Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 412/2016-T
Data da decisão: 2017-03-15  Selo  
Valor do pedido: € 98.310,80
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS (redação da Lei nº 83-C/2013); Afetação habitacional; Terrenos para construção.
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Acórdão Arbitral

 

I – Relatório

 

A…, contribuinte fiscal n.º…, casado com B…, contribuinte fiscal n.º …, residentes na Rua …, n.º …/…, em Lisboa, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, in fine, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, (RJAT)), vieram requerer a Constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2015, no valor total de  € 98.310,80 (noventa e oito mil trezentos e dez euros e oitenta cêntimos), relativo ao artigo…, da Freguesia de…, Concelho de Coimbra, efetuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

Fundamentou assim o pedido:

1.      O Requerente recebeu a notificação, de que se junta cópia como Doc. n.º 1, para proceder ao pagamento da 1.ª prestação do imposto do selo, no montante de € 32.770,28, relativamente ao prédio identificado como …– U –…, com nota de que a liquidação estava a ser efectuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS.

2.      Com efeito, o valor total do imposto do selo liquidado ao abrigo daquela verba e uma vez somadas as 3 prestações do mesmo, ascende a € 98.310,80 (noventa e oito mil trezentos e dez euros e oitenta cêntimos) valor este que aqui se impugna.

3.      O Requerente adquiriu, em 26 de dezembro de 2006, por doação, a propriedade do prédio rústico, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo…, com área de 71.480 m2, que confronta a norte com C… e outro, a sul com D…, a nascente com E… e a poente com F… e sito no …– … lugar de …, freguesia de …, concelho de Coimbra.

4.      No dia 25 de fevereiro de 2013, os Requerentes apresentaram, junto da Câmara Municipal de Coimbra, o requerimento que se junta como Doc. n.º 2, solicitando informação, e consequentemente, certificação quanto a:“ se relativamente ao prédio em questão[objeto da liquidação aqui impugnada],delimitado na planta topográfica anexa, com área aproximada de 71.480 m2 , inserido nas zonas…,…  se  foi concedido, pela Câmara Municipal de Coimbra algum “alvará de loteamento” para o prédio referido, em seu nome ou do de outra pessoa ou entidade, definidor dos tipos de utilização para o mesmo previstos e se deu entrada nos serviços camarários competentes algum projeto de loteamento para o referido prédio, em seu nome ou de outra pessoa.”

5.      Mais, requereram que “tendo em atenção as disposições contidas no Regulamento do Plano Diretor Municipal, nomeadamente ao que concerne ao respectivo art.º 33, lhe seja igualmente certificado se no prédio em questão, se poderá encarar a instalação de uma Universidade Privada, de iniciativa de um país da CPLP, de unidade de Saúde, da mais variada índole, de um Centro Comercial ou Grande Superfície, de um Hotel ou instalações similares, tipologias estas que julgamos integráveis na especificação generalizada contida no já citado art.º 33.º do Regulamento do P.D.M.- “comércio, serviço e unidades hoteleiras ou similares, pequenos estabelecimentos artesanais e industriais das Classes C e D”.” (Vide Doc. n.º 2)

6.      Em resposta ao solicitado, receberam os Requerentes, no dia 13 de março de 2014, o Ofício da Câmara Municipal de Coimbra, que se junta como Doc. n.º 3, da qual consta a certificação de que:“de acordo com a informação n.º…, da Divisão de Estruturação Urbana datada de 5 de março de 2013, no quadro dos critérios urbanísticos decorrentes do P.D.M., sem prejuízo de qualquer outra legislação/regulamentação específica aplicável, o seguinte: “…consultado o sistema informático SPO assim como o cadastro de aplicação informática de georeferenciação de processos não deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Coimbra projeto de loteamento para o prédio delimitado na planta anexa ao requerimento apresentado, pelo que não foi concedido pela Câmara Municipal qualquer alvará de loteamento para o referido prédio.”“ …Estando parte do terreno inserido em zona residencial…, assim classificado na planta de ordenamento da cidade, os usos compatíveis com esta classificação do solo encontram-se definidos no n.º 1 do art.º 33.º do Regulamento do PDM: “Assim, a instalação de uma universidade (estabelecimento de ensino/equipamento) centro comercial (comércio) e hotel, são usos que, genericamente, podem ser previstos em zona residencial…”

7.      O ora Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo I do IMI, referente ao imóvel acima identificado, conforme consta da respetiva Caderneta Predial Urbana, de que se junta cópia como Doc. n.º 4, da qual resultou a atribuição de um Valor Patrimonial Tributário de € 14.367.842,65.

