Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 405/2016-T
Data da decisão: 2017-03-20  IRC  
Valor do pedido: € 315.674,85
Tema: IRC – Dedutibilidade de custos; indispensabilidade dos custos; encargos financeiros.
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Os árbitros José Pedro Carvalho (árbitro presidente), Ricardo Rodrigues Pereira e José Eduardo Mendonça da Silva Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

            I. RELATÓRIO      

1. No dia 15 de julho de 2016, a sociedade comercial A…, S. A., NIPC …, com sede na Avenida…, …, …, Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a consequente anulação do ato de liquidação de IRC n.º 2015…, respeitante ao exercício de 2012, e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2015…, nos termos da qual foi apurado imposto a pagar no valor de € 315.674,85, na sequência de indeferimento tácito da reclamação graciosa interposta com vista à anulação daquele atos tributários.

Posteriormente à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, a sociedade comercial A…, S. A. foi incorporada, por fusão, pela sociedade comercial B…, S.A., NIPC…, com sede na Avenida…, …, …, Porto e, nessa sequência, foi requerida e deferida a modificação subjetiva da instância, passando a ser esta empresa a Requerente neste processo arbitral.

A Requerente juntou 15 (quinze) documentos e arrolou 2 (duas) testemunhas[1], não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:

A Requerente tem como objeto social promover a utilização racional de energia e a diversificação de fontes energéticas através da identificação, estudo, projeto e execução, com recursos próprios ou em associação, de instalações para produção de energia elétrica e/ou aproveitamento de calor residual e a sua posterior exploração e venda de energia, sob forma de financiamento por terceiros.

No seguimento de inspeção tributária aos exercícios de 2011 e 2012, invocaram os Serviços de Inspeção Tributária que a Requerente «(…) está a financiar-se a taxas superiores àquelas que depois vai financiar as suas associadas através do financiamento obtido, ou seja, está a suportar encargos financeiros com financiamentos que está a canalizar para as suas associadas e que não estão a ser utilizados na sua atividade enquanto entidade autónoma, não fazendo repercutir a totalidade desses gastos incorridos às entidades beneficiárias desses mesmos financiamentos». Assim, a inspeção conclui no sentido de «não serem fiscalmente dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável dos exercícios de 2011 e 2012, os encargos financeiros correspondentes aos empréstimos contraídos, na proporção das verbas que não foram redebitadas às sociedades para as quais os empréstimos foram canalizados».

A Requerente desenvolve o seu objeto social através da interação mantida com as suas subsidiárias e associadas. Assim, o desenvolvimento da sua atividade – o qual tanto é realizado diretamente, como indiretamente (i.e. através das suas subsidiárias / associadas e outras participadas) - pressupõe necessariamente a concessão de empréstimos intragrupo, na medida em que os referidos financiamentos se mostram essenciais à prossecução da atividade desenvolvida pelas suas participadas e, consequentemente, à atividade exercida pela própria Requerente.

 Em sede de inspeção, a Requerente alegou e provou que:

(a) É remunerada pelos empréstimos concedidos à sua participada D… (consórcio para construção e exploração de parques eólicos);

(b) Para financiar a D… foram efetuados múltiplos contratos de suprimentos entre as empresas do consórcio e a D…, consoante as necessidades de financiamento desta última sociedade;

 (c) Em 2011, a Requerente cobrou uma taxa média de juros de 4,448%, resultante da aplicação de uma taxa fixa + valor da Euribor 12M ou Mid Swap 5Y; e

(d) Em 2012, a Requerente cobrou uma taxa média de juros de 5,568%, resultante da aplicação de uma taxa fixa + valor da Euribor 12M ou Mid Swap 5Y.

A Requente nota o facto de o artigo 23º do Código do IRC, e o respetivo conceito de indispensabilidade, ser o único fundamento legal invocado pela AT para a correção efetuada. Ora, em seu entender, os gastos devem considerar-se indispensáveis sempre que tenham em vista a obtenção de lucro por parte dos sujeitos passivos, isto é, sempre que, em termos abstratos, sejam suscetíveis de potenciar o lucro das empresas.

