Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 353/2015-T
Data da decisão: 2016-01-25  IUC  
Valor do pedido: € 11.378,69
Tema: IUC – Incidência subjetiva
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede no Edifício..., Lote..., 2.º andar, em Lisboa, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra os actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e juros compensatórios relativos aos períodos de 2011 a 2014 e aos veículos automóveis que, em tabela anexa à petição, identifica pelo respectivo número de matrícula. Como consequência da referida anulação, requer a condenação da Administração Tributária ao reembolso da importância que considera indevidamente paga, no montante global de € 11 378,69, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 2 de Junho de 2015, a Requerente alega, em síntese, que, em todos os casos abrangidos pelo pedido de pronúncia arbitral o imposto liquidado respeita:

- A veículos que, em momento anterior à data da exigibilidade do IUC, haviam já sido objecto de transmissão, por contrato de compra e venda;

ou que

- se encontravam entregues aos respectivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira então em vigor; ou, ainda, que tendo sido objecto de locação os locatários se encontravam em situação de incumprimento sem que, contudo, tivessem restituídos os bens locados a ela locadora.

 

3. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade requerida, suscitando, porém, questões prévias relativas à falta de junção das liquidações de IUC que constituem objecto do pedido bem como de documentos para comprovar o alegado.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 15 de Junho de 2015.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 28 de Julho de 2015.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 12 de Agosto de 2015.

 

8. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Por despacho de 4 de Novembro de 2015 foi designado o dia 15 do mesmo mês para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Oportunamente notificadas as Partes, veio a Requerida solicitar a dispensa da realização da referida reunião. Com a concordância da Requerente e atento o conhecimento que decorre das peças processuais, julgado suficiente, foi aceite o pedido de dispensa, sendo facultada às Partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas.

 

11. Não foram apresentadas alegações. Contudo, a Requerente remeteu, para serem juntas aos autos, cópias das liquidações impugnadas, ao que se opõe a Requerida com fundamento na extemporaneidade dessa junção.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base na prova documental junta aos autos, se consideram provados:

 

12.1. A Requerente é uma instituição financeira de crédito, sujeita à supervisão do Banco de Portugal.

 

12.2. No âmbito da sua actividade, concede financiamentos destinados à aquisição de viaturas automóveis, nomeadamente através da celebração de contratos de locação financeira.

 

12.3. A Requerente foi oportunamente notificada de actos de liquidação oficiosa de IUC, relativas aos períodos de imposto e veículos identificados em tabela anexa à petição, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, no montante global € 11 378,69, sendo € 11 066,99 respeitante a imposto e € 311,70 a juros compensatórios.

 

13. Não se consideram provados os demais factos alegados pela Requerente.

 

III. Cumulação de pedidos

 

14. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IUC. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à cumulação de pedidos.

 

IV. Matéria de direito

 

15. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade dos actos de liquidação de IUC, relativos aos períodos de 2011 a 2014 e aos veículos que identifica em tabela anexa ao referido pedido, invocando a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, terem os veículos sido já objecto de transmissão para terceiros ou se encontrarem entregues aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira, em que figura como locadora, a maioria dos quais teria já atingido o termo de vigência sem que o locatário tivesse exercido a opção de compra, nem procedido à devolução do veículo locado. Pelo que, consequentemente, não assume a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

16. Está, pois, em causa determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e períodos a que o tributo respeita, devidamente identificados no pedido, que haviam sido já transmitidos a terceiros ou relativamente aos quais haviam sido celebrados contratos de leasing, ainda que as transmissões ou tais contratos não tendo sido objecto de registo junto da Conservatória de Registo Automóvel, neste se mantendo identificado como proprietário, a locadora.

 

17. Relativamente a este matéria, dispõe o artigo 3.º do CIUC, nos seus números 1 e 2, que:

 

"1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes co reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação"

 

18. Segundo entendimento da Requerida, a referida norma não comporta qualquer presunção legal, considerando que "o legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2 as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados."

 

19. Por seu lado, sustenta a Requerente que aquela norma consagra uma presunção legal, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária segundo o qual as presunções de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

Questões prévias

 

20. Sintetizados os elementos factuais relevantes bem como as posições que, em matéria de interpretação do direito aplicável, vêm sustentadas pelas Partes, importa, antes de mais, analisar e decidir as questões prévias suscitadas pela Requerida as quais têm a ver com o facto de a Requerente não ter juntado ao pedido cópias das liquidações impugnadas nem documentos que, no entender da Requerida, seriam necessários para comprovar o alegado.

