Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 47/2014-T
Data da decisão: 2014-09-16  IRS  
Valor do pedido: € 303.440,32
Tema: IRS – Mais-valias; reinvestimento; conceito de casa de morada de família.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 47/2014 – T

Tema: IRS – Mais-valias; reinvestimento; conceito de casa de morada de família.

             

       A – RELATÓRIO

 

  1. “A”, contribuinte n.º … residente na Rua …, n.º …, …-… Porto e seu marido “B”, residente na Rua …, n.º …, Ap. …, …, …-… Brasil, casados sob o regime de separação de bens, ambos designados por “Contribuintes” vêm requerer PRONÚNCIA ARBITRAL, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com fundamento em errónea qualificação do facto tributário e erro na determinação da matéria coletável, de que resultou a liquidação de IRS n.º 2013…, de 2013-08-06 e liquidação de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2013…, incidentes sobre os Contribuintes que fixou o IRS a pagar em 2009 no montante de € 303.194,08, e juros compensatórios no montante de € 38.773,35, nos termos e fundamentos seguintes.

 

***

 

  1. A questão controvertida reside no seguinte:

 

Se o prédio urbano adquirido pela Requerente mulher, por escritura pública de 9/7/99, sito na Rua …, n.ºs … e … da Freguesia de…, Porto, inscrito na matriz sob o artigo …, constituía a sua habitação própria e permanente à data da sua alienação em 29/4/2009 e, em caso afirmativo, se o produto da venda foi reinvestido e em que medida, na aquisição de outro prédio urbano com a mesma finalidade.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) entende que a Contribuinte mulher não conseguiu dirimir as dúvidas fundamentais quanto à habitação permanente da Requerente e do seu agregado familiar no imóvel urbano alienado (doravante designado habitação de Massarelos) e procedeu à liquidação do IRS pelas mais-valias realizadas e respetivos juros compensatórios antes referidos.

 

A liquidação de IRS efetuada tem o n.º 2013…, de 2013-08-06 e de liquidação de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2013…, incidentes sobre os contribuintes Requerentes que fixou o IRS a pagar em 2009 no montante de € 303.194,08 e juros compensatórios no montante de € 38.773,35.

 

Que a Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado em 13/12/2013, no montante de € 303.440,32, sem o acréscimo de juros, por ter beneficiado do Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151.º-A/2013, de 31 de outubro.

 

2.1 – Da Posição da Contribuinte Requerente

 

a)    A Requerente mulher adquiriu, comprovadamente, por escritura notarial do 4.º Cartório Notarial do …de 9/7/1999, um prédio urbano sito na Rua …, n.º … e Rua …, n.ºs … e …, freguesia de Massarelos, concelho do … e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ….

 

b) Segundo a referida escritura notarial, o preço de aquisição foi de 60.0000.000$00 (sessenta milhões de escudos) (equivalente a € 299.278,74), conf. doc. n.º 4 junto pela Requerente.

 

c) Que a Requerente alega que afetou o imóvel à sua habitação própria e permanente e da sua família, conforme declarado na referida escritura.

 

d) A Requerente declara que efetuou, aquando da aquisição da habitação, a 8/7/99, na então Repartição de Finanças do … Bairro do Porto, pelo conhecimento n.º …, a importância $ 6.000.000,00 (seis milhões de escudos), (equivalente a € 29.927,87) de imposto de sisa e a importância de $ 1.101.610,00 (um milhão, cento e um mil, seiscentos e dez escudos), (equivalente a € 5.494,81), a título de emolumentos notariais, pagos no Cartório Notarial em 9/7/99.

 

e) Que a Requerente procedeu, tal como antes referido, a diversas obras de beneficiação iniciadas em 2005 e terminadas já no ano de venda da mesma em 2009, o que determinou a realização de várias despesas.

 

f) Que em 29/4/2009 a Contribuinte mulher procedeu à venda desta habitação, pelo preço de € 2.2000.000,00 (dois milhões e duzentos mil euros), por escritura outorgada perante a Notária Dr.ª “C”, conf.  doc. n.º 5, junto à PI.

 

g) Quando da alienação da habitação de Massarelos, a Requerente manifestou no Anexo G à respetiva declaração modelo 3 de IRS do ano de 2009, a intenção de proceder ao reinvestimento do valor da realização obtido com tal alienação.

 

h) Que nos anos de 2011 e 2012 a Requerente procedeu ao reinvestimento parcial do valor de realização acima referido de € 2.2000.000,00 – o que fez constar do Anexo G às declarações de rendimentos de IRS dos referidos anos.

 

i) O reinvestimento parcial foi efetuado na aquisição de outro imóvel, em 19/12/2011, alegadamente destinado para a sua habitação própria e permanente, tendo nele realizado também várias obras de recuperação.

 

j)        O prédio urbano sito na Rua …, n.º …, freguesia de Foz do Douro, …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo…, foi essa nova habitação, adquirida pela Requerente “A”, pelo preço de € 900.000,00 (novecentos mil euros), através do sistema “H”, a funcionar no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada do Porto, cfr. doc. de fls. 58 a 60 do PA.

 

k) A AT considerou que o imóvel de Massarelos, alienado em 29/4/2009 pelo referido valor de € 2.200.000,00 (dois milhões e duzentos mil euros), não era destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, pelo que procedeu à liquidação de 50% das mais-valias realizadas, desconsiderando, por esse facto, o valor parcial de reinvestimento efetuado, por não lhe ser aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

 

l) Donde resultou a liquidação impugnada pelos Requerentes, que determinou um acréscimo de mais-valia aos rendimentos declarados de € 722.476,92 e uma liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios no montante global de € 342.213,67, respeitante ao ano de 2009, recebida pelos Requerentes em 28/8/2013.

 

m) No dia anterior haviam recebido a Demonstração de Compensação n.º 2013 …, com a discriminação do valor antes referido.

 

n) Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra o acto de liquidação em 30/9/2013, que veio a ser indeferido e cujo despacho de 23/12/2013 lhes foi comunicado em 8/01/2014.

 

o) Os Requerentes procederam ao pagamento do IRS exigido em 13/12/2013, sem juros, no montante de € 303.440,32, ao abrigo do Regime de Regularização Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro.

 

p) Por não concordaram com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em razão de entenderem que, quer o imóvel alienado em 2009 (de Massarelos), quer o adquirido em 2011, em sua substituição (na Foz do Douro) e sujeito a obras de reabilitação em 2011 e 2012, foram destinados a habitação própria e permanente dos Requerentes e do seu agregado familiar, apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

q) E, em consequência, mais requerem que lhes sejam considerados estes factos, bem como o reinvestimento efetuado na nova habitação da Foz do Douro, e, portanto, anulada a liquidação de IRS impugnada.

 

r)  Que a Requerente “A” pagou a “D”, pela avaliação imobiliária exigida pelo Banco financiador da aquisição, em Junho de 2006, a importância de $ 18.000,00 (€89,78), contra recibo mod. 6 de IRS, AEG …, cfr. doc. n.º 23 do PA, a fls. 89.

 

s) A Requerente incorreu também em despesas de manutenção do imóvel alienado (de Massarelos), no valor de € 8.052,71, relativas a montagens elétricas, colocação de disjuntores, lâmpadas, terminais, fio, etc., no valor de € 8.052,71, sendo o valor de € 3.323.39 respeitante à Fatura n.º 2090, de 17/4/2009, e € 4.729,32 respeitante à Fatura n.º 2091, da mesma data, ambas emitidas pela firma “E”, Lda, endereçada ao Requerente marido “B” para a morada Rua … – prédio urbano de Massarelos, cfr. docs. n.ºs 24 e 25 do PA, págs. 88 e 89.

 

A instalação elétrica do prédio de Massarelos, face à Fatura antes referida, foi concluída em 17/4/2009, em data próxima à data de venda do dito imóvel em 29/4/2009.

 

t) Pagou a Requerente “A” à Câmara Municipal do … em 23/4/2009, a importância de € 1.470,77, relativa a infraestruturas urbanísticas e respetiva licença/Autorização de Obras Edificação, Proc. n.º …/09, cfr. doc. n.º 28 do PA, a fls. 90-verso. 

 

u) A Requerente solicitou também um certificado energético obrigatório, tendo despendido € 540,00, pagos à “F”, que emitiu a Fatura n.º …, de 10/2/2009, dirigida à Requerente “A”, para a Rua …, n.º … (prédio urbano de Massarelos), cfr. doc. n.º 26 do PA, fls.26.