A Requerente salienta que a própria a AT, no relatório de inspeção, refere que «(…) a A… tem como objeto a gestão, promoção, desenvolvimento, instalação e exploração de projetos e de atividades de cogeração e energias renováveis, incluindo a participação em sociedades ou agrupamentos complementares de empresas que prossigam as mesmas atividades.»

Assim, o aludido objeto social consagra todo o enquadramento necessário do financiamento efetuado pela Requerente às suas subsidiárias, na medida em que decorre do objeto que esta pode desenvolver a sua atividade – indiretamente – através de participadas, associadas e subsidiárias, que prossigam atividades no setor da energia.

Na ótica da Requerente, sucede que, como resulta da factualidade exposta, os custos suportados com os financiamentos cuja dedutibilidade fiscal se controverte nos presentes autos já produziram e incrementaram proveitos. Por isso mesmo é que a AT se encontraria a contestar tão-só e apenas o diferencial entre os juros suportados e os juros auferidos, reconhecendo que houve obtenção de ganhos.

Os financiamentos concedidos pela Requerente são fundamentais para a atividade das participadas, permitindo que estas obtenham lucros que, posteriormente, serão distribuídos à Requerente / valorizarão a participação social da Requerente – i.e. existe um potencial de os custos suportados com o empréstimo virem a ter um retorno mediado por parte da Requerente, influenciando os seus resultados de forma positiva.

A Requerente contesta a linha argumentativa da AT quando, por um lado, questiona a necessidade do custo mas, por outro lado, parece centrar-se apenas no valor do juro, matéria que transcende a dedutibilidade, devendo ser analisada apenas sob o prisma dos preços de transferência, em particular, quando a objeção apresentada se centra no excesso de juro suportado face ao juro auferido.

E refere ainda a Requerente que a diferença de spreads e componentes variáveis num empréstimo pode existir sem que as operações não sejam perfeitamente justificáveis e enquadráveis em condições de mercado, nomeadamente em virtude da diferente capacidade de produzir garantias bastantes entre as sociedades ou até em virtude da duração do crédito.

1.2. A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

«A) A anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa e subjacente liquidação de IRC de 2012 e correspondente demonstração de acerto de contas no montante de EUR 315.674,85, com o fundamento de que tal correção incorre em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzida na errónea aplicação do artigo 23.º do Código do IRC;

B) A declaração da inconstitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, por violação do artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa;

C) A condenação da AT no pagamento de indemnização por garantia indevida, nos termos do artigo 53.º da LGT e 171.º do CPPT,

Tudo com as legais consequências.»

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 17 de agosto de 2016.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo o Dr. José Pedro Carvalho, o Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e o Dr. Jorge Eduardo Mendonça da Silva Gonçalves, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 29 de setembro de 2016, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 17 de outubro de 2016.

4. No dia 22 de novembro de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual arguiu a exceção do caso decidido e impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela procedência daquela exceção, com a consequente absolvição do pedido ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da presente ação, também com a sua consequente absolvição do pedido.

4.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

A Requerida começa por invocar a exceção do caso decidido, esgrimindo a seguinte argumentação:

 

O presente pedido arbitral vem instaurado contra o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida pela Requerente, a qual foi apresentada fora do prazo legal de 120 dias, previsto no artigo 70.º do CPPT.

A intempestividade do pedido de reclamação graciosa tem por consequência necessária que o ato tributário do qual se reclamou (depois do prazo legal para o efeito), convolou-se em caso decidido, não podendo mais ser atacado quanto aos vícios geradores de mera anulabilidade que tenham ficado sanados por decurso do prazo legal para reclamar ou impugnar.

Concretizando, a Requerida diz que o objecto deste pedido arbitral é o ato tributário de liquidação adicional que se encontra refletido na nota demonstrativa da liquidação de imposto, contendo a discriminação das várias rúbricas subjacentes ao cálculo do imposto/reembolso devidos a título de IRC de 2012, e não a operação material de acerto de contas resultante dos necessários movimentos de compensação entre liquidações, a anulada e a ora impugnada.