8.      Posteriormente, da avaliação efectuada em 07.01.2014, relativamente ao prédio supra identificado, para efeitos de fixação do valor patrimonial tributário, resultou um valor de € 9.831.080,00, conforme cópia da Caderneta Predial que se junta como Doc. n.º 5.

9.      Ora, o prédio aqui em causa é, nada mais nada menos, do que um terreno para construção, conforme se retira da respectiva caderneta predial (Vd. Docs. n.ºs 4 e 5).

10.  Assim sendo, vem o contribuinte impugnar a liquidação de imposto do selo de que foi notificado (Vd. Doc. n.º 1) no valor de € 98.310,80 (noventa e oito mil, trezentos e dez euros e oitenta cêntimos), dada a sua manifesta ilegalidade, a qual resulta das razões de direito que invocou no seu articulado e que se reconduzem a alegada violação do disposto na TGIS – Verba 28.1, com a redação da Lei nº 83-C/2013 (LOE/2016), na medida em que esta norma de incidência de imposto do selo que abriga a liquidação impugnada, não prevê que a mesma possa ser efetuada a terrenos para construção sem que esteja demonstrada a existência de uma” edificação, autorizada ou prevista” para habitação, “nos termos do disposto no Código do IMI”,

11.  Pondera a Requerente, a este respeito que: a) O prédio em causa foi adquirido pelo proprietário como prédio rústico, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo…, com área de 71.480 m2, e sito no…–…, lugar de…, freguesia de …, concelho de Coimbra; b). O terreno em causa insere-se em zona verde, zona de equipamento e zona residencial. Essa suposta função residencial admite diversos usos compatíveis o que significa que mesmo aí se admitem construções diferentes de habitação (ex. Unidades Hospitalares, unidades de ensino, hotelaria etc), sendo igualmente permitida a instalação de comércio, serviços, e unidades hoteleiras ou similares, bem como pequenos estabelecimentos artesanais e industriais. (Vide Doc. n.º 3) c). “(…) parte do terreno [encontra-se] inserido em zona residencial…, assim classificado na planta de ordenamento da cidade, os usos compatíveis com esta classificação do solo encontram-se definidos no n.º 1 do art.º 33.º do Regulamento do PDM (…).” (Vide Doc. n.º 3); d).  Relativamente ao terreno em causa “não deu entrada nos serviços da Câmara projeto de loteamento para o prédio delimitado na planta anexa (…) pelo que não foi concedido pela Câmara Municipal qualquer alvará de loteamento para o referido prédio.” (Vide Doc. n.º 3)

12.  O legislador – alega ou conclui a Requerente -  não pretendeu tributar a realidade de prédios como este que está aqui em causa, mesmo depois da alteração introduzida pela LEO 2014, com aplicação temporal no presente caso. 

13.  Subsidiariamente invoca a Requerente os vícios de duplicação de coleta e de inconstitucionalidade das normas aplicadas pela AT na interpretação que esta lhes deu e que alegadamente violam o disposto nos artigos 13º, 62º, 103º e 104º, da Constituição.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos provados

 

