Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 316/2022-T
Data da decisão: 2023-07-18  IRC  
Valor do pedido: € 7.143,87
Tema: IRC; variações patrimoniais positivas; e ónus da prova
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SUMÁRIO:

 

I –   Os incrementos patrimoniais que não se encontrem refletidos no resultado do exercício e cuja sustentação não se enquadre em nenhuma das exceções do artigo 21.º, n.º 1, do CIRC são tributados como variações patrimoniais positivas.

 

II –  A Requerente não demonstrou, de modo concludente, que o lançamento a crédito (SNC # 268) correspondesse ao reconhecimento de um valor que o sócio pagou e/ou assumiu a responsabilidade de pagar por conta da empresa, pelo contrário, o lançamento tem como contrapartida a entrada efetiva de meios financeiros e não a anulação de quaisquer responsabilidades assumidas anteriormente pelo sócio por conta empresa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I - RELATÓRIO

 

  1. A..., S.A, doravante designada por  “Requerente”, pessoa coletiva ..., com sede na  Rua..., n.º...–..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência da notificação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2022 ... (e demonstração de acerto de contas 2022...), respeitante ao exercício de 2018, no valor  6 494,11 euros  de imposto e 649,76 euros de juros compensatórios, no valor total de  7 143,87 euros. A Requerente pretende, nomeadamente, a anulação da liquidação de IRC e dos respetivos juros compensatórios.

 

  1. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor  Presidente do CAAD em 12 de maio de 2022 e, de seguida, notificado à AT.

 

  1. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, no artigo 6.º, n.º 1 e no artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro – o Senhor Professor Doutor Leonardo Marques dos Santos, que comunicou a aceitação do encargo.

 

  1. Em 30 de junho de 2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. O Tribunal Arbitral  foi constituído em 19 de julho de 2022, tendo a Requerida sido notificada para apresentar resposta no dia 19 de julho de 2022.

 

  1. A Requerida apresentou, em 30 de setembro de 2022, Resposta,  na qual  defendeu  que: (i) perante as irregularidades observadas na contabilidade, os seus elementos deixaram de beneficiar da presunção de veracidade; (ii) quanto à relevação contabilística do montante de 271 926,39 euros a crédito da conta #2682210002 – acionistas/B..., atenta a sua natureza, não decorre, por si só, que o sócio tenha assumido responsabilidades e/ou pagamentos por conta da Requerente; (iii) a prova produzida não demonstra, sem margem para dúvidas, quando tais responsabilidades/pagamentos foram relevadas na contabilidade da Requerente; e (iv) não está demonstrado o momento em que a devolução/pagamento ao sócio, do valor recebido, foi concretizado, e quais os meios utilizados para a referida finalidade e, por isso, conclui pela improcedência e absolvição de todos os pedidos. Juntou ainda o processo administrativo (“PA”).

 

  1. A reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT realizou-se no dia 31 de janeiro  de 2023, tendo sido inquirida a testemunha – C... (legal representante da D..., S.A.).  O Tribunal Arbitral notificou, ainda, as partes para querendo apresentarem alegações finais escritas e simultâneas.

 

 

  1. A Requerente apresentou alegações finais escritas em 8 de fevereiro de 2023, tendo a Requerida entregue as suas alegações finais escritas em 13 de fevereiro de 2023 - as partes reiteraram os argumentos esgrimidos nos respetivos articulados iniciais.

 

  1. O árbitro signatário da decisão arbitral foi designado por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, datado de 27 de abril de 2023, tendo o processo sido disponibilizado na plataforma informática do CAAD no dia 17 de maio de 2023.

 

  1. Por despachos de 17 de janeiro de 2023, 16 de março de 2023, e 19 de maio de 2023, foi prorrogado o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, em virtude da tramitação processual e da interposição de períodos de férias judiciais.

 

Posição da Requerente

 

  1. A Requerente alega que a suprarreferida liquidação de IRC (e de juros compensatórios) é ilegal, pois padece do vício de violação de lei.

 

  1.  Vejamos, em concreto, os fundamentos:

 

 

  1.  o valor  recebido pelo sujeito passivo da E..., Lda. não se enquadra em nenhuma das alíneas a) a j), do n.º 1, do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), na medida em que a importância apenas foi recebida,  em virtude de o administrador (Senhor B...) ter adquirido parte de um crédito detido pela F..., Lda., em que a E..., Lda. era devedora;

 

  1. Posteriormente, a E..., Lda., declarou que pagaria a quantia em causa ao sujeito passivo (pois, o Senhor B... cedeu o crédito que detinha sobre a E... à Requerente, ficando esta última credora da E...) e este, assim que recebesse, pagaria ao Senhor B... .