Assim, a notificação da liquidação de IRC de 2012, à Requerente, tem efeito constitutivo da respetiva situação jurídico-tributária, tendo o acerto de contas a natureza de um ato meramente material de compensação entre a liquidação impugnada e a liquidação que a antecedeu, com apuramento de um saldo final a pagar ou a receber, no caso dos autos fixando um prazo para restituição pela Requerente do montante de imposto indevidamente recebido, em nada implicando com a sua situação jurídico-tributária já fixada pelo anterior ato de liquidação.

Por isso, na ausência de reclamação ou impugnação tempestiva daquela impugnação, ficam sanados os vícios geradores de anulabilidade de que a mesma possa padecer, passando a constituir caso decidido ou resolvido na ordem jurídica.

A Requerida continua afirmando que uma vez que o ato tributário em causa nestes autos não apurou uma prestação tributária mas antes um reembolso a favor da Requerente, o início do prazo para deduzir reclamação conta-se nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, ou seja, conta-se a partir da respetiva notificação, sendo essa contagem efectuada nos termos do artigo 279.º do Código Civil ex vi artigo 20.º, n.º 1, do CPPT.

Ademais, pelo facto de a Requerente ter aderido ao sistema eletrónico de notificações da AT – que acautela a data efetiva em que o sujeito passivo acede às mesmas e a partir da qual começam a contar os prazos para reagir contra os atos tributários que lhe são notificados –, é-lhe aplicável o regime decorrente do artigo 39.º, n.ºs 9 e 10, do CPPT.

Nesta parametria, na data em que a Requerente apresentou a referida reclamação graciosa, o ato tributário de liquidação de IRC de 2012 já se tinha consolidado na ordem jurídica, passando a constituir um caso decidido.              

Em seguida, a Requerida passa a defender-se por impugnação, argumentando o seguinte que aqui destacamos:

Para a AT, e no âmbito da análise aos valores dos juros aqui em causa, verificou-se que os empréstimos concedidos são superiores aos obtidos, o que significa que a empresa está a financiar-se, junto de instituições financeiras e das detentoras do capital, e por sua vez está a financiar as suas associadas quer com recurso aos financiamentos obtidos, quer com a utilização de recursos próprios, uma vez que concede mais financiamento do que aquele que obtém.

Por outro lado, constatou-se que os rendimentos obtidos dos empréstimos concedidos são inferiores aos gastos em que incorre para se financiar, situação esta que deriva do facto da empresa estar a financiar as suas associadas a uma taxa de juro inferior, e em alguns casos até sem juros, àquela que ela própria está a suportar no seu financiamento.

Da factualidade apurada, em sede inspetiva, resultou que a questão essencial nos presentes autos é saber se os encargos financeiros resultantes do financiamento que a Requerente obteve e com o qual financiava as suas associadas, não fazendo repercutir a totalidade desses gastos às entidade beneficiadas, podiam ser enquadrados no artigo 23.º do CIRC, ou se pelo contrário, os mesmos não integravam os requisitos de admissibilidade de custos estabelecidos neste preceito.

E da fundamentação do ato impugnado resulta, para a AT, manifestamente demonstrado que a Administração Fiscal não poderia aceitar como custo fiscal os encargos financeiros relativos ao financiamento das entidades associadas da Requerente e que não estavam a ser utilizados na sua atividade, enquanto entidade autónoma. No entender da AT, a argumentação aduzida pela Requerente, quer em sede inspetiva, quer nos presentes autos, não logra afastar o juízo efetuado pela Requerida no sentido de afastar do âmbito normativo do art. 23.º do CIRC, os encargos financeiros que, assim, foram desconsiderados, para efeitos fiscais, o que determinou as correções efetuadas.

Assim, sem embargo da relevância assumida pela realidade jurídico-económica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do gasto na obtenção dos rendimentos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses mesmos rendimentos. Ou seja, para que determinada verba seja considerada como custo, é necessário, que diga respeito à atividade por si própria desenvolvida e não por outra sociedade, ainda que pertencente ao mesmo grupo económico.