 

v) Pagou à empresa “G” – Sociedade de Intermediação Imobiliária, L.da, a quantia de € 79.920,00, a título de comissão de mediação de venda da habitação da Rua …, n.º … e Rua …, n.ºs … e …, freguesia de Massarelos, da cidade do …, conf. Factura n.º …/2009, de 29 de Abril, endereçada à Requerente “A”, para a Rua …, n.º … (prédio urbano de Massarelos), cfr. doc. n.º 27 do PA, pág.s. 89.

 

x) Pagou ainda a Requerente a importância de € 300,00 despesas de cancelamento de uma hipoteca da habitação, para que o imóvel fosse vendido em estado livre e desonerado, conforme Recibo n.º …/2009, de 3 de Março, da 2.ª Conservatória do Registo Predial do ….

 

z) A Requerente “A” suportou encargos com juros e amortização da habitação alienada (de Massarelos), conforme declaração a seguir referida, mas que se destina a incluir na declaração de IRS para efeitos de dedução à coleta nos termos do artigo 85.º do CIRS.

 

aa) Refere ainda a Requerente que “a diferença entre o preço de aquisição e o valor de venda do imóvel, deduzida das despesas incorridas e do fator de correção monetária originou para a Contribuinte uma mais-valia de € 1.444.953,84 (conforme – diz a Requerente – é reconhecido pela AT, que determinou um acréscimo ao rendimento global em sede de IRS por 50% deste montante)” .

 

ab) Que relativamente ao prédio adquirido na Foz do Douro, objeto do alegado reinvestimento, a Requerente realizou várias despesas de recuperação e melhoramento, no montante global de € 471.393,26, as quais documentou junto à administração fiscal e fez constar no Anexo G à sua declaração de IRS do ano de 2012.

 

ac) Reinvestimento que, conforme alega, não foi aceite pela AT por esta entidade entender que o imóvel alienado (de Massarelos) não se destinava a residência própria e permanente.

 

ad) A Requerente confirma que “teve domicílio fiscal nos seguintes locais e datas, conforme declarado à AT, (conforme certidão emitida pelo Serviço de Finanças do … que junta como doc. n.º 7):

a.      Em 20/01/2006 e em 29/4/2009 na Rua …, Nº… no …;

b.      Em 12/01/2012 na Rua …, n.º …, Foz do Douro no …”.

 

ae) E mais refere a Requerente que “residiu ininterruptamente no imóvel alienado (de Massarelos), dele fazendo a sua residência própria e permanente, desde momento subsequente à sua aquisição até à data da sua alienação”.

 

af) Esclarece a Requerente que seu marido “B”, com quem se encontrava casada sob o regime de separação de bens, “teve, por razões profissionais, apenas no ano de 2010, de mudar a sua residência e neste momento tem residência em …, Brasil”.

 

ag) Mais esclarece a Requerente que a AT fundamenta a sua atuação no facto de “na escritura de compra e venda outorgada (em 29/4/99 – prédio de Massarelos) ter ficado declarado que a Contribuinte mulher residiria na …, Praia …, …,…, e que o referido prédio não é a sua casa de morada de família”.

 

ah) Justifica-se a Requerente com a alegação de que “estas declarações estão erradas e ficaram a constar da escritura por mero lapso, completamente alheio à vontade da Contribuinte mulher, a quem são atribuídas”.

 

ai) E esclarece que “na verdade, uma vez que a partir da data da venda a Contribuinte mulher deixava de residir no imóvel alienado, foi declarado que ela residia no …, …, atendendo a que essa era a única casa que os Contribuintes dispunham para passar férias no Algarve não tendo, ainda, uma residência fixa no Porto”.

 

aj) E que logo de seguida “foram residir para casa disponibilizada temporariamente por um amigo do casal, situada na Rua da…, n.º … no Porto”, até que “mudaram definitivamente a sua residência, definitivamente, no início de 2012, para a Rua …, n.º…, freguesia de Foz do Douro, no imóvel adquirido em 19 de Dezembro de 2011”.

 

ak) E a propósito do aludido argumento da AT para não considerar o imóvel de Massarelos como habitação própria e permanente da Requerente e “para que nenhuma dúvida permaneça no campo formal e confirmando que tais declarações não passam de mero lapso e imprecisão, no dia 16/01/2014 no Cartório Notarial do Porto da notária “I” foi rectificada a escritura de Compra e Venda lavrada em 29/4/2009, no sentido de passar a ficar expresso que a residência da outorgante (aqui Contribuinte mulher) e o seu marido residiam na Rua …, n.º … e Rua .. n.º … no Porto, e que a mesma constituía nessa mesma data, a sua casa de morada de família – (Vide doc. n.º 8 que se junta)”.

 

al) E esclarece que “a escritura de rectificação altera e integra a escritura original, com os seus efeitos reportados à data de outrora da escritura rectificada”.

 

am) E, assim, a Requerente, releva que “com esta rectificação do acto notarial, cai por terra a fundamentação meramente formal e improcedente do acto de imposição tributária praticado pela AT”.

 

an) E realça que, face à incompatibilidade entre residência declarada na escritura de venda e a residência declarada para efeitos fiscais, é evidente – diz a Requerente – que “essa incompatibilidade teria que ser dirimida com recurso à verdade material e à realidade subjacente – o que a AT não cuidou de averiguar”.

 

ao) E alega a Requerente que existe prova abundante de que os Requerentes e o seu agregado familiar tinham a sua habitação permanente na Rua …, (imóvel de Massarelos) em 29/4/2009, que citam:

 

A habitação fica próxima da área onde os seus filhos vão à escola…onde fazem as compras…onde ocupam os seus tempos livres…onde recebem os amigos…onde recebem a correspondência…e que representa o endereço usado na sua vida normal e quotidiana”.

 

ap) Nestes termos, requerem que o Tribunal aprecie os documentos juntos n.ºs 9 a 20, relativos aos locais frequentados pelos filhos no seu dia a dia, à residência da sua empregada doméstica com os Requerentes, ao endereço da correspondência recebida, aos serviços de comunicações, televisão, fornecimento de água, serviços de segurança e alarme  e ao facto de o marido ser administrador de sociedades com sede no Porto.

 

aq) Termos em que os contribuintes Requerentes tinham direito de reinvestir o valor de realização obtido com a venda do imóvel em causa, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, assim retirando de tributação as mais-valias dela decorrentes.

 

ar) E mais solicitam os Requerentes que “o reinvestimento efetuado em 2011 e 2012 na aquisição e melhoramento do imóvel sito na Rua …, n.º …, no Porto, deveria ser aceite para efeitos de eliminação da tributação sobre tais mais-valias”.

 

as) Assim, atendendo ao único fundamento da liquidação invocado pela AT, com manifesta falta de fundamento da liquidação impugnada, impõe-se a sua revogação, em termos em que seja aceite e considerado fiscalmente o reinvestimento de € 1.371.393,26, efetuado em 2011 e 2012, eliminando-se do rendimento coletável a parte das mais-valias correspondentes ao valor da realização.

 

at) E concluem os Requerentes que, em consequência, tendo a AT violado o disposto nos números 5 e 7 do artigo 10.º do Código de IRS,

 

       “- Deve ser revogado o Despacho de 23712/2013 que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelos Contribuintes;

 

       - Consequentemente, deve ser anulada a liquidação de IRS referente a 2009, com fundamento no erro da qualificação do facto tributário;

 

       - E, ainda, deve ser condenada a AT a proceder à devolução aos Contribuintes da quantia de € 303.440,42, acrescida de juros indemnizatórios a favor destes, calculados à taxa legalmente estipulada desde a data de 13/12/2013 até à data em que tal devolução se encontre efectuada”.

 

Arrolou testemunhas de que prescindiu quando da Reunião do artigo 18.º do RJAT, comprometendo-se a juntar documentos de prova relativos ao Alvará das obras realizadas, da faturação da eletricidade e da utilização do telefone, todos relativos à dita morada alienada de Massarelos.

 

  1. Responde a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, em síntese, nos seguintes termos:

 

 

3.1 Dos factos

 

a)      Realça, desde logo, que por escritura celebrada em 9/7/99, a Requerente mulher adquiriu o prédio sito na freguesia de Massarelos, inscrito na matriz sob o artigo .., pelo preço de $ 60.000.000,00 (€ 299.278,74).

 

b)      Que na escritura de alienação celebrada em 29/4/2009, do mesmo prédio sito na freguesia de Massarelos, cujo valor declarado foi de € 2.200.000,00, consta que “o referido prédio não é a sua casa de morada de família”, nela indicando como sua morada …, Praia …, …,…, Algarve.