O Tribunal considera provados os seguintes factos essenciais para o objeto do pedido:

            a) Em 25.01.2007, o Autor apresentou a declaração mod. 1 de IMI. sob o registo nº…, para inscrição de um prédio novo como terreno para construção, com origem no prédio rústico …º da freguesia de …, concelho de Coimbra, com efeitos a 28.12.2006, indicando Área Total do Terreno: 71.480,0000m2;Área de Implantação do Prédio: 4.859,0000m2; Área Bruta de Construção:  27.721,0000m2;Área Bruta Dependente: 0,0000m2 e juntou os anexos correspondentes à Planta de Localização e o Projeto de Viabilidade Construtiva, constante da Informação da Câmara Municipal de Coimbra, emitida nos termos do art 110º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), com data de  28.12.2006, identificando como Assunto : Nº de Registo: …/2006 –A…–Informação a que se refere o art 110º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) –…, sobre as condicionantes técnicas e urbanísticas descritas na folha anexa, onde  consta:1. Enquadramento urbanístico (zonamento do Plano Director Municipal): a)O terreno indicado na planta topográfica de localização insere-se em zona residencial…, zona de equipamento e zona verde de protecção-….; 2. Índice de utilização a aplicar de acordo com o definido no Capítulo V do Regulamento do P.D.M, sendo:a) i=0,445 em zona residencial –…; b) i=0,225 em zona verde de proteção –…; c) i=0,45 em zona de equipamento – e 3. Número de pisos (máximo/recomendado): a) 7 pisos (em zona R3.7); b) Não deve exceder o dominante no local e deverá ser justificado através de estudo conjunto. 4.Tipologia (recomendada): a) Edifício de habitação colectiva isolada/geminada/em banda. 5. Alinhamento / recuo da edificação: a)Coerente com o desenho urbano local a justificar no âmbito do art. 27º do Regulamento do P.D.M. e R.M.U.E.; 6. Observações: a) Deverá respeitar-se a legislação e regulamentação de âmbito geral e municipal em vigor; b) Deverá propor-se uma solução arquitectónica e urbanística ajustada às características do terreno e da envolvente justificando-se a ocupação através de estudo conjunto e de pormenor; c) Deverão apresentar-se perfis transversais e longitudinais do terreno cotado que estabeleçam a relação da proposta com a envolvente, incluindo os arruamentos adjacentes; d) A eventual divisão da propriedade deverá respeitar a legislação vigente: Decreto-Lei nº 555/99, de 15/12 e R.G.E.U., sendo desejável a apresentação de um estudo prévio, apoiado nas vias existentes, em articulação com a envolvente – art. 33º do P.D.M. (Anexo III); e) Deverá apresentar-se, para o efeito de pedido de licenciamento, certidão de teor predial (Conservatória de Registo Predial). 7. Viabilidade e âmbito: a) O conteúdo do parecer técnico refere-se, apenas, a ponto de vista urbanístico. b) Recomenda-se o contacto com AC, Águas de Coimbra, EDP, TELECOM PORTUGAL e Lusitânia Gás, caso se pretendam informações técnicas de âmbito daquelas entidades, as quais podem revelar-se determinantes para efetiva viabilidade de construção no local.”

            b) - Em 18.09.2010, foi realizada a 1ª avaliação do terreno, constando da Ficha nº … a Área Total do Terreno de 71.480,0000m2, Área de Implantação do Prédio de 4.859,0000m2, Área Bruta de Construção de 27.721,0000m2 e Área Bruta Dependente de 0,0000m2, o tipo de coeficiente de localização de Habitação, e VPT no valor de € 14.155.510,00, notificado ao Autor em 23.09.2010.

            c) Em 25.02.2013, o Autor solicitou à Câmara Municipal de Coimbra a emissão de certidão sobre “se relativamente ao prédio em questão [objecto da liquidação aqui impugnada], delimitado na planta topográfica anexa, com área aproximada de 7.480m2, inserido nas zonas…, …,   foi concedido, pela Câmara Municipal de Coimbra, algum alvará de loteamento para o prédio referido, em seu nome ou do de outra pessoa ou entidade, definidor dos tipos de utilização para o mesmo previstos;  se deu entrada nos serviços camarários competentes algum projeto de loteamento para o referido prédio, em seu nome ou de outra pessoa e tendo em atenção as disposições contidas no Regulamento do Plano Diretor Municipal, nomeadamente no que concerne ao respetivo art.33º, lhe seja igualmente certificado se no prédio em questão, se poderá encarar a instalação de uma Universidade Privada, de iniciativa de um país da CPLP, de Unidade de Saúde, da mais variada índole, de um Centro Comercial ou Grande Superfície, de um Hotel ou instalações similares, tipologias estas reputadas integráveis na especificação generalizada contida no já citado art. 33º do Regulamento do PDM –‘comercio, serviço e unidades hoteleiras ou similares, pequenos estabelecimentos artesanais e industriais das Classes C e D’.