A indispensabilidade a que se refere o art. 23.º do CIRC, como condição para que um gasto seja dedutível, para efeitos de determinação do lucro tributável, não se refere à necessidade (as despesas como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer a conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), mas exige, tão só, uma relação de causalidade económica.

Alega a AT que o gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Assim, os gastos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada gasto daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades. E é absolutamente consentâneo que os financiamentos são obtidos para benefício da atividade das participadas e não dela própria, ora os custos fiscais tem como pressuposto a atividade da própria sociedade, não podendo para este efeito, ser-lhe imputados os custos do exercício da atividade de outra com a qual tivesse alguma relação.

E a premissa da qual parte a Requerente para fundamentar a sua pretensão é, para a AT, manifestamente errada, porquanto o critério da indispensabilidade criado pelo legislador, visa impedir a consideração fiscal de gastos que ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, tendo sido efetuados para a prossecução de outros interesses alheios.

O facto de a Requerente ser uma holding intermédia do Grupo E…, não significa que as atividades exercidas pelas empresas dentro do grupo, percam a sua autonomia, tanto mais que de entre as prestações de serviços que realiza dentro desta estrutura, onde estão identificadas as contribuições que faz dentro da mesma, havendo uma clara definição das contrapartidas recebidas, concretizadas no fee de gestão e no fee de manutenção, não há qualquer referência aos encargos financeiros sub judice.

Não se inserindo os gastos na atividade da empresa, foram incorridos não para a prossecução dos seus interesses, mas para interesses alheios, não podem ser enquadrados no âmbito do seu objeto social. Os custos financeiros incorridos pela Requerente não estão diretamente relacionados com qualquer atividade inscrita no seu objeto social, nem se reportam, ainda que indiretamente, à sua atividade.

Consequentemente, não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são desviados da sua própria exploração para a de outra entidade com a qual está relacionada. A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro lucros resultantes da aplicação desses capitais na sua associada, ou a sua existência efetiva, não determina só por si, que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais, porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, e não logrou a Requerente fazer essa demonstração.

Porquanto, toda a fundamentação das correções, que conclui que os encargos financeiros suportados pela Requerente não são um custo fiscal enquadrável no art. 23.º do CIRC, demonstra claramente, que os mesmos não decorrem da atividade empresarial desenvolvida.

Consequentemente, não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se demonstrou que os fundos obtidos são desviados da exploração e aplicados em fins estranhos à mesma.

Assim, serão de desconsiderar fiscalmente os gastos associados ao financiamento que está a ser utilizado por outras empresas, que não a Requerente, relativamente ao diferencial existente entre os gastos e os rendimentos derivados dos financiamentos obtidos e concedidos. Sendo certo que houve redébito de juros, esses foram inferiores aos suportados, facto pelo qual, apenas foram desconsideramos fiscalmente os encargos financeiros que foram suportados e não redebitados às efetivas entidades beneficiárias dos financiamentos.

A Requerida remata assim o seu articulado:

            «Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgada procedente a excepção peremptória inominada do caso resolvido, com a absolvição do pedido.

            Caso assim não se entenda, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.»

4.2. Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

5. Notificada para o efeito, a Requerente veio pronunciar-se quanto à matéria de exceção alegada pela Requerida, dizendo, além do mais, o seguinte:

 O ato tributário de liquidação compreende o conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante de imposto devido, no caso concreto, a demonstração de liquidação e a demonstração de acerto de contas.

O que importa para a determinação do início da contagem do prazo para a apresentação da reclamação graciosa é o apuramento de uma prestação tributária a pagar como corolário das mencionadas operações e jamais saber se o resultado final da liquidação é menos imposto a reembolsar ou mais imposto a pagar.

E, diz a Requerente, a importância cujo pagamento é exigido é um tributo, in casu, o IRC do exercício de 2012, o qual é evidentemente uma prestação tributária.