 

c)      Que por escritura notarial de 19/12/2011 adquiriu a Requerente mulher, pelo valor de € 900.000,00, o prédio sito na Foz do Douro, inscrito na matriz sob o artigo ….

 

d)     A Requerente mulher apresentou em 27/5/2010, a sua declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2009, com os Anexos A, G e H, tendo declarado no Anexo G o seguinte:

 

                                i.            A aquisição em 1999 do imóvel a que se reportam os autos;

                              ii.            A realização do mesmo, em Abril de 2009 pelo valor de € 2.200.000,00;

                            iii.            O propósito de reinvestir este último valor.

 

e)      Posteriormente, nas declarações Modelo 3 de IRS referentes aos anos de 2011 e 2012, a Requerente inscreveu como reinvestimentos efetuados os seguintes montantes:

 

                                i.            € 900.000,00 em 2001;

                              ii.            € 471.393,26 em 2012, o que dá um total de reinvestimento de € 1.371.393,26.

 

f)       A AT, por ter desconsiderado os montantes antes referidos como reinvestimento, notificou a Requerente em 28/8/2013, da nota de liquidação de IRS n.º 2013 … (em reliquidação da anteriormente efetuada).

 

g)      Do facto foi apresentada pela Requerente reclamação graciosa, sustentando o direito à consideração do reinvestimento efetuado e também o direito à exclusão tributária, com o fundamento de que o prédio alienado, de Massarelos, constituía a sua habitação própria e permanente, apesar de ter declarado o contrário na escritura de venda do mesmo prédio, “por razões estritamente pessoais”.

 

h)      A aludida reclamação graciosa foi indeferida e notificada a decisão definitiva em 8/1/2014, após notificação para audição prévia em 19/11/2013, tendo a AT invocado como fundamento o facto de o imóvel alienado de Massarelos não constituir, à data da alienação, a sua habitação própria e permanente.

 

i)        A AT realça que a Requerente, entre 31/12/2000 e 31/12/2005, teve domicílio fiscal na Rua …, n.º …, Porto.

 

j)        E que às datas de 31/12/2006, 31/12/2007 e 31/12/2008, o seu domicílio fiscal era na Rua …, n.º ….

 

k)      E a AT refere ainda que o domicílio fiscal da Requerente, a 31/12/2009, passou a ser o …, Praia …, …, Algarve.[1]

 

l)        E a AT, na linha de demonstração de que o referido imóvel de Massarelos, alienado em 29/4/2009, não constituía a habitação permanente da Requerente, vem realçar a circunstância de ter realizado obras de ampliação do prédio em causa.

 

m)     Assim, refere a AT que por Alvará de obras n.º ALV/…/…/…, foram autorizadas obras de ampliação no prédio de Massarelos.

 

n)      Do referido Alvará, dia a AT, consta que “Os condicionamentos da construção, cujo cumprimento determinará a posterior decisão de autorização de utilização do edifício, são os mencionados na folha anexa a este alvará, bem como os indicados nos pareceres e informações das entidades e serviços a seguir apresentados, cujas cópias se juntam (…). E que o prazo de conclusão das obras é de:750 dias”.

 

3.2 Da impugnação

 

o)      Diz a AT que a Requerente alegou em sede de reclamação graciosa que o prédio alienado, de Massarelos, foi, desde a respetiva aquisição, sua habitação própria e permanente, bem como do seu agregado familiar e que o facto de ter mencionado na escritura de alienação que o mesmo não constituía a sua habitação própria e permanente, constitui um lapso, corrigido através da retificação efetuada em 16/1/2014.

 

p)      A AT vem depois citar o que dispõe o n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, designadamente o referido na sua alínea a), relativo às condições de exclusão tributária das mais-valias, sempre que haja lugar a reinvestimento do valor de realização da habitação própria e permanente alienada, noutra habitação com a mesma finalidade, no prazo máximo de 36 meses.

 

q)      E a AT realça que o que está em discussão nos presentes autos, é se “face aos factos justificativos apresentados pela Requerente, se pode concluir que o imóvel alienado, foi ou não destinado a habitação própria e permanente da Requerente ou do seu agregado familiar”.

 

r)       E a AT entende que não era.

 

s)       E fundamenta a sua convicção no facto de a Requerente ter declarado em 29/4/2009, na escritura de alienação do imóvel de Massarelos em causa, que o imóvel não constituía a sua habitação própria e permanente.

 

t)       E realça que será inverosímil que esta menção tenha sido feita à revelia da Requerente, ou sem perceção do seu significado, tando mais que, exatamente por razões fiscais, é por regra, uma das questões a que o notário faz particular alusão.

 

u)      E a AT realça também que é despicienda a justificação da existência de mero lapso e do facto de o regime de casamento dos Requerentes ser o da separação de bens.

 

v)      E releva também o facto de a retificação da escritura de venda apenas ter sido feita após a Requerente ser instada pela AT, pelo que, diz, “não tem a retificação a virtualidade de sanar, sem mais, o seu conteúdo, até porque se trata de uma retificação declarativa da responsabilidade integral dos outorgantes”.

 

w)    E em reforço da sua tese, a AT vem esclarecer que “só nesta sede é que a Requerente vem dizer que se trata de um lapso, porquanto, em audição prévia à decisão sobre a reclamação graciosa, a Requerente afirmou que na escritura de venda do prédio declarou que o mesmo não constituía sua habitação própria e permanente por razões estritamente pessoais”.

 

x)      A AT invoca que “também não pode ser determinante, por si só, o facto do domicílio fiscal da Requerente, à data da alienação, ser a morada do prédio alienado”.

 

y)      E isto porque, diz a AT, “a Jurisprudência do STA tem vindo a afastar-se, nesta matéria, de uma concepção de morada cadastral, para privilegiar a habitatio, o centro da vida pessoal”.

 

z)      E por outro lado, prossegue a AT, “porque a realidade dos factos não suporta sequer esse argumento, já que a Requerente apesar de alegar que, desde a aquisição em 1999, viveu ininterruptamente naquele prédio, só o indicou, para efeitos cadastrais do domicílio fiscal, a partir de 2006”.

 

aa)    E a AT, para fundamentar que os factos alegados pela Requerente não constituem prova idónea, remete ainda “para os docs. n.ºs 9 e 10 juntos pela Requerente, que mais não provam, para o que releva para os autos, que os filhos frequentaram, em 2010, o “J” e foram acompanhados por um médico sito no Porto.”

 

bb)    E a AT reporta também o doc. n.º 11 junto à P.I. “que pretende comprovar que o filho da Requerente frequentou o “K”, no Porto”.

 

cc)     Bem como não é indício suficiente, segundo a AT, “o facto de a Requerente apresentar facturas de farmácias do Porto, podendo, contudo, ser relevante o facto de algumas dessas aquisições terem sido efectuadas depois da alienação do imóvel, em data que, segundo a Requerente estaria a viver temporariamente no Algarve”.

 

dd)   E a AT vem ainda realçar que também relativamente aos comprovativos de pagamentos, na morada em causa, de serviços de segurança e alarme, de telemóvel e água, os quais, após ponderada a prova, esta, por ser manifestamente inconclusiva, não consegue dirimir as dúvidas da AT quanto à habitação permanente da Requerente e do seu agregado familiar.

 

ee)     E em complemento, a AT reforça as suas conclusões, afirmando que tais comprovativos, “com exceção do abastecimento da água e dos serviços de segurança, não permitem concluir que aquela morada é ‘vivida’ pela Requerente e pelo seu agregado familiar, até porque o dispêndio da água demonstrado pode derivar apenas da manutenção da casa, o mesmo se podendo dizer dos serviços de segurança”.

 

ff)      E a AT mais refere que “acresce que é a própria Requerente que vem aos autos demonstrar a utilização concomitante de diversas moradas, sendo que, obviamente, não pode residir em todas, de forma continuada e permanente.

 

gg)    E a AT cita o caso do ano de 2010, em que são referidas as seguintes moradas:

 

                                     i.            Carta do “L” endereçada à Requerente para a Rua …, …, Porto (fls, 53 do p.a.);

                                   ii.            Domicílio fiscal indicado pela Requerente no …, .., Algarve;

                                 iii.            Residência indicada pela Requerente nestes autos na Rua … n.º …, Porto.