 

21. Considera a Requerida que " o presente pedido de pronúncia arbitral é no mínimo irregular, por clara a manifesta violação do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, não tendo a Requerente junto aos autos os actos tributários respeitantes às liquidações de IUC, cuja legalidade pretende sindicar neste tribunal arbitral."

 

22. No entender da Requerida, os referidos elementos deveriam ter sido apresentados no requerimento do pedido de pronúncia arbitral, concluindo, assim, que não tendo tal sido feito se encontra precludida a possibilidade de o fazer em momento ulterior.

 

23. E, com tal fundamento, vem a Requerida sustentar que "a ora Requerente não faz qualquer prova da tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral relativamente a todas as outras liquidações impugnadas".

 

24. Relativamente a esta questão, considera o Tribunal que estando as liquidações impugnadas devidamente identificadas pela Requerente no pedido que formulou, constando de tabela que lhe é anexa a identificação de cada veículo, por indicação do respectivo número de matrícula, o período a que o imposto respeita bem como o número do correspondente documento de cobrança, não assume relevância para a decisão os documentos a que a Requerida se refere.

 

25. Com efeito, os referidos documentos constituem documentos oficiais, emitidos pela própria Administração Tributária, constantes dos respectivos registos, nomeadamente informáticos, não podendo deixar de integrar o respectivo processo administrativo, porquanto a notificação da liquidação constitui, nos termos legais, condição de eficácia desta.

 

26. Considera, ainda, a Requerida não terem sido juntos ao pedido documentos que poderiam sustentar a tese defendida pela Requerente, designadamente comprovativos do pagamento do imposto e juros compensatórios, recebimento do preço de venda das viaturas e incumprimento contratual.

 

27. Tal não corresponde, porém, à realidade dos factos. Com efeito, a Requerente apresentou os elementos de prova que considerou relevantes, designadamente cópias de 2.ªs vias de facturas que titulariam as alegadas vendas e cópias dos contratos de leasing celebrados. Se os documentos apresentados constituem ou não prova bastante do que vem alegado pela Requerente, caberá ao Tribunal decidir.

 

28. Do exposto resulta, pois, ter-se por inconsistentes a questões prévias suscitadas pela Requerida, reconhecendo-se estarem identificados com precisão os actos tributários impugnados e terem sido apresentados documentos que visam fazer prova do que vem alegado pela Requerente.

 

29. Pelo que, consequentemente, o Tribunal considera improcedentes as questões prévias suscitadas pela Requerida.

 

Do mérito do pedido

 

30. Esta matéria tem vindo a ser objecto de numerosas decisões no âmbito dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, em geral no sentido da procedência dos respectivos pedidos, com o fundamento de que a norma em causa encerra uma presunção legal que admite prova em contrário [i].

 

31. Aderindo sem reservas à posição acima referida, dispensa-se, por desnecessária e fastidiosa, a reprodução da respectiva fundamentação, porquanto no presente processo nada de novo se adianta nessa matéria.

 

32. Concluindo-se, na esteira da orientação que invariavelmente vem sendo seguida pela jurisprudência arbitral, que a norma de incidência subjectiva do IUC consagra uma presunção ilidível, importa analisar-se a documentação oferecida pela Requerente no sentido de se saber se a mesma constitui, ou não, prova bastante para a sua elisão.

 

33. Como acima referido, em sede de matéria factual, são várias as situações a que se refere o presente pedido:

 

- As liquidações respeitam a veículos que teriam sido já objecto de transmissão à data da exigibilidade do imposto;

 

- As liquidações respeitam a veículos que são objecto de contratos de locação financeira ou que, tendo-o sido, os locatários entraram em situação de incumprimento do contrato, sem devolução do veículo locado.

 

34. Relativamente à situação primeiramente referida são apresentadas, como elemento de prova, cópia de 2.ªs vias das facturas que titulariam a transacção e, quanto à segunda, cópia dos contratos de locação financeira.

 

Da elisão da presunção

 

35. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem.

 

36. No presente caso, a Requerente não utilizou aquele procedimento específico, pelo que o presente pedido de decisão arbitral é meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjectiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui objeto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do RJAT).

