Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 611/2022-T
Data da decisão: 2023-06-26  IVA  
Valor do pedido: € 334.980,53
Tema: IVA Direito à dedução; Regularização após a determinação do pro rata definitivo - artigo 23.º n.º 6 do CIVA
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Sumário: Tendo Sujeito Passivo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do Código do IVA, com base numa decisão tomada quando não existe qualquer tipo de erro na declaração enquadrável no quadro legal em vigor. À data da autoliquidação do IVA de dezembro/2020 o Requerente tinha conhecimento perfeito e total de toda a factualidade e legislação aplicável, tendo tomado a decisão consciente de usar um dos métodos de dedução. Por outro lado, os factos e a legislação aplicável não sofreram qualquer alteração que possa legitimar a decisão do sujeito passivo, de com efeitos retroativos, alterar o método de dedução do IVA.

 

***

Decisão arbitral

 

1. Relatório

BANCO A..., S.A., com o número de identificação fiscal … e sede na …, … (doravante, “Requerente” ou “A...”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n,º 1, al. a), 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de IVA, relativa da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... apresentada pelo Requerente bem como sobre a anulação parcial da autoliquidação de IVA referente ao ano 2020, materializada na declaração periódica de IVA n.º ... no montante de € 334.980,53.

O Requerente pretende ainda a restituição do valor do IVA pago em excesso nas supra referidas declarações periódicas de imposto.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (doravante AT)

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 14-10-2022 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

Os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a sua designação.

O tribunal arbitral foi constituído em 27/12/2022.

A AT apresentou Resposta, em que se defendeu por impugnação.

Por Despacho de 01/02/2022, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

As partes apresentaram alegações escritas, reproduzindo, no essencial as posições apresentadas no PPA e na Resposta.

 

2. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos pelas partes e não impugnados, considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

A. O Requerente é uma instituição de crédito, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

B. As instituições de crédito, para o exercício e desenvolvimento da sua actividade de concessão de crédito, encontram-se obrigadas a cumprir um conjunto de mecanismos destinados a garantir a liquidez e solvabilidade (própria, e do mercado financeiro).

C. O Regulamento n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento, o qual introduz mecanismos destinados a prevenir e a reduzir os riscos sistémicos do sector bancário.

D. Tendo em consideração os rácios de fundos próprios definidos pelo Regulamento em apreço, o Requerente procede à emissão de títulos de dívida, com vista ao cumprimento da obrigação de detenção dos fundos necessários à observância dos requisitos

Neste âmbito, o Requerente emitiu os seguintes títulos de dívida subordinada, Cfr. Doc. 2 junto com o PPA):

- no montante de € 300.000.000, 00, no ano 2017, com prazo fixo a 24 de março de 2027;

- no montante de € 275.000.000,00, no ano 2019, com carácter perpétuo;

- no montante de € 450.000.000,00, no ano 2020, com prazo fixo a 6 de março de 2025.

E. Assim, na emissão dos referidos títulos, o Requerente incorreu, no ano 2020, em juros no montante total de € 37.676.323,66.

F. Por forma a cumprir com a obrigação legalmente imposta, o Requerente emite títulos de dívida, sendo que, consequentemente, paga juros aos seus obrigacionistas.

G. O Requerente não deduzido esses juros pagos montantes do valor tributável das operações de concessão de crédito por si realizadas, não os considerando no cálculo do pro rata apurado relativo a 2020.

H. O Requerente afirma que entregou em excesso de imposto ao Estado, no montante total de € 334.980,53.

I. O Requerente é sujeito passivo de IVA, que para efeitos deste imposto, está enquadrado no regime normal com periodicidade mensal, sujeito aos prazos previstos no artigo 41.º, n.º 1 a) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

J. Para efeitos de IVA, o Requerente realiza operações isentas sem direito a dedução, operações tributadas e operações isentas com direito a dedução;

K. O Requerente entregou a 09-02-2021 a declaração de IVA relativa ao período de dezembro de 2020, na qual procedeu à regularização das deduções provisórias realizadas durante o ano 2020, com o n.º ..., Cfr. art. 11 da reclamação graciosa junta com o PA.

L. O Requerente apresentou, no dia 9 de março de 2022, reclamação graciosa da autoliquidação de imposto relativo à ilegalidade do ato tributário de autoliquidação de IVA referente ao ano 2020, materializada na declaração de dezembro desse ano. Reclamação graciosa a que foi atribuído o n.º ...2022..., Cfr. págs. 1 e segs. do PA.

M. O despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido a 04-07-2022 foi notificado à Requerente por via de correio postal registado, em 12 de julho de 2022, Cfr. doc. 1 junto com o PPA e art. 30 do PA.

N. Em 8 de março de 2022, o Requerente apresentou uma outra reclamação graciosa que teve também por objeto a autoliquidação de IVA relativa ao ano 2020, e na qual peticionou a correção das respetivas declarações periódicas, no que se refere à dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista no âmbito das seguintes áreas:

i) atividade de gestão da carteira própria de títulos;

ii) atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade;

iii) contratos de locação financeira (“leasing”) celebrados pelo Requerente. Cfr. art. 15 da reclamação graciosa junta com o PA.

O. E, o Requerente na reclamação graciosa de 9 de março de 2022 que é objeto imediato deste processo arbitral, entende que por verificar que, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2020, foram (incorretamente) desconsiderados

i) os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da atividade de crédito com reserva de propriedade (“CRP”) e

 ii) os valores respeitantes às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados.

P. O fundamento desta reclamação graciosa, assentou no entendimento do Requerente de que relativamente ao ano 2020, inicialmente havia apurado uma percentagem de dedução do IVA inferior à que resultaria da aplicação do método de afetação real na atividade de gestão da carteira própria de títulos.

Q. Nas autoliquidações objeto desta reclamação graciosa, o Requerente apurou uma percentagem e dedução definitiva, para o ano 2020, de 7% que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 33.704.247,88), se materializou no valor de € 2.359.297,35 de IVA dedutível, Cfr. art. 20.º da reclamação graciosa.

R. Aplicando a percentagem de dedução de 32% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 33.498.053,02), o Requerente teria o direito a deduzir IVA no valor de € 10.719.376,96, Cfr. os arts. 22.º e 30.º da reclamação graciosa.

