Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 515/2022-T
Data da decisão: 2023-06-22  IRS  
Valor do pedido: € 82.732,66
Tema: Retenção na fonte de IRS; IVA; dever de fundamentação; requisitos formais das faturas; lançamentos em contas correntes dos sócios e distribuição de lucros
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ACÓRDÃO ARBITRAL

Processo n.º 515/2022-T

 

SUMÁRIO:

  1. Se o ato de liquidação não contemplar a referência expressa ao relatório de inspeção tributária, mas se verificar que o relatório de inspeção identifica cabalmente os factos tributários, os montantes sobre os quais incide o imposto, a taxa a aplicar e sustente a sua decisão na legislação aplicável, preanunciando ainda a emissão do ato de liquidação e a sua posterior notificação, e aquele ato venha a apresentar um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, tal é suficiente para que se considere preenchido no caso o dever de fundamentação do ato de liquidação.
  2. Dispondo a al. b) do n.º 5 do art. 36.º do CIVA que as faturas devem conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, só perante a demonstração no caso concreto dos dados indispensáveis à cobrança viável e eficaz do IVA e à determinação correta do imposto se pode prescindir, para efeitos de aplicação da taxa reduzida, dos requisitos formais da função documental da fatura e das informações controláveis nessa base veiculadas.
  3. A presunção legal do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, segundo a qual os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”, tem de ser ilidida mediante prova em contrário.

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Professor Doutor Guilherme W. d’Oliveira Martins (Árbitro Presidente), Professor Doutor Rui Miguel Zeferino Ferreira e João Menezes Leitão (relator), árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

 

1. FARMÁCIA A..., UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, n.º …, … Lisboa (a seguir designada por “Requerente”), ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.10, com as alterações subsequentes (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT) apresentou, em 30.08.2022, pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), no qual peticionou a anulação dos atos tributários de indeferimento parcial do Recurso Hierárquico n.º ...2021... e de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2020..., da Liquidação de Retenções na Fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020 ... (2016), da Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2020 ... (2016), da Liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2020 ... (201506), da Liquidação de Juros de IVA n.º 2020 ... (201506), da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 ... (201506) e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 ... (201506 - juros), relativamente ao valor total a pagar de €82.732,66, bem como a condenação da AT na restituição da referida quantia acrescida de juros indemnizatórios, e ainda a sua condenação no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante já reembolsado de €101.698,20.

 

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 20.10.2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em consonância com a al. c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 08.11.2022.

 

3. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir, petição inicial ou PI), a Requerente procedeu à cumulação dos pedidos de anulação das indicadas liquidações de Retenções na Fonte de IRS, de IVA e de juros, invocando isso já ter ocorrido em sede de Recurso Hierárquico, nos termos do artigo 71.º conjugado com o n.º 1 do artigo 104.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), “pelo que tal cumulação se mantém para efeitos do presente Pedido de Pronúncia Arbitral”.

 

4. Na sua PI, a Requerente sustenta que os atos tributários acima indicados são ilegais com base em cinco causas de pedir, a saber, a insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação, a preterição de formalidade legal essencial, a falta ou insuficiência de fundamentação do próprio Relatório de Inspeção Tributária, o incumprimento do ónus da prova que recai sobre a AT, a falta de pressupostos jurídicos e de facto das liquidações sindicadas.

Para prova da factualidade alegada, a Requerente arrolou como testemunha o Dr. B..., com domicílio profissional na Rua …, n.º …., em Lisboa (responsável pelo relatório de auditoria junto como doc. n.º 9 à PI).

 

5. A AT apresentou, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, resposta (a seguir abreviadamente R.) em que se defendeu por exceção, invocando a inutilidade superveniente da lide na parte em que a liquidação de retenções na fonte em IRS foi anulada, e por impugnação, em que reiterou o afirmado no procedimento inspetivo e no procedimento administrativo subsequente quanto aos factos controvertidos e sustentou que as liquidações sindicadas consubstanciam uma correta aplicação do Direito aos factos, concluindo pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Juntou o processo administrativo (“PA”), que é constituído pelos autos da Reclamação Graciosa n.º ...2020... (a seguir PA-RG...2020..., sendo que foram juntos aos autos, como consta do Sistema de Gestão Processual do CAAD, 20 ficheiros PDF correspondentes às diferentes partes do procedimento que vão do ficheiro denominado RG+...2020...+1733+pags_Parte1.pdf ao ficheiro denominado RG+...2020...+1733+pags_Parte20.pdf) e do Recurso Hierárquico n.º ...2021... (a seguir PA-RH...2021..., sendo que foi junto aos autos o ficheiro PDF PA-RH...2021...+253+pags.pdf).

 

6. Em 09.01.2023, a Requerente, ao abrigo do princípio do contraditório, apresentou requerimento em que se pronunciou sobre a exceção da inutilidade superveniente da lide relativa à parte do pedido de juros indemnizatórios resultante da decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico quanto à liquidação de retenções na fonte de IRS, no qual sustentou que o pedido de condenação que formulou no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante já reembolsado de €101.698,20 se circunscreve aos juros devidos pelo período compreendido entre 2 de março de 2020 e 10 de junho de 2021.

 

7. No dia 03.02.2023, teve lugar a audiência de produção de prova com inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, Dr. B..., economista e contabilista certificado, cujo depoimento foi objeto de gravação áudio, como consta da correspondente ata.

Na decorrência deste depoimento, a Requerente declarou pretender proceder à junção das listagens mencionadas pela testemunha, tendo o Tribunal determinado, com a concordância das partes, que o documento em causa deveria ser junto pela Requerente com as suas alegações, podendo a Requerida pronunciar-se sobre o mesmo nas suas contra-alegações.

Na mesma audiência, conforme respetiva ata, o Tribunal notificou as partes para alegações escritas sucessivas no prazo de 15 dias, o que estas concretizaram oportunamente em 20.02.2023 e em 03.03.2023, nas quais se pronunciaram sobre a prova testemunhal produzida e reiteraram as posições expressas nos seus articulados.

Refira-se que a Requerente, nas suas alegações (n.ºs 36 e seguintes e conclusões L. a O.), quanto à listagem acima aludida, declarou que a relação discriminativa junta no Pedido de Pronúncia Arbitral com as faturas FT 5/28453, de 27/02/2015, e FT 5/33246, de 30/04/2015 (cfr. doc. n.º 7 à PI), não corresponde às efetivas relações discriminativas que se encontravam anexas às respetivas faturas, tendo havido “uma troca de documentos aquando da apresentação do Pedido de Pronúncia Arbitral”, mas essas mencionadas faturas FT 5/28453, de 27/02/2015, e FT 5/33246, de 30/04/2015, com as devidas relações discriminativas, encontram-se no PA-RG...2020... em sede, respetivamente, de RG+...2020...+1733+pags_Parte11.pdf, RG+...2020...+1733+pags_Parte12.pdf e RG+...2020...+1733+pags_Parte13.pdf), tendo a Requerente procedido à junção dessas listagens como docs. n.ºs 1 a 3 às alegações.

 

8. Por despacho de 03.05.2023, dada a dimensão do acervo documental sujeito à apreciação jurisdicional, designadamente no PA-RG...2020... e no PA-RH...2021..., foi prorrogado, nos termos do n.º 2 do art. 21.º do RJAT, o prazo para a prolação da decisão arbitral, cujo termo ficou, assim, fixado no dia 08.07.2023.

 

 II. Saneamento

 

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3).

 

10. A cumulação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente aos diferentes atos tributários impugnados é admissível em face do disposto no art. 3.º, n.º 1 do RJAT, interpretado em conjugação com o disposto no art. 104.º, n.º 1 do CPPT.

 

11. Foi suscitada pela Requerida, conforme acima indicado, a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de juros indemnizatórios na parte em que a liquidação de retenção na fonte de IRS foi anulada administrativamente, o que será apreciado na decorrência da fixação da matéria de facto pertinente.

Não foram invocadas outras exceções ou questões prévias ou incidentais que impeçam o conhecimento da lide e não se divisam nulidades.

Cabe, em consequência, proferir decisão.

III. Questões a decidir

 

12. Para além da exceção atinente à inutilidade superveniente da lide e do pedido de condenação em juros indemnizatórios quanto ao montante já reembolsado pela AT de €101.698,20 a ela subjacente, as questões submetidas à apreciação deste Tribunal que compõem o thema decidendum concernem aos vícios de violação de lei que são imputados aos seguintes atos:

i) Despacho proferido no dia 21.04.2022 pelo qual foi indeferido parcialmente o Recurso Hierárquico n.º ...2021... deduzido pela Requerente;

ii) Despacho proferido no dia 25.06.2021 pelo qual foi indeferida a reclamação graciosa n.º ...2020... deduzida pela Requerente;

iii) a Liquidação de Retenção na Fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020 ... (2016) e a correspondente Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2020 ... (2016);

iv) a Liquidação de IVA n.º 2020 ... (201506), a Liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... (201506) e as correspondentes Demonstrações de Acerto de Contas n.º 2020 ... (201506) e n.º 2020 ... (201506 - Juros).

 

13. Estas Liquidações, com os acertos resultantes das indicadas Demonstrações de Acerto de Contas, perfaziam originariamente o valor total de €184.430,86 (cento e oitenta e quatro mil quatrocentos e trinta euros e oitenta e seis cêntimos), conforme quadro seguinte:

 

 

Dado que na Decisão do Recurso Hierárquico se deferiu parcialmente o pedido quanto à Liquidação de Retenções na Fonte de IR n.º 2020 ... (2016) e, consequentemente, quanto a parte da Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2020 ... (2016), pelo que se corrigiu o imposto devido em Retenções na Fonte de IRS de €152.955,60 para €61.966,67, e, proporcionalmente, o montante de juros compensatórios em €10.709,27, o objeto do litígio incide presentemente sobre a Liquidação de Retenções na Fonte de IRS n.º 2020 ... (2016), a Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2020 ... (2016), a Liquidação de IVA n.º 2020 ... (201506), a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 ... (201506), a Liquidação de Juros de IVA n.º 2020 ... (201506) e a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 ... (201506 - Juros) quanto ao montante que perfazem de €82.732,66 (oitenta e dois mil e setecentos e trinta e dois euros e sessenta e seis cêntimos), conforme quadro seguinte:

 

 

 

14. Relativamente a estes atos, peticiona a Requerente (cfr. art. 12.º da PI e n.º 3 das alegações) a sua anulação em atenção aos seguintes vícios:

i) insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação;

ii) preterição de formalidade legal essencial por ausência de notificação para audição prévia à concreta emissão e notificação das liquidações;

iii) falta ou insuficiência de fundamentação do próprio Relatório de Inspeção Tributária;

iv) ónus da prova que recai sobre a Administração Tributária;

v) ilegalidade das liquidações de imposto, bem como das liquidações dos juros compensatórios, por falta de pressupostos jurídicos e de facto.

São estas as causas de pedir que a Requerente enuncia no mencionado art. 12.º da PI como fundamentos de anulação dos atos sindicados que cabe apreciar para a resolução do litígio.

 

15. Há, no entanto, que assinalar que, para além dos vícios assim enunciados, se observa no texto da PI a colocação de outras questões, como é o caso de um ponto atinente à “indispensabilidade das provas requeridas” que surge nos arts. 107.º e segs. da PI. Há, contudo, que dizer que esse ponto parece consistir numa mera repetição do que foi alegado em sede de recurso hierárquico (cfr. os arts. 108.º e seguintes do recurso hierárquico junto como doc. n.º 2 à PI) e só é compreensível nesse contexto, como o evidenciam as alegações objeto dos arts. 124.º (“deverá o órgão instrutor ordenar a inquirição da testemunha indicada pela REQUERENTE, tendo em vista a descoberta da verdade material, bem como a satisfação do interesse público não estando, sequer, subordinada à iniciativa do autor do pedido”), 126.º (“nenhuma diligência probatória foi, até ao momento, produzida pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, revelando o absoluto desprezo pelos direitos da REQUERENTE e pela descoberta da verdade material, ficando irremediavelmente inquinada a Decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa”) e 128.º (“vem a REQUERENTE reiterar o pedido de produção de prova testemunhal para complemento da informação da fatura e comprovação da materialidade subjacente às mesmas”) da PI (que coincidem com os arts. 125.º, 127.º e 129.º do recurso hierárquico). Eventualmente, terá sido por isto que esta matéria da “indispensabilidade das provas requeridas” não foi levada às alegações da Requerente, onde nada se encontra a seu respeito.

Apreciar-se-á, de qualquer modo, a invocação destes vícios de procedimento na medida da sua relevância para os autos.

 

16. A ordem do conhecimento dos vícios na decisão arbitral encontra-se regulada pelo art. 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, que determina que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art. 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º).

Estando aqui em causa vícios conducentes à anulação dos atos controvertidos, cabe aplicar o disposto na al. b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, que impõe que, quando o impugnante indica uma ordem de conhecimento dos vícios, estabelecendo entre eles uma relação de subsidiariedade (vd. o art. 101.º do CPPT que prevê que: “O impugnante pode arguir os vícios do ato impugnado segundo uma relação de subsidiariedade”), o Tribunal deve respeitar a relação indicada. Como se afirmou no acórdão do STA de 18.6.2014, proc. n.º 01942/13, “sempre que o impugnante estabeleça uma ordem de precedência do conhecimento dos vícios geradores de anulabilidade é essa ordem que deve ser seguida pelo juiz, não lhe sendo permitido alterá-la, assim como não lhe é permitido alterar a ordem do conhecimento dos vícios geradores de nulidade ou de inexistência, que se encontra legalmente estabelecida”.

No presente caso, a Requerente estabeleceu uma relação de subsidiariedade no conhecimento dos vícios invocados (cfr. art. 101.º do CPPT) como resulta das seguintes menções constantes da PI em relação aos vícios antecedentemente invocados:  “caso se concluísse – no que não se consente”; “sem conceder” (art. 69.º); “Sem prescindir de tudo quanto ficou já exposto” (art. 129.º).

Impõe-se, em consequência, a este Tribunal apreciar os vícios pela ordem estabelecida pela Requerente acima apresentada no n.º 14.

IV. Fundamentação de Facto

17. Para decisão do litígio em atenção às causas de pedir suscitadas quanto aos atos postos em crise, cabe proceder ao apuramento e fixação da factualidade relevante.

IV.1. Matéria de Facto Provada

 

18. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

I. A Requerente FARMACIA A…, UNIPESSOAL, LDA, que iniciou a sua atividade em 02.01.1983, está registada para o exercício da atividade principal de «Comércio a retalho de produtos farmacêuticos, em estabelecimentos especializados», a que corresponde o CAE 47730, encontrando-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável e, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral no período compreendido entre 2014-01-01 e 2015-12-31, no regime normal de periodicidade mensal no período compreendido entre 2016-01-01 e 2017-12-31, e no regime normal de periodicidade trimestral desde 2018-01-01 (cfr. as indicações constantes do RIT, ponto II.3.1.2.1, pp. 7-8 e Anexo 3 ao RIT a pp. 7 e segs. do RG+...2020...+1733+pags_Parte2).

II. A Requerente procedeu à emissão das faturas FT 5/28453, de 27.02.2015, e FT 5/33246, de 30.04.2015, relativamente à sociedade FARMÁCIA C... UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva n.º ..., nas quais foi liquidado IVA à taxa reduzida de 6% sobre o valor (base tributável) de, respetivamente, €43.867,92 e €23.584,91, nas quantias, respetivamente, de €2.632,08 e de €1.415,09, perfazendo o total, respetivamente, de €46.500,00 e de €25.000,00, indicando-se nessas faturas, em sede de Descrição ou Designação Produto, “Total Produtos 6% IVA Resumo”, sem discriminação dos produtos concretamente transmitidos (cfr. as faturas juntas como anexo 22 ao RIT a pp. 35 e segs. do RG+...2020...+1733+pags_Parte7 e como doc. n.º 7 à PI).

III. Relativamente ao ano de 2016, o saldo inicial de caixa no montante global de €585.386,16, foi objeto dos seguintes movimentos a débito:

i) Regularização do saldo de caixa através do lançamento n.º 100.003, datado de 31.10.2016, no Diário 63, no montante de € 231.099,89 em que a conta 11101 – Caixa Fixo Sede é creditada por contrapartida da conta 278211000003 – D... (cfr. documentos constantes do anexo 13 ao RIT);

ii) lançamento n.º 120.003, datado de 31.12.2016, no Diário n.º 63, no montante de €322.795,93, em que a conta 11101 – Caixa Fixo Sede é creditada por contrapartida da conta 5521 – Reservas Livres, no montante de € 315.170,10 e da conta 298001 – Provisões do CCI, no montante de €7.625,83 (cfr. documentos constantes do anexo 13 ao RIT).

IV. Os extratos e documentos bancários constantes a pp. 102 e segs. do RG+...2020...+1733+pags_Parte8, a pp. 1 e segs do RG+...2020...+1733+pags_Parte9 e a pp. 1 e segs do RG+...2020...+1733+pags_Parte10 evidenciam que a quantia de €231.099,89 lançada na conta 278211000003 – D... é referente a empréstimos do sócio e que a quantia de €93.861,68, transferida do saldo de caixa para a conta de reservas livres, também respeita a suprimentos do sócio (vd. ainda a relação de Empréstimos do sócio em anexo ao Relatório de auditoria que constitui o doc. n.º 9 à PI a pp. 88 e segs. do RG+...2020...+1733+pags_Parte8, bem como o reconhecimento resultante da decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico n.º ...2021... junto como doc. n.º 1 à PI e a fls. 191 e seguintes do PA-RH...2021...).

V. A Requerente foi objeto de procedimento de inspeção tributária, externo, de âmbito parcial, abrangendo o IVA e o IRC, realizado aos exercícios de 2015 e de 2016, a coberto das ordens de serviço OI2018… e da OI2019…, do qual resultou o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), de que a Requerente foi notificada pelo Ofício n.º …, datado de 06.01.2020 (cfr. doc. n.º 6 junto à PI e fls. 100 do RG+...2020...+1733+pags_Parte1).

VI. No âmbito do indicado procedimento inspetivo, a Requerente foi notificada, em 11.12.2019, do projeto de relatório de inspeção tributária e para, querendo, exercer por escrito e no prazo de 15 dias, o direito de audição prévia, conforme ofício n.º …, de 09.12.2019, entregue em mão a funcionária da Requerente, dado não se encontrar o notificando sócio-gerente, não obstante a diligência de marcação com hora certa (cfr. o referido Oficio, a Nota de Marcação de Hora Certa de 10.12.2019 e a Certidão de Verificação de Hora Certa de 11.12.2019, que constituem o anexo 24 ao RIT, a fls. 4 e segs. do RG+...2020...+1733+pags_Parte8.pdf, bem como a fls. 72 e segs. do RG+...2020...+1733+pags_Parte16.pdf).

VII. Por requerimento remetido por email de 23.12.2019, e via postal registada de 27.12.2019  com a entrada n.º 2019…, conforme doc. n.º 12 à PI e anexo 25 ao RIT a fls. 22 e segs. do RG+...2020...+1733+pags_Parte8.pdf, bem como a fls. 58 e segs. do RG+...2020...+1733+pags_Parte16.pdf, a Requerente solicitou a prorrogação do prazo do exercício do direito de audição por um período adicional não inferior a 15 dias, invocando a necessidade de obter informações e documentação adicional junto quer do seu atual contabilista certificado quer do anterior contabilista certificado responsável pelas contas da sociedade à data a que respeitam os lançamentos contabilísticos em análise.