 

hh)     E, por último, a AT refere que como “ponderação da panóplia de factos inconclusivos, ambíguos e difusos e até contraditórios sobre a se a Requerente ou o seu agregado familiar, habitou de forma permanente, ou não, desde a aquisição, o prédio alienado em 1999, sito na Rua …, n.º …, pesa também de forma muito significativa, o facto do aludido prédio ter sido objecto de obras de ampliação, cujo alvará de licenciamento, da C.M. do Porto, requerido em 1999, foi concedido em 6/12/2005 (cfr. fls. 109 do p.a.)”.

 

ii)        E que esse Alvará, realça a AT, autoriza obras de grande envergadura, estabelece um prazo para conclusão das mesmas de 750 dias e que, assim sendo, na melhor das hipóteses, não puderam começar antes de 2006 e que durariam, pelo menos, mais de dois anos.

 

jj)        Mais realçando a AT “o que de facto veio a acontecer, porquanto a Requerente juntou aos autos de reclamação graciosa vários documentos que demonstram que tais obras apenas foram concluídas dias antes da alienação do imóvel – cfr. fls. 47, 48 e 50 do p.a.”.

 

kk)    E a AT mais refere que, “com efeito, decorre de fls. 47 do p.a., a instalação elétrica do prédio apenas foi concluída em 17/04/2007, sendo certo que a venda do mesmo ocorreu no dia 29/4/2009”.

 

ll)        E a terminar, a AT faz um elenco-síntese dos seus argumentos e da prova disponível, para concluir que “a Requerente não pode, pois, beneficiar da exclusão da tributação das mais-valias resultantes da venda do aludido prédio, nenhum vício podendo ser imputado ao acto impugnado, dado que o mesmo fez uma correcta aplicação da lei”.

 

mm)                     E conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e pela conclusão de que, por isso, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

  1.   ALEGAÇÕES ESCRITAS

 

4.1 - DOS REQUERENTES

 

  A Requerente apresentou as suas alegações finais e com elas os documentos de prova, que o Tribunal lembra que não foram apresentados com a Pi, e que são quatro, a saber:

 

                      i.            Fatura n.º A…, relativa a fevereiro de 2009 e a comunicações de 16 de janeiro a 16 de fevereiro, no valor de € 22,99, sendo € 14,15 respeitante a mensalidades e outros serviços, € 5,009 de comunicações e € 3,83 de IVA, dirigida à Requerente e endereçada para a Rua …, nº… no Porto;

                    ii.            Idem n.º A…, relativa a março de 2009 e a comunicações de 16 de fevereiro a 16 de março, no valor de € 24,44, sendo € 14,25 respeitante a mensalidades e outros serviços, € 6,115 de comunicações e € 4,07 de IVA, dirigida à Requerente e endereçada para a Rua …,nº … no Porto;

                  iii.            Alvará de Obras n.º ALV/…/…/…, P.º …/05(?) ou …(?)/CMP, emitido em 6/12/2005 para a realização de obras no prédio de Massarelos e com prazo de conclusão das mesmas em 750 dias.

                  iv.            Alvará de utilização n.º ALV/…/…/…, Proc. n.º …/09/CMU, emitido em 5/8/2009, em que é referido sumariamente que:

a.       As partes comuns do edifício encontram-se concluídas e em conformidade com o projeto aprovado;

b.      Não foi entregue na CM o certificado da instalação de infra-estruturas de telecomunicações (ITED);

c.       Em 10/7/2009, o Senhor Diretor Municipal de Urbanismo, Arq. “M” emitiu despacho de autorização de utilização do edifício acima descrito. Na mesma data foi ordenada a emissão do presente alvará, para que sirva de título ao requerente e para todos os efeitos prescritos no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

 

Relativamente às Alegações, a Requerente alega em síntese o seguinte, para além de se referir à junção dos documentos antes mencionados:

 

4.1.1 DA INTRODUÇÃO

 

a)    Relembra a Requerente o objeto da lide, que tem a ver com a liquidação de IRS, por parte da AT, das mais-valias apuradas com a alienação do prédio urbano de Massarelos, por considerar que não era a residência própria e permanente da Requerente e do seu agregado familiar, tendo, por isso, a AT desconsiderado o reinvestimento efetuado na aquisição de nova habitação para residência própria e permanente.

 

b)   A questão de fundo consiste, pois, diz a Requerente, perante os factos e a prova efetuada, em saber se a Requerente tinha a sua residência própria e permanente na habitação alienada de Massarelos.

 

c)    Alega a Requerente que a “matéria de facto controvertida que tem de ser decidida por este Tribunal, resume-se a determinar se se encontram provados os factos necessários à qualificação do imóvel alienado como tendo sido destinado a habitação própria e permanente da Requerente”.

 

d)   E salienta a Requerente que “a qualificação do imóvel como destinado a habitação própria e permanente é uma qualificação jurídica que envolve um juízo de facto sobre os factos, isto é, trata-se de uma qualificação de facto que o Tribunal há-de fazer-se com base em outros factos que apure e julgue provados”.

 

e)    E mais refere que “é bem certo que este juízo se terá de basear em indícios, credíveis e revelantes, adequados à luz das regras da experiência comum para conferir um determinado nível de verosimilhança e convicção de que tal habitação própria e permanente ocorre”.

 

f)    E mais realça “desde já que a grande questão se traduz na verificação do carácter permanente, que será aquele que terá de ser verificado à luz da metodologia cognoscitiva acabada de referir, uma vez que a determinação do carácter de habitação própria não suscitará dificuldades de maior”.

 

g)   E conclui este ponto referindo que “quer num plano quer no outro, o juízo e convicção do decisor sempre terá que se basear no pedaço de realidade concreta que vier a apurar, e nunca com base, exclusivamente, em documentos ou em declarações formais. Estas são importantes para formar um juízo de partida, mas não poderão nunca sobrepor-se à realidade efectivamente apurada”.

 

4.1.2 – DO JULGAMENTO DE FACTO

 

A Requerente alega neste capítulo que vai abordar apenas a matéria que é controvertida, deixando de lado o que são matérias perfeitamente aceites e consensuais entre a Requerente e a Requerida – matérias essas que não especifica.

 

E o Requerente passa a referir, então, na parte controvertida dos autos, os seguintes elementos que considera relevantes para o julgamento de facto a formular pelo Tribunal – com referência à prova testemunhal existente:

 

a)      Diz a Requerente que o prédio alienado situa-se na Rua …, n.º … e na Rua …, n.º … e …, na freguesia de Massarelos, concelho do … – e costuma a aparecer identificado ora pelo nome duma, ora pelo nome da outra das Ruas identificadas.

 

b)      Diz a Requerente que este prédio foi adquirido em 9/07/99, tendo então declarado “que o afetava a habitação própria e permanente, sua e de sua família” – veja-se a escritura de aquisição - que “constitui um primeiro indício de índole declarativa formal, favorável à pretensão da Requerente”.

 

c)      Relativamente à escritura notarial de venda do imóvel outorgada em 24/9/2009, em que a Requerente declara que “o referido prédio não era a sua casa de morada de família e que residia na Praia…,”. No dizer da Requerente, “este aspeto constitui um outro indício, também de índole declarativa formal, desfavorável à Requerente”.

 

d)     Porém, a Requerente alega que esta declaração foi produzida em erro, tendo sido revogada e corrigida por retificação da escritura, “revertendo esse indício numa nova declaração de índole formal, agora com sentido favorável à contribuinte”.

 

e)      E a Requerente, neste seu caminho de fundamentação, refere agora que “teve domicílio fiscal declarado no imóvel em questão (Rua …, ..) entre 20/1/2006 e 29/4/2009 – o que diz constituir “mais um indício, também ele de natureza declarativa formal, de sentido favorável à Requerente”.

 

f)       E mais refere que também o Requerente marido manteve a sua residência fiscal declarada na Rua …, n.º …no Porto, situação que se mantinha em 29/4/2009 (facto não provado documentalmente, mas não contestado pela Requerida) – o que diz constituir “mais um indício, também de natureza declarativa formal, de sentido favorável à Requerente”.

 

g)      Mais alega a Requerente que o imóvel foi objeto de obras de ampliação, com licença de obras emitida em 6/12/2005 e licença de utilização emitida em 10/7/2009 (factos documentalmente provados com documentos juntos com as presentes alegações).

 

h)      E mais alega que “estes factos nada nos adiantam para apuramento dos factos relevantes”, pois que as obras não passaram de obras de ampliação e mesmo que assim não fosse “nada impede que o imóvel tivesse continuado a ser a residência própria e permanente da família durante o desenvolvimento das obras”.