Nesta medida, uma vez que da demonstração de acerto de contas resulta imposto a pagar, a Requerente preconiza que é este o ato que fixa o início da contagem do prazo para a apresentação da reclamação graciosa.

A Requerente alega também que apenas nos casos em que não se apura quantia a pagar, na liquidação e na demonstração de acerto de contas, é que a contagem do prazo para a apresentação da reclamação graciosa começa a contar da liquidação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. 

A Requerente refere ainda que, caso assim não se entendesse, se a apresentação da reclamação graciosa fosse intempestiva, a AT teria então o dever de convolar, em pedido de revisão oficiosa, a reclamação graciosa apresentada.

A Requerente termina dizendo que a intempestividade da apresentação da reclamação graciosa, a verificar-se, consubstanciaria uma exceção dilatória de que resultaria a absolvição da instância, como resulta do disposto na alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, subsidiariamente aplicável ao procedimento arbitral. 

6. Em 24 de janeiro de 2017, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por reproduzida –, tendo-se, ainda, procedido à inquirição de C… (prestação de declarações de parte) e de F… (testemunha).

6. Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.     

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            §1. DA EXCEÇÃO DO CASO DECIDIDO

            A apreciação desta questão impõe que, desde logo, chamemos à colação as normas do CPPT que para o efeito se afiguram pertinentes, a saber:

«Artigo 70.º

Apresentação, fundamentos e prazo da reclamação graciosa

            1 – A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º.

            (…)»

«Artigo 102.º

Impugnação judicial. Prazo de apresentação

            1 – A impugnação será apresentada no prazo de três meses a partir dos factos seguintes:

a)      Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b)      Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c)       Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d)      Formação da presunção de indeferimento tácito;

e)       Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f)        Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.»

O prazo fixado no citado artigo 70.º do CPPT é de natureza substantiva e, por isso, conta-se nos termos do disposto no artigo 279.º do Código Civil ex vi artigo 20.º, n.º 1, do CPPT, correndo continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão. 

Feito este enquadramento legal e volvendo ao caso concreto, temos que a Requerente foi notificada, através do sistema de notificações eletrónicas “Via CTT”, em 02/10/2015 (cf. artigo 39.º, n.º 9, do CPPT), dos seguintes documentos [cf. documento n.º 1 junto com a Resposta]:

(i)                 “Demonstração de Liquidação de IRC” correspondente à liquidação n.º 2015…, datada de 24/09/2015, referente ao exercício fiscal de 2012, na qual foi apurado imposto a reembolsar no valor de € 1.347.457,66.

Neste documento consta a seguinte menção: “A Demonstração de Compensação e a correspondente nota de cobrança seguem em envelope separado”.

(ii)              “Demonstração de Acerto de Contas” com o n.º 2015…, referente ao IRC de 2012, da qual resulta o montante a pagar de € 315.674,85, com a referência para pagamento … e data limite de pagamento a 26/11/2015.

Posteriormente, em 29 de fevereiro de 2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa que teve por objeto aquela liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2012 e a aludida demonstração de acerto de contas [cf. documentos n.ºs 1 e 8 anexos à P. I.].

Isto posto. Resulta apodítico que à Requerente foi legalmente notificada uma prestação tributária – IRC, referente ao ano de 2012, no montante de € 315.674,85 –, com um prazo certo para o respetivo pagamento voluntário, cujo termo foi fixado pela AT em 26/11/2015.

Tal é, desde logo, patenteado pelas seguintes menções constantes da sobredita “Demonstração de Acerto de Contas”: “Fica V. Ex. notificado(a) para, até à data limite indicada, efetuar o pagamento do saldo apurado” e “Não sendo efetuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo”.  

Ademais, contrariamente ao propugnado pela Requerida, o ato tributário em causa – liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2012 – não se confina, nem se esgota na predita “Demonstração de Liquidação de IRC”, como aliás resulta da seguinte menção nesta aposta: “A Demonstração de Compensação e a correspondente nota de cobrança seguem em envelope separado”.