VIII. Pelo ofício n.º …, de 27.12.2019, remetido por correio registado, a Requerente foi notificada do despacho de 27.12.2019, proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto, de indeferimento do pedido de prorrogação de prazo para audição prévia, com base nos seguintes motivos: i) as correções propostas em sede de projeto de relatório de inspeção advêm de factos já conhecidos do sujeito passivo, resultando da não apresentação de elementos comprovativos para que foi notificada; ii) o pedido de prorrogação (nunca inferior a 15 dias), acrescido ao previamente concedido (15 dias), ultrapassa o prazo máximo que se pode conceder para o exercício do direito de audição prévia (25 dias), nos termos do n.º 6 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, pelo que não existe previsão legal para a prorrogação para além dos 25 dias e não está em causa a complexidade da matéria  (cfr. o ofício e o despacho que constitui o anexo 25 ao RIT, a fls. 10 e segs. do RG+...2020...+1733+pags_Parte8).

IX. No Ofício de notificação do RIT, conforme doc. n.º 6 à PI e fls. 100 do RG+...2020...+1733+pags_Parte1, consta o seguinte:

“Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.º do RCPITA, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada. Das correções meramente aritméticas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório, a breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação”.

X. Nos termos do RIT (cfr. doc. n.º 6 à PI e fls. 100 e seguintes do RG+...2020...+1733+pags_Parte1), as correções promovidas sustentaram-se nos seguintes fundamentos essenciais:

- “II.3.8. Fluxos de Caixa

II.3.8.1 Conta 11101-Caixa Fixo Sede

(...)

Exercício de 2016

(...) face aos montantes refletidos na conta de Caixa e na IES, face ao preconizado no SNC, surgiu a necessidade de averiguar as movimentações posteriores ocorridas na conta de caixa, tendo dado origem à Ordem de Serviço n.º OI2019… referente ao exercício de 2016.

Como foi referido na Ordem de Serviço n.º OI2018…, o sujeito passivo apresentou um saldo final de caixa elevado no montante de € 585.386,16, dando origem à abertura dessa Ordem de Serviço e consequentemente à abertura da OI2019… referente ao exercício de 2016.

No exercício de 2016, o sujeito passivo apresentou um saldo inicial de caixa de €585.386,16 e um saldo final de caixa de € 250,00, conforme discriminado no quadro seguinte (...):

Campo

A5419 IES

Saldo Inicial

Débitos

Créditos

Saldo Final

Caixa

585.386,16

315.388,67

900.524,83

250,00

Depósitos à Ordem

2.515,51

581.895,44

584.160,14

250,81

Total

587.901,67

897.284,11

1.484.684,97

500,81

 

 

Os valores declarados na IES estão conforme os Saldos refletidos na conta 11101 - Caixa fixo sede.

Verificaram-se regularizações contabilísticas do saldo de caixa do sujeito passivo no exercício de 2016 refletidas em 2016-10-31 e 2016-12-31, creditando a conta 11101 - Caixa Fixo Sede no montante de € 546.269,99, por contrapartida das contas 278211000003 - D..., no montante de € 231.099,89 e da conta 5521 - Reservas Livres, no montante de € 315.170,10. (...)

Durante a ação inspetiva, verificou-se que os documentos de suporte a esses movimentos contabilísticas são meros documentos da contabilidade. Esses movimentos apresentam a descrição “REG CAIXA".

No sentido de obtermos mais esclarecimentos sobre o assunto, notificámos o sujeito passivo (...) para apresentar na morada da sede os seguintes elementos;

- a ata de aprovação de contas de 2016.

- documentação e justificação dos lançamentos contabilísticos refletidos na conta 11101 - Caixa Fixo sede no montante de € 231.099,89 no mês de outubro e no montante de € 322.795,93 no mês de dezembro.

Em resposta à nossa notificação, conforme termo de declarações assinado pelo sócio D... em 2019-12-02, o sujeito passivo apenas apresentou o extrato da conta corrente 278211000003 - D... e os registos contabilísticos que refletem a regularização do saldo de caixa, através do:

- lançamento n.º 100.003, datado de 2016-10-31, no Diário n.º 63, no montante de € 231.099,89 em que a conta 11101 - Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 278211000003 - D...;

- e lançamento n.º 120.003, datado de 2016-12-31, no Diário n.° 63, o montante de € 322,795,93 em que a conta 11101 - Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 5521 - Reservas Livres, no montante de € 315.170,10 e da conta 298001 - Provisões do CCI, no montante de € 7.625,83.

O sujeito passivo não apresentou justificação para esses lançamentos contabilísticos. (...)

Em relação à ata de aprovação de contas de 2016, declarou o seguinte: "esta será enviada por email. As atas estão feitas. Mas, não estão formalmente escritas no livro das atas". Até a presente data ainda não foi rececionado o documento. (...)

II.3.9. Análise da conta de sócios

II.3.9.1 Conta 278211000003 - D...

Exercício de 2015

No ano de 2015 o sujeito passivo apresenta na conta corrente 278211000003 - D... um saldo final credor no montante de € 239.482,57, significando, em termos contabilísticos que teriam entrado fundos na entidade provenientes do sócio. (...)

O Dr. D... conforme se pode verificar através da Certidão Permanente é sócio do sujeito passivo.

* Extrato de Conta e Documentação de suporte aos registos contabilísticos

Da análise à Conta 278211.000003 constata-se que o saldo inicial de 2015 apresenta um saldo credor de € 210,711,57, apresentando no ano de 2015 movimentos a débito no valor de € 6.830,00 e movimentos a crédito no valor de € 35.601,00.

De mencionar que a maioria dos movimentos a débito correspondem a transferências bancárias e apresentam como descritivo “Empréstimo Sócio", "Sócio - Empréstimo/Pagamento", “Sócio Empréstimo", “Retorno Sócio", e perfazem o montante de € 6.830,00. Em relação aos movimentos a crédito, as transferências bancárias apresentam idêntico descritivo aos movimentos a débito e perfazem o montante de € 34,350,00; os recibos de rendas emitidas pelo sócio do sujeito passivo à Farmácia … perfazem o montante de €450,00 e as restantes despesas, designadamente, combustíveis, refeições, transportes, perfazem o montante de € 801,00.

Relativamente às transferências bancárias, muitos dos movimentos que se encontram registados na contabilidade encontram-se suportados por documentos em excel que descriminam os lançamentos por data, descritivo e valor, a débito ou crédito, nomeadamente: a débito o montante de € 4,330,00 e a crédito o montante de € 20,600,00.

Em relação aos movimentos bancários, os que se encontram suportadas por documentos de transferência emitidos pela Caixa Geral de Depósitos, S.A, referentes à conta do sujeito passivo n.º 2181017171330, correspondem a transferências efetuadas:

- pelo sujeito passivo, a débito, a favor do sócio no montante de € 2.500,00, que apresentam o seguinte descritivo:" Pagamento ao Sócio”;

-  a favor da sociedade, a crédito, pelo sócio D... no montante de € 11,750,00; por E... no montante de € 2.000,00.

* Extratos de Conta da conta bancária do sujeito passivo da Caixa Geral de Depósitos, S.A versus Documentos de suporte que constam na contabilidade

Da análise efetuada aos extratos de conta, da conta bancária do sujeito passivo da Caixa Geral de Depósitos, SA - conta N. 2181017171330 verificaram-se saídas na conta bancária do sujeito passivo no montante de € 6.830,00, e entradas na conta bancária do sujeito passivo no valor de € 34.350,00, conforme descriminado nas folhas em excel e nos comprovativos bancários. No entanto, apesar dos descritivos, quer nos documentos presentes na contabilidade, quer dos extratos bancários que fazem referência a Empréstimos do Sócio”, nem sempre é possível aferir quer o beneficiário, quer o destinatário. (...)

* Saldo inicial da conta 278211000003 - D... no montante de € 210.711,57

Em relação ao saldo inicial da conta em questão, notificámos o sujeito passivo para apresentar o extrato de conta da conta 278211000003-D... e para justificar o saldo credor inicial no montante de € 210.711,57, com apresentação de documentação. (...)

O sujeito passivo em resposta às nossas solicitações apenas apresentou o extrato de conta da conta 278211000003 - D..., ficando por justificar o montante de € 210.711,57 correspondente ao saldo inicial, conforme termo de declarações assinado pelo sócio D... em 2019-11-02. (...)

Conclusão

Face ao exposto, conclui-se o seguinte:

- Não foi possível, face aos elementos apresentados, comprovar que é real o saldo credor inicial no montante de €210.711,57;

- Em relação às transferências bancárias nem sempre foi possível aferir o beneficiário (€ 4.330,00) e/ou ordenante (€ 20,600,00) e as restantes despesas, designadamente: combustíveis, refeições, transportes, perfazem o montante de € 801,00 (...).

Exercício de 2016

No ano de 2016 o sujeito passivo apresenta na conta corrente 278211000003 - D... um saldo final credor no montante de € 1,062,39. (...)

O Dr. D... conforme se pode verificar através da Certidão Permanente é sócio do sujeito passivo,

* Extrato de Conta e Documentação de suporte aos registos contabilísticos

Da análise à Conta 278211000003 constata-se que o saldo inicial de 2016 apresenta um saldo credor de € 239,482,57, apresentando no ano de 2016 movimentos a débito no valor de € 248,749,89 e movimentos a crédito no valor de € 10,329,71.

De mencionar que os movimentos a débito correspondem a transferências bancárias e apresentam como descritivo "Emp e Pag Soc", "Empréstimo Socio/Retorno Sócio”, "Socio” e perfazem o montante de € 17.650,00; e lançamento de regularização no montante de € 231.099,89. (...)

Em relação aos movimentos a crédito, as transferências bancárias apresentam idêntica natureza aos movimentos a débito e perfazem o montante de € 8.400,00 (...); os recibos de rendas emitidas pelo sócio do sujeito passivo à Farmácia A… perfazem o montante de € 450,00 e as restantes despesas, designadamente: combustíveis, refeições, transportes, perfazem o montante de € 1,479,71 (...)” [pp. 11 a 14 do RIT]

- “III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

(...)

III.1.2.1 Liquidação de IVA

(...)

Durante a ação inspetiva detetaram-se duas faturas emitidas pelo sujeito passivo à entidade "FARMÁCIA C... Unipessoal LDA", NIF - ..., a fatura n.º FT 5/28453, emitida em 2015-02-27, no montante de € 49,965,48 (Base tributável) e a fatura n.º FT 5/33246, emitida em 2015-04-30, no montante de € 23.584,91 (Base tributável), sobre as quais o sujeito passivo liquidou IVA à taxa reduzida. (...)

O sujeito passivo registou contabilisticamente o IVA Liquidado das duas faturas em duas contas, a conta 24331111051 - Iva liq. - tx. rd.-mercado nacional e a conta 24331113201 -Iva liq.- tx. nm.- mercado nacional (...).

A alínea b), do n.º 5 do art. 36.º do CIVA menciona que as faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter vários elementos, entre eles, a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável.

No caso em apreço, nenhuma das duas faturas discrimina os bens. Assim sendo, não é possível à Autoridade Tributária aferir se estão a ser corretamente aplicadas as taxas.

A transmissão dos bens está sujeita a IVA, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 1.º do CIVA, do n.° 1 do art. 3.º do CIVA e do art. 6.° do CIVA, e a taxa do IVA a aplicar é nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 18.° do CIVA de 23%.

Assim, nos termos da alínea b), do n.º 5 do art. 36.º do CIVA pela inobservância dos requisitos formais das faturas emitidas e nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 1.° do CIVA, do n.º 1 do art. 3.° do CIVA e do art. 6.° do CIVA, e da alínea c) do n.º 1 do art. 18.° do CIVA, referente a transmissão dos bens, os montantes de IVA a corrigir são os mencionados no quadro seguinte:

 

 

 

Assim, relativamente a estes bens, presume-se que o sujeito passivo não liquidou e, por conseguinte, não entregou aos cofres do Estado IVA o montante a € 11.466,98 repartido da seguinte forma:

 

[pp. 14 a 18 do RIT]

- “III.2. Ano de 2016

III.2.1 Em sede de Retenção na Fonte de IRS

III. 2.1.1. Conta 278211000003 - D...

Conforme exposto no ponto II.3.9.1 relativamente à conta 278211000003 - D..., a análise da conta em questão revelou movimentos a débito e a crédito, que importa referir:

- em relação à regularização do saldo de caixa, através do lançamento n.º 100.003, no Diário n.º 63, no montante de € 231.099,89 em que a conta 11101 -Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 278211000003 - D... não foi apresentada justificação;

- não foi possível aferir quem foi o ordenante das transferências bancárias que entraram na conta da sociedade no montante de € 3.400,00.

Assim sendo, não se comprovando o saldo credor inicial, não ficou demonstrado que a sociedade tenha dívidas com o sócio pelo que o montante de € 231.099,89 debitado na conta do sócio tem o enquadramento de adiantamentos por conta de lucros.

O n.º 4 do art. 6.º do CIRS estabelece que os lançamentos efetuados nas “contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação do trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou de adiantamento por conta de lucros”, enquadráveis como rendimentos da categoria E de IRS (rendimentos de capitais).

Nos termos da al. h) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais (categoria E de IRS) "os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros”.

Os rendimentos de capitais, mais precisamente os adiantamentos por conta de lucros, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, nos termos previstos da al. a) do n.º 1 do art. 71.º do CIRS

Assim sendo, em relação aos rendimentos que indevidamente não considerou como rendimentos da categoria E de IRS, a sociedade “FARMÁCIA A... Unipessoal” não reteve e não entregou IRS, nos termos do n.° 2 do art. 101.º e 98.º do CIRS, no total de € 231.099,89, e consequentemente existe imposto em falta no montante € 64.707,97 (€ 231.099,89 x 28%).

III.2.1.2 Conta 5521 – Reservas Livres

(...)

Na situação em análise, além de não ter sido apresentada justificação para o lançamento n.º 120.003, no Diário n.º 63, em que a conta 11101 - Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 5521 - Reservas Livres, no montante de € 315,170,10, também não foi apresentada a ata e aprovação de contas de 2016.

As reservas livres, tal como as reservas legais, (embora obrigatórias) e as estatutárias (igualmente obrigatórias, caso sejam impostas nos pactos sociais), resultam sempre de uma decisão de aplicação dos resultados positivos obtidos e como tal podem ser distribuídas aos sócios.

O registo contabilístico efetuado, onde se debita a conta 5521- reservas livres por crédito da conta caixa, evidencia a aplicação das reservas, cujos beneficiários serão logicamente os sócios, configurando uma distribuição de lucros.

Nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais (categoria E de IRS) “os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros".

Os rendimentos de capitais, mais precisamente a distribuição de lucros aos sócios, está sujeita a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, nos termos previstos da al. a) do n.º 1 do art. 71.º do CIRS.

Assim sendo, em relação aos rendimentos que indevidamente não considerou como rendimentos da categoria E de IRS, a sociedade “FARMÁCIA A... Unipessoal” não reteve e não entregou IRS, nos termos do n.º 2 do art. 101.º e 98.º do CIRS, no total de € 315.170,10, e consequentemente existe imposto em falta no montante € 88.247,63 (€ 315,170,10 x 28%)” [pp. 18 e 19 do RIT]

XI. Foram emitidas à Requerente as seguintes liquidações adicionais, juntas agregadamente como doc. n.º 5 à PI:

i) Liquidação IVA n.º 2020 ..., respeitante ao período 2015-06T, no valor de €11.467,46 e respetiva liquidação juros compensatórios n.º 2020 ..., no valor de €2.005,62, a que corresponderam as Demonstrações de Acerto de Contas n.º 2020 ... (201506), com o saldo apurado de €11.466,98, e n.º 2020 ... (201506 - juros), com o saldo apurado de €2.005,62.

ii) Liquidação de Retenção na Fonte de IRS n.º 2020 ..., no valor de €152.955,60 e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ..., no valor de €18.002,66.

XII. A demonstração de liquidação de IVA, com o n.º 2020 ..., referente ao período 2015-06T, no valor de €11.467,46, contém a seguinte “Fundamentação”: “Liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária” (cfr. a liquidação constante do doc. n.º 5 à PI).

XIII. A demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2020 ... (cfr. a liquidação constante do doc. n.º 5 à PI) contém a seguinte “Fundamentação”: “Juros calculados nos termos do art.º 96 do CIVA e dos art.º 35º e 44º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou per se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte. A sua contagem teve em conta a data em que foram enviados os pagamentos e ou, na sua falta ou insuficiência, a data de disponibilização de outros créditos” e inclui o seguinte quadro:

 

XIV. A demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS, com o n.º 2020 ... (cfr. a demonstração constante do doc. n.º 5 à PI), contém a seguinte declaração: “Fica V. Exa notificado(a) para, até à data limite indicada, efetuar o pagamento da importância apurada proveniente da liquidação de retenções na fonte de IRS relativa ao ano indicado” e inclui o seguinte quadro:

 

XV. Os montantes das liquidações de IVA e juros compensatórios, no total de €13.472,60, foram pagos em 27.02.2020 e os montantes das liquidações de IRS e juros compensatórios, no total de €170.958,26, foram pagos em 02.03.2020 (cfr. doc. n.º 10 junto à PI e factualidade reconhecida na informação (ponto n.º 8) em que se sustenta a decisão do recurso hierárquico in PA-RH...2021...+253+pags.pdf, p. 197).

XVI. A Requerente apresentou em 9.06.2020 reclamação graciosa (com o n.º ...2020...) contra as liquidações em apreço (cfr. doc. n.º 4 à PI e fls. 1 e segs. do PA-RG...2020...+1733+pags_Parte1.pdf), alegando que: i) do teor das notificações dos atos tributários não resulta adequada e suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, como é exigido pelo art. 77.º da LGT; ii) não foi notificada para efeitos de audição prévia à emissão dos atos tributários, o que implica a preterição de formalidade legal essencial nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT; iii) a fundamentação do RIT não é congruente nem clara; iv) as liquidações padecem de vício na fundamentação legalmente exigida, por violação do ónus da prova previsto no art. 74.º da LGT dado não serem apresentadas quaisquer provas dos factos que poderiam ser constitutivas do seu alegado e pretenso direito tributário; v) quanto ao IVA, a falta de discriminação dos produtos transmitidos nas faturas FT 5/28453, de 27/02/2015 e FT 5/33246, de 30/04/2015 resulta de simplificação operacional devida às características do programa informático, mas a emissão de tais faturas foi acompanhada de relação discriminativa anexa, que devido à sua (grande) dimensão, se encontra arquivada em pastas autónomas; vi) quanto às retenções na fonte em IRS por adiantamento por conta de lucros, não foi apresentada uma única prova de que tivessem sido transferidas quaisquer quantias da esfera da reclamante para a dos sócios, não sendo as regularizações da Conta11101-Caixa Fixo Sede emergentes da distribuição de lucros por parte da Reclamante; vii) quanto aos juros compensatórios, ocorre ausência de fundamentação, dado não se ter demonstrado que o retardamento da liquidação do imposto e o recebimento indevido se deva a facto imputável ao contribuinte.

XVII. Na referida reclamação, a Requerente requereu, “ao abrigo do art. 50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do art. 72.º da Lei Geral Tributária, para comprovação dos factos alegados”, a inquirição da testemunha Dr. B…, auditor sénior, economista e contabilista certificado.

XVIII. A Requerente foi notificada, através de correio eletrónico - via CTT, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia, previsto no artigo 60.º da LGT, relativamente ao projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, conforme doc. n.º 8 à PI e fls. 42 e segs. do PA-RG...2020...+1733+pags_Parte19.pdf, o que concretizou em 03.05.2021, manifestando a sua discordância com o teor do projeto de decisão e reiterando a argumentação apresentada na reclamação graciosa (cfr. fls. 55 e segs. do PA-RG...2020...+1733+pags_Parte19.pdf).