 

i)        Mais alega a Requerente que o facto de os seus filhos (“N” e “O”) frequentarem em 2009 o estabelecimento de ensino “J”, localizado na Foz do douro, no… – “este indício também favorável à Requerente, tratando-se de um indício de natureza material, facto da vida real e concreta – indiciando que não seria possível que os Requerentes residissem no concelho de …, no Algarve, e os seus filhos estudassem no porto, na Foz do Douro, precisamente na área onde se situa o imóvel alienado”.

 

j)        E mais alega a Requerente que os filhos dos requerentes recorriam aos serviços de um pediatra também no Porto e que um deles frequentou em 2009 um health club no Porto, conf. doc. 10 e 11 juntos à PI.

 

k)      Assim, concluem os Requerentes que no respeitante aos seus filhos menores, estes faziam a sua vida diária no Porto – o que são indícios favoráveis à Requerente, uma vez que, sendo esses filhos menores, ditam as regras da experiência comum que, à falta de outras informações, seguramente residiriam com os seus pais”.

 

l)        Em reforço, os Requerentes comprovam documentalmente que foram adquiridos vários medicamentos em farmácias situadas no Porto.

 

m)     E também alegam e provam documentalmente que tinham ao seu serviço uma empregada doméstica interna de nacionalidade brasileira, que obteve em 16/7/2008 autorização de residência na Rua .., n.º … – o que constitui ”mais um indício de natureza material favorável à Requerente, uma vez que seria contrário à normalidade das coisas que os Requerentes mantivessem uma empregada doméstica interna numa residência que não utilizavam”.

 

n)      Quanto à sua correspondência, alegam e provam os Requerentes solicitaram aos CTT que a sua correspondência dirigida à Rua … no Porto fosse expedida para a vila de … em …, apenas com efeitos a partir de 4/5/2009, o que tendo o imóvel sido vendido a 29/4/2009 – tal facto “constitui mais um indício favorável à Requerente”.

 

o)       Mais alegam que comprovadamente recebiam no imóvel várias cartas para pagarem seguros e impostos, e mantinham contratos e pagavam consumos de serviços de telefone fixo, de eletricidade, de água e de segurança no imóvel, assim como uma das sociedades referidas com sede no Porto, em que era administrador o Requerente marido, na declaração anual de rendimentos que entregou ao mesmo, indicou a residência deste como sendo na Rua …, nº… no Porto – o que “são indícios favoráveis à Requerente, que à luz das regras da experiência comum levam a pensar que os Requerentes habitavam o imóvel e que o divulgavam como sendo a sua residência”.

 

p)      E concluem os Requerentes, conjugada toda a prova recolhida, o seguinte:

 

                                i.            Que há apenas um indício de natureza formal e declarativa, que “nos levaria a dizer que o imóvel não seria a residência própria e permanente dos Requerentes – a declaração feita na escritura de alienação do imóvel”;

                              ii.            Que “a declaração acabada de referir foi alterada e rectificada por acto formal de idêntica dignidade – a escritura de rectificação de 16/1/2014”.

                            iii.            Que “todos os demais indícios indicam que a residência habitual e permanente dos Requerentes se localizava no imóvel alienado, sem qualquer margem para dúvidas”.

                            iv.            Que, concluindo, “as provadas recolhidas evidenciam, à luz dos factos provados documentalmente conjugados com as regras da experiência comum, que aquele imóvel era efectivamente a residência habitual e permanente dos Requerentes e da sua família”.

 

4.1.3 DO JULGAMENTO DE DIREITO

 

Exposta e analisada a matéria de facto, comprovada nos autos e não contestada pela Requerida, dizem os Requerentes que resta ao Tribunal proferir a conclusão de direito.

 

Assim, alegam que:

 

a)      O único fundamento da liquidação de IRS efetuada pela AT, fazendo acrescer à matéria coletável dos Requerentes a quantia de € 722.476,92, baseia-se na alegação de que o imóvel alienado não constituía a habitação própria e permanente da Requerente e do seu agregado familiar”.

 

b)      “Conforme demonstrado, esse pressuposto ficou desmentido pela verdade dos factos e pela prova carreada para os autos”.

 

c)      “A liquidação assenta na consideração da impossibilidade de eliminação de tributação das mais-valias obtidas na venda do imóvel, através do reinvestimento do valor de realização”.

 

d)      “Também está assente nos autos que o valor de realização foi reinvestido quanto a € 1.371.393,26 em 2011 e 2012 na aquisição e melhoramento do imóvel sito na Rua …, n.º …, no Porto, passando a ter habitação própria e permanente neste imóvel”.

 

e)      “A Autoridade Tributária deveria ter aceite (sic) tal reinvestimento como fiscalmente relevante para o efeito pretendido pela requerente, e não o tendo feito, a emissão da liquidação adicional violou o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS”.

 

f)       “A Reclamação Graciosa indeferida deveria ter merecido provimento”.

 

Razão pela qual, alegam os Requerentes, este Tribunal deverá considerar a presente ação arbitral como procedente, e assim determinar:

 

              i.            A revogação do despacho de 23/12/2013 que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelos aqui Requerentes”;

            ii.            “A anulação da liquidação adicional de IRS referente a 2009, com fundamento no erro da qualificação do facto tributário”;

          iii.            “Condenar a entidade Requerida a proceder à devolução aos Requerentes da quantia de € 303.404,32, acrescida de juros indemnizatórios a favor destes, calculados à taxa legalmente estipulada desde a data de 13/12/2013 até à data em que tal devolução se encontre efectuada”.

 

 

4.2 – DA REQUERIDA – A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

A Requerida nas alegações apresentadas vem realçar que, no essencial, o que está em causa nos presentes autos, é apurar se o imóvel alienado em 29/4/2009, sito na Rua …, n.º 3 e Rua …, n.º …, constituía, para efeitos de tributação de mais-valias, à data da referida venda, habitação própria e permanente da Requerente.

 

Para tanto, realçou a AT nas suas alegações, em síntese, o seguinte:

 

a)      Que a Requerente, quer em sede de procedimento administrativo, quer em sede arbitral, não logrou demonstrar que o aludido imóvel constituía a sua habitação própria e permanente, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 10.º do CIRS.

 

b)      Que a documentação apresentada pela Requerente relativamente aos colégios frequentados pelos filhos, às atividades extra escolares, aos médicos e farmácias que utilizam, têm pouco significado em termos de prova.

 

c)      Relevante, alega a Requerida, que relevante é o facto de a Requerente ter declarado na escritura de compra e venda do prédio em causa, celebrada em 29/4/2009, “que o mesmo não constituía sua residência própria e permanente”.

 

d)     E a Requerida não aceita o argumento agora invocado pela Requerente “de que se tratou de um erro na declaração, sanado com a rectitificação à escritura ocorrida em 2004”.

 

e)      E esclarece que não aceita este argumento “porque esta retificação, da responsabilidade exclusiva dos declarantes, não comprova, só por si, o declarado…

 

f)       …E depois porque foi a própria Requerente que durante o procedimento administrativo, oficiada para o efeito, veio dizer, ao contrário do agora sustentado e da rectificação efectuada, que tinha declarado que o prédio não constituía residência própria e permanente, por razões estritamente pessoais”.

 

g)      E mais alega a Requerida que também não é suficiente o facto de a Requerente ter, à data da alienação do imóvel, o seu domicílio fiscal no prédio alienado de Massarelos, “sendo de privilegiar, segundo a atual Jurisprudência do STA, a habitatio, ou seja, o centro de vida pessoal do sujeito passivo e do seu agregado familiar”.

 

h)      E, alega ainda a Requerida, que essa prova da “habitatio” não foi apresentada pela Requerente, de forma irrefutável “não obstante não ser despiciendo, na ponderação dos factos, a Requerente apenas ter alterado, em 2006, o seu domicílio fiscal para aquela morada, não obstante a aquisição do imóvel ter ocorrido em 1999”.

 

i)        Mais refere a Requerida que “a invocação do domicílio fiscal no prédio alienado, à data da venda, além do mais, é até insustentável para a argumentação do Requerente, porquanto, mesmo com domicílio fiscal no Algarve, continuou a ter o colégio, o heath club e as compras na farmácia, sediadas no Porto”.

 

j)        Por outro lado, a Requerida chama a atenção para “a diversidade de moradas apresentadas pela Requerente, durante o ano de 2010, que indiciam uma arbitrariedade na utilização daquelas, que não permitem aferir uma conclusão segura sobre a sua efectiva residência própria e permanente, com base nos factos díspares demonstrados pela Requerente”

 

k)      Quanto aos elementos de prova, carreados para os autos, que no dizer da Requerida, são “insuficientes e até contraditórios”, pretende analisá-los, até porque, no seu entender, “apontam, de forma reforçada, no sentido contrário do alegado do alegado pela Requerente”.