S. Se na autoliquidação referente ao ano 2020 o Requerente tivesse considerado na contrapartida das operações de concessão de crédito realizadas pelo Requerente a importância correspondente aos juros por este incorridos para cumprir tal obrigação legal, tal percentagem de dedução ascenderia a 33%, tendo direito a deduzir IVA no montante de € 11.054.357,50, que corresponde a um valor de IVA pago num montante superior de € 334 980,06 (€ 11.054.357,50 - € 10.719.376,96), Cfr. o art. 31 da reclamação graciosa.

T. O Requerente apresentou a reclamação graciosa em 09-03-2022 relativamente à autoliquidação de IVA relativa ao ano 2020, na qual alegou que incorreu em erro na cômputo da contrapartida que remunerou os serviços de concessão de créditos por si prestados, na medida em que, ao valor dos juros recebidos dos clientes não deduziu a importância paga pelos juros incorridos pelo Requerente para cumprir a obrigação legal de manutenção do fundo de capitais próprios.

U. O Requerente afirma que, pelo facto de não ter deduzido ao valor dos juros auferidos das operações da concessão de crédito a importância correspondente aos juros suportados para cumprir a obrigação legal de garantia dos fundos próprios legalmente instituídos, a contrapartida das suas operações foi incorretamente apurada e, como consequência, o pro rata de dedução deverá ser (re)calculado em conformidade.

V. No apuramento do pro rata do Requerente as operações de concessão de crédito não estão a ser consideradas pelo resultado líquido entre os juros por si auferidos e aqueles por si suportados para cumprir a obrigação legal de garantia dos fundos próprios legalmente instituídos.

W. Afirma o Requerente afirma que tal originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega ao Estado de um valor de prestação tributária em excesso.

X. Nas (auto)liquidações aqui reclamadas, o Requerente apurou uma percentagem de dedução de IVA de 32%, correspondendo a IVA dedutível no montante de € 10.719.376,96.

Y. Diferentemente, caso na autoliquidação referente ao ano 2020 se tivesse considerado na contrapartida das operações de concessão de crédito realizadas pelo Requerente a importância correspondente aos juros por este incorridos para cumprir tal obrigação legal, tal percentagem de dedução ascenderia a 33%, tendo direito a deduzir IVA no montante de € 11.054.357,50.

 

3.2. Factos não provados

Não há factos não provados com relevância para a decisão

 

3.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

A convicção deste tribunal Arbitral sobre os factos dados como provados fundou-se nas alegações da Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta pelas partes, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.

 

4. Matéria de direito

4.1. Posição da Requerente

Em síntese, é a seguinte:

Ilegalidade da decisão da AT do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada por si.

Ilegalidade da autoliquidação de IVA referente a 2020 materializada na declaração de dezembro do IVA de 2020 que deu origem a uma entrega de imposto (IVA) em excesso no montante de € 334.980,54 e que vem solicitar o reembolso. A entrega de imposto em excesso, deve-se ao cálculo incorreto da percentagem de dedução, isto é, considerou uma percentagem de 32% quando deveria ter considerado 33%, e consequentemente, entregou imposto a mais no montante € 334.980,54.

Considera que a razão da entrega de imposto a mais, deveu-se a um erro na determinação da contrapartida da sua atividade de concessão de crédito, na medida em que não deduziu aos juros auferidos dos seus clientes os montantes de juro que pagou pela emissão de títulos de dívida, para efeitos de cumprimento da obrigatoriedade de manutenção de fundos próprios.

Invoca diversa jurisprudência europeia (TJUE) na defesa da sua posição vertida nos artigos 77.º a 107.º da PPA.

Entende que a AT não pode excluir o direito à dedução de imposto, uma vez que esse direito constitui uma exigência do princípio da neutralidade, mesmo nas situações em que haja lugar a mecanismos de regularização pro rata provisório/pro rata definitivo do imposto dedutível, ou de regularização de dedução (caso da afetação real), como no caso dos autos em que o Requerente é um sujeito passivo misto.

Entende que nas situações de regularização de imposto - correção das deduções realizadas pelo SP em virtude da dedução incorreta efetuada por este, o CIVA apresenta uma solução diferente daquela que é defendida pela AT.

Existe uma previsão geral - n.º 2 do art. 98.º do CIVA - que prevê o exercício do direito à dedução durante 4 anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto. Também existem normas especiais quanto a regularizações de imposto plasmadas no artigo 78.º do CIVA nos seus números 2 (situações perfeitamente identificáveis e taxativas que ocorrem na atividade económica) e 6 (erros de cálculo e materiais).

Entende que no caso concreto houve um erro de enquadramento das operações tributáveis e que a situação não se subsume ao previsto no ao n.º 6 do artigo 78.º do CIVA mas sim ao n.º 2 do artigo 98 .º do CIVA porque a regularização da percentagem de dedução que se pretende efetuar não está relacionada com um erro material ou de cálculo mas sim um erro de enquadramento das operações tributáveis invocando jurisprudência do STA no Acórdão de 27 de junho de 2017 proferido no processo 0142/17 que enquadra a situação em análise como erro de direito, e, consequentemente, quanto ao prazo de regularização deve-se o aplicar o plasmado no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.

Deste modo, o pedido efetuado deve merecer a procedência com as consequências legais previstas no ponto V Pedido.

Nas Alegações escritas apresentadas veio reiterar o que já tinha afirmado no PPA.

 

4.2. Posição da Requerida (AT) (Defesa por Impugnação) e Indeferimento da Reclamação Graciosa

Em síntese é a seguinte:

A situação do Requerente como sujeito passivo misto está prevista na Diretiva IVA (DIR 2006/112/CE) no seu artigo 173.º que foi transposto para o ordenamento jurídico-tributário português, pelo CIVA, no seu artigo 23.º.

Sendo aplicado o regime de pro rata ou afetação real, está previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA que durante o ano N o Sujeito Passivo (SP) utilize um pro rata de dedução do imposto suportado/dedução (afetação real) provisório e no último período de tributação N (dezembro), seja calculado o pro rata/dedução definitivo desse ano, que será provisório para o ano N+1. Chega-se a dezembro de ano N+1 e faz-se o acerto de pro rata/dedução. Daqui resultará regularizações de pro rata/dedução a favor do SP (pro rata provisório inferior ao pro rata definitivo ou dedução provisória inferior à dedução definitiva) ou a favor do Estado no caso inverso.