XIX. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho proferido em 25.06.2021, com base na informação com o n.º de processo …2020…, da Direção de Finanças de …, conforme doc. n.º 3 à PI e fls. 26 e segs. do PA-RG...2020...+1733+pags_Parte20.pdf, na qual se sustentou, designadamente, o seguinte:

i. “decorrendo as liquidações reclamadas das correções efetuadas no decurso da ação inspetiva, encontram-se as mesmas devidamente fundamentadas no RIT”;

ii. “tendo a ora reclamante sido notificada, nos termos do art.º 60º da LGT e art.º 60º do RCPITA para, querendo, exercer o direito de audição prévia, relativamente ao projeto de relatório de inspeção anexo à notificação, nos termos do nº 3 do art.º 60º da LGT, é dispensada a notificação antes da liquidação”;

iii. “tendo a reclamante sido notificada, por diversas vezes, no decurso do procedimento inspetivo, para justificar e comprovar as irregularidades detetadas e regularizar a contabilidade, para exercer o direito de audição sobre as correções propostas no RIT e, posteriormente, das conclusões do mesmo, não pode agora vir alegar desconhecer a origem das liquidações reclamadas, bem como a respetiva fundamentação”;

iv. “encontrando-se o sujeito passivo investido na condição de Reclamante, cabe-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT (...), o que não se verifica no caso em apreço”;

v. “Face às correções efetuadas em sede de IVA”, “Reconhecendo a reclamante que as faturas antes mencionadas, efetivamente, não contêm a discriminação dos bens a que se reportam, vem, no entanto, alegar que a sua emissão foi acompanhada de uma listagem ou relação com a discriminação dos artigos faturados, quantidade, preço e correspondente taxa de IVA (cf. anexos ao referido relatório de auditoria - entrada GPS no 2020E001617387)./ Contudo, da análise à documentação anexa aos autos, constata-se que tais listagens (elaboradas em “Excel” e fazendo parte dos anexos ao mencionado relatório de auditoria) não foram apresentadas em sede inspetiva, apesar das várias diligências efetuadas nesse sentido pelos SIT, o que, para além de revelar incumprimento do estipulado pelas normas supracitadas, não confere credibilidade à referida documentação./ Por outro lado, verifica-se que as faturas em referência não remetem para quaisquer listagens com a discriminação dos bens faturados exigida pela al. b) do nº 5 do art.º 36º do CIVA./ Acrescendo que, conforme resulta da apreciação da documentação anexa, nem todos os artigos inscritos nas listagens que a reclamante apresenta agora como documentos complementares às faturas, são sujeitos à taxa reduzida de IVA (encontrando-se os artigos sujeitos à taxa normal destacados pela reclamante), pelo que o imposto nunca poderia ter sido liquidado apenas à taxa reduzida e pelo valor global das faturas. Inferindo-se, deste modo, que tais documentos não são suscetíveis de comprovar o alegado pela reclamante”.

vi. Quanto às correções em sede de Retenções na Fonte de IRS – ano de 2016: “No âmbito da ação inspetiva, relativamente ao ano de 2016, face à prova recolhida e à presunção estatuída no nº 4 do art.º 6º do CIRS, foi considerado que os montantes pagos ao sócio assumiam a natureza de adiantamentos por conta de lucros enquadráveis nos rendimentos da categoria E – al. h) do nº 2 do art.º 5º do CIRS, e, em consequência, sujeitos a retenção na fonte, à taxa liberatória de 28%, prevista na al. c) do nº 1 do art.º 71º do CIRS. (...) Da apreciação levada a cabo aos documentos (...) (designadamente o relatório de auditoria) com o intuito de justificar que, do total presumido pelos SIT, a quantia de €231.099,89 é referente a empréstimos do sócio e a quantia de €93.861,68, diz também respeito a suprimentos efetuados pelo sócio, não sendo, assim, emergentes da distribuição de lucros, temos a referir que os mesmos não permitem comprovar, de forma cabal, tal argumentação. Pois, da documentação anexa aos autos, no que diz respeito à contestação da liquidação de retenções na fonte calculada nos termos das normas citadas nos pontos anteriores, não resulta provada a existência de qualquer contrato de mútuo e/ou elementos que evidenciem a remuneração dos alegados suprimentos, nem, por outro lado, que os montantes em causa tenham tido origem na prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais pelos sócios”.

vii. “no que concerne às correções efetuadas pelos SIT, em sede de retenções na fonte de IRS e de IVA, não tendo a reclamante logrado apresentar fundamentação e elementos suficientemente capazes de ilidir as conclusões plasmadas no RIT, afigura-se que a interpretação dos factos e da lei efetuada pela Inspeção Tributária se encontra correta, bem como o apuramento das liquidações ora reclamadas”;

viii. “não se confirma a existência do invocado vício de forma por insuficiente fundamentação dos juros compensatórios, pois, decorrendo os mesmos da liquidação adicional de IVA e das liquidações adicionais de retenções na fonte de IRS, integrando-se na dívida gerada pelas mesmas, toda a fundamentação se encontra devidamente enunciada no RIT, não assistindo razão à reclamante quanto a esta matéria”;

ix. “A reclamante propõe como prova testemunhal o auditor sénior, economista e contabilista certificado, identificado no final da P.I., todavia, importa ter presente que, salvo o órgão instrutor entender ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material, uma das regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa é a limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, conforme alínea e) do art.º 69º do CPPT./No caso em concreto e como decorre da aplicação do citado normativo, não se considera esta diligência complementar, indispensável à descoberta da verdade material, no estrito cumprimento dos princípios que regem a instrução, nomeadamente o princípio da liberdade de recolha de prova e de apreciação dos meios de prova (parte final do nº 1 do art.º 115º e nº 2 do art.º 119º do Código do Procedimento Administrativo – CPA, aplicável de acordo com a alínea c) do art.º 2º da LGT)”.

XX. A Requerente apresentou em 23.07.2021 contra a decisão da reclamação graciosa o recurso hierárquico n.º ...2021..., conforme doc. n.º 2 à PI e fls. 1 e seguintes do PA-RH...2021..., na qual renovou, em síntese, a imputação aos atos sindicadas dos seguintes vícios: i. a insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação; ii. a preterição de formalidade legal essencial por falta de notificação para audição prévia; iii. a falta ou insuficiência de fundamentação do próprio Relatório de Inspeção Tributária; iv. o ónus da prova que recai sobre a Administração Tributaria; v. a indispensabilidade das provas requeridas; vi. a ilegalidade da liquidação adicional de IVA; vii. a ilegalidade da liquidação adicional de retenções na fonte de IRS; viii. a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios.

XXI. Em relação ao mencionado recurso hierárquico n.º ...2021..., foi proferido em 21.04.2022 pela Subdiretora Geral da Área da Justiça Tributária e Aduaneira, por subdelegação, despacho pelo qual se deferiu parcialmente o recurso, conforme doc. n.º 1 junto à PI e a fls. 191 e seguintes do PA-RH...2021....

XXII. O referido despacho fundamentou-se na Informação datada de 06.04.2022, constante do doc. n.º 1 à PI e a fls. 191 e seguintes do PA-RH...2021..., de que se transcrevem os seguintes trechos mais relevantes para os autos:

“A) DA INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO (...)

25. No caso vertente, o relatório de inspeção tributária em análise contém a fundamentação de facto e de direito que motivou as correções contestadas, pelo que não se pode afirmar que existe falta de fundamentação.

26. Ademais, não há falta de fundamentação legalmente exigida do ato tributário por remissão para o relatório de inspeção tributária, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, da LGT, que foi devidamente notificado e em tempo processual, sendo evidente que, com base na fundamentação dele constante, a Recorrente conheceu as razões de facto e de direito que sustentaram as correções em crise. (...)

28. Contrariamente ao que pretende fazer crer, os elementos do presente procedimento evidenciam que a Recorrente sabe que as correções que vem contestar resultaram das conclusões da ação inspetiva levada a efeito pelos SIT, a coberto das ordens de serviço n.ºs OI201804714 e OI201904976, referentes aos anos de 2015 e 2016, que constam do respetivo relatório final. (...).

29. Dos documentos juntos ao presente procedimento, que se demonstra serem do conhecimento da Recorrente, é de realçar que:

(i) No relatório de inspeção tributária consta o motivo das correções em sede de IVA e de retenção na fonte em IRS, sendo identificados quer os fundamentos de facto quer os fundamentos de direito, fixando-se o respetivo montante das correções;

(ii) Na notificação do relatório final de inspeção tributária, nos termos do artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), pode ler-se que:

“[…] Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.º do RCPITA, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada. Das correções meramente aritméticas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório, a breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação”; […]”

(iii) A demonstração de liquidação de IVA, com o n.º 2020 ..., referente ao período 2015-06T, no valor de €11.467,46, contém a seguinte fundamentação “Liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária”.

30. Na petição inicial de reclamação graciosa, a ora Recorrente, começa por dizer que “(…) verifica-se QUE TODAS as liquidações reclamadas resultam DO MESMO RELATÓRIO de inspeção tributária (…)” (cfr ponto 5.º). (...)

31. Ou seja, para vir defender que se verificam os pressupostos para a cumulação de pedidos, nos termos do preceituado no artigo 71.º e 104.º do CPPT, a Recorrente não teve dúvidas acerca dos fundamentos subjacentes às liquidações reclamadas, na medida em que afirma que (todas) resultaram do mesmo relatório de inspeção tributária.

32. Mais, consultada a aplicação SIIIT, não consta qualquer outra ação inspetiva em nome da Recorrente.

33. Verifica-se que as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo exigidas pelo nº 2 do art.º 77º da LGT, bem como os meios de reação, estão mencionadas nas notas de liquidação.

34. É por isso perfeitamente possível, a partir das informações disponibilizadas pela Administração Tributária, compreender o iter funcional cognoscitivo e valorativo da elaboração do ato.

35. Parece, por isso, claro que, ao contrário do que afirma a Recorrente, não se verifica qualquer falta de fundamentação das liquidações controvertidas, sendo que qualquer destinatário normal, especialmente depois de conhecer o relatório da inspeção tributária compreende as razões dessas liquidações”;

“B) DA PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE LEGAL ESSENCIAL (...)

51. Ora, no caso em apreço, dos dados reunidos resulta que a Recorrente foi devidamente notificada do projeto de relatório de Inspeção, nos termos e para os efeitos conjugados da alínea e) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT com o artigo 60.º do RCPITA.

52. Contudo, veio a Recorrente peticionar a prorrogação de prazo para o seu exercício, para um prazo nunca inferior a 15 dias (a acrescer ao prazo inicial concedido de 15 dias perfazendo, um total de 30 dias), e pedido que foi, fundamentadamente, indeferido.

53. Na sequência, não vindo a contribuinte trazer novos elementos que contraditassem o projeto de relatório, findo o prazo, foi aquele convertido (sem qualquer alteração) no Relatório Final do Procedimento de Inspeção, notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 62.º do RCPITA. (...)

55. (...) a apresentação das listagens que, conforme vem alegar a Recorrente, são parte integrante das faturas, deveriam ser exibidos logo conjuntamente com as respetivas faturas, pelo que não justificariam a prorrogação.

56. Com efeito, e tal como se fez constar da informação de suporte ao aludido indeferimento de prorrogação de prazo – do qual foi a Recorrente notificada - as correções propostas em sede de projeto de relatório de inspeção advêm de factos já conhecidos do sujeito passivo, resultando da não apresentação de elementos comprovativos para cuja apresentação foi notificado; o pedido de prorrogação (nunca inferior a 15 dias), acrescido ao previamente concedido (15 dias), ultrapassa o prazo máximo que se pode conceder para o exercício do direito de audição prévia (25 dias), nos termos do n.º 6 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT).

57. Por conseguinte, à luz do que resulta do n.º 6 do artigo 60.º da LGT, e acolhendo os fundamentos expressos pelos serviços da Inspeção tributária, não nos merece qualquer censura o indeferimento do pedido de prorrogação apresentado pela ora Recorrente, no procedimento inspetivo.

58. Assim sendo, tendo sido a Recorrente notificada para exercer o direito de audição prévia em sede do procedimento inspetivo, à luz do disposto nos termos conjugados da alínea e) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT com o artigo 60.º do RCPITA, e tendo o indeferimento do seu pedido de prorrogação de prazo, obedecido à disciplina legal aplicável, como demonstrado, tem-se por verificada a circunstância do n.º 3 do artigo 60.º da LGT de dispensa a realização da audição prévia prevista na alínea a) do seu n.º 1 (antes da liquidação).

59. À luz do n.º 3 do artigo 60.º da LGT está dispensado o exercício da audição antes de uma liquidação quando esta, como sucede com as liquidações aqui sindicadas, se fundamenta em correções efetuadas em ação inspetiva, quando nessa fase do procedimento já tenha sido possibilitado o exercício daquele direito, o que se verificou no caso vertente”;

C) DA FALTA OU INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO PRÓPRIO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO (...)

63. Dos fundamentos constantes do RIT, advém que se mostravam reunidos os pressupostos legais e de facto para, mantendo a avaliação direta, proceder às correções técnicas nele contidas, nos termos do artigo 81.º a 84.º da LGT, quanto ao IVA, nos termos do artigo 87.º do CIVA, e no inerente das retenções na fonte a título de IRS, nos termos dos artigos 98.º e 101.º do Código do IRS.

64. Com efeito, a descrição dos factos e o fundamento das correções meramente aritméticas, constam expressos no Capítulo III do RIT, sendo que, em sede de IVA, tal como descrito no ponto III.1.2.1.1. do RIT, a análise revelou a falta de liquidação de IVA em 2015 no valor de € 11.466,98; e no que respeita às retenções na fonte a título de IRS, constatou-se o recebimento de valores que configuram, por um lado, adiantamento por conta dos lucros no valor de €64 707,97, conforme enunciado no ponto III.2.1.1. do RIT, e, por outro, distribuição de lucros no valor de €88 247,63, tal como consta expresso no ponto III.2.2.

65. Não há qualquer problema quanto à clareza, congruência ou suficiência da fundamentação do RIT, da leitura do mesmo, e dos elementos carreados e analisados naquele, resulta que é possível determinar o seu conteúdo, existindo evidente racionalidade e manifesta suficiência justificativa, ainda que com o mesmo não se concorde, o que configura questão distinta.

66. Ademais, e como já referido, o presente procedimento de recurso hierárquico, a par da precedente reclamação graciosa, demonstra que a Recorrente conhece bem os fundamentos dos atos tributários reclamados, expressos no RIT, que então e aqui, ora sindica.

D) DO ÓNUS DA PROVA QUE RECAI SOBRE A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA (...)

69. Ao contrário do alegado, foram realizadas várias análises, promovidas diversas diligências, todas elas enumeradas, explicitadas e demonstradas no RIT, no seu capítulo II, e seus subpontos, com evidência documental carreada e junta aos autos de procedimento de inspeção.

70. Ademais, (...) a Recorrente foi notificada, por diversas vezes, no decurso do procedimento inspetivo, para justificar e comprovar as irregularidades detetadas.

71. Da leitura dos autos de procedimento de inspeção, mormente, do seu relatório final e documentação anexa ao mesmo, resulta evidente que os Serviços de Inspeção deram cumprimento ao disposto no artigo 74.º da LGT, logrando demonstrar os factos constitutivos do seu direito (dever) em promover as correções às liquidações de IVA no período de 2015-06T, e de retenção na fonte em IRS no período de 2016.

E) DA INDISPENSABILIDADE DAS PROVAS REQUERIDAS

72. A Recorrente, por considerar como meio probatório essencial para a Descoberta da Verdade requereu a produção de prova testemunhal no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, todavia, a mesma foi-lhe recusada com invocação da alínea e) do artigo 69.º do CPPT.

73. Sustenta a Recorrente, em síntese, que a lei é clara no sentido de permitir a realização de diligências complementares de prova, onde se inclui a inquirição de testemunhas, quando as mesmas são manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material, além de que a recusa contende com o princípio do inquisitório, regulado no artigo 58.º da LGT.

74. É certo que do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT, resulta que a administração tributária deve realizar oficiosamente, ou seja, por sua iniciativa, todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

75. Com efeito, no procedimento tributário, a verdade material está para além do processo e não pode a administração limitar-se aos elementos dele constantes quando a substância o excede. É por essa razão que o artigo 50.º do CPPT determina que o órgão competente para o procedimento utilizará “[…] todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos […]”. Constando igual prerrogativa, quanto aos meios de prova, no artigo 72.º da LGT que prescreve: “O órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito.” (...)

76. A prova destina-se a manifestar factos. Na noção civilística “as provas têm por função a demostração da realidade dos factos” (artigo 341.º do Código Civil). Mas não serão TODOS os factos que relevam.

77. Importa provar os factos úteis a uma resolução. A expressão prevista no artigo 72.º da LGT “factos necessários à decisão” apela ao princípio da economia processual (que, por identidade de razões, se aplica ao procedimento), pelo que as provas se devem limitar aos factos indispensáveis à justa decisão do procedimento.

78. É o princípio da necessidade (pertinência para uma melhor decisão) e não da disponibilidade que deve orientar o órgão administrativo na utilização dos meios de prova e na fundamentação necessária à determinação da verdade material (...).

79. Em certos procedimentos o legislador indica os meios probatórios que, geralmente, melhor servem o fim pretendido. A esse respeito, veja-se, no caso do procedimento de reclamação graciosa, a alínea e) do artigo 69.º do CPPT, que prescreve “Limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material;”

80. Com efeito, os meios de prova (documental ou elementos oficiais de que os serviços disponham) são os mais comuns no procedimento de reclamação graciosa e com frequência, são suficientes para o apuramento da verdade, o que se mostra consentâneo com a simplicidade de termos e brevidade de resoluções que caraterizam o procedimento de reclamação, eleitas como regras fundamentais, naquele mesmo artigo 69.º do CCPPT.

81. É certo que, no segundo segmento da alínea e) do artigo 69.º do CPPT, se mostra regulada a possibilidade de utilização de qualquer meio de prova em obediência ao já aludido princípio do inquisitório e da não tipicidade dos meios de prova, previsto no referido artigo 72.º da LGT. Contudo, este direito, nas palavras de Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal, Maria João Menezes, sob a coordenação de José Maria Fernandes Pires, in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2015, Almedina, em anotação n.º 8 ao artigo 72.º da LGT, página 807, “tem que ser entendido como um «direito funcional», vinculado ao fim da descoberta da verdade material.”

82. No caso em apreço, tudo ponderado, foi entendido, em sede do procedimento de reclamação graciosa, que a diligência complementar requerida não se configurava como sendo indispensável à descoberta da verdade material, no estrito cumprimento dos princípios que regem a instrução, nomeadamente o princípio da liberdade de recolha de prova e de apreciação dos meios de prova (parte final do nº 1 do art.º 115º e nº 2 do art.º 119º do Código do Procedimento Administrativo – CPA, aplicável de acordo com a alínea c) do art.º 2º da LGT). (...)

83. Tal como escrevem Alexandra Martins e Lídia Santos (in Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Coordenação e Organização de Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, 2014, p. 238), “[a] exigência de fatura como condição para a dedução do IVA erige-a em formalidade 'ad substantiam', o que significa que, para a prova dos correspondentes factos, a mesma não pode ser dispensada nem substituída por outros meios de prova, atento o disposto no art. 607º/5 do CPC. Note-se que esta exigência decorre igualmente do regime comunitário. arts. 220º e 178º/a) da DIVA não só impõem aos sujeitos passivos a obrigação de emitir uma fatura, como determinam, para efeitos de exercício do direito à dedução no regime interno, que estes possuam uma fatura emitida nos termos preceituados pela DIVA”.

84. De facto, como temos por demonstrado, o órgão instrutor não tem de realizar todas as diligências requeridas pelo contribuinte, e no caso em análise, a Administração Tributária fez a avaliação em concreto da potencialidade probatória dos meios de prova que lhe foram apresentados, concluindo, fundamentadamente, que a requerida diligência complementar, da prova testemunhal, não seria indispensável à justa decisão do procedimento.