 

37. Figurando a Requerente no Registo Automóvel como proprietária dos veículos identificados no pedido no período de tributação a que as questionadas liquidações respeitam e tendo os veículos em causa, na data da exigibilidade do imposto, passado já para a propriedade de terceiros, por contratos de compra e venda, ou, noutros casos, encontrando-se cedidos a terceiros ao abrigo de contratos de leasing, resta avaliar-se a prova apresentada, no sentido de se determinar se é a mesma bastante para ilidir a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código ou para fixar regra de incidência a subjectiva prevista no n.º 2 do mesmo artigo.

 

38. Para elisão da referida presunção, derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente oferece cópia de 2.ªs vias das facturas de venda bem como cópia dos contratos de locação financeira.

 

Da elisão da presunção com base nas facturas comerciais

 

39. Pronunciando-se sobre a prova documental apresentada, alega a Requerida que as faturas juntas aos autos não constituem documentos idóneos a efetuar a prova pretendida no sentido de não ser a Requerente proprietária dos veículos nos períodos de tributação a que se reportam as liquidações em causa.

 

40. Nesse sentido, sustenta a Requerente que "As facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e, a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes."

 

41. Além do aspecto acima referido, a Requerida assinala que da análise das 2.ªs vias das faturas juntas pela Requerente se pode verificar que as mesmas apresentam no seu descritivo menções distintas.

 

42. Com efeito, salienta a Requerida, "A título de exemplo, veja-se a factura referente ao veículo ...-...-... se pode ler "VENDA NÃO LOCADO", a factura referente ao veículo ...-...-... se pode ler "RESCISÃO", veículo ...-...-... "VENDA DE BEM EM CRÉDITO", a factura referente ao veículo ...-...-... "PERDA TOTAL SEGURADORA".

 

43. Perante as discrepâncias assinaladas sustenta a Requerida que estando em causa "um suposto único tipo contratual (i, e, contrato de compra e venda de veículo automóvel) seria expectável constatar a existência de um descritivo uniforme, o que não se verifica no caso vertente, dado que diversas facturas juntas ao pedido de pronúncia arbitral incluem descritivos diferentes, pelo que forçosamente se é levado a concluir pela existência de duas realidades distintas."

 

44. Pelo que conclui a Requerida que "mostrando-se as facturas desconformes, como se mostram, então forçoso é concluir que tais documentos jamais podem beneficiar da presunção de verdade a que alude o artigo 75,º da LGT."

 

45. Está, pois, em causa, saber se as faturas que titulam transações comerciais constituem elemento de prova para elisão da presunção constante do artigo 3.º do CIUC e, se assim se admitir, se as cópias de faturas apresentadas pela Requerente constituem prova bastante para o efeito.

 

46. Para tanto, importa ter-se presente que, na situação em análise, se está perante contratos de compra e venda que, relativos a coisa móveis e não estando sujeitos a qualquer formalismo especial (C.Civil, art. 219.º), operam a correspondente transferência de direitos reais (C.Civil, art. 408.º, n.º 1).

 

47. Tratando-se de contratos que envolvem a transmissão da propriedade de bens móveis, mediante o pagamento de um preço, têm aqueles, como efeitos essenciais, entre outros, o de entregar a coisa (C.Civil, arts. 874.º e 879.º).

 

48. No entanto, estando em causa um contrato de compra e venda que tem por objeto um veículo automóvel, em que o registo é obrigatório, o seu cumprimento pontual pressupõe a emissão da declaração de venda necessária à inscrição no registo da corresponde aquisição a favor do comprador, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.[ii] Tal declaração, relevante para efeitos de registo, poderá constituir prova da transação, mas não constitui o único ou exclusivo meio de prova da transação. 

 

49. Para efeitos registrais, também não é exigível qualquer formalismo especial, bastando a apresentação à entidade competente de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor que, através de declaração de venda, confirma que a propriedade do veículo foi por aquele adquirida por contrato verbal de compra e venda (vd. Regulamento do Registo Automóvel, art. 25.º, n.º 1, alínea a).[iii]

 

50. Não obstante serem estas as regras decorrentes das disposições da lei civil, relativas ao informalismo da transmissão de coisas móveis e, sendo o caso, do respectivo registo, não pode deixar de ter-se também presente que, na situação em análise, estamos perante transacções comerciais, efetuadas por uma entidade empresarial no âmbito da atividade que constitui seu objeto social.

