Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 72/2014-T
Data da decisão: 2014-07-23  Selo  
Valor do pedido: € 16.726,00
Tema: Propriedade vertical - Verba nº 28 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 29.01.2014, A..., solteiro, maior, com o número de identificação fiscal ..., titular do cartão de cidadão nº ..., emitido pela República Portuguesa, residente na Travessa …, Lisboa e B..., solteiro,  maior, com o número de identificação fiscal ..., titular do cartão de cidadão nº …, emitido pela República Portuguesa, residente na Travessa …, Lisboa, requereram ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e anulação:

-  Dos atos de liquidação de Imposto de Selo, Verba nº 28 da respetiva  Tabela Geral, relativa ao ano de 2012 e atinentes ao artigo matricial urbano nº 585, freguesia da Lapa, datadas de 21.03.2013, que lhes foram notificadas.

 -  Do ato de indeferimento de reclamação graciosa apresentada, em coligação, pelos Requerentes contra as aludidas liquidações.

 

  2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

  Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o Dr. Marcolino Pisão Pedreiro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo, no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 31.03.2014

 

  3. A reunião prevista no artigo 18º do RJAT teve lugar no dia 21.05.2014 de 2014, pelas 15.30 horas.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, são, sinteticamente, os seguintes:

- Os atos de liquidação padecem de falta de fundamentação, devendo ser anulados em consequência deste vício de forma, por violação do art. 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa e do art. 77º, nº 1, da LGT.

- Os autores apenas tomaram conhecimento das liquidações de imposto em crise aquando da receção das notas de cobrança juntas aos autos, que referem apenas a identificação de cada um dos apartamentos e caves relevantes e o respetivo valor patrimonial tributário, havendo tantas liquidações de imposto de selo quantos os apartamentos e caves dos quais são usufrutuários, o que mostra que, pelo menos num primeiro momento, a AT apreendeu a realidade do imóvel em causa.

- Foram os apartamentos e caves que constituem o prédio em apreço avaliados para efeitos de IMI de modo individual e autónomo, tendo-lhe sido atribuído um valor muitíssimo inferior a 1 milhão de euros.

- Não se compreende, porque a AT não explica, porque fez incidir, mediante as liquidações contestadas, sobre cada um daqueles apartamentos e caves um imposto que apenas se deveria aplicar se os mesmos tivessem um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros.

- Adicionalmente, no exame da reclamação graciosa apresentada pelos ora autores, plasmado no ato de indeferimento da mesma, não se analisam, efetivamente, os factos e o direito em causa, permanecendo por explicar a atuação da AT.

- Sendo que equivale a falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam, concretamente, a motivação do ato por forma a permitir ao seu destinatário a apreensão do iter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração.

-As liquidações estão também inquinadas do vício de falta de audição prévia uma vez que os requerentes não foram ouvidos em qualquer momento anteriormente às liquidações de Imposto de Selo, como impõe o art. 60º, nº 1, al. a), da LGT, devendo as mesmas, em consequência, ser anuladas.

- Carece de fundamentação a alegação, feita pela AT na decisão de  indeferimento da reclamação apresentada de  que, in casu, estariam em causa poderes vinculados, pelo que seria inútil a audição do particular, pois que a AT procedeu a uma errónea interpretação e aplicação da Lei, o que poderia ter sido salientado e explicado em sede de audição, mas não foi possível, devido à violação do direito de audição.

 

- A nova Verba nº 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, introduzida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, num contexto de profunda crise económico-financeira, visava quem, tendo capacidade contributiva manifestada pela titularidade de património em montante superior a determinado valor, contribuísse igualmente, e de forma até reforçada, na medida dessa capacidade.

- Visou-se criar uma tributação específica para os titulares das denominadas «casas de luxo», ou seja para aquelas com elevados rendimentos e/ou património, o que permite concluir ser esta a ratio, o espírito, da Verba em questão.

- A AT impõe sobre os Requerentes um imposto que visa tributar o património tido como de luxo, presumindo-se que tal património reflete uma capacidade contributiva acrescida dos mesmos autores para a contribuição do esforço de ajustamento, que não se verifica no caso concreto, não estando em causa qualquer «casa de luxo», pois encontramo-nos face a um conjunto de várias casas, de utilização independente e que são destinadas à habitação de diferentes famílias, cujo valor, quer o tributário, que o de mercado, é muitíssimo inferior a 1 milhão de euros.

- Ao fixar o valor patrimonial tributário do prédio a  AT avaliou cada um dos apartamentos  e cada uma das caves individualmente  e não o prédio como um todo, tendo na sequência daquelas várias avaliações somado os valores patrimoniais fixados e a  cada um dos apartamentos e caves foi fixado um valor patrimonial tributário próprio.