85. Com efeito, em matéria de IVA, a fatura e os elementos que deve conter são essenciais para a fiscalização e controlo do imposto, sem o que não se pode assegurar a cobrança exata da receita tributária e evitar a fraude e a evasão fiscal.

F) DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IVA N.º 2020… (201506T)

86. Analisadas as faturas, que subjazem às correções controvertidas, aqui em análise, verificou-se que apenas se mencionou “TOTAL PRODUTOS 6% IVA RESUMO”, quantidade 1, a que se atribuiu, num caso, o valor de €46.500,00 (fatura n.º 5/28453) e, no outro, a quantia de €25.000,00 (fatura n.º 5/33246).

87. O que está em clara desconformidade com o disposto no artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do Código do IVA que impõe que as faturas devem conter, entre outros elementos, “A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”.

88. Este preceito resultou da transposição para a ordem interna do preceituado no artigo 226.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado) que estabelece, como “menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º”, entre outras, “6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados”.

89. Nesta conformidade, encontra-se esclarecido, na Informação Vinculativa n.º 2976, por despacho do Subdiretor-Geral, substituto legal do Diretor-Geral, de 2012-02-29, que “para efeitos de faturação, nos termos da alínea b), do n.º 5, do artigo 36.º, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável é um dos elementos a constar na referida fatura, sob pena de não conferir o direito à dedução do imposto nela contido”.

90. Nada se descrevendo, nas faturas em apreço quanto à quantidade e natureza dos bens, resulta evidente que tais faturas não só não cumprem os formalismos legais, como não contém as menções consideradas obrigatórias e essenciais para a determinação da taxa aplicável.

91. Assim sendo, não se vislumbra que exista qualquer ilegalidade, ou que a factualidade observada pelos SIT e descrita no respetivo relatório de inspeção tributária não fosse suficiente e apta para chegar à conclusão a que se chegou, no sentido das correções reclamadas, dado que não restava alternativa que não fosse cumprir-se o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA.

92. Até porque, para além das listagens, a Recorrente nada mais apresenta que comprove que os bens constantes das relações posteriormente apresentadas são os que foram transmitidos através das citadas faturas, nomeadamente, documentos de transporte, notas de encomenda, correspondência trocada, contratos de fornecimento celebrados, etc..

93. Tais listagens não são admissíveis como forma de cumprimento do disposto no artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do Código do IVA. (...)

102. (...), no artigo 18.º do Código do IVA, encontra-se estabelecido que:

“1 - As taxas do imposto são as seguintes:

a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;

b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13%;

c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%”.

103. Neste contexto, e perante as faturas emitidas que aqui estão em crise, teria de aplicar-se a taxa normal do imposto, não tendo relevância as listagens apresentadas depois de efetuadas as correções e encerrado o procedimento de inspeção tributária.

104. Pelo que, nesta matéria a decisão recorrida tem cobertura legal, não merecendo qualquer reparo, confirmando-se, assim, a legalidade da liquidação de IVA n.º 2020 ..., do período 2015-06T, no valor de €11.467,46.

G) DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE RETENÇÕES NA FONTE DE IRS, N.º 2020... (ano 2016)

(...)

106. Conforme se constata dos pontos II.3.9.1. e III.2.1.1. e III.2.1.2. do relatório de inspeção, que aqui se dá por reproduzido, em relação à regularização do saldo de caixa através do lançamento nº 100.003 no Diário nº 63, no montante de € 231.099,89, em que a conta 11101 – Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 278211000003 – D..., não foi apresentada justificação, nem foi possível aferir quem foi o ordenante das transferências bancárias que entraram na conta da sociedade no montante de € 3.400,00.

107. Assim sendo, não se comprovando o saldo credor inicial, não ficou demonstrado que a sociedade tenha dívidas com o sócio, pelo que o montante de € 231.099,89 debitado na conta do sócio tem o enquadramento de adiantamento por conta de lucros, nos termos da al. h) do nº 2 do artigo 5º e do nº 4 do artigo 6º do CIRS.

108. Do mesmo modo, não foi apresentada justificação para o lançamento nº 120.003 no Diário nº 63, em que a conta 11101 – Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 5521 – Reservas Livres, no montante de € 315.170,10, nem apresentada a Ata e Aprovação de contas relativas ao exercício de 2016.

109. O registo contabilístico efetuado, onde se debita a conta 5521 – Reservas Livres por crédito da conta Caixa evidencia a aplicação das reservas cujos beneficiários serão logicamente os sócios, configurando uma distribuição de lucros, nos termos da al. h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS

110. Estes rendimentos de capitais estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, nos termos previstos na al. a) do nº 1 do artigo 71º do CIRS.

111. Assim, relativamente aos rendimentos que não reteve e não entregou IRS, nos termos do nº 2 do artigo 101º e 98º do CIRS, no total de € 231.099,89, existe imposto em falta no montante de € 64.707,97 (€ 231.099,89 x 28%), e relativamente aos rendimentos de € 315.170,10 o imposto em falta é de € 88.247,63 (€ 315.170,10 x 28%).

112. Nestes termos, competindo à AT o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário), conforme dispõe n.º 1 do art.º 74º da LGT, esta demonstra fundamentadamente tais factos, conforme evidenciado nos pontos II.3.9.1. e III.2.1.1. e III.2.1.2 II.3.9.1. e III.2.1.1. e III.2.1.2. do relatório de inspeção, cabendo agora à recorrente o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

113. A Recorrente, para provar o alegado, junta aos autos cópia de uma Auditoria realizada às suas contas, acompanhada de relação detalhada das transferências monetárias efetuadas pelo sócio à sociedade a título de empréstimos, e de todos os movimentos de suprimentos do sócio à mesma.

114. Da sua análise, na presente sede, verifica-se que da correção efetuada no montante de € 546.270,00 considerada como adiantamento por conta de lucros, nos termos da al. h) do nº 2 do artigo 5º e do nº 4 do artigoº 6º do CIRS, a Recorrente comprovou através dos documentos apresentados (extratos bancários), que foram efetuadas transferências da conta dos sócios para a sociedade, para o pagamento de entidades terceiras, nomeadamente, fornecedores e  impostos, que ascenderam ao montante de € 324.961,57, sendo € 231.099,89 como empréstimos e € 93.861,68 a títulos de suprimentos.

115. Ora, o nº 4 do artigo 6º do CIRS, determina que «Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros», ou seja, só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.

116. Significa, portanto, que a presunção de que os montantes em causa deveriam ser considerados como adiantamento por conta de lucros, é uma presunção legal (estabelecida expressa e diretamente na lei), e não uma presunção simples ou judicial, pelo que vale a regra constante do nº 2 do artigo 350º do CC, própria para as presunções legais, as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.

117. Assim sendo, a Recorrente demonstrou através de prova documental, concretamente através de documentos bancários, que o sócio efetuou empréstimos e suprimentos à sociedade, no montante total de € 324.961,57, pelo que se impõe concluir que logrou ilidir a presunção vertida nº 4 do artigo 6º do CIRS, como lhe estava legalmente imposto.

118. Pelo exposto, deverá ser diminuído ao valor considerado como rendimentos da categoria E de IRS, qualificados como adiantamentos por conta de lucros, o montante de € 324.961,57, uma vez que ficou demonstrado que eram fundos provenientes da esfera patrimonial do sócio, pelo que o imposto em dívida será apenas de € 61.966,67 (€ 221.308,43 x 28%).

H) DOS JUROS COMPENSATÓRIOS

119. Conforme prescreve o nº 1 do artigo 35º da LGT, são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária. (...)

121. Relativamente ao REQUISITO DA CULPA, conforme jurisprudência dominante dos tribunais superiores, a fundamentação e consequente imputação consideram-se satisfeitas se, como sucede no caso em apreço, for estabelecida a relação entre a situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a AT a concluir que o atraso na liquidação se deveu a atuação culposa do contribuinte, conforme refere o Acórdão do STA (Pleno), de 22.01.2014, proferido no processo n.º 1490/13 e, bem assim, o Acórdão do TCA Sul, de 19.09.2017, no processo n.º 7964/14. (...)

122. Quanto à ausência de FUNDAMENTAÇÃO, a jurisprudência do STA tem consolidado o entendimento de que a mínima fundamentação exigível para os atos de liquidação de juros deve indicar a quantia sobre a qual incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo – vide por todos o Acórdão do STA, de 09.03.2016, no processo n.º 805/15 (conforme Acórdão do CAAD de 2019/05/321, proc. 295/2018-T).

123. Considera-se, pois, que na situação em apreço está cumprido o dever legal de fundamentação, uma vez que nas liquidações de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo, e constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do artigo 559º nº 1 do C. Civil) e o valor dos juros. Com efeito,

124. A liquidação de juros compensatórios a título de IVA, indica o período de tributação 2015-06T, o número da liquidação adicional de IVA 2020 ..., discrimina o cálculo dos juros compensatórios, identificando, de forma clara e inequívoca, o “valor base” de €11.466,98, o período de contagem dos juros, respetiva taxa e correspondente valor, contendo ainda a seguinte fundamentação “Juros calculados nos termos do artigo 96º do CIVA e dos artigos 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte. A sua contagem teve em conta a data em que foram enviados os pagamentos e ou, na sua falta ou insuficiência, a data de disponibilização de outros créditos”.

125. Também a demonstração da liquidação de juros compensatórios sobre o montante de retenções na fonte de IRS em dívida (n.º 2020 – 6227), inserta na liquidação n.º 2020 ..., se mostra devidamente fundamentada, dado que expressamente se indica o período de tributação 2016, discrimina o cálculo dos juros compensatórios, identificando, de forma clara e inequívoca, o “valor base” de €152.955,60, o período de contagem dos juros, respetiva taxa e correspondente valor. (...)

a. QUANTO À SOBREDITA LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS SOBRE O MONTANTE DE RETENÇÕES NA FONTE DE IRS EM DÍVIDA IMPORTA RESSALVAR, no entanto, que,

126. Da análise feita quanto à legalidade da liquidação de Retenções na fonte de IRS, n.º 2020 ..., do período de 2016, no montante de €152.955,60, concluiu-se que a Recorrente demonstrou na presente sede, através de prova documental, que o sócio efetuou empréstimos e suprimentos à sociedade, no montante total de € 324.961,57.

127. Pelo que deverá ser diminuído ao valor considerado como rendimentos da categoria E de IRS, qualificados como adiantamentos por conta de lucros, o montante de € 324.961,57, uma vez que ficou demonstrado que eram fundos provenientes da esfera patrimonial do sócio, pelo que o imposto em dívida será apenas de € 61.966,67 (€ 221.308,43 x 28%).

128. Nessa conformidade, alterando-se o valor base do imposto em que se integra a liquidação dos juros compensatórios (n.º 2020 – 6227), nos termos do disposto no artigo 35.º da LGT, também esta, no valor de €18.002,66, deverá ser objeto de anulação parcial em resultado da correção que se promover sobre o montante de retenções na fonte de IRS em dívida.

Ou seja, deverão os juros compensatórios ser recalculados em razão da correção do valor base de retenções na fonte de IRS em dívida, conforme prescreve o susodito artigo 35º da LGT.

I) DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

129. Nos termos do artigo 100.º da LGT a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Em conformidade, ainda que se emita pronúncia de legalidade sobre a liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios,

130. Tendo-se entendido que o imposto em dívida a título de retenções na fonte de IRS será apenas de € 61.966,67 (€ 221.308,43 x 28%), o que importa a ANULAÇÃO PARCIAL da liquidação de Retenções na fonte de IRS n.º 2020 ..., bem como, também, a ANULAÇÃO PARCIAL da liquidação de juros compensatórios n.º 2020 – 6227, com a consequente restituição da quantia indevidamente paga, em 2020-03-02, a título de imposto e de juros compensatórios. Pelo que,

131. Há que aferir se, por isso, é devido, ou não, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei. Vejamos,

132. Os pressupostos do direito a juros indemnizatórios encontram-se previstos nos números 1 e 3 do artigo 43.º da LGT, o qual, consubstancia uma tipificação fechada das situações suscetíveis de gerar direito a juros indemnizatórios.

133. A anulação de um ato tributário na sequência de um deferimento numa reclamação graciosa pode determinar o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43.º (quando o apuramento do imposto pago em excesso foi por erro imputável à administração), ou nos termos da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo (quando apuramento do imposto em excesso foi por erro imputável ao contribuinte mas a restituição do imposto ocorreu para além do prazo de um ano sobre a data da interposição do pedido de revisão do ato tributário).

134. O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado de anulação, total ou parcial, de um ato de liquidação, depende da demonstração de que esse ato (de liquidação) está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT. (...)

135. No caso em apreço, e tal como referido, o erro para o cálculo de valor de imposto superior não se ficou a dever a qualquer erro dos serviços da inspeção tributária, porquanto, só em sede de impugnação administrativa da liquidação de Retenções na fonte de IRS, n.º 2020 ..., a Recorrente logrou demonstrar através de prova documental (extratos bancários), que o sócio efetuou empréstimos e suprimentos à sociedade, no montante total de € 324.961,57 (€ 231.099,89 como empréstimos e € 93.861,68 a títulos de suprimentos), ilidindo, assim e apenas nesta sede, a presunção legal da al. h) do nº 2 do artigo 5º e do nº 4 do artigo 6º do CIRS que presidiu à liquidação sindicada.

136. Com efeito, dos dados dos presentes autos, em particular do relatório final do procedimento inspetivo e respetivos documentos apensos que o integram, resulta irrefutável que a contribuinte, aqui Recorrente, foi notificada, por diversas vezes, no decurso do procedimento inspetivo, para justificar e comprovar as irregularidades detetadas e regularizar a contabilidade.

137. Ou seja, se é certo que a susodita liquidação deve ser parcialmente anulada por erro quanto aos pressupostos de facto, não pode falar-se em erro imputável aos serviços aquando da prática daquele ato. Na verdade, o erro é imputável à Contribuinte que, como resulta da factualidade assente, em momento prévio, no procedimento inspetivo, não apresentou justificação capaz para as irregularidades detetadas na sua contabilidade. Assim,

138. Não existe o dever de indemnizar com fundamento em erro dos serviços aquando da liquidação, nos termos regulados no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

139. Aqui chegados, concluindo-se, como fizemos, que o apuramento do imposto em excesso ocorreu por erro imputável à contribuinte, importa aferir se estão reunidos os pressupostos para o arbitramento de juros indemnizatórios com fundamento no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.

140. Com efeito, e como se referiu o artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT consagra a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à AT. (...)

141. Havendo recurso hierárquico, subsequente ao indeferimento de uma reclamação graciosa, o prazo de um ano deve ser contado desde a data da apresentação da reclamação graciosa até à data da execução da decisão do recurso hierárquico, se favorável ao contribuinte, na medida em que só neste momento está apreciado pela administração o pedido de revisão do ato tributário apresentado pelo contribuinte.

142. Assim, a Recorrente encontra-se investida no direito a juros indemnizatórios, fundamentado na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT, constituído a seu a favor a partir do 2021-06-10, data em que se contabiliza um atraso superior a um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa (2020-06-09).

143. Atento o artigo 65.º, n.º 5 do CPPT, os juros são contados até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em execução da decisão de deferimento parcial do presente recurso hierárquico.

144. Da conjugação do artigo 43.º, n.º 4 com o artigo 35.º, n.º 10, ambos da LGT, por remissão deste último para o artigo 559.º do Código Civil, resulta serão devidos juros indemnizatórios à taxa legal de 4%, atento à Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

145. Os juros indemnizatórios terão por base o montante a apurar, em sede de execução do aqui decidido, como sendo de restituir em razão da ANULAÇÃO PARCIAL da liquidação n.º 2020 ..., e, bem assim, da liquidação de juros compensatórios n.º 2020 – 6227, ou seja, integrando os juros compensatórios a dívida do imposto, o arbitramento dos juros indemnizatórios a realizar terá por base a quantia indevidamente paga, e por isso restituída, tanto a título de imposto como de juros compensatórios, no que respeita às Retenções na fonte de IRS do período de 2016, aqui em apreço. (...)

IV. Por tudo o exposto, entende-se que assiste parcialmente razão à Recorrente, nos termos seguintes:

A) Será de INDEFERIR a sua pretensão quanto:

a.   À insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação;

b.   À preterição de formalidade legal essencial;

c.   À falta ou insuficiência de Fundamentação do próprio Relatório de Inspeção Tributária;

d.   Ao ónus da prova que recai sobre a Administração Tributária;

e.   À indispensabilidade das provas requeridas;

f.   À ilegalidade da liquidação adicional de IVA n.º 2020 ..., do período 2015-06T, no valor de € 11.467,46 e respetiva liquidação dos juros compensatórios.

B)  Será de DEFERIR PARCIALMENTE a sua pretensão, quanto:

a.   À ilegalidade da liquidação adicional de retenções na fonte de IRS e respetiva liquidação dos juros compensatórios, porquanto:

• A Recorrente demonstrou através de prova documental que o sócio efetuou empréstimos e suprimentos à sociedade, no montante total de € 324.961,57, logrando ilidir a presunção vertida nº 4 do artigo 6º do CIRS, como lhe estava legalmente imposto.

• Pelo que deverá ser diminuído ao valor considerado como rendimentos da categoria E de IRS, qualificados como adiantamentos por conta de lucros, o montante de € 324.961,57, uma vez que ficou demonstrado que eram fundos provenientes da esfera patrimonial do sócio, pelo que o imposto em dívida será apenas de € 61.966,67 (€ 221.308,43 x 28%).

• Alterando-se o valor base do imposto em que se integra a liquidação dos juros compensatórios, nos termos do disposto no artigo 35.º da LGT, também a liquidação de juros compensatórios n.º 2020 – 6227, no valor de €18.002,66, deverá ser objeto de anulação parcial em resultado da correção que se promover sobre o montante de retenções na fonte de IRS em dívida.

Consequentemente,

b. À restituição do indevidamente pago pela liquidação de Retenções na fonte de IRS, n.º 2020 ..., do período de 2016 e consequente liquidação de juros compensatórios n.º 2020 – 6227.

c. Ao direito a juros indemnizatórios, porquanto:

• A Recorrente encontra-se investida no direito a juros indemnizatórios, fundamentado na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT, constituído a seu a favor a partir do 2021-06-10, data em que se contabiliza um atraso superior a um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa (2020-06-09).

• Atento o artigo 65.º, n.º 5 do CPPT, os juros são contados até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em execução da decisão de deferimento parcial do presente recurso hierárquico.

• Da conjugação do artigo 43.º, n.º 4 com o artigo 35.º, n.º 10, ambos da LGT, por remissão deste último para o artigo 559.º do Código Civil, resulta serão devidos juros indemnizatórios à taxa legal de 4%, atento à Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

• Os juros indemnizatórios terão por base o montante a apurar e a restituir em razão da ANULAÇÃO PARCIAL da liquidação n.º 2020 ..., e, bem assim, da liquidação de juros compensatórios n.º 2020 – 6227”.

XXIII. Na sequência do deferimento parcial do recurso hierárquico, que implicou a  correção do valor total inicial devido de € 184.430,86 (cento e oitenta e quatro mil euros e quatrocentos e trinta euros e oitenta e seis cêntimos), para o valor de € 82.732,66 (oitenta e dois mil euros e setecentos e trinta e dois euros e sessenta e seis cêntimos), a AT procedeu, em 1 de julho de 2022, ao reembolso de parte da Liquidação de Retenções na Fonte de IRS n.º 2020 ... (2016), no montante de €90.988,93 (€152.955,60 - €61.966,67) e, consequentemente, de parte da Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2020 ... (2016), no montante de € 10.709,27 (61.966,67 x 0,04 x 1074 = 7.293,39 [valor devido de juros compensatórios]; 18.002,66 - 7.293,39 = 10.709,27 [valor a restituir]), do que resultou o saldo apurado de € 101.698,20, sobre o qual foram liquidados e pagos à Requerente juros indemnizatórios, com base no art. 43.º, n.º 3, al. c) da LGT, no montante de €4.279,68 calculados à taxa de 0,04 desde 2021.06.10 até 2022.06.28 (conforme doc. n.º 11 à PI, reconhecimento constante do art. 212.º da PI, bem como documentos de reembolso e de cálculo de juros indemnizatórios a fls. 225 e segs. do PA-RH...2021...).