 

51. Nesse âmbito, a empresa vendedora está vinculada ao cumprimento de normas contabilísticas e fiscais específicas, em que a faturação assume especial relevância.

 

52. Desde logo, por força de normas fiscais, a entidade transmitente dos bens está obrigada a emitir uma fatura relativamente a cada transmissão de bens, qualquer que seja a qualidade do respectivo adquirente (CIVA, art. 29.º, n.º 1, alínea b)).

 

53. Também de acordo com o disposto em normas tributárias, a fatura deve obedecer a determinada forma, detalhadamente regulada nos artigos 36.º do Código do IVA e 5.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de Junho.

 

54. É com base nesse documento emitido pelo fornecedor dos bens que o adquirente, quando se trate de um operador económico, irá deduzir o IVA a que tenha direito (CIVA, art. 19.º, n.º 2) - salvo se o imposto suportado na aquisição do veículo, pelas características deste, não for dedutível - e contabilizar o gasto da operação (CIRC, arts. 23.º, n.º 6 e 123.º, n.º 2).

 

55. Por seu lado, é também com base na faturação emitida que o fornecedor dos bens deverá contabilizar os respectivos rendimentos, conforme decorre do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC.

 

56. Desde que emitidas na forma legal e constituam elementos de suporte dos lançamentos contabilísticos em contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, os dados que delas constem são abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

 

57. Considerada, pois, a relevância atribuída pela legislação tributária às faturas emitidas, nos termos legais, pelas empresas comerciais no âmbito da sua actividade empresarial e a presunção de veracidade das operações por elas tituladas, não pode deixar de considerar-se que as mesmas podem constituir, só por si, prova bastante das transmissões invocadas pela Requerente.

 

58. Porém, a emissão das faturas, na forma legal, pressupõe que das mesmas conste, entre outros elementos relevantes, a denominação usual dos bens transmitidos, conforme resulta da lei fiscal (vd. CIVA, art. 36.º, n.º 5). 

 

59. Como bem assinala a Requerida, não é, manifestamente, essa a situação evidenciada no presente processo.

 

60. Com efeito, analisando as cópias das 2.ªs vias das facturas apresentadas como prova da transmissão, por compra e venda, de diversas viaturas, verifica-se que, no tocante à menção do objecto da transacção, vêm descritas operações como "Venda não locado", "Valor Residual", "Rescisão". Tal descrição, não traduzindo a denominação usual do bem transmitido exigida pela lei fiscal, não permite concluir que as mesmas titulem um contrato de compra e venda do quer que seja.

 

61. Nestes termos, acompanhando-se a posição da Requerida, considera-se que os elementos apresentados pela Requerente, não constituem prova bastante dos factos alegados para efeitos de elisão da presunção em causa - venda dos veículos em momento anterior ao da exigibilidade do imposto - devendo, pois, manter-se na ordem jurídica os actos tributários a que se referem os documentos de cobrança identificados na tabela anexa ao pedido de pronúncia.

 

62. Relativamente a diversas situações, devidamente identificadas na tabela anexa ao pedido de pronúncia, a Requerente fundamenta a impugnação das respectivas liquidações com base na circunstância de respeitarem a veículos que à data da exigibilidade do imposto, se encontravam entregues aos locatários ao abrigo de contratos de leasing.

 

63. Nestas condições, atendendo ao disposto no artigo 3,º, n.º 2, do Código do IUC, que prevê a equiparação a proprietários dos locatários financeiros, considera a Requerente que não lhe pode ser imputada, relativamente aos referidos veículos, a qualidade de sujeito passivo da obrigação de imposto.

 

64. Como prova do alegado, a Requerente junta ao pedido cópia de contratos de locação financeira relativos a diversos veículos verificando-se, porém, que, nalguns casos, os contratos não identificam o veiculo a que respeitam, referindo apenas tratar-se de "Auto pesado de mercadorias" ou contendo apenas uma referência à marca e modelo do veículo mas, em qualquer caso, sem que do contrato conste a respectiva matrícula.