 

  1. Sustenta, por isso, que não se trata de um incremento patrimonial, já que tal recebimento não gerou nenhum rendimento, porquanto, repete-se, o sujeito passivo recebendo da E..., Lda., teria de entregar tal quantia ao Senhor B... (que adquiriu o crédito à F..., Lda., sendo que esta última havia pago à D..., S.A., uma dívida da E..., Lda.).

 

  1. Acrescenta que não se verificou nenhum aumento do valor do património do sujeito passivo, bem como o aludido crédito sempre se movimentou na “Classe 2” e nunca na “Classe 5”, na medida em que o sujeito passivo recebendo da E..., Lda., terá de entregar tal quantia ao Senhor B... que adquiriu o crédito à F..., Lda. e já pagou.

 

 

  1. Advoga, ainda, que “parece” resultar que a Requerida não faz qualquer prova dos  factos constitutivos da existência da variação patrimonial, nem ataca a contabilidade de forma a fazer cessar a presunção de veracidade dos elementos contabilísticos.

 

  1. Peticiona, por último, o  reembolso do imposto pago e, paralelamente, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, desde o pagamento até à emissão da nota de crédito.

 

 

Posição da Requerida

 

  1. A Requerida defende que não se verificam as ilegalidades invocadas pela Requerente.

 

  1. Observa quanto ao vício de violação de lei, o seguinte:

 

  1. Demonstrou, em sede inspetiva,  que a presunção de veracidade de que beneficiam os elementos da contabilidade decaiu, perante a injunção normativa prevista no artigo 75.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (“LGT”), em concreto:

 

  1. Divergência verificada no valor do resultado líquido entre as declarações entregues pelo sujeito passivo: terceira e última declaração de IES e segunda e última declaração de rendimentos (modelo 22):

 

  1. Na última declaração de IES entregue, respeitante ao exercício de 2018 – 15/05/2020, foi declarado o resultado líquido de 299 318,00 euros e as contas foram aprovadas, por unanimidade, nesse mesmo dia;

 

  1. O registo das contas foi efetuado na Conservatória do Registo Comercial em 18/05/2020, contudo, em 12/07/2021, data posterior ao registo das contas, foi entregue a declaração de substituição modelo 22 de IRC, tendo sido declarado, no quadro 7, o resultado líquido de 407 563,64 euros, factos que indicam que a contabilidade foi alterada após a aprovação das contas pelos acionistas, o que contraria o Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”).

 

  1. Contrato de suprimentos celebrado em 22/05/2013 entre a Requerente (A..., S.A.), E..., Lda. e B...

 

  1. Defende que a contabilidade não reflete todas as operações realizadas, nomeadamente, não existirem saldos iniciais (na contabilidade) em 2018, que evidenciem que este contrato de suprimentos foi registado à data da celebração do mesmo – 2013.

 

  1. Contrato celebrado em 31/01/2014 entre B..., a Requerente (A...) e a E..., Lda.

 

  1. Alega que o contrato não se encontra registado na contabilidade, tendo apenas sido efetuado o registo do recebimento da E..., Lda., lançamento 90.003 do diário 0250.

 

  1. A Requerente efetuou, no momento do recebimento do valor em causa, o seguinte registo contabilístico (26):

 

  1. No lançamento 90.003 do diário 0250 foram movimentadas as seguintes contas:

Débito

12101 – Depósitos à ordem/BANCO ... – 1 130 000,00 euros

Crédito

2682210002 – Acionistas/B... – 256 250,00 euros + 271 926,39 euros

7923 – Dividendos obtidos com subsidiárias – 601 823,61 euros

 

  1. Assim, o património da Requerente sofreu uma variação positiva por acréscimo das disponibilidades financeiras, no montante de  1 130 000,00 euros, sendo que  esse acréscimo patrimonial se refletiu imediatamente  no resultado líquido, pelo valor de 601 823,61 euros, por ter sido registado a crédito numa conta resultados (7923).

 

  1. A parte restante foi registada  a crédito de uma conta de balanço, a conta SNC #268, cujos lançamentos/registos traduzem:

 

A débito: pagamentos efetuados pela empresa por conta dos sócios (acionistas), ou entregas para fazer face a despesas a suportar por estes de conta da empresa;

 

A crédito: pagamento dos sócios (acionistas) por conta da empresa e entrega destes, quer de valores líquidos para cobrir despesas por si efetuadas de conta da empresa, quer  de documentos comprovativos das despesas efetuadas e para as quais haviam recebido adiantamentos.