Não podemos, efetivamente, olvidar que estamos perante uma liquidação adicional de imposto, decorrente de uma ação inspetiva da qual resultaram correções à matéria tributável, as quais tornaram necessárias a realização de operações de compensação (acerto de contas) entre os valores constantes da liquidação primária e os resultantes da liquidação adicional, a fim de apurar a existência ou não de uma prestação tributária a satisfazer pelo contribuinte e, em caso afirmativo, o respetivo quantum.

Acresce que, se se sufragasse o entendimento da Requerida no sentido de que o ato tributário controvertido “não apura qualquer prestação tributária mas antes um reembolso”, impor-se-ia então perguntar como é que se chegou ao valor constante da “Demonstração de Acerto de Contas” e a que título é que o respetivo pagamento foi exigido à Requerente.  

Dito isto, temos então que, in casu, o prazo para a apresentação da reclamação graciosa deve ser contado da seguinte forma: 120 dias (artigo 70.º, n.º 1, do CPPT) contados continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão (artigo 279.º do Código Civil ex vi artigo 20.º, n.º 1, do CPPT), a partir do dia 27/11/2015 (artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).

Tal prazo terminou, assim, no dia 25/03/2016.

Tendo a aludida reclamação graciosa sido apresentada no dia 29/02/2016, a mesma afigura-se inequivocamente tempestiva. 

Nestes termos, é julgada improcedente a alegada exceção do caso decidido.

*

Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO                      

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A sociedade comercial A…, S. A. (doravante, A…) foi constituída em julho de 1991, tendo como objeto social promover a utilização racional de energia e a diversificação de fontes energéticas através da identificação, estudo, projeto e execução, com recursos próprios ou em associação, de instalações para produção de energia elétrica e/ou aproveitamento de calor residual e a sua posterior exploração e venda de energia, sob forma de financiamento por terceiros. [cf. documento n.º 4 anexo à P. I.]

b) A estrutura de capital da A… foi alterada em meados de 2011, passando a pertencer a 100% ao “Grupo E…”, pois sendo então já detida em 50% pela “G…, SL”, esta última adquiriu os 50% que pertenciam ao anterior acionista, a “H…”. [cf. PA junto aos autos]

c) A A… passou, desde então, a integrar plenamente o universo “E…”, grupo económico líder à escala global no setor da produção de eletricidade pela utilização de recursos renováveis. [cf. PA junto aos autos]

d) O que teve um impacto na sua estrutura de financiamento, pois deixou de ser financiada por terceiros e passou a ser financiada por empréstimos intra-grupo, tendo terminado em 2011 o financiamento externo que tinha obtido através de programas de papel comercial. [cf. PA junto aos autos]

e) No ano de 2012, a A… relacionava-se com as entidades e detinha as participações a seguir identificadas [cf. PA junto aos autos]:

Empresas

Participação

2011

2012

Subsidiárias

 

 

I…

51,00%

51,00%

J…

95,00%

95,00%

K…

95,00%

95,00%

L…

70,00%

70,00%

M…

60,00%

60,00%

N…

95,00%

95,00%

O…

35,00%

35,00%

P…

95,00%

95,00%

Q…

35,00%

35,00%

R…

90,00%

90,00%

S…

80,00%

80,00%

T…

52,38%

52,38%

U…

100,00%

100,00%

Associadas

 

 

V…

10,00%

10,00%

W…

30,00%

30,00%

X…

21,88%

21,88%

Y…

50,00%

50,00%

Z…

50,00%

50,00%

AA…

20,00%

20,00%

A custo

 

 

BB…

2,62%

2,62%

D…

17,98%

17,98%

           

f) A participada “D…” consubstancia um consórcio para a construção e exploração de parques eólicos. 

g) Relativamente ao ano de 2012, a A… declarou os seguintes valores em sede de IRC [cf. PA junto aos autos]:

h) No ano de 2012, a A… apresentava os seguintes saldos no que respeita a financiamentos, quer obtidos, quer concedidos [cf. PA junto aos autos]:

- Empréstimos obtidos: € 109.852.918,00;

- Empréstimos concedidos: € 122.907.861,00.       