A dedução do imposto pressupõe o registo contabilístico das operações passivas, normalmente, a fatura emitida pelos fornecedores (em sentido amplo) do Requerente a nível de inputs, conforme previsto no n.º 1 do artigo 48.º do CIVA e concretiza-se com a apresentação da declaração do período em que foi efetuado o registo contabilístico. Assim, por exemplo, aplicando-se quer o regime de pro rata quer o regime de afetação real, se numa fatura do fornecedor B…, Lda, do Requerente, datada de março/2023 existir IVA liquidado de 1.000€ e se o pro-rata provisório/dedução provisória do Requerente for 12% para 2023, o Requerente vai deduzir IVA de 120€ a incluir na declaração periódica de março/2023 (assumindo que o Requerente se encontra enquadrado no regime geral de IVA mensal, como hipótese de trabalho). Se em dezembro de 2023 o pro rata definitivo/dedução definitiva for 15%, haverá uma regularização a favor do sujeito passivo de 3% (calculado sobre a base anual das operações passivas do Requerente - inputs) a incluir na declaração de IVA de dezembro/ 2023 da Requerente. Estamos aqui a assumir que estas operações passivas dão origem ao exercício do direito à dedução, a nível do Requerente, ainda que limitado pela existência da percentagem de pro rata do imposto dedutível/dedução pelo método da afetação real. Segundo a AT é nisto em que consiste o mecanismo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.

Qualquer correção a uma dedução é uma regularização. Quer a dedução quer a regularização estão sujeitos a requisitos para serem efetuados.

A AT considera que a omissão por parte do Requerente na segregação dos custos suportados pelo mesmo que está na origem daquele ter deduzido menos IVA daquele que deveria ter deduzido, tendo como consequência ter entregue ao Estado IVA superior aquele que deveria ter entregue no montante de 334.980, 53€, não constitui um erro, nem material nem de cálculo, para efeitos do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA.

Por outro lado, não há qualquer erro na declaração periódica de IVA relativa a dezembro/2020 onde o Requerente terá deduzido menos daquilo que no seu entender deduziu porque foi uma opção do mesmo conscientemente assumida aquando da elaboração da declaração de IVA de dezembro de 2020.

Segundo a AT, a alteração que o Requerente pretende fazer à dedução de percentagem (passar de 32% para 33%) assume um caráter retroativo, uma vez que a declaração de dezembro/2020, ao abrigo do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, já foi entregue e não existe qualquer previsão legal no CIVA ao abrigo da qual se possa fazer essa alteração à percentagem de dedução calculada pelo Requerente em dezembro de 2020. Existe de facto o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, que prevê o exercício do direito à dedução no prazo de 4 anos após o nascimento do direito à dedução ao abrigo do artigo 22.º do CIVA mas que não é aplicável ao caso em concreto porque existe uma norma relativa a regularizações de pro rata ao imposto dedutível/deduções no método da afetação real que prevalece sobre o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, não se podendo defender que estamos perante um erro de enquadramento jurídico praticado pelo Requerente quando o mesmo praticou uma omissão de dedução de imposto suportado com custos comuns.

O n.º 2 do artigo 98.º do CIVA é uma norma geral enquanto o n.º 6 do artigo 23.º do CIVA é uma norma especial e havendo uma norma especial quanto ao exercício do direito à dedução sob a forma de regularização de pro rata a favor do Requerente - n.º 6 do artigo 23.º do CIVA- este derroga a norma geral do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.

A AT fundamenta a posição acima mencionada, análise da Reclamação nos considerandos 23 a 66 invocando quer uma construção doutrinal plasmada nos referidos pontos quer especificamente em legislação europeia (Diretiva IVA) quer em jurisprudência europeia (considerando 54 - pé de página) e nacional (considerando 56). Por outro lado, na Resposta, a AT pugna pela improcedência do pedido, fundamentando a sua posição, conforme descrito, fundamentalmente, nos artigos 21.º a 44.º no seguinte:

Não há qualquer tipo de erro, como alega o Requerente, nas autoliquidações de IVA efetuadas pelo mesmo.

Ao abrigo do artigo 22.º do CIVA, a dedução do imposto deve ser efetuada na declaração do período em que tiver havido receção das faturas.

O n.º 2 do artigo 98.º do CIVA (norma geral) de facto permite a dedução do IVA num período de 4 anos após o nascimento do direito à dedução previsto no artigo 22.º do CIVA, no entanto, esse período de 4 anos não dá a liberdade de escolha ao sujeito passivo quanto ao momento do exercício do direito à dedução, caso haja norma especial quanto a regularizações de IVA (artigos 23.º a 26.º e 78.º, todos do CIVA), nesse caso prevalecem essas normas especiais face à norma geral prevista no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA;

No caso concreto, estamos perante um sujeito passivo misto o qual aplicou a percentagem de dedução previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA que derroga o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, havendo cobertura legal a nível da jurisprudência nacional e europeia, conforme é referido nos considerandos 32 a 44 com especial ênfase nos considerandos 33, 34 (menção ao Acórdão proferido no Processo 804/2021-T), 38 e 38 da Resposta.

As alegações escritas vieram reiterar tudo o que foi dito em sede de Resposta 

Tendo em conta o acima explanado, a AT defende a improcedência do pedido efetuado pela Requerente.

 

4.3. Questão decidenda

Está em causa nos presentes autos, como questão principal a decidir, determinar a eventual ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o n.º ...2022... e a anulação do ato tributário de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao ano 2020, materializado na declaração periódica de IVA n.º ... no montante de € 334.980,06 e a consequente declaração de ilegalidade daquele ato de autoliquidação de IVA.

Vejamos pois

 

Neste âmbito, a questão a colocar prende-se com a possibilidade de alterar retroativamente o método de dedução utilizado pelo sujeito passivo com base na decisão de alterar retroativamente o método de cálculo do IVA, por alegado erro de enquadramento das operações tributáveis.

Para dar resposta a esta questão temos de considerar o seguinte enquadramento legal plasmado quer em legislação da UE quer em legislação nacional.

Assim:

 

Legislação da UE

Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

Artigo 173.º

No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O artigo 175.º

1. O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior.

2. O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência, ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob controlo da administração, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões.

Todavia, os Estados–Membros podem continuar a aplicar a sua regulamentação em vigor em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados–Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.

3. A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica a regularização das deduções operadas com base no pro rata aplicado provisoriamente.”

Artigo 184.º

 “A dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”.

Artigo 185.º

“1. A regularização é efectuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, não é efectuada qualquer regularização no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados, bem como no caso das afectações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras referidas no artigo 16.º.

No caso de operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo, os Estados-Membros podem, todavia, exigir a regularização”.

Artigo 186.º

Os Estados-Membros determinam as normas de aplicação dos artigos 184.º e 185.º.