- Tendo o legislador entendido que cada fração autónoma deveria ser tratada como um prédio, no caso em apreço, ter-se-á de aplicar este mesmo entendimento relativamente a cada apartamento e cave do edifício inscrito sob o artigo nº 585 da freguesia da Lapa, posto que, em termos materiais a situação dos autos é em tudo idêntica à de um edifício relativamente ao qual foi constituída propriedade horizontal, não se vislumbrando qualquer razão para serem  tratadas de forma diferente.

- Entendimento díspar implicaria a adoção de uma interpretação da Verba nº 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo manifestamente violadora do princípio da igualdade, constante do artigo 13º da Constituição

 

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por  impugnação, tendo  alegado, em síntese, com o seguinte:

-A situação do prédio dos Requerentes subsume-se, literalmente, na previsão da verba em causa.

- Os Requerentes são usufrutuários  de um prédio em regime de propriedade total ou vertical  e da noção de prédio do art. 2º do CIMI só as frações autónomas de prédios em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios.

- Os ora Requerentes para efeitos de IMI e também de imposto de selo, por força da redação da referida verba, não são usufrutuários de 13 frações autónomas, mas sim de um único prédio.

-O que os ora requerentes  pretendem é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e do da propriedade horizontal, mas o intérprete não pode equipar estes regimes, em consonância com a regra segundo o qual, os conceitos de outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é atribuído nesses ramos de direito, bem como pela circunstância de não ocorrer a existência duma lacuna.

-A unidade do prédio em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é afetada, pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões, serem suscetíveis de utilização económica independente.

- O facto de o IMI ter sido apurado em função do Valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta, igualmente, a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral.

- O legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

-Essa discriminação  pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.

- Será inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado por frações  autónomas que não existiam à data da liquidação.

 

 

6. As partes apresentaram alegações escritas nas quais  mantiveram  as suas posições.

 

7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

II – A matéria de facto relevante

8. O tribunal considera provados os seguintes factos:

 

1.   Os autores são usufrutuários inscritos na matriz predial, em partes iguais, de um edifício sito na lapa, o qual se encontrava, no ano de 2012, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº …, freguesia da ….

2.   Este prédio encontrava-se em 2012 dividido em 14 partes suscetíveis de utilização independente, sendo 13 destinadas a habitação, das quais uma ao nível da cave, e uma parte destinada a arrecadação e arrumos também na  cave.

3.   Vários daqueles apartamentos encontram-se arrendados a terceiros para habitação, desde há mais de 30 anos.

4.    Ao fixar o valor patrimonial tributário do prédio  AT avaliou cada um dos apartamentos  e cada uma das caves individualmente  e não o prédio como um todo, tendo na sequência daquelas várias avaliações somado os valores patrimoniais fixados, para efeitos de atribuição do valor patrimonial tributário ao prédio.

5.   A cada uma  das partes suscetíveis de utilização independente foi fixado um valor patrimonial tributário próprio.

6.   A nenhuma das partes suscetíveis de utilização independente foi fixado um valor patrimonial tributário superior a duzentos e sessenta  mil euros.

7.   O prédio em questão não se encontrava em 2012 constituído em propriedade horizontal.

8.   A AT procedeu à liquidação de imposto de selo objeto do presente processo, relativamente a cada uma das partes suscetíveis de utilização independente que constituem o prédio.

9.   A Administração tributária efetuou tantas liquidações quantas das partes suscetíveis de utilização independente que constituem o prédio em causa, sendo a verba nº 28 da Tabela  Geral do Imposto de Selo aplicada ao valor patrimonial tributário de cada uma delas determinado individualmente pela AT.

10.                       As liquidações causa no processo ascendem ao valor de total de 16.726,00 €.

11.                       A AT tem procedido anualmente, incluindo para o ano de 2012, às liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis de modo autónomo sobre cada um dos apartamentos ou caves que compõem o edifício, aplicando a outros  a suspensão da liquidação prevista no artigo 118º do Código do IMI.

12.                       Em Abril, Julho e Novembro de 2013, os ora autores foram notificados das liquidações de imposto de selo, primeira, segunda e terceira prestações, pela aplicação da Verba nº 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, com referência ao ano de 2012, sobre as 13 partes suscetíveis de utilização independente destinadas a habitação.

13.                        Os Requerentes não foram notificados, previamente às liquidações,  com vista ao exercício do direito de audição antes da liquidação.

14.                       Na fundamentação de cada uma das liquidações consta a identificação do artigo matricial  e da parte suscetível de utilização independente em causa, bem como o valor patrimonial tributário dessa parte e ainda o valor patrimonial tributário resultante da soma dos valores patrimoniais tributários de todas as suas partes,  contando ainda o ano do imposto, a taxa e também a referência à verba 28.1 da TGIS.