 

  1. Todavia, o lançamento a crédito tem como contrapartida uma entrada real e efetiva de meios financeiros por parte da empresa, e não a anulação de quaisquer responsabilidades assumidas anteriormente pelo sócio por conta da empresa.

 

  1. A conta não apresenta saldo nulo ou devedor, mas, como consta do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), o saldo inicial e final evidenciado na contabilidade pela referida conta #2682210002 – acionistas/B..., é credor, mantendo esta natureza praticamente ao longo de todo o ano:

 

 

 

  1. Atenta a natureza do saldo devedor desta conta, infere-se, que os lançamentos a crédito por contrapartida de entrada de meios financeiros na Requerente, corresponderão a empréstimos concedidos pela empresa aos sócios, e não a assunção de quaisquer responsabilidades por parte destes por conta da empresa.

 

  1. Ora, se esta é a natureza do movimento em questão, também essa realidade não se encontra refletida na contabilidade, como também não foram fornecidos quaisquer elementos que permitam concluir nesse sentido.

 

  1. Concomitantemente, da prova produzida também não consta qualquer elemento que permita concluir, sem margem para dúvidas, em que momento as responsabilidades e/ou pagamentos  foram assumidos pelo sócio, por conta da sociedade, quando foram registadas na contabilidade da Requerente.

 

  1. Assim, como decorre da natureza da conta em apreço, só em tal situação seria reconhecível a revelação contabilística do pagamento em causa, i.e., de um crédito em tal conta.

 

  1. Em resumo, perante a ausência de prova quanto à revelação contabilística, na esfera da Requerente, de todas as alegadas operações que se enquadrem na assunção de responsabilidades por parte do sócio por conta (da Requerente), que se subsumiriam numa potencial inexistência de uma variação patrimonial, a  sobredita correção dever-se-á manter.

 

  1. A  referida conclusão alicerça-se no facto de não bastar invocar a existência das alegadas obrigações, as mesmas  têm de se encontrar refletidas na contabilidade, na medida em que são os valores evidenciados nas demonstrações financeiras que revelam a real e verdadeira situação patrimonial de uma entidade, por  respeito com os princípios e regras previstos no SNC – artigo 17.º.º, n.º 3, do CIRC.

 

 

SANEAMENTO

 

  1.  O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer o pedido arbitral de anulação dos atos de liquidação suprarreferidos.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 11  de maio de 2022, no prazo de 90 dias, a contar do termo final do prazo de pagamento voluntário da liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios (17 de março de 2022), conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

  1. Não existem exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

                             

31. Questões a Apreciar

 

  1. Se a liquidação adicional de IRC (e de juros compensatórios) é ilegal, por padecer do vício de violação de lei;
  2. Se a Requerente tem direito ao reembolso do imposto que estima ter sido indevidamente pago;
  3. Se  a  Requerida deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

 

32. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

 

32.1 A Requerente é uma sociedade comercial  constituída em 2010 e com o seguinte objeto social: compra, venda e revenda de bens imóveis, bem como o arrendamento dos mesmos, consultoria  e apoio à gestão e dinamização dos negócios nacionais e internacionais, inscrita com o CAE principal 68100. (PA)

 

32.2 A alteração do  objeto social da Requerente foi registada,  em 2 de fevereiro de 2018, tendo, a partir da referida data, passado a integrar a  gestão  de ativos imobiliários e mobiliários; promoção imobiliária; gestão e exploração de imóveis; construção civil; e  arrendamento e gestão de imóveis próprios. (PA)

 

 32.3 A Requerente estava enquadrada, no exercício de 2018, no regime geral de IRC. (PA)

 

32.4 O capital social (100 000,00 euros) da Requerente era, no exercício de 2018, detido pela G..., Lda., tendo como administradora – H... . (PA)

 

32.5 À data da inspeção, o capital social (1 005 000,00 euros) era detido por B..., sendo administradores H... e o próprio (B...). (PA)

 

32.6 A Requerente foi detentora de 45% do capital social da E..., Lda., pessoa coletiva n.º ..., tendo a transmissão da referida participação social (de 4500 euros) para a I..., S.A., pessoa coletiva n.º..., sido objeto de registo, em 19 de novembro de 2018. (PA)

 

32.7 No dia 14 de maio de 2018 foi celebrado contrato de transmissão de crédito de suprimentos entre os seguintes contratantes – B..., contribuinte n.º ... (Primeiro Contraente); G... (Segunda Contraente – sociedade de direito angolano); e a Requerente. (PA)

 

32.8 No teor dos considerandos do contrato descrito no número anterior consta, nomeadamente,  o seguinte:

 

Na mesma data de celebração do contrato de transmissão de crédito de suprimentos  (14 de maio de 2018) foi celebrado contrato de compra e venda de ações, pelo qual o Primeiro Contraente (B...) vendeu à Segunda Contraente (G..., Lda.), 15 000 ações ordinárias, com o valor nominal de 5 euros/cada, com o valor nominal global de  75 000,00 euros, representativas de 75% do capital social da Terceira Contraente (a Requerente);

 

O Primeiro Contraente (B...), enquanto acionista que foi da Terceira Contraente (A..., S.A. – a Requerente),  realizou suprimentos na sociedade [Requerente], no montante global de  527 000,00 euros.