 

65. Quanto a esta matéria, entende a Requerida, referindo-se, em geral, às situações que envolvam contratos de locação financeira, que a "a seguir-se a tese propugnada pela Requerente quanto ao facto do artigo 3.º do CIUC consagrar uma presunção ilidível" ter-se-ia necessariamente de concluir que tal presunção apenas seria afastada pelo cumprimento atempado da norma do artigo 19.º do mesmo Código, que estabelece, para os locadores a obrigação de comunicar à Administração Tributária a identificação dos locatários

 

66. Estabelece este preceito que " Para efeitos do disposto no artigo 3º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados."

 

67. Da norma do n.º 2 do artigo 3.º, do CIUC, conjugada com o citado artigo 19.º, do mesmo Código, não subsistem, pois, dúvidas de que estando os veículos regime de locação financeira, o sujeito passivo deste imposto será o locatário e não o respectivo proprietário, ficando, assim, afastada a regra de incidência subjectiva do n.º 1 daquele artigo, desde que efectuada aquela comunicação ou, em alternativa, feita prova bastante para ilidir a presunção que o mesmo encerra.

 

68. Não será esse, porém, o entendimento da Requerida que, admitindo por mera hipótese que "a seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao facto do artigo 3.º do CIUC, consagrar uma presunção ilidível, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo (i.é, a elisão da presunção) depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC, conforme se retira do seu elemento literal ("para efeitos do artigo 3.º do presente Código...")

 

69. Na sequência desse entendimento, sustenta a Requerida que "Em matéria de locação financeira e para efeitos da elisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto."

 

70. Concluindo a Requerida que "nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação como aliás lhe competia, pelo que necessariamente terá de improceder a pretendida elisão do artigo 3.º aqui em causa" e "não tendo a Requerente dado cumprimento àquela obrigação, forçoso é concluir que aquela é o sujeito passivo do imposto."

 

71. Reconhecendo, embora, que os locadores financeiros de veículos automóveis estão vinculados à obrigação de comunicar à Administração Tributária a identificação fiscal dos locatários, não é possível acompanhar-se o entendimento da Requerida no sentido de que os proprietários só se desoneram da obrigação de imposto se deram cumprimento à referida obrigação.

 

72. Esta matéria tem vindo a ser objecto de diversas decisões arbitrais, recordando-se, a este propósito a Decisão Arbitral, de 14 de Julho de 2014, no Proc. 136/2014-T:

 

" Com efeito, o disposto no art. 3º, nº 2 do CIUC é bem claro relativamente à incidência subjectiva do IUC, na vigência de contratos de locação financeira, sujeitando o locatário a essa obrigação, quando o equipara ao proprietário para este efeito.

Assim sendo, não atribuindo a lei essa obrigação ao proprietário-locador, não haverá lugar a nenhuma desoneração por parte deste, com a comunicação prevista no referido art. 19º do CIUC, pela razão simples de nunca ter estado sujeito ao pagamento do imposto.

A incidência subjectiva do IUC está estabelecida, em todos os seus elementos, no art. 3º do CIUC, e será através da aplicação deste normativo que será apurado o sujeito passivo, não relevando para efeitos da incidência do imposto a falta de cumprimento da mencionada obrigação acessória. " [iv]

 

73. É, pois, a esta orientação jurisprudencial, a que, sem reservas, se adere.

 

74. Concluindo-se, assim, que, na situação em análise, teria de ser feita prova documental de que, à data da exigibilidade do imposto, estavam em vigor contratos de locação financeira relativos aos veículos devidamente identificados pelo respectivo número de matrícula para que se pudesse considerar ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC.

 

75. Como acima referido, não é esse o caso, porquanto as cópias dos contratos apresentadas não identificam com exactidão os veículos a que respeitam, através de indicação do respectivo número de matrícula, pelo que se considera que os mesmos não constituem prova bastante dos factos alegados para efeitos de elisão da presunção em causa.

 

76. Consequentemente, devem manter-se na ordem jurídica os actos tributários a que se referem os documentos de cobrança identificados na tabela anexa ao pedido de pronúncia na parte respeitante aos alegados contratos de leasing que, supostamente, estariam em vigor.

 

77. Fundamentando o pedido, a Requerente alega ainda que em diversas situações, que identifica, as viaturas encontravam-se cedidas em locação financeira e na sequência de incumprimento por parte de cada um dos clientes, se viu obrigada a pôr termo às relações contratuais respectivas, as quais foram resolvidas antecipadamente sem que contudo, os locatários tenham procedido à restituição dos bens locados. 