i) No concernente a gastos e rendimentos de financiamentos reconhecidos em 2012, estes cifraram-se nos seguintes montantes [cf. PA junto aos autos]:

- Gastos: € 6.660.596,00, sendo que € 6.327.230,00 se reportam a juros de financiamentos obtidos junto das accionistas da Requerente, B… e CC…, e € 332.049,00 se reportam a pagamentos devidos pela prestação de garantias bancárias, no âmbito daqueles financiamentos;

- Rendimentos: € 5.395.492,00 valor que proveio integralmente de financiamentos feitos à participada da Requerente D… [cf. documento n.º 13 anexo à P. I.];

- Gastos líquidos: € 1.265.104,00.

j) Em virtude de, à data dos factos, deter uma participação social de 17,98% na sua participada “D…”, quer a A…, quer o “Grupo E…” encontravam-se desprovidos da faculdade de impor à “D…” uma taxa de juro nos financiamentos diferente da que foi contratualmente acordada e praticada (no ano de 2012, uma taxa média de 5,568%).

k) Todos os contratos e acordos subjacentes à definição das taxas de juro praticadas foram aprovados por unanimidade pelos membros do consórcio “D…”, não tendo dependido de uma declaração unilateral de vontade da A…, sendo que a taxa de juro do financiamento feito à D… foi igual para todos os participantes no consórcio acionista da mesma e que o valor do financiamento foi proporcional à participação de cada um.

l) Os contratos de financiamento da Requerente com a B… e com a CC… foram celebrados em 2011 e tinham vencimento em 2018, enquanto que os financiamentos da Requerente à D… foram celebrados em 2011 e tinham vencimento passado um ano, em 2012, sendo prorrogáveis anualmente. [cf. documentos n.ºs 14 e 15 anexos à P. I.]           

m) O objetivo era que a participada “D…” viesse a ser financiada com recurso a project finance, com empréstimos obtidos junto de terceiros, o que apenas não veio a acontecer dada a grave crise financeira instalada desde o ano 2011.

n) A coberto da ordem de serviço n.º OI2014…, foi a A… sujeita a uma ação inspetiva externa de âmbito geral, incidente nos exercícios fiscais de 2011 e 2012, a qual foi realizada pela Divisão de Inspeção Tributária –… da Direção de Finanças do Porto, tendo tido início em 08/01/2014 e termo em 05/05/2015. [cf. PA junto aos autos]

o) No âmbito do referido procedimento inspetivo, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram à A… que indicasse, relativamente aos exercícios de 2011 e 2012, quais as taxas de juro praticadas nos empréstimos por si obtidos e concedidos. [cf. PA junto aos autos].

p) Na sequência desse pedido, a A… prestou o seguinte esclarecimento aos Serviços de Inspeção Tributária [cf. PA junto aos autos]:

“Juros empréstimos obtidos (5% + Euribor 6M)

q) Através do ofício n.º …/…, datado de 06/05/2015, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, remetido por carta registada, foi a A… notificada do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição, tendo ali sido propostas as seguintes correções em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2012 [cf. documento n.º 5 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

r) Em 02/06/2015, a A… exerceu o direito de audição sobre aquele Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, tendo ali preconizado que os financiamentos que concedeu às suas associadas mostram-se justificados e plenamente admissíveis à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC (aplicável à data dos factos), pelo que a manutenção das correções propostas se afiguram manifestamente ilegais. [cf. documento n.º 6 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

s) As correções ao IRC da A…, referente ao exercício de 2012, mencionadas em p), foram integralmente mantidas no Relatório da Inspeção Tributária, tendo o exercício de direito de audição por parte da A... sido objeto de apreciação pelos Serviços de Inspeção Tributária, nos seguintes termos [cf. PA junto aos autos]:

 

t) As aludidas correções respeitantes à matéria coletável de IRC do exercício de 2012, tiveram subjacente a seguinte fundamentação plasmada no Relatório da Inspeção Tributária [cf. PA junto aos autos]:

 

 

 