 

(PA)

 

32.9 Constitui objeto do contrato de transmissão de crédito de suprimentos (descrito em 32.7), a (transmissão) pelo Primeiro Outorgante (B...) de créditos por si realizados na A..., S.A., a título de suprimentos, no montante global de 527 000,00 euros à Segunda Contraente (G..., Lda.), pelo valor nominal. (PA)

 

32.10 Integram ainda o objeto do referido contrato, sem alteração do preço de transmissão, quaisquer prestações acessórias, prestações suplementares, direito a lucros ou quaisquer outros créditos, de que o Primeiro Contraente seja ou venha a ser titular sobre a Requerente. (PA)

 

32.11 Foi celebrado, no dia 14 de maio de 2018, outro contrato de transmissão de crédito de suprimentos, nos termos do anteriormente descrito, embora com a alteração da Primeira Outorgante que, neste caso, é J...,  contribuinte n.º... e da quantidade de ações vendidas da Requerente (5000), representativas da restante percentagem do capital social (25%).(PA)

 

32.12 Os referidos  contratos foram registados na contabilidade (da Requerente) da seguinte forma (lançamento 50.002 do diário 0250):

 

 

Identificação da conta

Débito

Crédito

2682210003–B.../J...

 327 000,00 euros

 

2682210002 – B...

327 000,00 euros

 

2682210005 – G...

 

654 000,00 euros

53301 – Outros instrumentos de capital próprio/B...

200 000,00 euros

 

53302 – Outros instrumentos de capital próprio/ J...

200 000,00 euros

 

53305 – Outros instrumentos de capital próprio /G...

 

400 000,00 euros

 

(PA)

 

32.13 A conta 2682210005 – G... foi ainda creditada, em 2018, pelo montante de  1 950 000,00 euros, por débito da conta 12101 – BANCO ..., lançamento 50.003 do diário 0250. (PA)

 

32.14 O montante de 1 950 000,00 euros corresponde às transferências bancárias efetuadas pela K... Limited, como atestam os extratos bancários, apresentados como suporte contabilístico ao lançamento 50.003 do diário 0250 e da seguinte forma:

                

 

Data

Descritivo

Valor

4 de maio de 2018

OPR n.º … –K… Limited

300 000,00 euros

2 de janeiro de 2018

OPR n.º … –K… Limited

250 000,00 euros

Julho de 2017

Ilegível

1 000 000,00 euros

17 de junho de 2016

OPR n.º … – K…Limited

400 000,00 euros

Total

1 950 000,00 euros

 

(PA)

 

32.15 A Requerente, durante o procedimento de inspeção, declarou que não existe qualquer relação entre a K... Limited e a A..., a K... emprestou dinheiro à A... que, por lapso, foi levado à conta do administrador. (PA)

 

32.16 A Requerente celebrou cinco contratos com a K... Limited, com escritório na ..., Hong Kong, constando a primeira com a qualidade de mutuária e a segunda como “emprestadora”. (PA)

 

32.17 Os contratos foram celebrados nas datas e valores infra descritos:

 

 

Data do contrato

Valor do empréstimo

16 de maio de 2016

 400 000,00 euros

28 de junho de 2017

1 000 000,00 euros

27 de dezembro de 2017

250 000,00 euros

30 de abril de 2018

300 000,00 euros

11 de setembro de 2018

350 000,00 euros

Total

2 300 000,00 euros

 

(PA)

 

32.18 O montante de 350 000,00 foi registado, em 2018, a débito da conta 12101 – BANCO ..., por crédito da conta 278221110029 – outros credores/K... Limited. (PA)

 

32.19 Os restantes valores foram registados, a crédito da conta 2682210002 – B... . (PA)

 

32.20 A Requerente, apesar da origem do montante de 2 300 000,00 euros (empréstimos),  registou  1 950 000,00 euros, a crédito da conta do acionista e administrador, B... e, 350 000,00 euros, a crédito da conta 27821110029 – outros credores/L... . Assim, não utilizou, no seu registo contabilístico, a conta 25 – financiamentos obtidos. (PA)

