões que motivaram a inexistência de vício de violação de lei do ato de indeferimento da realização das provas públicas.
Improcede ainda o pedido de pagamento das custas e encargos pelos Demandados, considerando que não tem qualquer apoio no regime do Regulamento e Tabela de Encargos Processuais do CAAD, sendo por isso rejeitado.
Decisão:
Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:
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Fixar o valor da causa em € 30.000,01;
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Absolver da instância a Demandada C..., por ilegitimidade passiva;
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Não conferir efeitos anulatórios ao vício de forma do ato por preterição da audiência do interessado;
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Não anular o ato de indeferimento com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação ou violação de lei;
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Não reconhecer à Demandante o direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para transição para a categoria de Professor Coordenador e, bem assim, não condenar o Demandado B... à prática dos atos jurídicos e operações materiais, exigidos para a realização e prestação das referidas provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica, para transitar para a categoria de Professor Coordenador, absolvendo-a, assim, dos pedidos contra si formulados; e
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Não condenar o Demandado B... pelas custas e encargos da demanda, absolvendo-a, assim, deste mesmo pedido.
Deposite-se, registe-se e notifiquem-se as partes, com cópia, alterando-se o valor do processo em conformidade.
Porto, 6 de junho de 2018
O Árbitro,
(Rui Mesquita Guimarães)