 

l)        E nesta linha de análise, realça a Requerida a junção dos Alvarás de licença de obras emitido em 6/12/2005, que previa um prazo de conclusão das mesmas de 750 dias, e do Alvará de utilização emitido em 5/8/2009.

 

m)    E que tendo o prédio alienado foi sujeito a obras de ampliação por um período superior a 2 anos, iniciadas em 2006 e concluídas em agosto de 2009, conforme Licença de utilização concedida em 5/8/2009...

 

n)      …A Requerida conclui que tais obras “não permitiram, durante todo esse hiato, a sua ocupação/utilização…”.

 

o)      E mais refere que “este facto que põe em destaque a inconsistência da prova apresentada pela Requerente, já que foi em 2006, em data que não podia residir no prédio, que a Requerente altera o seu domicílio fiscal para aquela morada”.

 

p)      E realça a Requerida que “os elementos probatórios agora apresentados permitem concluir, de forma inequívoca, que à data da alienação do imóvel, a Requerente e o seu agregado familiar, não o habitavam, sendo que a licença de utilização apenas ocorre depois da referida venda”.

 

q)      E mais refere que “esta realidade incontornável, tem aderência com a prova anteriormente produzida pela Requerente, a fls. 47, 48 e 50 do p.a., onde se comprova que a instalação elétrica do prédio apenas ficou concluída dias antes da venda, em 17/4/2009”.

 

r)       E por conseguinte, volta a Requerida a realçar que “à data da alienação, e volvidos mais de dois anos de obras e porventura, alguns mais a aguardar o alvará de obras, a Requerente e o seu agregado familiar não habitavam o aludido prédio”.

 

s)       E é exatamente por isso, conclui a Requerida, “porque a Requerente não residia no imóvel alienado que não juntou os elementos de prova requeridos pela administração tributária, como sejam os comprovativos de utilização de serviços de TV e internet e os comprovativos do fornecimento de gás, os quais permitem inferir, na ponderação da prova, a existência de uma vivência familiar”.

 

t)       E, portanto, diz finalmente a Requerida que “a Requerente não logrou comprovar que o prédio alienado constituía habitação própria e permanente”.          

 

10. DO SANEAMENTO

 

Os Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação dos árbitros abaixo assinados, que foram aceites pelas partes – Requerentes e Administração Tributária e Aduaneira.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 25-03-2014, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, conforme consta da respetiva ata.

 

O pedido é legítimo e foi apresentado em 22 de janeiro de 2014 e aceite a 23 de janeiro, pelo que, tendo o Requerente sido notificado em 08-01.2014 da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS 2013…, de 2013-08-06 e da liquidação dos correspondentes juros compensatórios com o n.º 2013…, que apuraram o valor do IRS a pagar em 2009, no montante de € 303.194,08 e juros compensatórios no montante de € 38.773,35, o pedido é tempestivo.

 

O Tribunal é competente e as partes gozam de legitimidade, não se verificando nulidades, nem exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

5.     MATÉRIA DE FACTO

 

O Tribunal valorou todos os elementos carreados para os autos, tendo aceitado todos os que vieram ao seu conhecimento, quer na fase inicial quer em sede de alegações, pois teve sempre em vista a descoberta da verdade material, em nome da Justiça.

 

 

5.1 FACTOS DADOS COMO PROVADOS

 

A Requerente “A” é casada sob o regime de separação de bens com “B”, conforme consta das escrituras de compra e venda relativas aos prédios de Massarelos e Foz do Douro, ambos situados no Porto.

 

A Requerente mulher “A” adquiriu por escritura notarial do … Cartório Notarial do Porto, de 9/7/1999, um prédio urbano sito na Rua …, n.º … e Rua …, n.ºs … e 168, freguesia de Massarelos, concelho do Porto e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …, que passamos a indicar como habitação de Massarelos, conf. doc. n.º 21 do PA.

 

O bem imóvel de Massarelos adquirido era bem próprio da Requerente mulher.

 

O preço de aquisição foi de 60.0000.000$00 (equivalente a € 299.278,74), tendo pago 6.000.000$00 (equivalente a € 5.494,81) a título do imposto de sisa, cfr. doc. n.º 22 do PA.

 

Conforme informação da AT, consta da escritura notarial que a declarante afetou o imóvel à sua habitação própria e permanente e da sua família, cfr. doc. 133 do PA.

 

Para efeitos cadastrais, segundo certidão da AT, consta que a Requerente “A” em 2006-01-20 e em 2009-04-29 o seu domicílio fiscal era na Rua …, n.º …, …-... Porto - habitação de Massarelos – e em 2012-01-12 era a Rua …, na Foz do Douro n.º …, …-… Porto, cfr. doc. n.º 16 da PA.

 

Que a Requerente “A” realizou várias benfeitorias na sua habitação de Massarelos, algumas das quais a seguir se referem.

 

Mostra-se provado que a Requerente “A” solicitou à Câmara Municipal do Porto uma licença de obras para proceder a ampliação da habitação adquirida em Massarelos, licença que obteve, conforme Alvará …/…/…, de 6/12/2005, sendo nele fixado o prazo de conclusão das obras de 750 dias, cfr. doc. n.º 2 do PA, págs. 109.

 

Mostra-se igualmente provado que a Requerente obteve da Câmara Municipal do Porto, por Alvará de Utilização n.º ALV/…/.../…, P.º …/09/CMP, emitido em 5/8/2009, que autoriza a utilização do imóvel, com cave, r/chão e andar de habitação, com a área de 574 m.2, conf. Despacho do Diretor Municipal de Urbanismo de 10/7/2009, conf. doc. junto em sede de alegações, pág. 393. Nele se realça que não foi entregue na CM o certificado de instalação de infra-estruturas de telecomunicações (ITED).

 

Que a Requerente “A” pagou a “D”, pela avaliação imobiliária paga ao Banco financiador da aquisição, em Junho de 2006, a importância de 18.000$00 (€89,78)                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          contra recibo mod. 6 de IRS, AEG …, cfr. doc. n.º 23 do PA, a fls. 89.

 

A Requerente “A” efetuou despesas relativas a montagens elétricas, colocação de disjuntores, lâmpadas, terminais, fio, etc., no valor de € 8.052,71, sendo o valor de € 3.323.39 respeitante à Fatura n.º …, de 17/4/2009, e € 4.729,32 respeitante à Fatura n.º …, da mesma data, ambas emitidas pela firma “E”, Lda, endereçada ao Requerente marido “B” para a morada Rua … – prédio urbano de Massarelos, cfr. docs. n.ºs 24 e 25 do PA, págs. 88 e 89.

 

A instalação elétrica do prédio de Massarelos, face à Fatura antes referida, foi concluída em 17/4/2009, em data próxima à data de venda do dito imóvel em 29/4/2009.

 

A Requerente solicitou também um certificado energético obrigatório, tendo despendido € 540,00, pagos à “F”, que emitiu a Fatura n.º …, de 10/2/2009, dirigida à Requerente “A”, para a Rua …, n.º … (prédio urbano de Massarelos), cfr. doc. n.º 26 do PA, fls.26.

 

Pagou à empresa “G” – Sociedade de Intermediação Imobiliária, L.da, a quantia de € 79.920,00, a título de comissão de mediação de venda da habitação da Rua …, n.º … e Rua …, n.ºs … e …, freguesia de Massarelos, da cidade do Porto, conf. Factura n.º …/2009, de 29 de Abril, endereçada à Requerente “A”, para a Rua …, n.º .. (prédio urbano de Massarelos), cfr. doc. n.º 27 do PA, pág.s. 89.

 

Pagou a Requerente “A” à Câmara Municipal do Porto em 23/4/2009, a importância de € 1.470,77, relativa a Infraestruturas urbanísticas e respetiva licença/Autorização de Obras Edificação, Proc. n.º…/09, cfr. doc. n.º 28 do PA, a fls. 90-verso. 

 

Pagou a Requerente a importância de € 300,00 despesas de cancelamento de uma hipoteca da habitação, conforme Recibo n.º …/2009, de 3 de Março, da 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto.

 

A Requerente “A” suportou encargos com juros e amortizações da habitação, conforme declaração a seguir referida, mas que se destinou a incluir na declaração de IRS para efeitos de dedução à coleta nos termos do artigo 85.º do CIRS. 