 

Legislação nacional

 Código IVA

Artigo 22.º

“Momento e modalidades do exercício do direito à dedução

1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação. (Redação do Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto)

3 - Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.

(...)”

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

(...)

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

(...)

6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”

Artigo 78.º

“Regularizações

(...)

6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

(...)

Artigo 98.º

“Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução

(...)

2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente”.

 

Em primeiro lugar impõe-se decidir se existe um erro e qual, na autoliquidação de IVA efetuado pelo Requerente, podendo haver lugar à aplicação do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA ou não.

O erro que o Requerente invoca funda-se nas obrigações legais a cumprir pelo mesmo relacionadas com a sua atividade económica (cumprimento de determinados níveis de fundos próprios para o exercício e desenvolvimento da sua atividade de concessão de crédito), conforme explicado nos artigos 52.º a 57.º do PPA.

Considera este Tribunal que o erro, em que o Requerente fundamenta as alterações retroativas que aplicou no cálculo do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista não têm por base quaisquer erros materiais ou de cálculo previstos no artigo 78.º nem erros de qualquer outra natureza, uma vez que o Requerente no momento do nascimento do direito à dedução fez uma escolha, a qual é permitida pelo artigo 23.º do CIVA conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 22.º do CIVA, escolha que se encontra no âmbito da autonomia de atuação permitida pelo CIVA e foi materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo.

O CIVA transpondo para o direito interno português o regime ínsito nos artigos 167.º, 168.º, alínea a), 176.º, 177.º, 179.º e 395.º, n.º 1, da Diretiva IVA, os artigos 19.º, n.º 1, alínea a), e 20.º, n.º 1, a), do CIVA, garantindo o direito à dedução do IVA.

O direito à dedução do IVA constitui a característica-chave em que se alicerça todos os mecanismos do sistema subjacente a este imposto, visando libertar o agente económico do ónus do IVA (devido ou pago) no âmbito da sua actividade económica, sob condição de tal actividade estar igualmente sujeita a IVA;

Na sua essência, o regime do direito à dedução do IVA é a concretização e manifestação do princípio da neutralidade fiscal do imposto;

Contudo, resulta evidente de uma leitura atenta da lei que quaisquer correções ao cálculo do montante de dedução apurado provisoriamente durante um determinado ano civil, devem ser efetuadas no final desse mesmo ano, tendo por base os valores definitivos das operações realizadas.

Aliás, não se vislumbra no artigo 23.º do Código do IVA qualquer entendimento que permita a um sujeito passivo que, tendo optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado nos também denominados “inputs promíscuos”, possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicialmente efetuada. Permite, isso sim, que a dedução efetuada ao longo do ano possa ser corrigida na última declaração periódica do ano, mas apenas pela natureza provisória da dedução do imposto.

Assim, o Sujeito Passivo tendo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do Código do IVA, apenas tendo por base uma decisão tomada quando não existe qualquer tipo de erro na declaração enquadrável no quadro legal em vigor. Assim, à data da autoliquidação do IVA de dezembro/2020 o Requerente tinha um  conhecimento perfeito e total de toda a factualidade e legislação aplicável, tendo tomado a decisão consciente de usar um dos métodos de dedução permitidos. Por outro lado, os factos e a legislação aplicável não sofreram qualquer alteração que possa legitimar a decisão do sujeito passivo, de com efeitos retroativos, alterar o método de dedução do IVA.

Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos proferidos no Processo 804/2021-T e no Processo n.º 136/2018-T o qual refere: “1) O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível e é delimitado pela afetação que o sujeito passivo faça dos bens e serviços destinados à sua atividade económica;

2) No caso de bens e serviços de utilização mista, a escolha do método de cálculo da dedução inicial só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução, nas condições do n.º 1 do artigo 20.º, do n.º 1 do artigo 22.º e do artigo 23.º do Código do IVA;

3) O artigo 23.º do Código do IVA não contempla a possibilidade de um sujeito passivo que tenha optado por um método de dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista poder alterar retroativamente o mesmo, recalculando a dedução inicial efetuada;

4) Este artigo prevê unicamente, no seu n.º 6, as correções ao cálculo dos coeficientes de dedução, previstas na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2, ambos do artigo 23.º do Código do IVA, sendo esta a norma utilizada pelo sujeito passivo, determinando o preceito que estas correções devem ser feitas no final do ano em que está a ser aplicada e refletidas na declaração referente ao último período do ano em causa (dezembro de 2015);

5) As regularizações previstas nos artigos 24.º a 26.º do Código do IVA não podem igualmente constituir suporte para qualquer alteração retroativa do coeficiente de dedução inicialmente utilizado;

6) A escolha de um método de dedução constitui uma opção legítima do sujeito passivo que no momento da aquisição do bem ou serviço de utilização mista escolheu o método de cálculo do direito à dedução do IVA, que, no seu entender, melhor se coadunava com a sua realidade empresarial, e nunca de um erro, pelo que não é passível de enquadramento no artigo 78.º do Código do IVA;

7) Note-se que o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA reporta-se exclusivamente a correção de "erros materiais ou de cálculo", não estando aí abrangidas correções já contempladas noutras disposições deste artigo, as que estejam reguladas por outras normas específicas da legislação do IVA (caso da regularização prevista no n.º 6 do artigo 23.º), e os erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações;

8) Ou seja, a expressão "erros materiais ou de cálculo nos registos ou declarações periódicas” abrange erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declaração periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações, pelo que não constitui base legal para uma alteração retroativa do método de cálculo do direito a dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista ou para uma correção do cálculo da percentagem de dedução;

9) A regularização de imposto já deduzido também não cabe na previsão do artigo 98.º do Código do IVA, visto que esta norma alcança apenas situações de exercício do direito à dedução e não regularizações de deduções já efetuadas.

10) Por fim, salienta-se que a norma do artigo 23.º - na qual se apoia o sujeito passivo - não foi devidamente aplicada e que a regularização também não tem sustentação legal no artigo 78.º ou no artigo 92.º do Código do IVA.”

 

Não há dúvida que o Requerente é um sujeito passivo misto de IVA, que tem direito e aplicou o regime de percentagem de dedução pro rata previsto no artigo 23.º do CIVA.

Resultante da aplicação desse regime de pro rata constatou que em dezembro/2020 regularizou menos imposto daquele que teria direito, vindo a constatar isso mesmo posteriormente à entrega da declaração de dezembro/2020. E, o Requerente afirma que a razão pela qual isso aconteceu, deveu-se a “(…) erro de enquadramento das operações tributáveis”, cfr. artigo 115º do PPA. Ora esse alegado tipo de erro, não está contemplado no artigo 78.º do CIVA nos seus n.º 2 e 6, restando o n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.