 

IV.2. Factos não Provados

 

19. Com relevo para a decisão, consideram-se não provados os seguintes factos:

 

A. As faturas FT 5/28453, de 27/02/2015, e FT 5/33246, de 30/04/2015, mencionadas no n.º II dos factos provados, reportam-se aos produtos constantes da relação discriminativa que acompanhou a sua emissão que consta no PA-RG...2020..., nos ficheiros Parte11.pdf, Parte12.pdf e Parte13.pdf.

 B.  As regularizações da Conta 11101 - Caixa Fixo Sede no montante de €221.308,42, não mencionado no facto provado n.º IV, atento o saldo indicado no facto provado n.º III, são emergentes de regularizações de contas de entidades terceiras e não da distribuição de lucros por parte da Requerente.

 

IV.3. Motivação da decisão de facto

 

20. A decisão da matéria de facto provada resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos, designadamente dos documentos juntos com a PI e dos constantes do PA (constituído pelos autos da Reclamação Graciosa n.º ...2020... e do Recurso Hierárquico n.º ...2021...), bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados que consubstanciam admissão por acordo (cfr. art. 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), tudo conforme referenciado a propósito de cada ponto do probatório.

Relativamente à prova testemunhal produzida, observe-se que, em conformidade com a livre apreciação prevista pelo art. 396.º do Código Civil, o depoimento prestado pela testemunha arrolada pela Requerente, Dr. B..., não se mostrou significativo para a fixação da matéria de facto, por não possuir conhecimento direto das operações tituladas pelas faturas emitidas e por não ter acompanhado os lançamentos contabilísticos, tendo tido contacto com a situação dos autos apenas para os efeitos da elaboração do relatório da auditoria datado de 17.02.2019 (junto como doc. n.º 9 à PI) já após a notificação do Projeto do RIT (vd. facto provado n.º VI). Assim, não se mostra exata a afirmação do art. 122.º da PI de que a “testemunha por si indicada teve intervenção direta, imediata e privilegiada [n]as transações efetuadas, tendo, por isso, conhecimento pessoal e direto da factualidade em causa”. O depoimento da referida testemunha cifrou-se essencialmente na explicação do modo como procedeu ao relatório de auditoria e as conclusões a que chegou em resultado dos trabalhos desenvolvidos, pelo que, em termos globais, não surgiram da inquirição elementos distintos dos consignados no referido relatório.

 

21. Importa igualmente expor as razões da convicção decisória quanto à matéria de facto dada como não provada.

 

21.1. O facto dado como não provado sub A tem em conta, antes de mais nada, que a alegação da Requerente constante dos arts. 151.º a 153.º da PI, segundo a qual a relação discriminativa que acompanhou a sua emissão constava do doc. n.º 7 à PI, foi corrigida pela Requerente nas suas alegações, nas quais, como acima mencionado no n.º 7, se indicou que ocorreu uma “troca de documentos” no pedido de pronúncia arbitral, pelo que as relações discriminativas em causa são as que constituem os documentos constantes de RG+...2020...+1733+pags_Parte11.pdf, RG+...2020...+1733+pags_Parte12.pdf e RG+...2020...+1733+pags_Parte13.pdf, também juntos como docs. 1, 2 e 3 às alegações.

De facto, as listagens que se encontram no doc. n.º 7 à PI contêm numa primeira coluna uma referência a FT 4/102196, e à data de 19/05/2015, e, na última coluna, uma referência ao valor de €24.386,25, referências estas que são estranhas às faturas indicadas no facto provado n.º II, pelo que importa atender às listagens constantes do PA-RG+...2020....

Sucede que, apenas perante tais documentos, que são simples tabelas elaborados pela Requerente sem indicação de data, para as quais nenhuma remissão ou referência como documentos complementares se encontra nas faturas FT 5/28453, de 27.02.2015, e FT 5/33246, de 30.04.2015 (vd. facto provado n.º II), este Tribunal não julgou provado que as listagens em causa constituam a enumeração discriminativa dos produtos a que se reportam as referidas faturas FT 5/28453 e FT 5/33246, e que foram sujeitos à aplicação da taxa reduzida de IVA.

Desde logo, a listagem constante de RG+...2020...+1733+pags_Parte11 (pp. 8 a 56), embora  indique na sua primeira coluna FT 5/33246, de 30.04.2015, apresenta um total de €23.583,71 (com IVA incluído), que não corresponde nem à base tributável (€23.584,91) nem ao valor total (€25.000,00) da referida fatura 5/33246, de 30.04.2015 (cfr. facto provado n.º II), destacando-se que nessa listagem não se mencionam os valores a que se aplicou o IVA, mas sempre valores que já compreendem o IVA, que são multiplicados pelas quantidades indicadas. Por outro lado, o documento em causa lista produtos sem “preço custo” que, como tal, não podem ter sido objeto da mencionada fatura.

Quanto à listagem de 108 páginas constante de RG+...2020...+1733+pags_Parte11.pdf (pp. 60 a 102) RG+...2020...+1733+pags_Parte12.pdf (pp. 1 a 101) e RG+...2020...+1733+pags_Parte13.pdf (pp. 1 a 69), encontra-se nela a referência, na primeira coluna, à FT 5/28453, de 27.02.2015. Todavia, também esta listagem, para além de não mencionar os valores a que se aplicou o IVA, mas sempre valores que já compreendem o IVA e de inventariar produtos sem “preço custo”, apresenta, em relação aos bens sujeitos à taxa de 6%, um total de €43.857,70 com IVA incluído, que não corresponde nem à base tributável (€43.867,92) nem ao valor total (€46.500,00) da referida fatura 5/28453, de 27.02.2015 (cfr. facto provado n.º II).

Deste modo, as declarações da testemunha B... de que as “listas, que são páginas”, que eram um “anexo”, “com todo o detalhe”, apresentam correspondência “evidente” às faturas em causa, não se adequam aos dados patenteados por tais listas. Diga-se que, no seu depoimento, durante o qual se descortinou que a listagem junta ao doc. n.º 7 à PI não eram as listagens a que o Relatório de auditoria que elaborou (junto como doc. n.º 9 à PI) indicava como doc. 3-A e doc. 3-B (vd. supra n.º 7), esta testemunha reconheceu que o total indicado nas listagens teria necessariamente de coincidir com o total indicado nas faturas.

Na verdade, para que cada uma dessas listagens pudesse servir para complementar os dados de cada uma das faturas e desempenhar, assim, uma função de confirmação e controlo do teor de cada uma das indicadas faturas, no mínimo deveria observar perfeita consonância material com o descritivo sumário apresentado em cada uma dessas faturas, para que seja “lido conjuntamente” (cfr. art. 151.º da PI e n.º 45 das alegações), não podendo a relação entre as faturas e esses documentos assentar simplesmente nas próprias afirmações não substanciadas do sujeito passivo. Precisamente, como se viu acima, não ocorre coincidência cabal entre os elementos indicados nas listagens e os descritivos das faturas.

De qualquer forma, as referidas listagens, nos termos em que surgem elaboradas, desacompanhadas de outros documentos como notas de encomenda, documentos de transporte, contratos de fornecimento, correspondência trocada, são manifestamente insuficientes para identificar e comprovar os exatos produtos transmitidos que são indicados sem qualquer discriminação nas faturas, relativamente aos quais a Requerente aplicou a taxa reduzida de IVA.

Por todos estes motivos, o Tribunal não julgou provada a factualidade indicada sub A.

 

21.2. Relativamente ao facto não provado sub B, que corresponde ao alegado pela Requerente, designadamente nos arts. 182.º (“quanto aos restantes valores regularizados na Conta 11101 - Caixa Fixo Sede (€ 221.308,43), estes são referentes à regularização de C/C de entidades terceiras, de menores valores, mas que justificam os saldos excessivos de Caixa que, erradamente – também por erro de lançamento dos, à data, serviços de contabilidade da IMPUGNANTE –, não tinham sido utilizados na liquidação das Contas correntes, entretanto saldadas e também justificadas”) e 186.º (“as regularizações da Conta 11101 - Caixa Fixo Sede não são emergentes da distribuição de lucros por parte da REQUERENTE, mas tão-somente, de regularizações de contas de entidades terceiras”) da PI, isso resultou de os elementos apresentados nos autos a propósito destas regularizações contabilísticas se terem limitado ao doc. n.º 9 à PI, constituído pelo Relatório de Auditoria datado de 17 de Fevereiro de 2020 da responsabilidade do Dr. B..., que sobre ele depôs na inquirição realizada.

Ora, para além do que está dado como provado no facto n.º IV, e que, aliás, esteve na base da decisão de procedência parcial do recurso hierárquico, o referido Relatório de Auditoria, conforme Anexo I respetivo, no que concerne aos documentos e movimentos contabilísticos atinentes às correções de retenções na fonte de IRS, observa o seguinte:

- quanto ao montante de €231.099,89, relativo ao lançamento n.º 100.003, de 31.10.2016, que esse valor está justificado mediante “cópias dos extratos bancários, com identificação dos movimentos das entradas de sócio, a título de empréstimo à sociedade e cópias de caderneta e extratos bancários respetivos da conta do sócio, com os respetivos comprovativos das entregas à sociedade”;

- quanto ao montante de €315.170,10, relativo ao lançamento n.º 120.003, de 31.12.2016, que está justificado “parcialmente” o valor de €93.861,68, mas considera-se “Valor não justificado” €221.308,42, consignando-se o seguinte: “O valor aqui justificado de 93.861,68 é sustentado na relação de transferências bancárias que identificam os suprimentos realizados pelo sócio desde Maio de 2010 até Dezembro de 2016. Nessa listagem apuramos um total de 324.961,57€, de suprimentos comprovados efetuados pelo Sócio. Desse valor, foram utilizados na rubrica anterior deste ANEXO I, o montante de 231.099,89€, sendo o valor remanescente de 93.861,68€, abatido nesta alínea”.

Nesta medida, o referido Relatório reconhece expressamente que não está justificado o valor de €221.308,42, não tendo, pois, sido fornecida qualquer prova específica a seu propósito capaz de explicar, nessa parte, o lançamento n.º 120.003 com os valores transferidos do saldo de caixa para a conta de reservas livres. Por isso, quando a Requerente declara, na sua PI, que no âmbito da auditoria realizada, foi possível apurar a natureza e origem “da quase totalidade dos movimentos realizados pelos anteriores Serviços de contabilidade da Requerente nesta Conta 11101-Caixa Fixo Sede” (art. 178.º da PI), nessa “quase totalidade” não se compreende o montante de €221.308,42.

Deste modo, para além do que se reporta aos valores de €231.099,89, respeitante ao lançamento n.º 100.003, de 31.10.2016, e de €93.861,68, respeitante ao lançamento n.º 120.003, de 31.12.2016, que já se mostram resolvidos pela decisão proferida em sede de recurso hierárquico (vd. supra n.º 13, bem como factos provados n.ºs XXI e XXII), nada mais foi comprovado relativamente às regularizações do saldo de caixa, designadamente que os restantes valores regularizados na Conta 11101 - Caixa Fixo Sede no montante de € 221.308,43 não são emergentes da distribuição de lucros,  mas de regularizações de contas de entidades terceiras.

 

V. Inutilidade superveniente da lide

 

22. Fixada a factualidade relevante, a primeira questão a resolver prende-se com a exceção de inutilidade superveniente da lide que foi suscitada pela Requerida nos n.ºs 3 a 7 da sua resposta (vd. igualmente nas suas alegações os n.ºs 4 a 9) nos seguintes moldes: “na decisão proferida no âmbito do aludido recurso hierárquico, foi a pretensão da Requerente (...) parcialmente deferida, anulando parcialmente a liquidação de retenções na fonte de IRS ora controvertida e correspondentes juros compensatórios, ordenando a restituição do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, cujo direito se constituiu a favor da Requerente a partir de 10/06/2021, data em que se contabiliza um atraso superior a um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa (09/06/2022)” e “quanto aos juros indemnizatórios, entende a Requerida que não existe dever de indemnizar a partir da data do pagamento da liquidação uma vez que a correção, entretanto anulada, foi promovida por erro imputável à Requerente que, em tempo, não apresentou a prova documental que posteriormente justificou o deferimento parcial da sua pretensão”.

Pelo seu lado, a Requerente expôs no requerimento apresentado em 09.01.2023 (vd. supra n.º 6) que o pedido formulado quanto à condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante já reembolsado de €101.698,20 (cento e um mil seiscentos e noventa e oito euros e vinte cêntimos), na sequência do deferimento parcial do recurso apresentado quanto a parte da Liquidação de Retenções na Fonte de IR n.º 2020 ... (2016) e, consequentemente, a parte da Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2020 ... (2016), que corrigiu o imposto devido em Retenções na Fonte de IR de € 152.955,60 para € 61.966,67, e, proporcionalmente, o montante de juros compensatórios de € 18.002,66 para € 7.293,39, respeita aos juros contados desde a data do pagamento daquele montante (entretanto reembolsado) ocorrido em 2 de março de 2020 e não apenas desde 10 de junho de 2021, como foi concretizado pela AT.

Em consequência, observa a Requerente que o pedido de condenação nos juros indemnizatórios sobre o montante já reembolsado de € 101.698,20 deve ser entendido como respeitando ao período compreendido entre 2 de março de 2020 e 10 de junho de 2021, não pretendendo a Requerente peticionar a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios contados desde 10 de junho de 2021 até à data do reembolso do imposto (1 de julho de 2022), pois esses juros já foram reconhecidos pela AT.

 

23. Dilucidados os termos em que a Requerente peticiona a condenação no pagamento de juros indemnizatórios quanto ao montante já reembolsado de € 101.698,20, pedido este que se circunscreve ao período compreendido entre 2 de março de 2020 e 10 de junho de 2021, data esta última em que a AT considerou serem devidos juros indemnizatórios sobre aquele montante, é manifesto que não ocorre, neste âmbito, a alegada inutilidade superveniente da lide.

Como é sabido, verifica-se inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não possua utilidade e a solução do litígio deixe de interessar, designadamente por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio alheio à providência requerida, o que determina, em conformidade com o disposto no art. 277.º, al. e), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi al. e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, a extinção da instância em causa.

Ora, é inquestionável a utilidade e interesse da resolução da lide, que cabe a este Tribunal, no que concerne à questão, em que as partes continuam em dissídio, de saber se os juros indemnizatórios respeitantes ao montante já reembolsado de € 101.698,20 eram devidos desde 2 de março de 2020 até 10 de junho de 2021, como sustenta a Requerente considerando a data do pagamento da liquidação, ou unicamente a partir de 10 de junho de 2021, considerando a data em que se contabiliza um atraso superior a um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa (09.06.2020), tal como foram contados e pagos pela AT na sequência da decisão do recurso hierárquico, que defende (vd. n.º 6 da resposta e n.º 8 das alegações) que “o erro para o cálculo de valor de imposto superior não se ficou a dever a qualquer erro dos serviços da inspeção tributária, porquanto, só em sede de impugnação administrativa da liquidação de Retenções na fonte de IRS, n.º 2020 ..., a Recorrente logrou demonstrar através de prova documental (extratos bancários), que o sócio efetuou empréstimos e suprimentos à sociedade, no montante total de € 324.961,57 (€ 231.099,89 como empréstimos e € 93.861,68 a títulos de suprimentos), ilidindo, assim e apenas nesta sede, a presunção legal da al. h) do nº 2 do artigo 5º e do nº 4 do artigo 6º do CIRS que presidiu à liquidação sindicada”, pelo que “não existe dever de indemnizar a partir da data do pagamento da liquidação uma vez que a correção, entretanto anulada, foi promovida por erro imputável à Requerente que, em tempo, não apresentou a prova documental que posteriormente justificou o deferimento parcial da sua pretensão”.

Deste modo, é manifesta a permanência da lide entre as partes a este respeito, a qual mantém utilidade no que respeita aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente quanto ao referido período de 2 de março de 2020 até 10 de junho de 2021, pelo que cabe julgar improcedente a exceção invocada de inutilidade superveniente da lide a seu respeito, o que implica que se apreciará, no seu local próprio, a questão assim colocada nestes autos.

 

VI. Fundamentação de Direito

VI.1. Sobre a insuficiência da fundamentação dos atos de liquidação

 

24. O primeiro motivo invocado pela Requerente (vd. arts. 13.º a 64.º da PI, bem como 13.º a 11.º das alegações escritas) para a invalidade dos atos impugnados respeita à alegação de falta de fundamentação dos atos de liquidação, o que não foi acolhido na decisão da reclamação graciosa e na decisão final do recurso hierárquico (vd. as descrições das decisões respetivas constantes dos factos provados n.ºs XIX e XXII).

Segundo a Requerente, “da análise do teor das notificações dos atos de liquidação recebidos pela REQUERENTE, não resulta adequada e suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de Direito, conforme é exigido pelo disposto no artigo 77.º da LGT e por forma a justificar a decisão nela inserta”, pois “não são, aí, minimamente explicitados os fundamentos, de facto e de Direito, que determinaram a emissão dos atos reclamados, referenciando-se, apenas, no caso das Demonstrações de Liquidação do IRC, uma alusão genérica, a que “[f]ica V. Exa.ª notificado (a) da liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida” e no caso das liquidações de IVA uma alusão, também genérica, a um relatório de inspeção não concretamente identificado”, concluindo-se que “resultam não indicados os fundamentos, de facto e de Direito, que subjazerão aos atos de liquidação, de imposto e de juros, ora em crise, quer para um destinatário normal, quer também, e principalmente, para a ora REQUERENTE”, não contendo as liquidações “em si mesmo qualquer indicação dos fundamentos que terão estado na origem da sua emissão” e não podendo “ser invocada a fundamentação operada por via da remissão, pois, no caso, o documento/decisão/ofício do qual constará a, putativa, fundamentação das liquidações nem foi, sequer, minimamente identificado”.

Pelo seu lado, na sua resposta (n.ºs 19 a 24), a Requerida, para além de observar quanto a decisão da reclamação graciosa e a decisão do recurso hierárquico que se encontram fundamentadas e que, de todo o modo, por “por serem posteriores aos atos de liquidação em crise, não são suscetíveis de afetar a validade destes”, sustenta quanto às liquidações sindicadas que “a sua fundamentação de facto e de direito consta do relatório da inspeção tributária, como a Requerente não pode deixar de conhecer, aí se explicitando de forma clara, suficiente e coerente as razões de facto e de direito subjacentes às correções controvertidas”, pois, “tal como dispõe o nº 1 do art. 77º da LGT, as conclusões do relatório inspetivo também podem constituir o fundamento do ato de liquidação, como vem a ser o caso dos autos”, sendo que, “não obstante a notificação do relatório mencionar a subsequente liquidação do imposto em falta, havendo dúvidas quanto à fundamentação das liquidações em causa, devia a Requerente lançar mão do mecanismo previsto no art. 37º do CPPT, requerendo a notificação da fundamentação que tivesse sido omitida, o que não fez”.

 

25. A exigência de fundamentação dos atos tributários é especificamente regulada pelo art. 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e que: “A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

No caso, como se referiu, a censura efetuada pela Requerente quanto à ausência de fundamentação dos atos de liquidação assenta no facto de “nas liquidações que constituem objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral não há qualquer referência, expressa, ou implícita, a qualquer documento concreto que contenha a sua fundamentação, pelo que, não constando do próprio ato a fundamentação legalmente exigida – ou seja, a demonstração dos pressupostos, de facto e de direito, em que se fundamenta as liquidações –, também não se pode entender, no caso vertente, que esta se tem por cumprida, sequer, por remissão para um outro documento”.