 

32.21 A conta do administrador – B...-  apresentava, em 2018, os seguintes montantes:

 

Rubrica

Débito

Crédito

Saldo inicial

 

1 271 004,60 euros

Acumulado a débito no período

2 298 544,34 euros

 

Acumulado a crédito no período

 

1 157 392,70 euros

Saldo inicial

 

129 852,96 euros

 

 (PA)

 

32.22 A Requerente movimentou, no âmbito dos recebimentos da E..., Lda., no lançamento  90.003 do diário 0250, as seguintes contas:

 

(i) Débito

12101 – Depósitos à ordem/BANCO ... – 1 130 000,00 euros

 

(ii) Crédito

 

2682210002 – Acionistas/B...– 256 250,00 euros + 271 926,39 euros

 

7923 – Dividendos obtidos de subsidiárias – 601 823,61 euros

 

(PA)

 

32.23 O contrato celebrado entre B... (Primeiro Contraente), a Requerente (Segunda Contraente) e a E..., Lda. (Terceira Contraente), através do qual o Primeiro Contraente, na qualidade de acionista da Segunda Contraente, que é sócia da  Terceira Contraente, liquidou em nome e por conta da Segunda Contraente, o montante de 271 926,39 euros à D..., S.A., não se encontrava registado na contabilidade  à data da inspeção (tendo sido efetuado o registo do recebimento da E..., Lda, lançamento 90.003 do diário 0250). (PA)

 

32.24 A F..., Lda. pagou,  em abril de 2012, a quantia de 2 033 477,60 euros à D..., S.A. (Documento junto pela Requerente sob o n.º 3)

 

32.25 O procedimento inspetivo à Requerente iniciou-se com a assinatura da Ordem de Serviço, respeitante ao exercício de 2018, em 9 de setembro de 2021. (PA)

 

32.26 A Ordem de Serviço foi de natureza parcial (IRC) e durante o procedimento inspetivo passou a incluir o IRC e o IVA. (PA)

 

32.27 O  RIT  promoveu, em IRC, alterações ao lucro tributável, no montante de 271 926,39 euros – questão do pagamento à D..., S.A. do referido valor.  (PA)

 

32.28 Os fundamentos  da referida correção, vertidos no RIT, são os seguintes:

 

A sociedade E..., Lda., declara que foi paga pela A..., S.A. – Anexo 5, a dívida no montante de 271 926,39 euros de exercício anterior, que tinha para com o seu fornecedor, D..., S.A., conforme referido anteriormente no ponto II.3.4 do presente relatório.

Esta dívida da E..., Lda. não se encontrava registada na contabilidade da A... . O seu registo foi efetuado apenas em 2018, pelo recebimento desta importância da E..., Lda., contudo, o recebimento foi registado na A... por débito de bancos e por crédito da 2682210002 – B... .

Face ao exposto, foi solicitado por correio eletrónico de 07/10/2021 – Anexo 1, a indicação do ano em que a A... efetuou o pagamento da importância de 271 926,39 euros à sociedade D..., por conta  da E... e apresentação de documento comprovativo desse pagamento, bem como o diário do respetivo lançamento contabilístico.

Assim, embora solicitada, não foi apresentada documentação comprovativa do pagamento pela A..., S.A., do montante em causa à D..., S.A.

Por este motivo e para efeitos de cruzamento de informação, foi aberto o despacho DI202103383, em nome da sociedade D..., S.A., com o NIPC... .

No âmbito do referido despacho, foi enviado o ofício n.º... de 24/05/2021 – Anexo 8, no qual foi solicitada resposta ao seguinte:

 

  1. Apresentar extrato de conta do vosso cliente e/ou fornecedor E... Lda., com o NIPC...;
  2. Caso a conta de  cliente e/ou fornecedor disponha de saldo inicial em 2018, indicar a que respeita ou enviar o histórico dessa conta corrente;
  3. Informar se em 2018 receberam importâncias devidas pela E... Lda, e, em caso afirmativo, apresentar os documentos bancários dessas importâncias.

 

Em resposta foi obtida a informação de que não têm qualquer tipo de transação com a referida entidade  desde o ano de 2010, tendo todos os saldos em aberto sido regularizados em 2011 – Anexo 8.

 

Assim, não devendo a E..., Lda. qualquer valor à D..., S.A. desde 2011, não se compreende a realização do contrato em 2014, respeitante a dívida da E... a este fornecedor. Acresce que solicitada a apresentação do documento bancário comprovativo do pagamento da importância de 271 926,39 euros  pela A... à D..., S.A., por conta da E..., Lda., não foi o mesmo apresentado.