A questão em causa neste processo da invocação de “erro de enquadramento das operações tributáveis” para justificar a mudança feita à posterior no método de cálculo do IVA a deduzir relativo a 2020, o que conforme o pedido do Requerente implicaria a alteração retroativa do método de cálculo do IVA e que não está previsto pelo legislador nacional, sendo que considerando os princípios norteadores dos Impostos e em concreto também do IVA, se o legislador nacional limita expressamente os casos em que existe erro que, não se afigura razoável exigir às autoridades fiscais que aceitem, em qualquer circunstância, que um sujeito passivo possa modificar unilateralmente o método de dedução utilizado para a determinação dos montantes de IVA a deduzir.

O TJUE decidiu “o artigo 173.º, n.º 2, c), da Diretiva IVA, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo”. Cfr. 59 e 60 do Acórdão do TJUE proferido no Processo C-661/18, 30-04-2020, no âmbito Processo 136/2018-T em que o Tribunal Arbitral determinou o Reenvio Prejudicial, concluindo:

“Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 173.º da Diretiva IVA, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade, da equivalência e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução após a fixação do pro rata definitivo.”

“A fim de responder a esta questão, importa recordar que, por força do artigo 173.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, o pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º desta diretiva, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo por referência ao volume de negócios. No entanto, nos termos do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida diretiva, os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços [v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2018, Volkswagen Financial Services (UK), C‑153/17EU:C:2018:845, n.os 49 e 50].

No caso em apreço, é pacífico que, ao abrigo desta última disposição, o legislador português autorizou os sujeitos passivos mistos a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e que os CTT tinham, portanto, a opção de efetuar as suas deduções de IVA de bens e de serviços de utilização mista através do método do pro rata ou com base no método da afetação.

A este respeito, há que salientar que, em virtude do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA, a aplicação do regime de dedução do IVA por afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços é uma opção facultativa de que os Estados-Membros dispõem na organização do seu regime de tributação. No entanto, embora os Estados-Membros gozem de margem de apreciação na escolha das medidas a adotar para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude, estão obrigados a exercer a sua competência no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais, designadamente dos princípios da proporcionalidade, da neutralidade fiscal e da segurança jurídica (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C‑511/10EU:C:2012:689, n.os 22 e 23, e de 17 de maio de 2018, Vámos, C‑566/16EU:C:2018:321, n.º 41 e jurisprudência referida).

Quanto a estes princípios, importa recordar, antes de mais, relativamente ao princípio da proporcionalidade, que este não se opõe a que um Estado-Membro que fez uso da faculdade de conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar por um regime especial de tributação adote uma regulamentação que faz depender a aplicação desse regime da obtenção prévia de uma aprovação, não retroativa, por parte da Administração Tributária, e que o facto de o procedimento de aprovação não ser retroativo não torna este procedimento desproporcionado. Por conseguinte, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que recusa aos sujeitos passivos a possibilidade de aplicar, após a fixação do pro rata definitivo, o regime de dedução por afetação, não vai além do que é necessário à cobrança exata do IVA (v., por analogia com o regime de isenção das pequenas empresas, Acórdão de 17 de maio de 2018, Vámos, C-566/16EU:C:2018:321, n.os 43 a 45 e jurisprudência referida).

Em seguida, no que se refere ao princípio da neutralidade fiscal, é certo que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados-Membros podem, em conformidade com o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112, aplicar, relativamente a uma determinada operação, um método ou uma chave de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que, em virtude desse princípio da neutralidade fiscal, esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método baseado no volume de negócios. Assim, qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução. Com efeito, o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA exige que as modalidades de cálculo da dedução reflitam objetivamente a parte real das despesas ocasionadas pela aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução [v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2018, Volkswagen Financial Services (UK), C‑153/17EU:C:2018:845, n.os 51 e 52 e jurisprudência referida].

Daqui decorre que, contrariamente ao que sustentam, em substância, os CTT, o princípio da neutralidade fiscal não pode ser interpretado no sentido de que, em cada situação, deve ser procurado o método de dedução mais preciso, a ponto de exigir que se ponha sistematicamente em causa o método de dedução aplicado inicialmente, mesmo após a fixação do pro rata definitivo.

Por um lado, essa interpretação esvaziaria de sentido a prerrogativa dos Estados-Membros, prevista no artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA, de autorizar os sujeitos passivos a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, uma vez que a autorização se tornaria, na prática, uma obrigação. Ora, a este respeito, basta recordar que a tomada em consideração dos princípios que regem o sistema do IVA, mas que o legislador pode validamente derrogar, não permite justificar, em todo o caso, uma interpretação que privasse de qualquer efeito útil uma derrogação expressamente pretendida pelo legislador (Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Mercedes Benz Italia, C-378/15, EU:C:2016:950, n.º 42)

Por outro lado, tal interpretação seria contrária à jurisprudência segundo a qual a Diretiva IVA não impõe ao sujeito passivo que pode escolher entre duas operações a obrigação de aplicar a que implica o pagamento do montante de IVA mais elevado. Pelo contrário, o sujeito passivo tem o direito de escolher a estrutura da sua atividade de forma a limitar a sua dívida fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C-255/02EU:C:2006:121, n.º 73)

Por fim, o princípio da segurança jurídica, quanto a ele, exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Tributária, não possa ser indefinidamente posta em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de fevereiro de 2014, Fatorie, C-424/12, EU:C:2014:50, n.º 46, e de 17 de maio de 2018, Vámos, C-566/16, EU:C:2018:321, n.º 51). Ora, como recorda acertadamente o Governo português, não se afigura razoável exigir às autoridades fiscais que aceitem, em qualquer circunstância, que um sujeito passivo possa modificar unilateralmente o método de dedução utilizado para a determinação dos montantes de IVA a deduzir.

Resulta do que precede que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo.”

Nos presentes autos o que está em causa, à semelhança do que se verificou na Decisão Arbitral referente ao Processo n.º 804/2021-T, é uma diferente avaliação feita pelo sujeito passivo sobre o melhor método a aplicar para o cálculo das deduções relativas a bens de utilização mista após ter fixado o pro rata definitivo para o ano de 2020.