Ora, a este respeito, importa ter presente a esclarecedora orientação do Supremo Tribunal Administrativo quanto ao modo da fundamentação remissiva de atos de liquidação decorrentes de procedimento de inspeção tributária. No acórdão de 16 de setembro de 2020, processo n.º 0921/15.6BEPRT, sumaria-se o seguinte: “I - Nas liquidações adicionais praticadas após procedimento de inspeção tributária, o ato de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o conteúdo do relatório de inspeção. II - Caso o ato de liquidação não contemple a referência expressa ao relatório de inspeção tributária, mas se verifique que o relatório de inspeção identifica cabalmente os factos tributários, os montantes sobre os quais incide o imposto, a taxa a aplicar e sustente a sua decisão na legislação aplicável, preanunciando ainda a emissão do ato de liquidação e a sua posterior notificação, e aquele ato venha a apresentar um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, tal é suficiente para que se considere preenchido, in casu, o dever de fundamentação do ato de liquidação” (vd. também, no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.01.2022, proc. n.º 0887/20.0BELRS)..

Nestes termos, ao contrário do defendido pela Requerente, não se pode reputar omissa a fundamentação dos atos de liquidação só por não ocorrer, em termos remissivos, uma específica referência numérica identificativa ao RIT, sempre que as liquidações realizadas coincidam em tudo com as correções promovidas pelo RIT.

Como se observa no referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proc. n.º 0921/15.6BEPRT: “daquela demonstração de liquidação (i. e., do ato de liquidação) não constava a referência expressa ao relatório de inspeção tributária, mas, como se concluiu – e bem – na sentença recorrida, a notificação do relatório de inspeção (onde a “Administração Tributária identificou cabalmente os factos tributários, os montantes sobre os quais incidia o imposto, a taxa a aplicar, sustentando a sua decisão na legislação aplicável”) que pré-anunciava a emissão daquele ato e a sua posterior notificação, com um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, constituem elementos bastantes para que se considere preenchido, in casu, o dever de fundamentação do ato de liquidação. É que, nestes casos, o ato de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o relatório de inspeção”.

Com efeito, os atos de liquidação praticados no seguimento de um procedimento de inspeção tributária, ainda que autónomos, são atos intrínseca e contextualmente conexos com aquele procedimento, pelo que a sua compreensão assenta necessariamente na fundamentação resultante do RIT que aí tenha sido emitido (art. 62.º, n.º 1 e 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira - RCPITA).

 

26. Pois bem, em primeiro lugar há que atentar aos seguintes factos dados como provados:

- Facto provado IX: “No Ofício de notificação do RIT, conforme doc. n.º 6 à PI e fls. 100 do RG+...2020...+1733+pags_Parte1, consta o seguinte: “Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.º do RCPITA, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada. Das correções meramente aritméticas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório, a breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação”.

- Facto provado XII: A demonstração de liquidação de IVA, com o n.º 2020 ..., referente ao período 2015-06T, no valor de €11.467,46, contém a seguinte “Fundamentação”: “Liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária”;

- Facto Provado XIV: A demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS, com o n.º 2020 ... (cfr. a demonstração constante do doc. n.º 5 à PI), contém a seguinte declaração “Fica V. Exa notificado(a) para, até à data limite indicada, efetuar o pagamento da importância apurada proveniente da liquidação de retenções na fonte de IRS relativa ao ano indicado”.

Depois, confrontando os factos provados V e X, onde se identifica o RIT e se descreve a sua fundamentação, e o facto provado XI, respeitante às liquidações emitidas, impõe-se concluir que estas últimas assentam exatamente nas correções indicadas no RIT.

Não pode existir, pois, nenhuma dúvida de que as liquidações adicionais realizadas têm na sua base a motivação constante do referido RIT (cfr. factos provados n.ºs V, IX, X, XII e XIV), que assim fundamenta tais liquidações, ainda que estas não identifiquem especificadamente aquele RIT, dado que o anúncio no oficio de notificação do RIT das liquidações a emitir e as remissões ou referências nas notas de liquidação às correções resultantes daquele RIT são suficientes para que fique claro que a fundamentação subjacente às liquidações é a que consta do RIT (n.º 1 do art. 77.º da LGT). Do confronto entre as conclusões do relatório de inspeção e as liquidações de imposto para o ano em causa é possível inferir claramente que estas liquidações têm como fundamentação remissiva a adesão às conclusões do RIT e às correções por ele promovidas (art. 63.º, n.º 1 do RCPITA e 77 n.º 1 da LGT).

Esta conclusão, aliás, sempre se imporia, como se assinala no indicado acórdão do STA de 16 de setembro de 2020, por um princípio da razoabilidade, pelo qual, atento o conteúdo do relatório de inspeção, cuja notificação antecedeu a do ato tributário, qualquer declaratário normal teria objetivamente estabelecido uma relação entre o RIT e as liquidações e, com isso, teria tido acesso à fundamentação de tais liquidações. Para citar agora o mencionado acórdão do STA de 12.01.2022: “a impugnante, atuando com a diligência de um destinatário normal, interessado e responsável, dispunha de todos os elementos para, uma vez relacionados, conectados, perceber, sem dificuldade, que a liquidação em causa era aquela que lhe tinha sido pré-anunciada em janeiro e, obviamente, que a competente fundamentação residia, sem margem para dúvidas, no relatório de inspeção, nesse primeiro momento, enviado e recebido”.

Tanto é assim que, como se nota na decisão do recurso hierárquico (cfr. facto provado n.º XXII), na reclamação graciosa (art. 5.º; cfr. doc. n.º 4 à PI e facto provado n.º XVI), a Requerente consigna, para efeitos de cumulação de pedidos, que: “verifica-se que todas as liquidações reclamadas resultam do mesmo Relatório de Inspeção Tributária”.

Em consequência, improcede o vício neste âmbito invocado pela Requerente de “erro na interpretação e aplicação do direito decorrente da violação do disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP e artigo 77.º da LGT”.

 

VI.2. Sobre a preterição de formalidade legal essencial

 

27. Invoca, depois, a Requerente (vd. arts. 66.º e 67.º, 154.º a 156.º e 158.º da PI; cfr. também n.ºs 12 a 14 das alegações) que “não foi, também, notificada nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, ou seja, para exercer audição prévia à concreta emissão e notificação das liquidações”, o que, “por si só, implica a anulação dos atos de liquidação ora contestados, por preterição de formalidade legal essencial, incorrendo a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA em erro na interpretação e aplicação do direito, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi da alínea d) do artigo 2.º do CPPT”.

Pelo seu lado, a Requerida, na sua resposta (n.ºs 25 a 28), impugna “que tenha existido a alegada preterição de formalidade essencial uma vez que a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia no âmbito da ação inspetiva que viria a culminar com as correções controvertidas, conforme comprovado nos autos”, sendo que “no que respeita à audição antes da liquidação, a mesma é dispensada quando houve lugar à audição antes do relatório final da inspeção, conforme n.º 3 do art. 60º da LGT, o que foi o caso dos presentes autos” e o facto de não ter sido prorrogado o prazo para audição prévia não afetou o exercício do direito da Requerente.

 

28. Carece manifestamente de razão a Requerente nesta alegação de preterição de formalidade legal, por não ter sido notificada para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, em momento prévio à concreta emissão e notificação das liquidações.

Basta atentar na disposição do n.º 3 do art. 60.º da LGT, conjugada com a al. e) do n.º 1 do mesmo art. 60.º, para se verificar a inviabilidade do vício assim invocado. Com efeito, se a al. a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT, convocada pela Requerente, estabelece que: “A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação”, o n.º 3 do mesmo artigo prescreve que: “Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado”, sendo que a al. e) do n.º 1 reporta-se ao “Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária”.

Ora, como resulta dos factos provados, tendo a Requerente sido notificada para exercer o direito de audição prévia no âmbito da ação inspetiva em relação ao projeto de relatório de inspeção tributária (vd. facto provado VI), segue-se que, por força do n.º 3 do referido art. 60.º, verifica-se a dispensa da sua audição antes da liquidação, pelo que improcede o vício a este respeito alegado pela Requerente.

Assinale-se que esta conclusão não é posta em causa pelo facto de não ter sido concedida à Requerente a prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição por um período adicional de 15 dias, conforme enunciado nos factos provados n.ºs VII e VIII. Na verdade, o facto de não ter sido facultada a prorrogação do prazo nos termos requeridos não configura a privação da garantia da audição prévia, dado que a Requerente sempre poderia exercer o direito de audição no prazo estabelecido pela Administração Tributária (facto provado n.º VI), sendo certo que os fundamentos na base da não prorrogação elencados no facto provado n.º VIII mostram-se objetivos e conforme ao parâmetro disposto no n.º 6 do art. 60.º da LGT, não correspondendo, pois, ao exercício arbitrário do poder administrativo aí consagrado.

 

 

VI.3. Falta ou insuficiência da fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária

 

29. A Requerente, nos arts. 69.º a 90.º da PI (cfr. também n.ºs 16 a 26 das respetivas alegações) invoca, para o caso da improcedência – como se decidiu – do vício antecedente de o RIT não servir para fundamentar os atos de liquidação em crise, “que a própria fundamentação deste Relatório não é congruente, nem, tão-pouco, clara”, pois “os juízos efetuados pelos SERVIÇOS DE INSPEÇÃO (...) são, meramente, conclusivos, na medida em que os SERVIÇOS DE INSPEÇÃO abstraem-se da realidade concreta que está em causa para tecerem considerações sobre uma suposta e alegada intenção, por parte da REQUERENTE, que não existiu”, “não atendendo aos contornos e circunstâncias, de facto e de Direito, específicos, da operação em causa, nem das suas consequências, nem muito menos averiguando se, de facto, as quantias em causa alguma vez foram transferidas das contas da REQUERENTE para os seus sócios”.

Na base desta questão, está a invocação de que o indeferimento do pedido de prorrogação do prazo para exercer o direito de audição na sequência da notificação do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária “lesou, insuportavelmente, o Direito de Defesa da REQUERENTE, nomeadamente restringiu o seu exercício do Contraditório, constitucionalmente protegido pelo artigo 20.º da CRP”, pois a “REQUERENTE tinha a necessidade de obter informações e documentos adicionais junto da gerência anterior e que se encontrava nomeada à data dos factos, bem como junto do anterior Contabilista Certificado responsável pelas contas da sociedade, o que não foi possível no tempo concedido pelos Serviços de Inspeção” (arts. 76.º a 81.º da PI), do que adviria que como “a REQUERENTE não exerceu o seu Direito de Pronúncia, os SERVIÇOS DE INSPEÇÃO basearam-se, apenas, nas suas proposições, desconsiderando por completo a fundamentação que poderia ter sido apresentada pela REQUERENTE em sede de Direito de Audição, se assim tivesse sido concedido o pedido de prorrogação de prazo”, “E por isso, os SERVIÇOS DE INSPEÇÃO não lograram fundamentar as razões, de facto e de Direito, pelas quais entendem que deveriam ser emitidos documentos de correção, para efeitos de IVA e Retenções na fonte”, “limitando-se, tão-só, a constatar factos (sic) e a emitir juízos de valor sem adesão a qualquer base factual” (arts. 82.º a 84.º da PI).

A Requerida, nos n.ºs 30 e seguintes da sua resposta, reiterando o que foi sustentado nos n.ºs 63 a 66 da informação sancionada em sede de decisão do recurso hierárquico, defende que o RIT é congruente e claro e que não se limita a juízos conclusivos.

 

30. A argumentação que a Requerente desenvolve neste âmbito é manifestamente insubsistente para fundar o vício de falta ou insuficiência de fundamentação do RIT.

Abstraindo, desde logo, do reconhecimento de que, afinal, o RIT “constata factos”, nota-se que não há, nesta argumentação, qualquer referência ou alusão ao próprio conteúdo do RIT para evidenciar os “meros juízos conclusivos” ou a ausência de base factual ou de factos concretos em que se baseiam as correções propugnadas.

Ora, quando se atende ao teor do RIT (cfr. a descrição no ponto n.º X), verifica-se que é exposto devidamente o iter cognoscitivo e volitivo de facto e de direito ínsito às correções promovidas, pois:

- a descrição dos factos e fundamento das correções meramente aritméticas promovidas pelo RIT são objeto do Capítulo III do RIT;

- neste capítulo III do RIT, no ponto III.1.2.1. relativo às correções em sede de IVA, referencia-se: i) em termos de factos, que se detetaram duas faturas emitidas pelo sujeito passivo à entidade "FARMÁCIA C... Unipessoal LDA", NIF - ..., a fatura n.º FT 5/28453, emitida em 2015-02-27, no montante de € 49,965,48 (Base tributável) e a fatura n.º FT 5/33246, emitida em 2015-04-30, no montante de € 23.584,91 (Base tributável), sobre as quais foi liquidado IVA à taxa reduzida, sem discriminação dos bens; e, ii) em termos de direito, que a transmissão dos bens está sujeita a IVA, conforme alínea a) do n.º 1 do art. 1.º do CIVA, do n.º 1 do art. 3.º do CIVA e do art. 6.º do CIVA, e a taxa do IVA a aplicar é, segundo a alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA, de 23%, pelo que, conforme a alínea b), do n.º 5 do art. 36.º do CIVA, pela inobservância dos requisitos formais das faturas emitidas e nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 1.º do CIVA, do n.º 1 do art. 3.º do CIVA e do art. 6.º do CIVA, e da alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA, referente a transmissão dos bens, os montantes de IVA a corrigir, por falta de liquidação de IVA em 2015, são no valor de €11.466,98;

- ainda no mesmo capítulo III do RIT, no ponto III.2.1. relativo às correções em sede de retenções na fonte de IRS, invocando-se, com base nos lançamentos contabilísticos, em atenção ao disposto no n.º 4 do art. 6.º do CIRS, o recebimento de valores que configuram, por um lado, adiantamento por conta dos lucros no valor de €64.707,97, e, por outro, distribuição de lucros no valor de €88.247,63, afirma-se que a Requerente não considerou indevidamente tais recebimentos como rendimentos da categoria E de IRS, pelo que não reteve e não entregou IRS, nos termos do n.º 2 do art. 101.º e 98.º do CIRS, por um lado, no total de € 231.099,89, e consequentemente existe imposto em falta no montante € 64.707,97 (€ 231.099,89 x 28%) e, por outro lado, no total de € 315.170,10, e consequentemente existe imposto em falta no montante € 88.247,63 (€ 315,170,10 x 28%).

Esta motivação do RIT satisfaz as características da sucinta exposição das razões de facto e de direito impostas pelo art. 77.º da LGT, mostrando-se acessível e compreensível por um destinatário médio (clareza) na enunciação dos pressupostos, na indicação das disposições legais aplicáveis, na qualificação e quantificação dos factos tributários e nas operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, que representam os elementos determinantes da decisão tomada (suficiência ou plenitude).

Evidentemente, cumpre não confundir a falta ou deficiência de fundamentação, enquanto vício de natureza formal, com a falta de fundamento (base) legal do ato, que se reconduz a vício de violação de lei: a discordância com o sentido decisório distingue-se da determinabilidade da sua fundamentação.

Por outro lado, a possibilidade de influenciar esse sentido decisório, caso a Requerente tivesse exercido no prazo fixado o seu direito de audição, não obvia ao juízo, acima efetuado, de suficiência do RIT na revelação dos motivos de facto e de direito que estiveram na base das correções realizadas. Na verdade, a alegação da Requerente de que o vício de falta de fundamentação advém de ter sido desconsiderada “a fundamentação que poderia ter sido apresentada” pela Requerente possui valor meramente hipotético, como tal incerto, e é alheio ao teor literal do RIT, que é a base concreta e textual sobre a qual se faz o juízo da suficiência da fundamentação.

Acrescente-se tão só, atento o já exposto supra no n.º 28, que o não exercício do direito de audição se deveu ao não cumprimento pela Requerente do prazo que para o efeito foi fixado na notificação que lhe foi realizada (facto provado n.º VI), sendo que a recusa da prorrogação desse prazo pela AT (factos provados n.ºs VII e VIII) se mostra fundada nos critérios legais do n.º 6 do art. 60.º da LGT.

 

31. Nestes termos, julga-se improcedente o vício invocado pela Requerente de “erro na interpretação e aplicação do direito decorrente da violação do disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP e artigo 77.º da LGT” “por efeito da falta de fundamentação do RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA”.

 

VI.4. Sobre o ónus da prova

 

32. Nos arts. 93.º a 106.º da PI e nos n.ºs 27 a 34 das alegações escritas, sustenta a Requerente que não são apresentadas quaisquer provas dos factos que poderiam ser constitutivos do alegado e pretenso direito à tributação, sendo que, por força do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, recaía sobre a AT, no caso os Serviços de Inspeção, o ónus de provar os factos constitutivos dos direitos que invoca.

Neste âmbito, a Requerente, repetindo o já sustentado no ponto antecedente, insiste em que, no RIT, os Serviços de Inspeção “limitam-se a extrair conclusões sem base factual e jurídica adequada, que possa sustentar as correções efetuadas”, reportando-se particularmente que “no que se refere às retenções na fonte, verifica-se que não é apresentada pelos SERVIÇOS DE INSPEÇÃO uma única prova de que tivessem sido transferidas quaisquer quantias da esfera da REQUERENTE para a esfera do seu sócio” (art. 103.º da PI).

Daqui resultaria, segundo a Requerente, que as liquidações em causa padecem de vício de violação do ónus da prova ínsito ao artigo 74.º da LGT, violando, também, o disposto no n.º 3 artigo 268.º da CRP e no artigo 77.º da LGT, o que, conjugando com a efetiva dúvida quanto aos rendimentos realmente auferidos, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, implicaria a anulação dos atos de liquidação de Retenções na Fonte e de IVA e dos correspondentes Juros Compensatórios.

Pelo seu lado, a Requerida (n.ºs 31 a 32 da R.), acolhendo a informação que sustenta a decisão do recurso hierárquico, rejeita que o RIT se tenha apoiado em meras conclusões sem concretizar os factos e as normas jurídicas adequadas a sustentar as correções controvertidas, e assinala que resulta evidente dos autos que a AT fez as diligências que se impunham, quer de acordo com o ónus probatório que lhe incumbia, quer em ordem à descoberta da verdade material.

 

33. Também aqui se deve dizer que a suscitação deste vício pela Requerente – que surge, aliás, combinado com a invocação de falta de fundamentação (n.º 3 artigo 268.º da CRP e artigo 77.º da LGT), já atrás apreciada – é feita de modo alheado do conteúdo do RIT, não se explicitando, em relação a eventuais passos ou trechos do RIT ou tendo em consideração os documentos constantes dos anexos ao RIT (designadamente os documentos contabilísticos ou de suporte da contabilidade constantes do anexo 13), os casos ou moldes em que ocorreu a infração às regras do ónus da prova estabelecidas pelo n.º 1 do art. 74.º da LGT, o que implica a não substanciação da alegação em causa.

Atenta, porém, a menção específica a não ser apresentada pela Inspeção uma única prova de que tivessem sido transferidas quantias da esfera da Requerente para a esfera do seu sócio, há que considerar esta questão, para o que é conveniente recuperar o que se refere neste âmbito no RIT.

Encontram-se, então, aqui em causa os seguintes elementos constantes do RIT (cfr. o facto provado n.º X):

- “No exercício de 2016, o sujeito passivo apresentou um saldo inicial de caixa de €585.386,16 e um saldo final de caixa de € 250,00 (...)

Verificaram-se regularizações contabilísticas do saldo de caixa do sujeito passivo no exercício de 2016 refletidas em 2016-10-31 e 2016-12-31, creditando a conta 11101 - Caixa Fixo Sede no montante de € 546.269,99, por contrapartida das contas 278211000003 - D..., no montante de € 231.099,89 e da conta 5521 - Reservas Livres, no montante de € 315.170,10. (...)