 

Do exposto, resulta que o contribuinte não comprovou o pagamento da importância de 271 926,39 euros à D..., S.A,, por conta da E..., Lda.

Por este motivo não se considera haver lugar ao pagamento desta importância pela E... à A... .

 

Resulta dos factos acima descritos, que a A..., S.A. recebeu a importância em causa, sem que tenha comprovado a que respeita, obtendo  desta forma uma variação patrimonial.

 

(…)

A variação patrimonial positiva obtida pela A..., S.A, não se enquadra em nenhuma das exceções elencadas  no n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, pelo que constitui um incremento patrimonial obtido no exercício de 2018, a acrescer no quadro 7 da declaração de rendimentos.

 

(PA)

 

32.29 A Requerente foi, em consequência, notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2022 ... e de juros compensatórios, no valor total de 7 143,87 euros. (Documento 6 junto pela Requerente)

 

32.30 O pagamento do montante da referida liquidação adicional de IRC e dos juros compensatórios foi efetuado, pela Requerente, no dia 9 de fevereiro  de 2022. (Documento 6 junto pela Requerente)

 

32.31 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 11 de maio de 2022 -(Sistema informático do CAAD).

 

33.Factos não provados

 

33.1 Que a E..., Lda. devesse qualquer valor à D..., S.A, desde 2011.

 

33.2 Que 1 226 533,20 euros do pagamento efetuado pela F..., Lda. se destinavam à liquidação da dívida da E..., Lda à D..., S.A.

 

33.3 Que a A..., S.A. tenha efetuado o pagamento, de 271 926,39 euros,  à D..., S.A., por conta da E..., Lda.

 

34. Fundamentação dos factos provados e não provados

 

O Tribunal Arbitral, quanto à matéria de facto, não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2, do artigo 123.º do CPPT, do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi alíneas a) e e), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova testemunhal produzida e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, nos quais se descreve a respetiva fonte.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

No que tange à matéria não assente,  o vertido em 33.1  tem por fonte o facto de a   D..., S.A., durante o procedimento inspetivo, ter afirmado que não tinha qualquer tipo de transação com a E..., Lda., desde 2010, tendo todos os saldos, em aberto, sido regularizados em 2011 e como observa a jurisprudência[1]:

 

A prova testemunhal sendo um dos meios de prova admissível em direito não se basta se não se ancorar em outra prova objetiva e mais segura, por exemplo, assente em documentos registados na contabilidade da empresa, como atas ou acordos, consabido que no âmbito da contabilidade e fiscalidade os factos esteam-se no campo documental, (princípio da documentação artigo 23.º, n.º1, 115.º e 121.º do CIRC) sendo a prova testemunhal complementar, atendendo, nomeadamente, ao seu caráter mais volátil, naturalmente, ligada às contingências da incerteza e inconstância desta prova.

As inconsistências documentais da contabilidade implicam que a escrita ou a contabilidade sofra um sério abalo na sua presunção de veracidade.

 

Ou seja, no caso concreto,  essa prova objetiva não existe, o contrato através do qual o acionista da Requerente (B...) liquidou em nome e por conta da A..., S.A., que é sócia da E..., Lda.,  o montante de 271 926,39 euros à D..., S.A., não se encontrava igualmente registado na contabilidade. 

            Acrescenta-se ainda, na mesma linha, que foi precisamente o que declarou, durante o procedimento inspetivo, a   D..., S.A., por intermédio da sua Diretora de Contabilidade e Fiscalidade, ou seja, que a sociedade não tem qualquer tipo de transação com a referida entidade desde 2010, tendo os saldos em aberto sido regularizados em 2011.

Já no que respeita à determinação como não provado do facto constante em 33.2 , a Requerente advoga que, perante a prova documental (teor do e-mail de 15 de outubro de 2021 enviado à E..., Lda. e do documento datado de 1 de junho 2012) seriam idóneos para a prova da factualidade em causa.

Sucede, no entanto, que o referido e-mail foi enviado (15 de outubro de 2021) já após o início do procedimento de inspeção tributária (9 de setembro de 2021),  para um pagamento que  alegadamente ocorreu em 2012; a contabilidade não refletia o alegado pela Requerente e, como observa a jurisprudência, a prova testemunhal não se basta se não se ancorar, por exemplo, em documentos registados na contabilidade da empresa.