Assim, este Tribunal acompanha o vertido na Decisão Arbitral referente ao Processo n.º 804/2021-T em que “Considera-se consequentemente que as alterações retroativas aplicadas pela Requerente no cálculo do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista não têm por base quaisquer erros materiais ou de cálculo previstos no artigo 78.º nem erros de qualquer outra natureza, pois nos termos do artigo 23.º do Código do IVA o sujeito passivo fez uma opção no momento do nascimento do direito à dedução, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, a qual se encontra no âmbito da autonomia de actuação permitida pelo imposto e é materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo.

Nada existe na lei que permita estabelecer essa alteração posteriormente com eficácia retroactiva e o TJUE já declarou que o artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade não se opõe a que o Estado português limite a possibilidade de efectuar essa alteração.”

Face ao exposto, um Estado-Membro não está a violar os princípios acima referidos, ao limitar a possibilidade de efetuar alterações com eficácia retroativa ao método de dedução após a fixação do pro rata/dedução definitivo, que é que acontece com o n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, e que o Requerente contesta pelo que deve improceder o pedido do Requerente.

Adicionalmente refira-se a propósito do n.º 2 do art. 98.º do CIVA o seguinte: 

“Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução

(…)

2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.

(…)”

Da leitura e interpretação do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, na mesma existe a expressão “Sem prejuízo de disposições especiais”, o que vem reforçar a ideia de que o n.º 6 do artigo 23.º do CIVA é uma norma especial (“disposição especial”).

O n.º 2 do artigo 98.º do CIVA aplicar-se-á naquelas situações em que não houve registo/contabilização da fatura ao abrigo do artigo 45.º do CIVA e aí sim, devido ao princípio da neutralidade fiscal, não se coartar o sujeito passivo a exercer o direito à dedução.

Por outro lado, no artigo 78.º do CIVA nos números relevantes para o caso controvertido, os n.º 2 e n.º 6, têm subjacente a ideia de que tenha havido um registo/contabilização prévio e a base tributável ou imposto previamente registado/contabilizado vai sofrer alterações subsequentes devido aos fatores elencados nos n.ºs 2 e 6 do artigo 78.º do CIVA.

Adicionalmente, aplicar-se o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA ao caso concreto, levanta-se a dúvida se não será posta em causa a certeza jurídica que deve nortear a relação jurídico-tributária, estando nós num ramo de Direito Público. Repare-se neste caso: no ano 1, calculou-se o pro rata provisório e o definitivo ao abrigo do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA e, portanto, a situação jurídica consolidou-se. No ano 4, o sujeito passivo vem discutir a base de cálculo do direito à dedução parcial, i.e., numa situação de pro rata, deduziu no ano 1 em termos definitivos 10%, mas, no ano 4 voltou a analisar a situação do ano 1 e chega à conclusão que afinal, o pro rata definitivo no ano 1 deveria ter sido 15%, logo haverá imposto a reembolsar referente ao ano 1. Então se é assim, os anos 2 e 3, têm os pro ratas “errados/inexatos”, havendo lugar a regularizações de imposto para mais e menos. Onde é que está a segurança jurídica e previsibilidade?

Além disso, se o próprio TJUE, conforme é salientado no Acórdão do 804/2021-T, admite que a legislação o n.º 6 do artigo 23.º do CIVA (artigo 173.º DIVA), não põe em causa, os princípios da neutralidade, efetividade e proporcionalidade.

O sujeito passivo teve 12 meses (n.º 6 do artigo 23.º do CIVA) para confirmar a exatidão dos cálculos baseado em documentação fidedigna (por ex: faturas) e na substância das operações tituladas presumivelmente pelas faturas e daí o IVA basear-se no método subtrativo indireto (conhecido como “método das faturas”). Estamos a falar de situações em que o pro rata de dedução do imposto não é 100% e por isso requer-se especiais cuidados quanto à dedução do imposto.

 

Em face do acima exposto, é convicção deste Tribunal que deve improceder o presente pedido de pronúncia arbitral devendo manter-se na ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa em dissídio e a autoliquidação na parte contestada referente a 2020 em sede de IVA identificada no presente pedido.

 

5. Do pedido de reembolso

Improcedendo o pedido de anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do consequente autoliquidação de IVA relativo a 2020, fica prejudicada o pedido de reembolso.

 

6. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal Coletivo, julgar totalmente improcedentes os pedidos, principal e subsidiário e, em consequência:

a) Manter na ordem jurídica o mencionado ato de indeferimento da reclamação graciosa identificada no pedido;

b) Mantém na ordem jurídica a autoliquidação de IVA efetuada pelo Requerente nas declarações periódicas de imposto relativas a 2020;

c) Julgar prejudicados o pedido de reembolso do IVA pago; e

d) Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

7. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 334.980,53.

 

8. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

Notifique-se

Lisboa, 26 de junho de 2023

 

Os Árbitros

 

 

_______________

(Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

______________

 (Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso - Árbitro Adjunto e com declaração de voto)

 

_______________

(Prof. Doutor Júlio Tormenta – Árbitro Adjunto)

 

 

 

Voto Vencido:

 

Com o devido respeito, considero que o Requerente demonstrou à saciedade que o erro do pro rata /critério de afetação real definitivo (“erro no apuramento da contrapartida que remunerou os serviços de concessão de créditos por si prestados, isto é, o montante de que pode, efectivamente, dispor por sua conta própria. Em concreto, ao valor dos juros suportados pelos clientes do Requerente não foi deduzida a importância paga pelos juros incorridos pelo próprio para cumprir a obrigação legal de manutenção do fundo de capitais próprios exigidos às instituições de crédito”) em que incorreu na autoliquidação de IVA referente ao ano de 2020, melhor identificada na matéria de facto, constitui um erro de Direito — e não um erro material (“deduções incorretamente realizadas em resultado de faturas inexatas ou de erro material ou de cálculo na transcrição dos elementos das faturas para a contabilidade/declarações periódicas de IVA”).

 

Assim, considero ser de aplicar a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Maio de 2021, proferido no processo n.º 01023/15.0BELRS, que remete para extensa jurisprudência do mesmo Tribunal que vai exatamente no mesmo sentido:

 

III. Aqui chegados, cumpre apreciar as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que são, essencialmente, as seguintes as questões a decidir:

- saber se as regularizações de IVA em apreço são tempestivas, uma vez que está em causa um suposto erro de direito e por essa razão, as regularizações poderiam ter lugar no prazo de quatro anos, contados do nascimento do direito à dedução, previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA, como defende a Recorrida; ou se

- de modo diverso, estamos perante deduções incorretamente realizadas em resultado de faturas inexatas ou de erro material ou de cálculo na transcrição dos elementos das faturas para a contabilidade/declarações periódicas de IVA, sendo de aplicar o prazo de dois anos, contado do nascimento do direito à dedução a que se refere o artigo 78.º, n.º 6 do CIVA, como defende a Recorrente.