No sentido de obtermos mais esclarecimentos sobre o assunto, notificámos o sujeito passivo (...) para apresentar na morada da sede os seguintes elementos;

- a ata de aprovação de contas de 2018.

- documentação e justificação dos lançamentos contabilísticos refletidos na conta 11101 - Caixa Fixo sede no montante de € 231.099,89 no mês de outubro e no montante de € 322.795,93 no mês de dezembro.

Em resposta à nossa notificação, conforme termo de declarações assinado pelo sócio D... em 2019-12-02, o sujeito passivo apenas apresentou o extrato da conta corrente 278211000003 - D... e os registos contabilísticos que refletem a regularização do saldo de caixa, através do:

- lançamento n.º 100.003, datado de 2016-10-31, no Diário n.º 63, no montante de € 231.099,89 em que a conta 11101 - Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 278211000003 - D...;

- e lançamento n.º 120.003, datado de 2016-12-31, no Diário n.° 63, o montante de € 322,795,93 em que a conta 11101 - Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 5521 - Reservas Livres, no montante de € 315.170,10 e da conta 298001 - Provisões do CCI, no montante de € 7.625,83.

O sujeito passivo não apresentou justificação para esses lançamentos contabilísticos”;

- “Da análise à Conta 278211000003 constata-se que o saldo inicial de 2016 apresenta um saldo credor de € 239,482,57, apresentando no ano de 2016 movimentos a débito no valor de € 248,749,89 e movimentos a crédito no valor de € 10,329,71.

De mencionar que os movimentos a débito correspondem a transferências bancárias e apresentam como descritivo "Emp e Pag Soc", "Empréstimo Socio/Retorno Sócio”, "Socio” e perfazem o montante de € 17.650,00; e lançamento de regularização no montante de € 231.099,89”;

- “no ponto II.3.9.1 relativamente à conta 278211000003 - D..., a análise da conta em questão revelou movimentos a débito e a crédito, que importa referir:

- em relação à regularização do saldo de caixa, através do lançamento n.º 100.003, no Diário n.º 63, no montante de € 231.099,89 em que a conta 11101 -Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 278211000003 - D... não foi apresentada justificação (...)

Assim sendo, não se comprovando o saldo credor inicial, não ficou demonstrado que a sociedade tenha dívidas com o sócio pelo que o montante de € 231.099,89 debitado na conta do sócio tem o enquadramento de adiantamentos por conta de lucros.

O n.º 4 do art. 6.º do CIRS estabelece que os lançamentos efetuados nas “contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação do trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou de adiantamento por conta de lucros”, enquadráveis como rendimentos da categoria E de IRS (rendimentos de capitais).

Nos termos da al. h) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais (categoria E de IRS) "os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros”.

Os rendimentos de capitais, mais precisamente os adiantamentos por conta de lucros, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, nos termos previstos da al. a) do n.º 1 do art. 71.º do CIRS

Assim sendo, em relação aos rendimentos que indevidamente não considerou como rendimentos da categoria E de IRS, a sociedade “FARMÁCIA A... Unipessoal” não reteve e não entregou IRS, nos termos do n.º 2 do art. 101.º e 98.º do CIRS, no total de € 231.099,89, e consequentemente existe imposto em falta no montante € 64.707,97 (€ 231.099,89 x 28%)”;

- “Na situação em análise, além de não ter sido apresentada justificação para o lançamento n.º 120.003, no Diário n.º 63, em que a conta 11101 - Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 5521 - Reservas Livres, no montante de € 315,170,10, também não foi apresentada a ata e aprovação de contas de 2016.

As reservas livres, tal como as reservas legais, (embora obrigatórias) e as estatutárias (igualmente obrigatórias, caso sejam impostas nos pactos sociais), resultam sempre de uma decisão de aplicação dos resultados positivos obtidos e como tal podem ser distribuídas aos sócios.

O registo contabilístico efetuado, onde se debita a conta 5521- reservas livres por crédito da conta caixa, evidencia a aplicação das reservas, cujos beneficiários serão logicamente os sócios, configurando uma distribuição de lucros.

Nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais (categoria E de IRS) “os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros".

Os rendimentos de capitais, mais precisamente a distribuição de lucros aos sócios, está sujeita a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, nos termos previstos da al. a) do n.º 1 do art. 71.º do CIRS.

Assim sendo, em relação aos rendimentos que indevidamente não considerou como rendimentos da categoria E de IRS, a sociedade “FARMÁCIA A... Unipessoal” não reteve e não entregou IRS, nos termos do n.º 2 do art. 101.º e 98.º do CIRS, no total de € 315.170,10, e consequentemente existe imposto em falta no montante € 88.247,63 (€ 315,170,10 x 28%)”.

 

34. Descritos estes elementos, recorde-se que dispõe o n.º 1 do art. 74.º da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, donde advém que é à Administração Tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, e, em contrapartida, cabe ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato.

Sucede que, no caso, a factualidade indicada no RIT assenta, desde logo, na aplicação da presunção legal do art. 6.º, n.º 4 do CIRS, segundo a qual: “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.

A aplicação desta presunção legal pressupõe a comprovação do facto génese conhecido que funda o facto presumido, sendo que esse facto conhecido é constituído pelos lançamentos, a seu favor, em contas correntes do sócio, escrituradas na sociedade, indiciadoras de acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica, nessa base se extraindo a conclusão presuntiva de se tratarem de adiantamentos por conta de lucros, sempre que não se demonstre que resultam de mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, o que legitima a caracterização como rendimentos de capitais (art. 5.º, n.º 2, al. h) do CIRS).

Ora, o que emerge do RIT, conforme acima citado, é que foi com base no lançamento n.º 100.003, datado de 2016-10-31, no Diário n.º 63, no montante de € 231.099,89 em que a conta 11101 - Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 278211000003 - D... (cfr. anexo 13 ao RIT), que se retirou a ilação, na ausência de justificação fornecida pela Requerente (cfr. anexo 14 ao RIT), de que o montante em causa tem o enquadramento, por força do art. 6.º, n.º 4 do CIRS, como adiantamento de lucros.

Depois, em relação ao montante de € 315,170,10, o RIT atende ao lançamento n.º 120.003, no Diário n.º 63, em que a conta 11101 - Caixa fixo sede é creditada por contrapartida da conta 5521 - Reservas Livres (anexo 13 ao RIT), para considerar, na ausência de justificação fornecida pela Requerente (cfr. anexo 14 ao RIT), que se verificou “a aplicação das reservas, cujos beneficiários serão logicamente os sócios, configurando uma distribuição de lucros”.

Foi, pois, com base nos meios probatórios atinentes aos lançamentos contabilísticos realizados e perante os valores inscritos nas contas referenciados que a AT concluiu pela qualificação e verificação como adiantamentos e distribuição de lucros.

Deste modo, não se verifica que, do ponto de vista do desenvolvimento das tarefas probatórias, não tenham sido recolhidos e considerados os elementos contabilísticos e os respetivos suportes que foram tidos como os meios de prova relevantes para a demonstração da verificação da atribuição de lucros (independentemente da adequação da apreciação material assim realizada, temática que se prende antes com o erro sobre os pressupostos de facto).

Não se descortina, pois, atenta a fundamentação do RIT (cfr. facto provado n.º X), o desrespeito, que é imputado pela Requerente aos Serviços de Inspeção, das regras de repartição do ónus da prova do n.º 1 do art. 74.º da LGT, dado que os referidos Serviços da AT recolheram e consideraram os meios de prova em que foram alicerçados os factos comprovativos do direito de liquidação do tributo, o que envolve a satisfação do competente ónus probatório quanto aos pressupostos legais da sua atuação, não se podendo, pois, acolher a alegação da Requerente de que não foi apresentada pela Inspeção “uma única prova de que tivessem sido transferidas quaisquer quantias da esfera da REQUERENTE para a esfera do seu sócio”.

Julga-se, pois, improcedente o vício apontado pela Requerente de violação pelos Serviços de Inspeção do ónus da prova ínsito ao artigo 74.º da LGT e do disposto no n.º 3 artigo 268.º da CRP e no artigo 77.º da LGT.

 

35. A propósito desta matéria, embora já não em relação ao RIT e sim ao procedimento de reclamação graciosa, suscita, ainda, a Requerente, nos arts. 107.º e segs. da PI, sob a epígrafe “Da indispensabilidade das provas produzidas”, a infração do princípio do inquisitório (art. 58.º da LGT), com base em a Requerente ter requerido, oportunamente, a produção de prova testemunhal no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa, que foi recusada, sendo que “a recusa pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA de praticar diligências de prova requeridas pela REQUERENTE ou a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, consubstancia um vício procedimental, que é fundamento de ilegalidade do ato tributário ou em matéria tributária e suscetível de determinar a sua anulação”.

Como acima se antecipou (n.º 15), a invocação deste vício procedimental surge formulado em termos dirigidos à impugnação administrativa da decisão da reclamação graciosa mais do que ao presente processo arbitral, seguramente devido ao facto de consistir numa transcrição do teor do recurso hierárquico.

De qualquer modo, a alegação da Requerente (arts. 115.º e segs. da PI, bem como arts. 154.º a 156.º da PI) consiste no seguinte:

- “foi posta em causa, pelos serviços de inspeção, a materialidade das operações praticadas, relativamente à aplicação da taxa de IVA reduzida, a qual pode, evidentemente, ser demonstrada com recurso à prova testemunhal (v.g. artigo 393.º do Código Civil a contrario), não se limitando somente a documentos, aduaneiros, contabilísticos ou de outra natureza;

- assim, “a produção da pretendida prova testemunhal é indispensável para a descoberta da verdade material no presente procedimento e, em consequência, para a correta integração normativa da factualidade imputada à REQUERENTE”;

- “a testemunha indicada pela REQUERENTE teve intervenção direta, imediata e privilegiada [n]as transações efetuadas, tendo, por isso, conhecimento pessoal e direto da factualidade em causa”, do que resulta que a sua inquirição era manifestamente indispensável para a descoberta da verdade material e para a boa resolução da causa, pelo que, em cumprimento do art. 69.º, al. e) do CPPT e do art. 58.º da LGT, o órgão instrutor deveria ter ordenado a inquirição da testemunha indicada pela Requerente.

Vejamos, então, esta questão.

 

36. Na reclamação graciosa deduzida, a Requerente requereu, “ao abrigo do art. 50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do art. 72.º da Lei Geral Tributária, para comprovação dos factos alegados”, a inquirição da testemunha Dr. B… (cfr. facto provado n.º XVII), o que foi indeferido, com base em que “[n]o caso em concreto e como decorre da aplicação do citado normativo [art. 69.º, al e) do CPPT], não se considera esta diligência complementar, indispensável à descoberta da verdade material, no estrito cumprimento dos princípios que regem a instrução, nomeadamente o princípio da liberdade de recolha de prova e de apreciação dos meios de prova (parte final do nº 1 do art.º 115º e nº 2 do art.º 119º do Código do Procedimento Administrativo – CPA, aplicável de acordo com a alínea c) do art.º 2º da LGT)” (cfr. facto provado n.º XIX).

Resulta destes factos provados que o indeferimento da audição da testemunha, por não se considerar tal diligência indispensável à descoberta da verdade material, teve na sua base a solicitação pela Requerente da produção de prova testemunhal com invocação apenas da genérica admissibilidade de todos os meios de prova no âmbito do procedimento tributário (arts. 50.º do CPPT e 72.º da LGT), sem que tenha sido referido, como justificação da relevância do seu depoimento, que a testemunha Dr. B... “teve intervenção direta, imediata e privilegiada [n]as transações efetuadas”, com “conhecimento pessoal e direto da factualidade em causa” (como se passou a indicar em sede de recurso hierárquico).

Perante esta factualidade, é manifestamente improcedente o vício de procedimento, por violação do inquisitório, apontado pela Requerente, pois não só esta nada declarou, para os efeitos da al. e) do art. 69.º do CPPT, quanto à relevância da prova testemunhal para a boa decisão da reclamação graciosa, como a indicação subsequentemente realizada, em sede de recurso hierárquico e na PI no presente processo, de que a testemunha em causa esteve diretamente envolvida nos factos (na materialidade subjacente às faturas emitidas – cfr. art. 128.º da PI) não possui correspondência com a realidade, dado que, como acima se referiu em sede de motivação da decisão de facto quanto à respetiva razão de ciência (n.º 21), a testemunha Dr. B... não possui conhecimento direto das operações tituladas pelas faturas emitidas, dado que o seu contacto com a matéria dos autos emergiu somente após a notificação do Projeto do RIT no âmbito da elaboração do relatório da auditoria datado de 17.02.2019 a que procedeu.

 

VI.5. Erro sobre os pressupostos em sede de IVA

 

37. No que concerne às correções em sede de IVA, que estão na base das liquidações de IVA n.º 2020 ... (201506), no valor de €11.466,98, de juros compensatórios n.º 2020 ... (201506), no valor de €2.005,62, e das correspondentes demonstrações de acerto de contas n.º 2020 ... (201506) e n.º 2020 ... (201506 - Juros), que foram mantidas pelas decisões subsequentes da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, assentam as mesmas em a fatura n.º FT 5/28453, emitida em 2015-02-27, no montante de € 49,965,48 (Base tributável) e a fatura n.º FT 5/33246, emitida em 2015-04-30, no montante de € 23.584,91 (Base tributável), sobre as quais o sujeito passivo liquidou IVA à taxa reduzida, não cumprirem com a al. b) do n.º 5 do art. 36.º do CIVA, dado não discriminarem os bens para aferição da aplicação correta da taxa reduzida do IVA, pelo que a AT considerou que taxa aplicável deveria ser a taxa de 23% nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA (vd. o ponto III.1.2.2 do RIT transcrito no n.º X do probatório).

A este respeito, para sustentar que são “absolutamente indevidas e ilegais as correções efetuadas, por erro na interpretação e na aplicação do direito”, alega a Requerente que “as faturas em apreço são, inequivocamente, referentes a produtos sujeitos à taxa de IVA reduzida de 6%, conforme relação discriminativa que acompanhou aquelas faturas” (art. 158.º da PI e n.º 48 das alegações).

Há que observar, desde logo, que a própria Requerente declara no n.º 46 das alegações escritas e no art. 152.º da PI que: “verifica-se que as faturas n.º FT 5/28453, de 27/02/2015, e FT 5/33246, de 30/04/2015, dizem (quase exclusivamente) respeito a produtos sujeitos à taxa reduzida de IVA de 6%, conforme relação discriminativa que acompanhou a sua emissão”, pelo que se verifica o reconhecimento de que, afinal, nem todos os produtos objeto daquelas faturas estavam sujeitos à taxa reduzida de IVA, o que prejudica a conclusão de que, “inequivocamente” (o advérbio surge nas alegações escritas, não na PI), as faturas “são referentes a produtos sujeitos à taxa de IVA reduzida de 6%”.

Sucede, o que é decisivo para a apreciação do vício invocado nesta sede, que este Tribunal não deu como provado (vd. facto não provado A) que as listagens que se encontram no PA (RG+...2020...+1733+pags_Parte11.pdf, pp. 8 a 56 e pp. 60 a 102 RG+...2020...+1733+pags_Parte12.pdf, pp. 1 a 101 e RG+...2020...+1733+pags_Parte13.pdf, pp. 1 a 69), se reportem às faturas FT 5/28453, de 27/02/2015, e FT 5/33246, de 30/04/2015 (cfr. facto provado n.º II).

Em consequência, na ausência de qualquer outra prova quanto aos bens a que se reportam, como essas faturas não discriminam, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 5 do art. 36.º do CIVA, os produtos concretamente transmitidos a que corresponde a taxa reduzida de IVA, é justificada a aplicação da taxa normal de IVA de 23% (alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA) às bases tributáveis indicadas nessas faturas, como foi promovido pelas correções em sede de IVA aqui sindicadas.

 

38. Com efeito, a al. b) do n.º 5 do art. 36.º do CIVA determina que as faturas devem conter os seguintes elementos: “A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável” (cfr. art. 226.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Diretiva IVA), o que é necessário para controlar o pagamento do imposto devido pelo emitente da fatura em conformidade com o regime de IVA aplicável. Como observa a Advogada-Geral KOKOTT, nas conclusões apresentadas no processo C-516/14, Barlis, n.º 38, “face a estas menções, as Administrações Fiscais dos Estados‑Membros podem controlar, em especial, se o emitente da fatura determinou em conformidade com as disposições aplicáveis o lugar da prestação (artigo 31.° e seguintes da diretiva IVA), a taxa aplicável (artigo 72.° e seguintes da diretiva IVA) e a taxa do imposto (artigo 93.° e seguintes da diretiva IVA), se considerou corretamente a aplicabilidade de uma isenção (artigo 131.° e seguintes da diretiva IVA) ou estava certo ao partir do princípio de que o destinatário da prestação era o devedor do imposto (artigo 192.°‑A e seguintes da diretiva IVA)”.

Também no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15.12.2016, proc. n.º 1356/10.2BELRA se destaca devidamente que a exigência da menção na fatura da “«quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos bens necessários à determinação da taxa aplicável» tem como finalidade permitir quer ao cliente quer à AT controlarem se a taxa incidente sobre o valor tributável é a correta”, e se assinala que tais “vícios formais das faturas em causa para além de inviabilizarem a cobrança exata do imposto (por se desconhecer a realidade sobre o qual o IVA incide) não permitem a respetiva fiscalização da aplicação do imposto pela AT”.

Pois bem, dada a sua função, para que se pudesse admitir ultrapassar o incumprimento de tais requisitos formais das faturas e a necessidade das informações controláveis que eles veiculam, seria imprescindível que se fizesse prova dos dados indispensáveis para assegurar a cobrança exata do IVA à taxa reduzida.

Na verdade, a aplicação da jurisprudência do Tribunal de Justiça – que, note-se, é relativa ao direito à dedução (art. 178.º, al. a) da Diretiva IVA) – de que “embora uma fatura tenha efetivamente uma função documental importante pelo facto de poder conter dados controláveis, existem circunstâncias nas quais os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura e em que a exigência de dispor de uma fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva 2006/112 teria como consequência pôr em causa o direito a dedução de um sujeito passivo” (cfr., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de março de 2012, C-280/10, Polski Trawertyn, n.º 48; vd. também o acórdão de 15 de setembro de 2016, C-516/14, Barlis, n.º 42 ), exige, justamente, a demonstração dos dados indispensáveis à cobrança viável e eficaz do IVA com correta determinação do imposto, o que, precisamente, dada a insuficiência das listagens apresentadas, não se considerou realizado (cfr. facto não provado A).

Deste modo, mostra-se infundado o erro na interpretação e na aplicação do direito imputado a tais correções de IVA, invocado com base em as faturas em apreço serem referentes a produtos sujeitos à taxa de IVA reduzida de 6% que resultaria da relação discriminativa anexa, o que não se demonstrou, pelo que se julga improcedente o correspondente pedido de anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios sindicadas, as quais se mantêm na ordem jurídica.

 

VI.6. Erro sobre os pressupostos em sede de retenções na fonte de IRS

 

39. Nos arts. 161.º a 188.º da PI, desenvolve a Requerente a alegação de que “as correções subjacentes às Liquidações de Retenção na Fonte reclamadas assentam em pressupostos legais e de facto que não se verificam, sendo, por isso, ilegais, por erro na interpretação e na aplicação do direito, tornando tais liquidações anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi da alínea d) do artigo 2.º do CPPT” (art. 188.º da PI).