 

78. Com efeito, verifica-se de cópia dos contratos de locação juntos pela Requerente que o termo da mesma teria ocorrido em 2009, ou seja, muito antes da data da exigibilidade do imposto a que respeitam as liquidações impugnadas.

 

79. Será, pois relativamente a estes contratos que a Requerente alega terem os mesmos cessado sem que o locatário tenha exercido a opção de compra ou procedido à devolução do veículo locado.

 

80. Trata-se, assim, de veículos que, à data em que o imposto liquidado se tornou exigível constituíam propriedade da Requerente ainda que, segundo alega, não lhe teriam sido devolvidos pelos respectivos locatários.

 

81. Certo é que, conforme os documentos juntos pela Requerente comprovam, o contrato de locação financeira já não estava em vigor à data da exigibilidade do imposto liquidado não se mostrando, assim, preenchida a norma do n.º 2 do artigo 3.º do Código do IUC.

 

82. Com efeito, esta norma atribui a qualidade de sujeito passivo da obrigação de imposto aos locatários financeiros, bem como aos adquirentes com reserva de propriedade, e outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação. Manifestamente, não é este o caso que se evidencia no presente processo: no momento da exigibilidade do imposto o contrato de locação havia já atingido o seu termo e, não tendo sido exercida a opção de compra pelo respectivo locatário, a locadora mantinha a propriedade dos veículos.

 

83. A situação de incumprimento do contrato bem como não devolução dos bens locados não assume relevância em termos tributários, prevalecendo a regra do n.º 1 do artigo 3.º que imputa a qualidade de sujeito passivo ao proprietário dos veículos, considerando-se como tal as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

84. Nestes termos, e relativamente aos veículos que se encontram nas referidas condições, improcede o pedido, devendo, assim, manter-se as liquidações questionadas.

 

Do pedido de juros indemnizatórios

 

85. A par da anulação das liquidações, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito as juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

86. Não sendo, porém, determinada a anulação das liquidações em causa, prejudicada fica a apreciação o pedido da Requerente quanto ao reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios.

 

V. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar improcedentes as questões prévias suscitadas pela Administração Tributária.

 

b) Julgar totalmente improcedente o pedido no que respeita às liquidações relativas aos veículos identificados na tabela anexa ao presente pedido de pronúncia arbitral.

 

c) Julgar improcedente o pedido no que respeita ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente.

 

Valor do processo: € 11 378,69

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 25 de Janeiro de 2016,

 

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

 

 

 

 

 

 



[i]  A título meramente exemplificativo, cfr. Procs.14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T, 217/2013--T, 256/2013-T, 289/2013-T, 294/2013-T, 21/2014-T, 42/2014-T, 43/2014-T, 50/2014-T, 52/2014-T, 67/2014-T6, 68/2014-T, 77/2014-T, 108/2014-T, 115/2014-T, 117/2014-T, 118/2014-T, 120/2014-T, 121/2014-T, 128/2014-T, 140/2014-T, 141/2014-T, 152/2014-T, 154/2014-T, 173/2014-T, 174/2014-T, 175/2014-T, 182/2014-T, 191/2014-T, 214/2014-T, 219/2014-T, 221/2014-T, 222/2014-T, 227/2014-T, 228/2014-T, 229/2014-T, 230/2014-T, 233/2014-T, 246/2014-T, 247/2014-T, 250/2014-T. 262/2014-T, 302/2014-T, 333/2014-T, 414/2014-T, 646/2014-T, todos disponíveis em www.caad.org.pt.

[ii] Cfr. STJ, Acs. de 23.3.2006 e de 12.10.2006, Procs. 06B722 e 06B2620.

[iii]  Assinala-se que, no âmbito do procedimento especial para o registo de propriedade de veículos adquiridos por contrato verbal de compra e venda, aprovado pelo Dec.Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro, a fatura constitui, entre outros, documento que indicia a efectiva compra e venda do veículo, desde que dela conste a matrícula do veículo bem como nome do vendedor e do comprador.

[iv] Cfr., entre outros, procs. 128/2014-T, 134/2014-T, 136/2014-T, 137/2014-T, 224/2014-T, 228/2014-T, 232/2014-T, 233/2014-T e 341/2014-T.