Vejamos, então.

IV. O IVA, tal qual delineado originariamente pela 6.ª Directiva, é um imposto que assenta numa lógica de tributação plurifásica pelo valor acrescentado introduzido pelos agentes económicos nas diferentes fases do circuito produtivo e que tem por objecto a generalidade das transacções, correspondendo assim a uma base tributável muitíssimo alargada e a um sistema operativo onde o direito à dedução do IVA suportado a montante por um agente económico deve, salvo quando expressa e justificadamente se estabeleça em sentido contrário, ser sempre assegurado.

O direito à dedução configura, por isso, a espinha dorsal de todo o sistema, e sem a sua geral aceitação, o IVA não configuraria, em bom rigor, um imposto “sobre o valor acrescentado”.

Daqui decorre, desde logo, que qualquer restrição injustificada ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos contribuintes é, por definição, contrária ao sistema de IVA e aos princípios de Direito Europeu que o enformam.

Isso não significa que, por razões de tutela da segurança dos créditos fiscais e da estabilidade das relações tributárias, não se possa exigir uma fixação de um prazo limite para o exercício de tal direito, conquanto um tal limite seja “razoável” – a expressão pode encontrar-se no Acórdão proferido em 21 de janeiro de 2010, no Processo C-427/08, pelo Tribunal da União Europeia (caso Alstom Power).

V. Assim, por um lado, temos o direito à dedução e à proteção do princípio da neutralidade. E este princípio impõe que o IVA não deva induzir os contribuintes a certos comportamentos económicos, como forma de reacção aos diferentes encargos tributários, cabendo a cada sujeito decidir, independentemente de quaisquer considerações de ordem fiscal, qual a melhor forma de prosseguir os seus interesses - sobre as distorções ao princípio da neutralidade em IVA, veja-se José Guilherme Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, CEF, Lisboa, 1991, ps. 52 e ss.

Mas, por outro lado, razões pragmáticas de controlo e segurança jurídica, exigem que o exercício do direito á dedução se processe dentro de uma janela temporal razoável.

VI. Para tal exercício do direito à dedução, o legislador português fixou, no Código do IVA, dois conjuntos de prazos para o efeito, consoante tal exercício se processe em termos normais ou patológicos, distinção esta que bem se compreende, se atentarmos à metodologia de auto-liquidação que rege a cobrança deste imposto.

Assim, o primeiro conjunto de prazos (situações normais) encontra-se regulado nos artigos 22.º e seguintes – sendo especialmente relevante in casu o artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA – e reporta-se aos casos de relacionamento normal entre o contribuinte e a Administração Fiscal na exigibilidade do imposto; nestes casos, o exercício regular do direito à dedução é regulado consoante o método de dedução adotado, e deve ser exercido num período mais curto (naturalmente), contado a partir do momento em que o imposto se torne exigível.

Já o segundo conjunto de casos reporta-se às situações patológicas, em que o exercício do direito à dedução foi inquinado por erros, falhas ou lapsos e, por conseguinte, pressupõe prazos mais longos para a respectiva correcção, devidamente adequados às circunstâncias imponderadas que estão na sua base. Tais prazos encontram-se regulados pelos artigos 78.º, n.º 6 (sob a elucidativa epígrafe “regularizações”) e 98.º, n.º 2 do Código do IVA (sob a epígrafe “revisão oficiosa”), e são de dois e quatro anos, respetivamente.

Como, ainda muito recentemente, recordou o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão proferido a 16 de Dezembro de 2020, no Processo n.º 940/07: “II-O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, em conformidade com o consignado nos artigos 7.º e 8.º do CIVA, sem prejuízo do disposto nos artigos 71.º, e 91.º, consagrando este último normativo um prazo máximo para o exercício do direito à dedução, ou seja, decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução.” (disponível em www.dgsi.pt).

VII. Cabe, portanto, apurar se é no domínio das situações normais ou das situações patológicas que se situa a factualidade do presente caso.

Tudo isto foi, devida e extensamente, esclarecido pela sentença ora recorrida, onde se sublinhou que os casos nos autos nunca poderiam configurar situações normais, apenas se devendo discutir acerca dos prazos aplicáveis às situações patológicas – na doutrina, veja-se, entre outros autores, Alexandra Martins / André Areias, “Os Prazos param a Regularização de Erros: Análise à Luz dos Princípios da Efetividade e Equivalência”, Cadernos de IVA – 2017 (Coord.: Sérgio Vasques), Almedina, 2017, ps. 53 e s..

Ora, julgamos inevitável concluir, à semelhança do que fez a sentença recorrida, que é patológico o presente circunstancialismo.

É que, como logo resulta do ponto D da matéria de facto provada e que já não cabe a este Supremo Tribunal questionar, “Na sequência de uma revisão interna de procedimentos, o Autor identificou, todavia, duas situações em que havia uma ligação direta e imediata entre os encargos suportados e os serviços prestados e em que não era devida a aplicação do método do pro rata de dedução (conforme invocado pelo Impugnante e não contrariado pela AT).”

Tal significa que nos encontramos diante regularizações respeitantes a recuperação de imposto incorrido em períodos de tributação anteriores, por revisão dos pro ratas então apurados e por implementação do método da afetação real; uma substituição, portanto, de métodos de apuramento da base tributável, por incorreta aplicação de um deles (o método pro rata, no caso), entendido por indevido - em termos não contestados pela própria AT.

Assim sendo, é de concluir que é no domínio das situações patológicas que se situa o presente debate, pelo que apenas restará clarificar qual dos dois prazos patológicos concretos se considera aplicável in casu; e, para tal efeito, quer os Tribunais Centrais Administrativos quer este Supremo Tribunal, já tiveram inúmeras ocasiões para fixar os termos em que tal aplicação tem lugar.