Defende ainda a Requerente que, pela prova documental junta (carta/documento de 1 de junho de 2012), como pela prova testemunhal (C...), em relação ao pagamento efetuado em abril de 2012, da quantia de 2 033 477,60 euros,  1 226 533,20 euros respeitam única e exclusivamente à liquidação da dívida da E..., Lda., à D..., S.A. (os saldos entre a E..., Lda. e a D..., S.A. são, em 26 de maio de 2012,  iguais a zero). Note-se ainda que o documento não está acompanhado de qualquer registo ou aviso de receção.

O facto descrito em 33.3 não foi dado como provado, pois não foi junto qualquer documento bancário com aptidão para  o referido fim.

Por último, no que respeita à motivação de toda a matéria  facto não assiste razão à Requerente quando advoga que “[a] AT não faz qualquer prova dos factos constitutivos da existência da variação patrimonial, nem ataca a contabilidade de forma a fazer cessar a presunção de veracidade dos elementos contabilísticos”.  Sucede, no entanto, que durante o procedimento de inspeção, nos articulados apresentados nos autos, verificou-se que a AT suscitou dúvidas e desenvolveu argumentos com aptidão para ilidir a presunção prevista no artigo 75.º da LGT, quanto à veracidade dos elementos apresentados pela Requerente. Competia, assim, à Requerente provar a materialidade das operações em questão tendo em conta a matéria de direito que alega, quer relativamente aos factos cuja presunção de veracidade foi ilidida, quer relativamente aos factos que padeciam de inexatidões e insuficiências e, nessa medida, não gozavam da referida presunção.

 

35.MATÉRIA DE DIREITO

 

Correção de 271 926,39 euros (IRC), exercício de 2018

 

O Tribunal Arbitral deve determinar se a Requerente, ao ter recebido 271 926,39 euros , deveria, ou não, ter registado uma variação patrimonial positiva que concorre para a formação do lucro tributável do exercício de 2018.

            Impõe-se, assim, proceder ao enquadramento normativo à data dos factos e, posteriormente, à sua interpretação com vista à subsequente aplicação ao caso sub iudice.

O artigo 23.º do CIRC dispõe que:

 

1 — Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:

 

a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio;

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota;

d) As relativas a impostos sobre o rendimento.

e) O aumento do capital próprio da sociedade beneficiária decorrente de operações de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de partes sociais, com exclusão da componente que corresponder à anulação das partes de capital detidas por esta nas sociedades fundidas ou cindidas.

2 — Para efeitos da determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado, não podendo ser inferior ao que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo.

 

            Uma variação patrimonial, “[s]e quantitativa, corresponde a uma alteração do valor do património da entidade. No caso de um aumento patrimonial, por revelar, manifestamente, capacidade contributiva, temos uma variação patrimonial positiva e, por isso, tributável.

  1. Para efeitos de determinação do lucro tributável, ao resultado líquido do período  estribado na contabilidade do sujeito passivo serão de somar as variações patrimoniais positivas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado (artigo 17º, n.º 1). Maxime, os ganhos que no exercício sejam contabilizados em contas de reservas ou de resultados transitados e que concorram para a formação do lucro tributável.

(…)

Por exemplo, um depósito efetuado na conta bancária de um sujeito passivo, sem que a este caiba qualquer obrigação efetiva que se lhe associe, é definível como variação patrimonial positiva, pois uma tal entrada de capital permite-lhe diminuir os seus passivos, sem qualquer contrapartida firme e indiscutível[2].

 

Já GUSTAVO COURINHA[3] observa que as “[v]ariações patrimoniais são uma demonstração da pretensão de completude do IRC e da proximidade ao rendimento real (de que são um corolário), não deixando zonas por tributar. Elas ultrapassam  os meros resultados contabilisticamente registados pela empresa e relevados fiscalmente e abarcam quaisquer outras oscilações de património (acréscimos ou decréscimos) apuradas no período de tributação”.

Uma variação patrimonial corresponde a uma alteração de capitais próprios da sociedade, caso estejamos perante uma variação patrimonial positiva deverá traduzir-se no aumento dos capitais próprios, isto é, em rendimento obtido ou em anulação de um  gasto, que é contabilizado em conta de capitais próprios e não numa conta de rendimentos (classe 7 do SNC) ou numa redução de gastos (classe 6 do SNC). Uma variação patrimonial positiva  corresponde aos  acontecimentos que fazem aumentar o património líquido da empresa sem que esse (aumento) tenha passado a integrar os capitais próprios por via do resultado líquido do período[4].

Em resumo, todas as variações patrimoniais que não estejam refletidas no resultado líquido do período de tributação são consideradas para efeitos de determinação do lucro tributável, salvo se se encontrarem expressamente excluídas pelo legislador – artigo 21.º, n.º 1, alíneas a) a e), do CIRC.