 

Conforme declaração emitida pelo “L” para efeitos de dedução à coleta de IRS, a Requerente “A” efetuou entregas para pagamento de juros e amortizações de dívidas contraídas com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente, deduzido do valor proveniente da Conta Poupança-Habitação, no montante de € 246.186,19, cfr. doc. n.º 30 do PA, a fls. 92.

 

A Requerente mulher “A” procedeu em 29/4/2009 à venda da habitação de Massarelos, sua propriedade, pelo preço de € 2.220.000,00 (dois milhões duzentos e vinte mil euros), conforme escritura outorgada na mesma data perante a Dr.”C”, Notária do Cartório Notarial da Av…, n.ºs …/…, Porto, na qual consta que o imóvel alienado não “é a sua casa de morada de família”, cfr. doc. n.º 1 do PA, a pag.s 8 a 11.

 

Que em sede de audição prévia à decisão definitiva sobre a reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação de IRS relativo às mais-valias apuradas pela Administração Tributária na venda do imóvel de Massarelos, afirmou na escritura de venda do prédio de Massarelos que o mesmo não constituía sua habitação própria e permanente “por razões estritamente pessoais”.

 

Esta escritura notarial foi objeto de retificação em 16/1/2014 no Cartório Notarial do Porto a cargo da Notária “I”, no sentido de passar a ficar expresso que “a residência da outorgante, Requerente mulher e seu marido era na Rua …, n.º … e Rua …, n.º …, no Porto, e que a mesma constituía nessa mesma data, a sua casa de morada de família.

 

De relevar que com data de emissão de 18/2/2009, foi enviada à Requerente para a morada da Rua …, n.º, …, Porto, habitação de Massarelos, pelas Águas do Porto, EM, uma fatura de consumo de água, relativa ao período de 10/1/2009 a 9/2/2009, no total de € 59,24.

 

Conforme Ponto 15.º da Resposta da Requerida, às datas de 31/12/2006, 31/12/2007, 31/12/2008, o domicílio fiscal da Requerente “A” era na Rua …, n.º.. – habitação de Massarelos.

 

Os Requerentes manifestaram no Anexo G à sua declaração de IRS do ano de 2009 apresentada em 27/5/2010, a intenção de procederem ao reinvestimento do valor de realização obtido com a alienação da sua habitação de Massarelos.

 

Que no Anexo G das declarações de rendimentos dos anos de 2011 e 2012, respeitantes aos anos de 2010 e 2011, a Requerente “A” mencionou a efetivação do reinvestimento efetuado, respetivamente de € 900.000,00 em 2011 e € 471.393,26 em 2012, tendo declarado como reinvestido o valor total de € 1.371.393,26 do total do valor de realização da habitação de Massarelos, no valor de € 2.2000.000,00.

 

Que o reinvestimento constante do Anexo G à declaração de rendimentos do ano de 2012, no valor de € 471.393,26, diz respeito, segundo os Requerentes, às obras realizadas e às despesas de recuperação e melhoramentos no novo prédio urbano adquirido na Foz do Douro. 

 

Em 19/12/2011 a Requerente “A”, adquiriu pelo preço de € 900.000,00, através do sistema “H” a funcionar no primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada do Porto, o prédio urbano sito na Rua .., n.º …, freguesia de Foz do Douro, Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, cfr. doc. de fls. 58 a 60 do PA.

 

Conforme exarado na respetiva escritura, a compradora “A” “declara que o imóvel adquirido se destina a sua habitação própria e permanente”.

 

Que, conforme refere a Requerida, entre 31/12/2000 e 31/12/2005 a Requerente teve domicílio fiscal na Rua …, n.º …, Porto.

 

Que a pedido da Requerente, foi emitida certidão pelo Serviço de Finanças de Porto-…, em 29/11/2013, onde consta que face aos elementos disponíveis o sujeito passivo “A”, com o NIF …, em 20/1/2006 e em 29/4/2009 o domicílio fiscal da requerente era a Rua …, n.º …, …-… Porto (prédio de Massarelos) e em 12/1/2012 era a Rua …, Foz do Douro n.º …, …-… Porto.

 

Que a Requerente fez constar da escritura notarial de aquisição da nova habitação objeto do reinvestimento, lavrada em 19/12/2011, sita na Rua …, Nº…, Foz do Douro, …-… Porto, “que este imóvel não era a casa de morada de família”.

 

Que a essa data de aquisição da nova habitação na Foz do Douro residia na …, Praia …, …,.. Algarve.

 

E que a 31/12/2009, o domicílio fiscal da Requerente passou a ser o lugar do …, Praia …, …, Algarve, data esta posterior à data da alienação do imóvel ocorrida em 9/4/2009.

 

Que conf. Fatura n.º A…, relativa a fevereiro de 2009 e a comunicações de 16 de janeiro a 16 de fevereiro, no valor de € 22,99, sendo € 14,15 respeitantes a mensalidades e outros serviços, € 5,009 de comunicações e € 3,33 de IVA, dirigida à Requerente e endereçada para a Rua…n.º … no Porto, habitação de Massarelos, junta pela Requerente em sede de alegações.

 

Que também conf. Fatura n.º A…, relativa a março de 2009 e a comunicações de 16 de fevereiro a 16 de março, no valor de € 24,44, sendo € 14,25 respeitantes a mensalidades e outros serviços, € 6,115 de comunicações e € 4,07 de IVA, dirigida à Requerente e endereçada para a Rua …, n.º … no Porto, habitação de Massarelos, junta pela Requerente em sede de alegações.

 

Não se conhece dos autos qual a data em que os Requerentes passaram a utilizar a nova habitação da Foz do Douro, como sua habitação permanente.

 

Que ficou comprovada parte do reinvestimento efetuado na nova habitação da Foz do Douro, invocado pelos Requerentes no Anexo G das declarações de rendimentos dos anos de 2011 e 2012, respeitantes aos anos de 2010 e 2011, por quanto:

 

-Valor de reinvestimento exigível:

- Valor aquisição da 2.ª habitação da Foz do Douro: € 2.220.000,00

- Valor de reinvestimento exigível, como 1ª  condição para exclusão total das mais-valias € 2.220.000,00

- Valor reinvestido:

- Aplicação do valor da realização do valor de alienação da habitação de Massarelos……….…………………   € 900.000,00

- Encargos com a habitação alienada de Massarelos:

     - Pagamento de I. de Sisa …………….. €  29.927,87

     - Emolumentos Notariais…………….   €    5.494,81

     - Despesas de avaliação ……………… €         89,78

     - Despesas de instalação elétrica……    €    8.052,71

     - Idem com Certificado Energético…     €       540,00

     - Comissão de intermediação…………  €  79.920,00

     - Licença de obras da C.ª Porto………   €    1.470,77

     - Cancelamento da hipoteca………….  .€       300,00

                                                                   € 125.795,94

-Valor reinvestido………………………. €1.025.795,94

-VALOR  CONTABILÍSTICO NÃO   REINVESTIDO:……………………      €   1.194.204,06

- PERCENTAGEM DE N/REINVESTIMENTO…… 53,79 %

      

Que a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação do IRS relativo às mais-valias obtidas com a alienação do imóvel de Massarelos objeto da presente impugnação arbitrária, por considerar que a Requerente ou o seu agregado familiar não provou ter habitado de forma permanente na sua habitação desde a sua aquisição.

 

A Administração Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação do IRS relativo às mais-valias realizadas com a alienação do prédio urbano de Massarelos, por considerar que a mesma não constituía a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar, do que resultou a liquidação de IRS 2009 n.º 2013 5005312705, na importância de € 303.194,08 de 2013-08-06 e liquidação de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2013 00002144582, no valor de € 38.773,35.      

 

A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação do imposto sem pagamento de juros em 13/12/2013, no montante de € 303.440,32, ao abrigo do Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151.º-A/2013, de 31 de outubro.

 

Que a Reclamação Graciosa que a Requerente apresentou em 30/9/2013 contra a liquidação do IRS em causa foi indeferida por Despacho de 23/12/2013, com fundamento de que o imóvel alienado não era a habitação permanente do agregado familiar, conforme Despacho de 23/12/2013, da Chefe de Divisão, por Delegação, notificado à Requerente em 08/01/2014.  

 

6.2      FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não ficou provado inequivocamente que a Requerente e seu agregado familiar tinham efetivamente a sua habitação de Massarelos adquirida em 9/7/1999, como habitação própria e permanente.

 

Não se prova em que datas se iniciaram e terminaram as obras de melhoramento na habitação de Massarelos, algo que se terá eventualmente iniciado em 2005 e terminado em 2009.