A este respeito, consigna-se na PI que:

- “relativamente ao ano de 2016, os SERVIÇOS DE INSPEÇÃO aferiram que a REQUERENTE tinha um saldo inicial de caixa no montante global de € 546.270, que foi objeto de movimentos a débito considerados por estes Serviços como distribuição de lucros” (art. 162.º da PI);

- “os referidos valores não correspondem (nem nunca corresponderam) a efetivas disponibilidades de caixa e não foram distribuídos aos sócios da REQUERENTE”, mas pelo contrário, “a REQUERENTE verificou a existência de diversos lançamentos indevidos e não regularizados nesta conta de caixa, que determinavam que a mesma apresentasse um saldo positivo elevado, sem que existissem as correspondentes disponibilidades de caixa” (arts. 164.º e 165.º da PI);

- “é de salientar que a REQUERENTE solicitou junto de uma entidade independente, uma auditoria externa à sua contabilidade, por forma a compreender e clarificar a situação em análise, e que resultou num Relatório de Auditoria aos saldos das contas de Fluxos Financeiros (classe 1 SNC) e de terceiros (classe 2 SNC) e outras específicas, cuja cópia foi junta à RECLAMAÇÃO GRACIOSA e cujo conteúdo se dá, aqui, por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais — cfr. Documento N.º 9” (art. 168.º da PI);

- “os SERVIÇOS DE INSPEÇÃO apenas tiveram em consideração na sua análise os saldos das disponibilidades (Caixa e Bancos) e não a regularizações efetuadas/devidas em contas de terceiros”, sendo que, conforme resulta daquele Relatório de Auditoria “(...) na sua grande maioria o valor de 550k€, deve-se a situações de regularização com entidades terceiras, não manifestando levantamentos de valores pelos seus sócios ou mesmo pagamentos «confidenciais»”, regularizações, essas, que se encontram espelhadas no Anexo I do Relatório de Auditoria, para o qual expressamente se remete e cujo conteúdo se dá aqui, também, por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (arts. 174.º e 175.º da PI);

- na decisão final de recurso hierárquico, “veio a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA a reconhecer que a tributação do montante total de € 546.270 a título de distribuição de lucros era infundada e ilegal, no montante de € 324.961,57, considerando, contudo, ser de manter a tributação enquanto distribuição de lucro o montante de € 221.308,43” (arts. 179.º, 180.º e 181.º da PI);

- “a Requerente não se pode conformar com tal entendimento posto que, quanto aos restantes valores regularizados na Conta 11101 - Caixa Fixo Sede (€ 221.308,43), estes são referentes à regularização de C/C de entidades terceiras, de menores valores, mas que justificam os saldos excessivos de Caixa que, erradamente – também por erro de lançamento dos, à data, serviços de contabilidade da IMPUGNANTE –, não tinham sido utilizados na liquidação das Contas correntes, entretanto saldadas e também justificadas” (art. 182.º da PI);

- “De todo o exposto resulta, contudo, que as regularizações da Conta 11101 - Caixa Fixo Sede não são emergentes da distribuição de lucros por parte da REQUERENTE, mas tão-somente, de regularizações de contas de entidades terceiras” (art. 187.º da PI).

40. Releva aqui ter em atenção, preliminarmente, que em sede de decisão do recurso hierárquico, no que concerne à liquidação por retenção na fonte de IRS do montante total de € 546.270 a título de distribuição de lucros, foi considerado ilegal a qualificação como tal do montante de € 324.961,57, por a Requerente ter demonstrado “através de prova documental que o sócio efetuou empréstimos e suprimentos à sociedade, no montante total de € 324.961,57, logrando ilidir a presunção vertida nº 4 do artigo 6º do CIRS, como lhe estava legalmente imposto” (vd. facto provado n.º XXII), tendo-se mantido a tributação enquanto distribuição de lucro como rendimentos da categoria E de IRS sujeitos à retenção na fonte do montante de € 221.308,43, “pelo que o imposto em dívida será apenas de € 61.966,67 (€ 221.308,43 x 28%)”.

Na verdade, os “lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucro” constituem rendimentos de capitais nos termos da alínea h) do número 2 do artigo 5.º do CIRS, estando sujeitos à taxa liberatória de 28%, à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º conjugado com a alínea a) do n.º 2 do artigo 101.º, ambos do Código de IRS.

Releva também ter presente que, como já acima se assinalou (n.º 34), o art. 6.º, n.º 4 do CIRS, segundo o qual: “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”, estabelece uma presunção legal. Recordem-se, então, as consequências probatórias associadas à consagração de uma presunção legal, para o que se pode convocar o exposto no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31.3.2016, proc. n.º 06368/13: “Tendo presente a noção de presunção acolhida no artigo 349.º do Código Civil (“Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”), a distinção, também legalmente estabelecida, entre presunções legais e presunções judiciais (conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida - cfr. artigo 350.º e 351.º do Código Civil) e a relevância ou distinto tratamento de que uma e outra podem ser objeto ao nível da sua infirmação (as presunções legais para serem destruídas, nos casos em que a lei o permite, têm de ser ilididas mediante prova em contrário, no caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz – cfr. artigos 350.º, n.º 2 e 351.º do Código Civil), não nos assistem dúvidas quanto a que a presunção de que a Administração Tributária lançou mão constitui uma presunção legal. Isto é, o próprio legislador qualifica como “rendimentos da categoria E”, adiantamentos por conta dos lucros, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros”.

Dado que a infirmação de uma presunção legal exige prova em contrário, meras considerações comparativas com a média do sector de atividade ou juízos sobre a improbabilidade de gerar fluxos e excedentes extraordinários não são bastantes.

 

41. Isto posto, há então que destacar que, como fundamento da ilegalidade da correção em causa, limitada, dada a decisão do recurso hierárquico, aos valores regularizados na Conta 11101 - Caixa Fixo Sede no montante €221.308,43, a Requerente aponta que essas regularizações não são emergentes da distribuição de lucros, mas, tão-somente, de regularizações de contas de entidades terceiras.

Sucede que a prova deste facto pura e simplesmente não foi feita (cfr. facto não provado sub B), porquanto, como acima se expôs (vd. n.º 21.2), isso não resulta do Relatório de auditoria junto como doc. n.º 9 à PI, nem do depoimento testemunhal que o explicou, porquanto, como já se citou, nele se reputa como “valor não justificado” o montante de €221.308,42, sendo em relação a ele que se compreende a afirmação desse Relatório de que “na sua grande maioria” (sic) “o valor de 550k€ deve-se a situações de regularização com entidades terceiras, não manifestando levantamentos de valores pelos seus sócios ou mesmo pagamentos «confidenciais»”.

Ora, na medida em que este Relatório reputou valor não justificado o referido montante de €221.308,42, sendo certo que a própria Requerente, como acima transcrito, dá “por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais” o referido Relatório, incluindo as regularizações que se encontram espelhadas no Anexo I do Relatório de Auditoria, não se mostra, em momento algum, demonstrado o facto alegado de que o referido montante de €221.308,42 respeita a situações de regularização com entidades terceiras, não manifestando levantamentos de valores pelos seus sócios (facto não provado B).

Não tendo sido feita a prova em que se sustenta a alegação, na parte que não foi aceite pela decisão do recurso hierárquico, de que as correções subjacentes às liquidações de retenção na fonte assentam em pressupostos legais e de facto que não se verificam, cabe julgar improcedente o vício imputado, nessa parte, às liquidações sindicadas de “erro na interpretação e na aplicação do direito”.

 

VI. 7. Sobre a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

 

42. Ficando prejudicado, em face das decisões antecedentes de improcedência dos vícios imputados às liquidações de IVA e de retenção na fonte de IRS sindicadas, o pedido consequencial de anulação das liquidações de juros compensatórios, cabe, porém, apreciar o vício especificamente imputado às liquidações de juros compensatórios de falta de demonstração de que o retardamento da liquidação do imposto ou da sua retenção se deva a facto imputável ao contribuinte (n.º 1 do artigo 35.º da LGT), porquanto dos elementos facultados à Requerente “não se vislumbra qualquer referência à existência de culpa imputável, pressuposto fundamental da pretensão de liquidação de juros compensatórios”, já que a AT “se absteve de indicar quais os elementos em que se baseia para promover as liquidações de Juros Compensatórios sub judice, não fazendo qualquer menção à culpa da REQUERENTE no suposto atraso na liquidação do imposto ou recebimento indevido do imposto, e muito menos procedendo à demonstração dessa culpa” (cfr. arts. 192.º e 196.º da PI), sendo que o comportamento da Requerente não foi censurável “por se basear numa interpretação mais do que razoável e de boa-fé das leis aplicáveis”, estando “mais do que comprovada a boa-fé subjetiva ética da REQUERENTE, que obsta a qualquer juízo de culpa e que não foi devidamente apreciada, nem se encontra refletida no Relatório Final de Inspeção, na Liquidação dos Juros ou na decisão final de recurso hierárquico “, impondo-se, assim, “concluir haver ausência de fundamentação das liquidações dos Juros Compensatórios, o que viola flagrantemente o disposto no n.º 1 do artigo 35.º e no n.º 1 e n.º 2 do artigo 77.º, ambos da LGT, bem como o disposto no n.º 3 do artigo 268.º CRP” (arts. 206.º, 207.º e 208.º da PI)

Pelo seu lado, a Requerida sustenta (n.ºs 38 a 40 da R.) quanto às liquidações de juros compensatórios que, como se refere na informação sancionada pela decisão do recurso hierárquico, se encontram devidamente fundamentadas. De facto, na decisão do recurso hierárquico, como se verifica do n.º XXII do probatório, foi apreciada esta alegação da falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios, considerando-se que: “Relativamente ao REQUISITO DA CULPA, conforme jurisprudência dominante dos tribunais superiores, a fundamentação e consequente imputação consideram-se satisfeitas se, como sucede no caso em apreço, for estabelecida a relação entre a situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a AT a concluir que o atraso na liquidação se deveu a atuação culposa do contribuinte, conforme refere o Acórdão do STA (Pleno), de 22.01.2014, proferido no processo n.º 1490/13 e, bem assim, o Acórdão do TCA Sul, de 19.09.2017, no processo n.º 7964/14” e que: “Quanto à ausência de FUNDAMENTAÇÃO, a jurisprudência do STA tem consolidado o entendimento de que a mínima fundamentação exigível para os atos de liquidação de juros deve indicar a quantia sobre a qual incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo – vide por todos o Acórdão do STA, de 09.03.2016, no processo n.º 805/15”.

 

43. No caso, resulta dos factos provados n.ºs XIII e XIV que:

- quanto à demonstração de juros compensatórios de IVA, para além de se declarar “Juros calculados nos termos do art.º 96 do CIVA e dos art.º 35º e 44º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou per se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte” consta um quadro em que se refere “Juros compensatórios por retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto” e se indica o valor base, a duração, a taxa e o valor;

- a demonstração de liquidação de juros compensatórios respeitante à liquidação de retenções na fonte de IRS consta de quadro em que se indica o valor base, a data de início, a data de fim, a duração, a taxa e o valor.

 Ora, como se refere, por exemplo, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.06.2020, proc. n.º 1080/07.3BELRS, relativamente aos atos de liquidação de juros compensatórios, “as exigências de fundamentação podem ser reduzidas ao mínimo, mas (...) esse mínimo de fundamentação deve conter a referência ao imposto sobre que são liquidados os juros bem como a indicação da taxa aplicada e o período de tempo em que são devidos esses juros sem necessidade, no entanto, de referência à norma que possibilita a liquidação dos mesmos, pois só assim o sujeito passivo saberá como foi feita essa liquidação para se poder conformar ou não com a mesma”.

Pois bem, esses elementos que constituem o conteúdo mínimo da declaração fundamentadora das liquidações de juros compensatórios, resultam dos quadros referenciados nos factos provados n.ºs XIII e XIV, sendo que os valores do imposto que constituem o valor base são os indicados no RIT e nas consequentes liquidações de IVA e de retenções na fonte (remete-se também para o acima exposto no n.º 25).

Na verdade, a liquidação de juros compensatórios de IVA identifica o “valor base” de €11.466,98, o período de contagem dos juros, respetiva taxa e correspondente valor, e a demonstração da liquidação de juros compensatórios relativa a retenções na fonte de IRS, compreendida na liquidação n.º 2020 ..., identifica o “valor base” de €152.955,60, o período de contagem dos juros com datas de início e de fim e duração, respetiva taxa e correspondente valor.

Por outro lado, compulsando o RIT (cfr. facto provado n.º X), verifica-se que aí se consigna, na sequência da descrição dos factos na base das correções promovidas, que: “o sujeito passivo não liquidou e, por conseguinte, não entregou aos cofres do Estado IVA o montante € 11.466,98” e que: “em relação aos rendimentos que indevidamente não considerou como rendimentos da categoria E de IRS, a sociedade “FARMÁCIA A... Unipessoal” não reteve e não entregou IRS”. Nesta base, é manifesto que foi invocado nexo causal entre o atraso nas liquidações em causa e a atuação julgada censurável do contribuinte, a qual, diga-se, não resultou de uma “interpretação mais do que razoável e de boa-fé das leis aplicáveis”, mas antes do incumprimento de requisitos formais das faturas e de lançamentos contabilísticos realizados.

Nestes termos, julga-se improcedente o pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios.

 

VI.8. Direito aos juros indemnizatórios sobre o montante reembolsado

 

44. Face ao exposto, que prejudica a apreciação do pedido de condenação no reembolso dos montantes de imposto pagos e em juros indemnizatórios para o caso, que não se decidiu, da anulação dos atos sindicados, resta tão só resolver a última questão suscitada pela Requerente que é atinente ao direito ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante já reembolsado de € 101.698,20 no que concerne ao período compreendido entre 2 de março de 2020 e 10 de junho de 2021.

Recorde-se (vd. supra n.ºs 22 e 23 e facto provado n.º XXIII) que esta questão se prende com a decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico no que concerne à anulação da liquidação de retenções na fonte de IRS em que se corrigiu o imposto devido em retenções na fonte de IRS de €152.955,60 para €61.966,67, e, proporcionalmente, o montante de juros compensatórios em €10.709,27.

Para a Requerente, os juros indemnizatórios respeitantes ao montante reembolsado de €101.698,20 são devidos desde a dada a data do pagamento da liquidação em causa, 2 de março de 2020, até 10 de junho de 2021 (cfr. facto n.º XVI) dada a verificação dos pressupostos do n.º 1 do art. 43.º da LGT do erro imputável aos serviços, de que resultou pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, erro apurado em sede de recurso hierárquico; para a Requerida, tal como foram contados e pagos pela AT na sequência da decisão do recurso hierárquico (cfr. facto provado n.º XXIII), esses juros indemnizatórios só são devidos, em conformidade com a al. c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, a partir de 10 de junho de 2021, data em que se contabiliza um atraso superior a um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa (09.06.2020), já que “o erro para o cálculo de valor de imposto superior não se ficou a dever a qualquer erro dos serviços da inspeção tributária, porquanto, só em sede de impugnação administrativa da liquidação de Retenções na fonte de IRS, n.º 2020 ..., a Recorrente logrou demonstrar através de prova documental (extratos bancários), que o sócio efetuou empréstimos e suprimentos à sociedade, no montante total de € 324.961,57 (€ 231.099,89 como empréstimos e € 93.861,68 a títulos de suprimentos), ilidindo, assim e apenas nesta sede, a presunção legal da al. h) do nº 2 do artigo 5º e do nº 4 do artigo 6º do CIRS que presidiu à liquidação sindicada”, pelo que “não existe dever de indemnizar a partir da data do pagamento da liquidação uma vez que a correção, entretanto anulada, foi promovida por erro imputável à Requerente que, em tempo, não apresentou a prova documental que posteriormente justificou o deferimento parcial da sua pretensão”.

 

44. A resolução desta questão pressupõe decidir sobre o enquadramento, na situação sub judice, do direito a juros indemnizatórios no âmbito do n.º 1 do art. 43.º da LGT ou no âmbito da al. c) do n.º 3 do art. 43.º da mesma LGT.

A distinção essencial entre estas duas previsões prende-se com o facto de no n.º 1 do art. 43.º a justificação do direito aos juros indemnizatórios radicar num erro imputável aos Serviços ao passo que na al. c) do n.º 3 do art. 43.º a base desse direito ser diretamente a ocorrência do atraso nele previsto, independentemente do erro na base da revisão do ato tributário ser imputável aos Serviços ou ao contribuinte.

Pois bem, no caso, é manifesto que a decisão do recurso hierárquico reconheceu, quanto ao montante de €324.961,57 (cfr. facto provado n.º XXII), a existência de erro nos pressupostos de facto da liquidação de retenções na fonte de IRS (para citar a referida decisão: “Da análise feita quanto à legalidade da liquidação de Retenções na fonte de IRS, n.º 2020 ..., do período de 2016, no montante de €152.955,60, concluiu-se que a Recorrente demonstrou na presente sede, através de prova documental, que o sócio efetuou empréstimos e suprimentos à sociedade, no montante total de € 324.961,57”, pelo que “a susodita liquidação deve ser parcialmente anulada por erro quanto aos pressupostos de facto”).

Ora, esta liquidação não resultou de declaração do sujeito passivo, mas consistiu em liquidação oficiosa promovida pela própria Administração Tributária com base em factos por si apurados, mesmo que com aplicação da presunção legal do art. 6.º, n.º 4 do CIRS. Como tal, mesmo que se possa reconhecer que, para a fixação desses factos, contribuiu a não apresentação em sede de procedimento inspetivo dos documentos que vieram a ser juntos em sede de reclamação graciosa, o que é inquestionável é que foi a AT que, com base no seu juízo sobre as regularizações apuradas em relação ao saldo de caixa, praticou o ato tributário de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2020 ..., que veio a considerar padecer de erro sobre os pressupostos de facto conducente à sua anulação parcial, o qual lhe é assim imputável, acrescentando-se ainda que esse erro já podia ser verificado em sede de reclamação graciosa pois já então a Administração Tributária possuía todos os elementos necessários para tanto.

Nesta medida, entende este Tribunal que, no caso, a anulação parcial do ato tributário na sequência do deferimento do recurso hierárquico determina o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, desde a data (02.03.2020) do pagamento do imposto (cfr. art. 61.º, n.º 5 do CPPT) até ao dia 10.06.2021.

Em consequência, procede o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante já reembolsado de € 101.698,20 contados à taxa legal desde 2 de março de 2020 até 10 de junho de 2021.

 

VII. Decisão

 

Termos em que se decide:

  1. julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante reembolsado de € 101.698,20 em consequência da anulação parcial, pela decisão do recurso hierárquico n.º ...2021..., da liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2020 ... contados à taxa legal desde 2 de março de 2020 até 10 de junho de 2021;
  2. julgar, em tudo o mais, improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo, em consequência, na ordem jurídica, os atos sindicados de Liquidação de Retenções na Fonte de IRS n.º 2020 ... (2016), de Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2020 ... (2016), de Liquidação de IVA n.º 2020 ... (201506), de Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 ... (201506), de Liquidação de Juros de IVA n.º 2020 ... (201506) e de Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 ... (201506 - Juros) quanto ao montante de €82.732,66 (oitenta e dois mil e setecentos e trinta e dois euros e sessenta e seis cêntimos);
  3. condenar ambas as partes nas custas processuais, na proporção, que se fixa em atenção ao decidido, de 99% a cargo da Requerente e de 1% a cargo da Requerida.

 

VIII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do CPPT, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, fixa-se ao processo o valor de €82.732,66 (oitenta e dois mil setecentos e trinta e dois euros e sessenta e seis cêntimos), que constitui a importância objeto de impugnação nas liquidações sindicadas.

 

IX. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, ficando a percentagem de 99% a cargo da Requerente e de 1% a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de Junho de 2023

 

 

Os Árbitros,

 

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins

(Árbitro Presidente)

 

 

 

Rui Miguel Zeferino Ferreira

(Árbitro Vogal)

 

 

 

João Menezes Leitão

(Árbitro Vogal relator)