Vejamos a questão sub iudice.

Como já se concluiu, a AT suscitou dúvidas e construiu argumentos bastantes para  ilidir a presunção constante do artigo 75.º  da LGT, no que respeita aos elementos apresentados pela Requerente.

Competia, assim, à Requerente demonstrar que, apesar de a dívida da E..., Lda.  de 271 926,39 euros à D..., S.A não estar registada na contabilidade da Requerente (somente foi efetuado em 2018, pelo recebimento desta importância da E..., Lda.), tendo o recebimento sido registado na contabilidade da Requerente, por débito de bancos e por crédito da 2682210002 – B..., não se verificou uma variação patrimonial positiva,  considerando a matéria de direito que alega.

No caso concreto, resulta da contabilidade da Requerente que foi para si realizada uma transferência patrimonial subsumível ao conceito de variações patrimoniais positivas, não se verificando qualquer das exceções previstas no artigo 21.º do CIRC. Não foi realizada prova consistente de que 271 926,39 euros, registados a crédito numa conta balanço (SNC #268) e cujos lançamentos se traduzem: (i) A Débito: pagamentos efetuados pela empresa por conta dos sócios (acionistas), ou entregas para fazer face a despesas a suportar por estes de conta da empresa; e (ii) A Crédito: pagamento dos sócios (acionistas) por conta da empresa e entrega destes, quer de valores líquidos para cobrir despesas por si efetuadas de conta da empresa, quer de documentos comprovativos das despesas efetuadas e para as quais haviam recebido adiantamentos, gerou um saldo nulo ou devedor, representando, o montante a receber pela empresa da sua sociedade mãe por empréstimos que lhe tenha concedido. Ou, dito de outro modo, que o lançamento a crédito correspondesse ao reconhecimento de um valor que o sócio pagou ou assumiu a responsabilidade de pagar por conta da empresa.

Deste modo, o lançamento não envolve a anulação de quaisquer responsabilidades assumidas anteriormente pelo sócio por conta da empresa, improcede, assim, a pretensão anulatória da liquidação adicional de IRC.

 

Juros compensatórios

 

No que respeita aos juros compensatórios, o  artigo 35.º, n.º 1,  da LGT dispõe que: “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

No caso concreto, verifica-se um nexo de causalidade entre a conduta da Requerente e o atraso na liquidação do imposto, senão por dolo, pelo menos a título de negligência. A conduta da Requerente é ilícita e merece censura, pois, não foi registado o montante de  271 926,39 euros como variação patrimonial positiva.

Não tendo sido invocados vícios autónomos em relação ao ato de liquidação de juros compensatórios, julga-se improcedente a pretensão anulatória.

 

Restituição do imposto e juros indemnizatórios

 

A Requerente não tem direito à restituição do imposto que sustentou ter sido pago em excesso, pois a correção que colocou em crise é legal.

       Paralelamente, a apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução alcançada, devendo o pedido ser julgado improcedente.  

 

Conclusão

 

Improcede, assim, o pedido de anulação dos atos tributários objeto dos presentes autos, pois a Requerente não logrou provar, de modo concludente, o que alega: o pagamento da importância de 271 926,39 euros à D..., S.A., por conta da E..., Lda. Assim, se a Requerente recebeu a referida importância e não  a registou fiscalmente como variação patrimonial positiva, o  Tribunal Arbitral entende, perante o supra exposto, manter  a correção discutida e apreciada nestes autos.

Improcede, ainda, o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios, perante o nexo de causalidade entre a atuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e a imputação da omissão, pelo menos, a título de negligência.

Deste modo, não tem a Requerente direito à restituição do imposto pago e improcede o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação da correção de  IRC  efetuada, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação adicional n.º 2022..., incluindo os juros compensatórios;

 

  1. Julgar improcedente o pedido de restituição do imposto pago e da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios;

 

  1. Condenar a Requerente no pagamento integral de custas arbitrais.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 7 143,87 euros, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

 

Custas no montante de 612 euros, em conformidade com o RCPAT e a Tabela I a este anexa e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 18  de julho de 2023

 

O árbitro,

                                                                                               

 

Francisco Nicolau Domingos

 

 

 

 



[1] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 8 de julho de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 00873/11.1BEPRT.

[2] RUI MARQUES, Código do IRC – Anotado e Comentado, 2.ª edição, Almedina, 2020, pp. 202-203.

[3] Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, p. 93.

[4] Decisão arbitral n.º 377/2020-T, de 7 de julho de 2021.