 

Não se prova em que data a habitação de Massarelos passou a estar em condições de habitabilidade, se depois da instalação elétrica em 17/4/2009 ou noutra data.

 

[Recorda-se que do Alvará de utilização consta o despacho de autorização de utilização em 10/7/2009 e emitido em 5/8/2009 pela Câmara Municipal do Porto, já posteriormente à data de alienação em 29/4/2009].

 

Também não se prova em que data os Requerentes utilizaram a habitação objeto do reinvestimento na Foz do Douro, que adquiriram em 19/12/2011.

 

7.DO DIREITO

 

A questão em apreço tem a haver com o direito ou não à exclusão das mais-valias realizadas com a alienação do imóvel urbano sito na Rua de Felicidade Brown, n.º 3 e Rua …, n.ºs …e … da freguesia de Massarelos, Porto, invocada pela Requerente como sua habitação própria e permanente.

 

Para tanto importa invocar o que dispõe o n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS, na redação da Lei n.º 64.º-A/2008, de 31/12, que passa a citar-se:

 

“São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

 

a)      Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal.”    

 

Daqui decorre, desde logo, que o primeiro e indispensável pressuposto para a exclusão tributária dos ganhos provenientes da transmissão destinada de imóveis – é tratar-se de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

 

Se este pressuposto não se verificar, deixam de ser relevante quaisquer outras circunstâncias que podem contribuir para uma maior ou menos exclusão tributária, como seja a parte do reinvestimento do valor da realização, da amortização de eventual empréstimo ou de despesas de obras realizadas.

 

Assim sendo, é portanto quanto a este pressuposto que o Tribunal vai apreciar todos os factos carreados para os autos para proferir a sua decisão.

 

Ou seja, a matéria relevante é a de conhecer se o prédio alienado de Massarelos constituía ou não, de facto e de direito, a habitação própria e permanente da Impugnante ou de seu agregado familiar, à data da sua alienação.

 

A matéria controvertida no presente processo é, portanto, e seguramente uma daquelas que exige um grande esforço quer em matéria de prova, quer de determinação teórica do que se deve entender por “residência própria e permanente”.

 

Se é certo que o legislador andou bem ao conceder este “benefício fiscal”, não é menos certo que este apenas deve ser reconhecido quando a situação de base corresponda com um grau de certeza razoável aos objectivos visados, sob pena de se criarem situações de injustiça relativa entre contribuintes, inaceitáveis à luz dos grandes objectivos do sistema fiscal.

 

No caso em apreço, a circunstância de se terem efetuado obras durante um período longo dificulta a avaliação.

 

Também não torna especialmente fácil a decisão do processo os documentos carreados para o processo, uma vez que a Administração Tributária poderia ter ido mais longe na indagação que desenvolveu e a Requerente, a dispor de outros instrumentos de prova, deveria tê-los juntado.

 

A AT não apresentou provas concludentes de que a R. não tinha HPP no prédio de Massarelos; poderia e deveria ter sido mais assertiva, designadamente contatando os fornecedores de água, eletricidade, gás, telefone, para saber as datas dos contratos e os consumos entre 1999 e 2009;

 

Poderia também a AT ter alegado que a Requerente teve várias moradas desde a data da aquisição pode indiciar que a Requerente adquire habitações para restaurar e posteriormente proceder à sua venda (já está a restaurar a habitação da Foz do Douro) e isso faz pressupor uma atividade de compra e venda de imóveis.

 

Mas deve dizer-se muito claramente que ao dever de investigação da AT sobrepõe-se o dever de verdade na declaração e de colaboração do contribuinte a respeito dos pressupostos de facto da liquidação.

 

E o ónus da prova quanto à verificação dos pressupostos da isenção ou benefício fiscal é também sobre o contribuinte que recai.

 

O que se vê, porém, é que a Requerente apenas juntou materiais que permitem provar que

 

a.    O prédio de Massarelos foi adquirido em julho de 1999 com fim declarado de HPP, tendo sido vendido em abril de 2009, ou seja, 10 anos depois.

 

b.    Na escritura de venda, em abril de 2009, a Requerente declarou que o prédio de Massarelos não era a sua HPP, declaração que veio a retificar por escritura de 2014.

 

d.   A R. efetuou obras de ampliação no prédio de Massarelos de 2005 a 2009

 

e.    Reinvestiu parcialmente o preço de venda do prédio de Massarelos adquirindo novo prédio no Porto em Dezembro de 2011,ntambém destinado a HPP; em 2012 iniciou obras de recuperação neste prédio.

 

f.     Como evidência de que o prédio de Massarelos era uma HPP, juntou os seguintes documentos:

 

i.          Declarações de que teve residência fiscal no prédio de Massarelos pelo menos entre 2005 e 2009

ii   Comprovativos das obras de ampliação, a maioria datadas de 2009

iii. Comprovativos dos filhos frequentarem uma escola e um ginásio no Porto, e de serem assistidos por um médico também do Porto

iv.Recibos de farmácias do Porto

v.Autorização de residência de 2008 para uma empregada doméstica brasileira tendo como morada o prédio de Massarelos

      vi.Recibos de seguros, impostos, segurança endereçados para o prédio de Massarelos.

vii.Dois recibos de consumo de água relativas aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2009

viii.Duas faturas de assinatura de comunicações relativas ao período de meados de janeiro a meados de março de 2009.

 

Ora, numa apreciação global, afigura-se que:

 

a.         Tendo o prédio de Massarelos sido adquirido com o propósito de destinar-se a HPP é normal que o domicílio fiscal seja naquela morada (no, imite, poderia questionar-se qual o domicílio fiscal entre 1999 e 2005).

 

b.        Os documentos relativos às obras de ampliação são irrelevantes para o objectivo de provar a HPP, tal como o seu contrário.

 

c.         O mesmo se dirá quanto às escolas, ginásio, médico e recibos de farmácia, pois o que está em causa não é provar que morava no Porto, mas especificamente que o prédio de Massarelos era uma HPP; inversamente, a HPP não seria afectada caso os filhos estudassem em Coimbra ou Lisboa.

 

d.        Os recibos de impostos, seguros e outros não parecem suficientes para distinguir uma HPP de uma mera caixa postal.

 

Se a matéria dada como provada parece ser insuficiente para fundamentar uma decisão, já o mesmo não acontece, com aquela que foi dada como não provada e que parece suficientemente sólida para sustentar uma decisão negativa quanto à pretensão da Requerente.

 

Não se quer com isto afirmar que o conceito de habitação permanente exija uma presença constante e permanente na casa antes se entende que ela é compatível com períodos de ausência justificáveis por razões familiares, profissionais ou até de lazer e outras.

 

Como bem se recorda no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de fevereiro de 2009, citando: “o Prof. Alberto dos Reis (in R.L.J. 79.º, 118) equiparava a residência permanente à residência habitual e estável, considerando, contudo, não ser exigível que a pessoa viva sempre numa casa, podendo ter outra onde se passe um, dois ou três meses por ano, por exemplo uma casa de campo ou de praia onde se instale durante o verão. É, no entanto, essencial, que o centro de permanência estável e duradoura se situe num determinado local, que aí esteja instalado o seu lar, organizada a sua logística, onde convive, e da qual, sempre que se ausenta, o faz a titulo transitório, ou temporário, e com o propósito de regressar com estabilidade, por lá permanecer a sua economia doméstica e o seu agregado familiar.

 

Ora, não parece possível, uma vez analisada toda a prova, que se esteja em presença de uma situação que se possa aproximar da caracterização do grande Mestre.

 

Assim se conclui que não se provam os pressupostos de facto dos quais depende o reconhecimento da exclusão tributária pretendida pela Requerente e, consequente, não se mostra preenchido o requisito legalmente exigível pelo artigo 10.º do Código do IRS.

 

8. DA DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral, condenando os Requerentes nas respectivas custas processuais, solidária e inteiramente a seu cargo, atrIbuindo-se ao processo o valor de € 303.440,32 (indicado na petição, e sem contestação), tendo em atenção o disposto no art.º 306.º, n.º 1 do CPC e art.º 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

9.    DAS CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo dos Requerentes em € 5.010,00, nos termos do artigo 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do Regime da Arbitragem Tributária e do artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

       Notifique-se.

 

Lisboa, de 16 de setembro de 2014.

 

 

        O tribunal colectivo,

 

 

 

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (presidente).

 

 

 

Eduardo Paz Ferreira

 

 

 

José Rodrigo de Castro

 

 

 

 

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 



[1] De relevar que nada é referido sobre qual a morada da Requerente à data da alienação do prédio de Massarelos, alienado em 29/4/2009.