15.                       Em Agosto de 2013, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa das liquidações, com referência ao valor das primeira e segunda prestações, únicas que haviam rececionado até essa data.

16.                       Os Requerentes  foram notificados do projeto de indeferimento da reclamação graciosa tendo, no prazo para o efeito, exercido o seu direito de audição.

17.                       Em 31 de Outubro de 2013 os Autores foram notificados do indeferimento definitivo daquela reclamação.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar não ter sido manifestada pelas partes qualquer divergência relativamente à matéria de facto alegada, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

No que respeita à composição do imóvel e suas partes suscetíveis de utilização independente a convicção do Tribunal assentou  na análise da caderneta predial urbana do imóvel.

 

-III- O Direito aplicável

 

10. Tendo a impugnante imputado diversos vícios aos atos tributário impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do art. 124º do CPPT, aplicável por força do art. 29º, nº 1, al. a) do RJAT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária,  in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pag. 202).

A procedência de qualquer  dos vícios invocados pela requerente conduzirá à anulação do ato tributário. No entanto, o vício de violação de lei é aquele  que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do ato, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, o Tribunal irá apreciar em primeiro lugar do vício de violação de lei.

 

11.Estabelecia a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação à data dos factos, que fica sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com VPT igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

 

12. O art. 67º, nº 2 do CIS estabelece que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

13.Dispõe o art. 2º, nº 4 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI) que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

Estabelece ainda o art. 92º do mesmo código:

“1-A cada edifício m regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz.

2-Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar  em regime de propriedade horizontal.

3-Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética.”

 

14. Por sua vez, estabelece o art. 12º, nº 3 deste Código que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente  é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.[1]

Escrevendo sobre esta norma dizem-nos J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas:  “Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única unidade (…).

Porém, como cada uma destas unidades pode ser objecto de de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respectivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial tributário a cada uma delas”.[2]

Afigura-se, assim,  que o art. 12º, nº 3, é  aplicável às situações de prédios em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, previstos no art. 1415º do Código Civil, mas em que não verifica a existência de título constitutivo.

 

15. Relativamente a prédios urbano em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, em  substância a realidade económica objeto de tributação não deixa de ser a mesma  pelo facto de ter ocorrido, ou não, a prática do ato constitutivo da propriedade horizontal.

E, na perspetiva da tributação destas realidade, não se encontra no CIMI qualquer diferença substantiva de tratamento  dum imóvel em função da constituição da propriedade horizontal.

 

16. Efetivamente, no regime dos  arts. 38º e seguintes do CIMI que regulam a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis não se deteta diferenciação substantiva entre imóveis constituídos em propriedade horizontal e imóveis com condições objetivas para tal, mas em que a submissão a tal regime não ocorreu[3], designadamente, tais circunstâncias não constam dos elementos majorativos ou minorativos previstos nas tabelas dos  artigos 43º, nº2 do código.

 

17.  A questão essencial a solucionar o presente processo prende-se com a questão de saber se nos prédios com partes suscetíveis de utilização independente mas não submetidas ao regime da propriedade horizontal, o imóvel  será considerado como uma unidade para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS ou se  serão consideradas individualmente as suas partes independentes.

 

18. No primeiro caso, o valor relevante para efeitos da subsunção à   verba 28 será o resultante da consideração da totalidade das suas partes e, em coerência,  deverá efetuar-se uma única liquidação, apenas relativamente ao imóvel, e não tantas  liquidações quantas as partes ou andares suscetíveis de utilização independente.

 

19. No segundo caso,   o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, devendo efetuar-se tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, mas apenas e tão só relativamente a partes suscetíveis de utilização independente cujo valor seja igual ou superior a 1000.000 €.

 

20.A AT efetuou tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, procedimento que no nosso entender não  se harmoniza com a sua própria  tese de que, nestes casos,  a realidade visada pela Verba 28 da TGIS é o imóvel na sua globalidade e  não cada uma  das suas partes autónomas.

 

21.A questão já foi apreciada  em diversas decisões arbitrais[4], todas no sentido de considerar que o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, solução que temos por correta.

 

22.Num primeiro momento interpretativo da verba 28 da TGIS, a expressão “prédio urbano”, em conjugação com o art. 2º, nº 4  do CIMI, que atribui a qualidade de prédio urbano a frações autónomas no regime de propriedade horizontal e, aparentemente,  parece não a atribuir a parte suscetíveis de utilização independente, poderia apontar para a consideração do prédio como um todo.

 

23.Mas, ainda no âmbito do elemento literal, a verba aponta em sentido diverso ao referir “prédio com afetação habitacional”, na medida em que, nos casos de prédios suscetíveis de utilização independente, a afetação só pode determinada fração a fração [5] e não globalmente, na medida em que pode acontecer, e acontece com frequência neste tipo de imóveis, haver partes afetas a habitação e outras afetas a outros fins.