            d) Em 06.03.2013, a Câmara Municipal de Coimbra emitiria uma certidão com o seguinte teor: “de acordo com a informação nº…, da Divisão de Estruturação Urbana datada de 5 de Março de 2013, no quadro dos critérios urbanísticos decorrentes do P.D.M., sem prejuízo de qualquer outra legislação/regulamentação específica aplicável, a seguinte: ‘…consultado o sistema informativo SPO assim como o cadastro de aplicação informática de georeferenciação de processos não deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Coimbra projeto de loteamento para o prédio delimitado na planta anexa ao requerimento apresentado, pelo que não foi concedido pela Câmara Municipal qualquer alvará de loteamento para o referido prédio.”“…estando parte do terreno inserido em zona residencial…, assim classificado na planta de ordenamento da cidade, os usos  compatíveis com esta classificação do solo encontram-se definidos no nº3 do art. 33º do Regulamento do PDM: “Assim, a instalação de uma universidade (estabelecimento de ensino/equipamento centro comercial (comércio) e hotel, são usos que, genericamente, podem ser previstos em zona residencial…”.

            e) Em 26.12.2013, o Autor apresentou nova declaração mod. 1 de IMI, registada com o nº…, com fundamento de Pedido de Avaliação – alteração de áreas, nos termos da al n) do nº 3, do art.130º do CIMII, rectificando a área bruta dependente para 23.958, 70m2, de que resultou um VPT de € 9.831.080,00, notificado ao Autor em 14.01.2014.

            f) O Requerente recebeu a notificação, de que se junta cópia como Doc. n.º 1, para proceder ao pagamento da 1.ª prestação (€32.770,28) da liquidação do imposto do selo do ano de 2015, no montante de € 98.310,80 relativo ao sobredito prédio identificado como …– U –…, com o valor patrimonial tributário de €9.831.080,00, sendo aí referido que a liquidação estava a ser efectuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS;

            g) Em 26.09.2006, o Requerente adquiriu, por doação, a propriedade do prédio rústico, inscrito na matriz predial sob o artigo…, com a área de 71.480 m2, sito no…–.., lugar de…, freguesia de…, concelho de Coimbra;

            h) De acordo com informação da Câmara Municipal de Coimbra (Doc 3, com a petição inicial), não foi concedido qualquer alvará de loteamento para o prédio em causa, podendo prever-se genericamente a instalação de uma universidade (estabelecimento de ensino/equipamento centro comercial (comércio) e hotel, na zona residencial…, onde parte do terreno está inserido.

 

II.B. Factos não provados

- Não há outros factos, provados e/ou não provados, essenciais para o objeto do litígio

 

II.C. Motivação

A convicção do Tribunal fundou-se nos documentos incorporados nos autos e no processo administrativo instrutor anexo, sendo que dos articulados não resulta controvérsia das partes no que toca ao quadro factual desenhado pela Requerente.

 

III – Fundamentação (cont): a matéria de Direito

 

III.A. Posição da Requerente

 

a)      A questão objeto desta impugnação reconduz-se na apreciação da legalidade da liquidação de imposto de selo, nos termos da verba 28.1, da TGIS (Tabela Geral do Imposto de Selo) relativo a imóvel de que era o proprietário o Requerente em 2015.

b)      Entende o Requerente que a liquidação enferma de vício de ilegalidade na medida em que prédio em causa é um terreno para construção sem afetação habitacional, ou seja, sem estar demonstrada a existência de uma” edificação, autorizada ou prevista” para habitação, “nos termos do disposto no Código do IMI”;

c)      Alegou ainda subsidiariamente os vícios de duplicação coleta e de inconstitucionalidade das normas aplicadas pela AT na interpretação que lhes foi dada por violação do disposto nos artigos 13º, 62º, 103º e 104º, da Constituição.