VIII. E há, agora, que segregar tal leitura jurisprudencial, em termos gerais e concretos.

Em geral, logo no recente Acórdão proferido em 17 de Junho de 2020, no Processo n.º 413/13, esclareceu este Supremo Tribunal, em termos que reputamos de lapidares, que: “I - A lei distingue prazos para o exercício do direito à dedução de IVA ou de reembolso de imposto entregue em excesso: - como regra, quatro anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução ou do pagamento em excesso (art.98º nº2 CIVA); - no caso de correcção de erros materiais ou de cálculo, dois anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução, sendo facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo e obrigatória quando resultar imposto a favor do Estado (art. 78.º n.º 6 CIVA).” (disponível em www.dgsi.pt). Ainda mais recentemente, em 7 de Abril de 2021, relativamente ao Processo n.º 835/13, também se esclareceu neste Supremo Tribunal que: “O prazo aplicável para reclamar do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) entregue em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito, é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.” E da mesma data consta o Acórdão proferido no Processo n.º 1056/15, onde se pode ler: “II - O prazo para proceder à retificação do imposto dedutível, em caso de erro material ou de cálculo, é o previsto no n.º 6 do artigo 71.º do Código do IVA, na redação da Lei n.º 39-A/2005, de 29/07 (que corresponde ao n.º 6 do artigo 78.º), ou seja, de dois anos.” (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Mas importa sublinhar que, já anteriormente, logo em 28 de Junho de 2017, se podia ler no Acórdão lavrado no Processo n.º 1427/14, que: “O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.” (disponível em www.dgsi.pt).

Existe, por isso, uma sedimentada separação das situações patológicas de exercício do direito à dedução e dos seus respectivos prazos: por um lado, os erros materiais ou de cálculo, para os quais vigora o prazo de dois anos; por outro lado, os erros de Direito, relativamente aos quais vale o prazo de quatro anos.

IX. Vertendo agora à situação concreta dos autos, o auxílio jurisprudencial revela-se novamente precioso, por suficientemente cristalino.

É assim que, no Acórdão deste Supremo Tribunal, propalado em 7 de Abril de 2021, no processo n.º 2315/14, se pode ler que: “I - A errada qualificação das operações em causa como sujeitas e não isentas para efeitos de IVA constitui um erro de enquadramento ou erro de direito. II - A correcção da autoliquidação efectuada com base nesse erro de direito pode ser objecto de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos arts. 98.º, n.º 2, do CIVA e 78.º da LGT, no prazo de quatro anos, não tendo aplicação o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do art. 78.º do CIVA.” (disponível em www.dgsi.pt).

Mas também nas instâncias imediatamente inferiores se denota esta convergência de análise. Assim, em acórdão lavrado em 5 de Março de 2020, no Processo n.º 412/12, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, pode igualmente ler-se: “II - Existe erro de direito, fundamento do pedido de revisão do acto tributário, se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do método (designadamente, o método de dedução directa integral - o sistema de débitos directos - método de afectação real). III - O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito, é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 91.º, n.º 2, actual artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.” (disponível em www.dgsi.pt). De igual modo, também o Tribunal Central Administrativo Sul esclareceu, por acórdão proferido em 28 de Setembro de 2017, no Processo n.º 263/16, que: “2) Existe erro de direito, fundamento do pedido de revisão do acto tributário, se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do pro rata.” (disponível em www.dgsi.pt).

E contra esta leitura praticamente unívoca da jurisprudência não se invoque, como faz inadequadamente a Recorrente, o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 0966/10, porquanto é cristalino que, não só se reporta a uma anterior redacção legal do artigo 22.º do CIVA, como as suas conclusões se reportam a lapsos de escrita, aqui não verificáveis: “IV – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.” (disponível em www.dgsi.pt, sublinhado nosso).

Encontramo-nos, portanto, diante jurisprudência que também aqui acolhemos e da qual, salvo melhor opinião, não vemos razões óbvias para nos afastarmos. E, em respeito à mesma, forçosa é a conclusão de que uma correcção motivada pela indevida utilização de um método legal de dedução, quando um outro método legal deveria ser aplicável, configura um forçoso erro de Direito, sendo tempestivo o pedido de correcção/revisão da auto-liquidação se efetuado no prazo de quatro anos.

III. CONCLUSÕES

I – O legislador português fixou, no Código do IVA, dois conjuntos de prazos para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA, consoante tal exercício se processe em termos normais ou patológicos.

II – Uma correcção motivada pela indevida utilização de um método legal de dedução, quando um outro método legal deveria ser aplicável, configura um forçoso erro de Direito (situação patológica), sendo tempestivo o pedido de correcção/revisão da auto-liquidação se efetuado no prazo de quatro anos.”

 

Considero ainda, sempre com o devido respeito, que esta posição está em conformidade com o exposto no Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 30 de abril de 2020 (anterior ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo citado), uma vez que (i) o Requerente não pretende “alterar o método de dedução do IVA” — pretende corrigir um erro (de Direito) que detetou que existia no apuramento do seu IVA relativo a 2020 e (ii) não foi considerado alegado qualquer indício de fraude ou má-fé por parte do Requerente, sendo assim desproporcionado o entendimento que recuse de forma absoluta o exercício do direito à dedução pelo Requerente.

Conforme resulta do Acórdão do Acórdão do Tribunal de Justiça “Ora, tendo em conta o lugar preponderante que ocupa o direito a dedução no sistema comum do IVA, uma sanção que consiste na recusa absoluta de exercer o direito a dedução que um sujeito passivo tinha o direito de efetuar é desproporcionada caso não se prove fraude ou prejuízo para o orçamento do Estado (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2018, Zabrus Siret, C-81/17, EU:C:2018:283, n.os 48 e 51)”. Note-se que as conclusões deste Tribunal foram as seguintes:

1) O artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo.

2) Os artigos 184.° a 186.° da Diretiva 2006/112, lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual é recusada a um sujeito passivo que efetuou deduções de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que incidiu sobre a aquisição de bens ou de serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução, segundo o método baseado no volume de negócios, a possibilidade de, após a fixação do pro rata definitivo em aplicação do artigo 175.°, n.° 3, desta diretiva, retificar essas deduções aplicando o método da afetação, numa situação em que:

– ao abrigo do artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da referida diretiva, o Estado‑Membro em causa autoriza os sujeitos passivos a efetuar deduções de IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução;

 no momento em que optou pelo método de dedução, o sujeito passivo ignorava de boa‑fé que uma operação que considerava isenta, na realidade, não o estava;

– o prazo geral de caducidade fixado pelo direito nacional para regularizar as deduções ainda não terminou; e

– a alteração do método de dedução permite estabelecer com maior precisão a parte do IVA referente a operações com direito à dedução.”

Termos em que, sempre com o devido respeito e pelas razões expostas, consideramos que o presente PPA deveria ser julgado procedente por provado, com as demais consequências legais.

O Árbitro,

Elisabete Louro Martins Cardoso