Assim, o legislador ao referir “prédio com afetação habitacional”, no que respeita a prédios  com andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente,  só poderá ter tido  em mente cada uma destas frações e não o prédio na sua globalidade.

 

24.Esta leitura do elemento literal está em completa harmonia com as normas do CIMI supra mencionadas, bem como dos demais elementos interpretativos, conforme demonstrado nas várias decisões do CAAD nesta matéria e a cuja jurisprudência se adere sem reservas.

 

25. Como se escreveu na decisão proferida no processo 50/2013-T:

a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma  jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na

Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios

urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos

princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma

habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

 

26.  A requerida sustenta, ainda, que “Será inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado por frações  autónomas que não existiam à data da liquidação.”

Afigura-se-nos que não lhe  assiste razão, pelo acima exposto e ainda porque  não se vislumbra  em que medida o princípio da legalidade possa interferir com a aplicação dos critérios interpretativos previstos no art. 9º do Código Civil.

 

27. Por outro lado, entende-se que a interpretação que aqui se sustenta, na linha da jurisprudência arbitral pacífica supra mencionada  é a que se harmoniza com os princípios constitucionais  da igualdade fiscal e  da capacidade contributiva, na medida em não seria aceitável face a estes princípios a tributação inequivocamente  desigual de realidades substancialmente idênticas, apenas pela razão formal de nuns casos ter ocorrido a constituição de propriedade horizontal e noutros não.

 

28.Na mesma linha, vai a consideração do princípio da coerência sistemática, que também seria afetada com a consideração destas realidade em sede de IMI com estatuto substancialmente idêntico à das frações de prédios formalmente constituídos em propriedade horizontal, ao invés do que sucederia em sede de imposto de selo, de acordo   com a solução sustentada pela Requerida.

 

29. Pelo exposto, considera-se que no caso de prédios urbanos com partes ou andares suscetíveis de utilização independente, o valor a considerar para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes independentes, só estando sujeitas a este imposto as partes suscetíveis de utilização independente cujo valor patrimonial tributário próprio seja superior a € 1.000.000.

 

30. No caso em apreço, sendo o valor patrimonial tributário de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente inferior àquele valor, as mesmas não se subsumem na norma de incidência tributária pelo que, as liquidações sub judice padecem do vício de violação de lei.

 

31. Fica, assim,  prejudicada a apreciação dos demais questões suscitadas pela Requerente, nos termos do art. 124º do CPPT, por aplicação do art. 29º, nº 1 do RJAT, bem como de qualquer outra de que o Tribunal pudesse oficiosamente conhecer.

 

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente procedente a impugnação declarando a ilegalidade e consequente   anulação das  liquidações em causa, bem como, do ato de indeferimento de reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes.

 

Valor da ação: € 16.726,00 (dezasseis mil, setecentos e vinte euros) nos termos do disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

 

Custas pela Requerida, no valor de €  1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

 

Lisboa, CAAD, 23 de Julho de 2014.

 

 

O Árbitro

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 



[1] Também no sentido da consideração individualizada destas partes suscetíveis de utilização independente determina o art. 119º, nº 1 do CIMI que o documento de cobrança do imposto conterá a “discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário".

Apontando também no mesmo sentido, o art. 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 20 de Novembro, aditado pela Lei 60-A/2011 de 30/11, referindo-se à coleta de IMI  para efeitos do regime de salvaguarda, menciona “ prédio ou parte de prédio  urbano objeto da avaliação geral”.

 

[2] OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, O IMPOSTO DE SELO, Anotados e Comentados, Engifisco, 1ª Edição, 2005, pags. 159-160.

[3] Já assim era face ao Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola  e ao  Código da Contribuição Autárquica.

Os ofícios circulados nºs 40012, de 23.12.1999 e 40.025, de 11.08.2000 (que se podem consultar em CÓDIGO DO IMPOSTO  MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS, Comentado e anotado, de Martins Alfaro, Áreas Editora, 2004, 589-592, na obra citado de Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, pags 294-295 e 259-261, podendo  ainda hoje o segundo ser consultado no sítio da internet http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/oficios_circulados_contribuicao_autarquica.htm) explicitaram mesmo o entendimento de que a não ser em casos de reconstrução, modificação ou melhoramento do prédio que implique  alguma variação do valor tributável  a passagem ao regime da propriedade horizontal não dá origem a nova avaliação.

 

[4] Proferidas nos processos 50/2013-T, 132-2013-T, 181/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 248/13, que podem ser consultadas em https://caad.org.pt/.

[5] Usamos aqui a expressão no sentido de parte ou andar suscetível de utilização independente.