 

III.B. Posição da Requerida

 

a)      Em resposta, a AT sustenta que nenhuma razão assiste à Requerente, e que, pelo contrário, a fundamentação das liquidações assenta na correta interpretação e aplicação do quadro normativo pertinente.

b)      Defende e conclui a Requerida que a liquidação em crise não viola nenhum dos princípios constitucionais invocados pelo Autor,  “(...)concluindo-se, como se concluiu no recente Acórdão nº 568/2016, de 19.10.2016, proferido no processo nº 522/2016, ou seja, “não julgar inconstitucional a norma da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação introduzida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, e alterada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00”.

 

III.C. O Direito (cont)

 

O Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de setembro, iniciou a sua vigência em março de 2000, sendo significativamente alterado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, que o republicou. Com a reforma da tributação do património operada em 2003, o Imposto do Selo passou a configurar-se sobretudo como um imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelam rendimento e riqueza, aplicando-se a uma “multiplicidade heterogénea de factos ou atos”, sem “um traço comum que lhes confira identidade” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pág. 453). Essa capacidade de acolher no seu seio tributações de diferente natureza criou caminho a que o legislador fiscal lhe fosse atribuindo um papel complementar de outros impostos.

            Como apontam J. SILVÉRIO DIAS MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS (Os Impostos Sobre  o Património Imobiliário – O Imposto de Selo, pg 251, Lisboa 2005) “ o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo”.

            A Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma ora em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental. Assim, invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, introduziram-se medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos e às transferências de e para paraísos fiscais, a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao nº 1 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes.

Assim, com o aditamento da verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, foi sujeita a este imposto uma situação jurídica, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio urbano com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a €1.000.000,00, fazendo recair sobre tal valor a taxa de 1%.

            A redação da verba 28.1. sofreu alteração posterior, por via da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, passando a ampliar a incidência do Imposto do Selo, à taxa de 1%, a  “(…)prédio urbano ou (por) terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

            A incidência do Imposto do Selo, marcada, alias, pela heterogeneidade, remete, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, mormente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de “taxa adicional do IMI”, dirigido a “discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que  reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

            A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar  (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

Da aplicação conjunta do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto do Selo e n.º 1 do art. 8.º do CIMI, conclui-se que o facto tributário a que se refere a verba 28.1 da TGIS se verifica a 31 de Dezembro de cada ano. Nessa medida, a relação juridico-tributária será fixada em função da legislação em vigor nessa mesma data, independentemente de alterações posteriores que possam estar em vigor na data da liquidação do imposto. Assim sendo, o Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS referente ao ano de 2015, a liquidar em 2016, deverá ser calculado e fixado de acordo com a redação da norma, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a redação que lhe foi dada pela LOE/2014 (Lei nº 83-C/2013).

 

Recorde-se a redação original da verba 28, da TGIS:

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional ----------------------------------------------- 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças...................................................................7,5%

 

            Esta redação (original) foi objeto de vários litígios que opuseram a AT e os contribuintes, proprietários de terrenos para construção tendo o STA entendido, v. g., no Acórdão proferido no processo n.º 048/14, de 09.04.2014, que “(...)não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional( (...)”

Na verdade, o conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redação àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI. Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha nem a questão ora nos interessa abordar –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros).

Aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da respetiva referiu o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. Diário da Assembleia da República,  I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32)  que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

Na verdade, referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios: «habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços» – os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI); «terrenos para construção», os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos» (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12); «Outros», são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).

Fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos «com afetação habitacional», o legislador não estabelece na verdade, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI, que estabelece clara distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção, sendo os primeiros assim  classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal e os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

A esta luz, um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida, incluindo a destinada habitação - não preenche por si só o requisito previsto nos pontos 28. e 28.1, da TGIS (redação do DL nº 7/2015), ou seja, o de que  “(...) a edificação “autorizada ou prevista, seja para habitação (...)”.

Na verdade, reportando-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com afetação habitacional, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se, como se viu anteriormente, que na mesma se contenha uma potencialidade futura, juntamente com outras, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

A expressão «com afectação habitacional» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente.

Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento de que o conceito de "afetação habitacional" decorre da norma do artigo 45.º do CIMI, porquanto esta se refere às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem, variável entre 15% e 45%, do valor das edificações autorizadas ou previstas.

Por outro lado ainda, nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, sendo que a aplicação de um coeficiente de afetação se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizados ou previstas.

Independentemente de, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção, se dever ou não considerar um coeficiente de afetação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

Nas condições referidas, a circunstância de, para um determinado terreno para construção, estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.

Como tal, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre, por um lado, prédios urbanos habitacionais e, por outro lado, terrenos para construção, não podem estes últimos ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como «prédios com afectação habitacional».

Aliás, neste sentido se tem orientado a constante e uniforme jurisprudência arbitral anterior à nova redação da verba 28, da TGIS introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12,tendo desta (redação) a previsão de que a tributação em causa passou a incidir, à taxa de 1%, sobre  prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

Esta  alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo, introduzida pelo artigo 194.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que adita à verba 28.1., da mesma Tabela, a referência a “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” e, em consequência, determina a incidência do imposto do selo, nos termos previstos nas verbas 28. e 28.1, sobre a propriedade de terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não se traduz numa alteração normativa que justifique alteração substancial do entendimento que anteriormente à nova redação dessa norma vinha sendo seguido pela Jurisprudência.

Subsumindo:

Ora, em face da prova produzida, não é, no mínimo, claro que no terreno em causa esteja autorizada ou prevista construção de edifício a afetar a habitação; pelo contrário, ficou demonstrado que essa afetação tanto pode ser habitacional como para outros fins.

Ou seja: sendo os fins habitacionais apenas uma das potencialidades das construções a eventualmente erigir no terreno, sem se demonstrar que existe um concreto licenciamento para aqueles fins, acarreta a exclusão da tributação do prédio à luz do artigo 28., da TGIS (atualmente revogado pela Lei nº 42/2016 – Lei do Orçamento do Estado para 2017 – artigo 210º-2).

Nesta linha essencial de orientação, estão, entre outras, as decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, nos processos nºs 522/2015-T, 532/2015-T, 467/2015-T (citando diversos acórdãos do STA), 578/2015-T, 642/2015-T e 551/2015-T, quase todas publicadas no site do CAAD (www.caad.org.pt).

 

 

3.2       Questões de conhecimento prejudicado

            Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

            Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação objeto do presente processo – pedido principal -, por vício de violação de lei que impede a renovação dos atos, fica prejudicado o conhecimento dos vícios imputados pela Requerente aos restantes pedidos, por inutilidade.

             Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

            Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente ao atos cuja declaração de ilegalidade pediu.

            Ou seja: em face da solução dada à questão relativa ao conceito de “prédio com afetação habitacional”, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente, nomeadamente a da invocada inconstitucionalidade da norma de incidência contida na Verba 28.1, da TGIS, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT, bem  como a da alegada duplicação de coleta.

 

III. D. Juros indemnizatórios

 

            De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

            Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

            O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

            Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

            É ou poderá ser essa a situação do caso em apreço, ou seja, a AT restituirá o imposto no caso de este ter sido pago [situação não evidenciada nos autos nem tão pouco alegado e documentado o pagamento], com pagamento de juros indemnizatórios nos termos expostos, determinando a AT o montante a restituir eventualmente à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), sendo os juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

IV Decisão

Termos em que  decide este Tribunal Arbitral:

            a) Julgar totalmente procedente o pedido;

            b) Declarar, em consequência, a ilegalidade da liquidação de imposto de selo objeto do pedido [Liquidação nº 2016 –… de 2016-04-05, na importância de €98.310,80] e determinar a sua anulação, com as consequências legais inerentes;

            c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição das importâncias eventualmente pagas respeitantes à sobredita liquidação, com juros indemnizatórios nos  termos supra expostos e

            d) Condenar ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 98.310,80 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

  • Notifique-se.

Lisboa, 15 de março de 2017

O Tribunal Arbitral,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

Jorge Bacelar Gouveia

(Árbitro Adjunto)

 

 

Nuno de Oliveira Garcia

(Árbitro Adjunto)