 

u) A A... foi notificada do Relatório da Inspeção Tributária, através do ofício n.º …/…, datado de 09/06/2015, da Divisão de Inspeção Tributária –…da Direção de Finanças do Porto, remetido por carta registada com aviso de receção. [cf. documento n.º 7 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

v) Em virtude das referenciadas correções, foram efetuadas a liquidação adicional de IRC n.º 2015…, referente ao exercício de 2012 e a respetiva demonstração de acerto de contas com n.º 2015…, tendo sido apurado um valor total de imposto a pagar de € 315.674,85, com data limite de pagamento voluntário a 26/11/2015. [cf. documentos n.ºs 2 e 3 anexos à P. I.] 

w) A A... não efetuou o pagamento do montante de € 315.674,85, resultante da referida demonstração de acerto de contas com n.º 2015… .

x) Em consequência dessa falta de pagamento, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2015…, no valor de € 316.992,16. [cf. documento n.º 9 anexo à P. I.]

y) A A..., tendo em vista a obtenção da suspensão daquele processo de execução fiscal, prestou uma garantia bancária, emitida pelo Banco DD… e à qual foi atribuído o n.º…, no montante de € 399.997,31. [cf. documento n.º 10 anexo à P. I.]

            z) Em 29 de fevereiro de 2016, a A... apresentou reclamação graciosa – cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido – que teve por objeto a liquidação adicional de IRC n.º 2015…, referente ao exercício de 2012 e a respetiva demonstração de acerto de contas com n.º 2015…, referidas no facto provado v), tendo ali peticionado o seguinte [cf. documentos n.ºs 1 e 8 anexos à P. I.]:

            «…a anulação da liquidação de IRC de 2012 e respetivos juros compensatórios, no montante de EUR 315.674,85, com o fundamento de que tal correção incorre em vício de violação de lei, por erro nos pressuposto de direito e de facto, traduzida na errónea aplicação do artigo 23.º do Código do IRC,…» 

aa) A referida reclamação graciosa foi autuada sob o n.º …2016… no Serviço de Finanças de Porto-…. [cf. PA junto aos autos]

ab) Até à data da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral que originou o presente processo, aquela reclamação graciosa não foi objeto de qualquer ato decisório expresso. [cf. PA junto aos autos]

ac) Em 1 de agosto de 2016, a sociedade comercial B…, S. A., NIPC…, com sede na Avenida…, …, …, Porto, incorporou por fusão a A… [cf. documentos anexos ao requerimento da Requerente, apresentado em 23/08/2016]

ad) A Requerente é uma holding intermédia do “Grupo E…” que, além de participações sociais em diversas sociedades do setor da energia, dispõe de recursos e estruturas técnicas e humanas que permitem criar sinergias e potenciar o desenvolvimento da atividade operacional por parte das respetivas subsidiárias.  

ae) O desenvolvimento da atividade da Requerente – o qual tanto é realizado diretamente, como indiretamente, através das suas subsidiárias/associadas e outras participadas – pressupõe necessariamente a concessão de empréstimos intra-grupo, na medida em que os referidos financiamentos se mostram essenciais à prossecução da atividade desenvolvida pelas suas participadas e, consequentemente, à atividade exercida pela própria Requerente, permitindo que aquelas obtenham lucros que, posteriormente, serão distribuídos à Requerente e que valorizarão as participações sociais da Requerente.

af) Os serviços prestados pela Requerente decompõem-se em [cf. PA junto aos autos]:

(1) Um fee de gestão, na medida em que as sociedades que desenvolvem os projetos energéticos recorrem aos recursos existentes na esfera da Requerente, com vista à exploração dos mesmos, designadamente, nas áreas administrativa, técnica, financeira e comercial.

 (2) Um fee de manutenção, uma vez que os ACE’s “V…” e “W…”, no âmbito da sua atividade de produção de energia nas suas centrais de cogeração, recorrem aos recursos disponíveis na esfera da Requerente, tendo em vista a exploração de projetos, nomeadamente, na área da manutenção de equipamento.    

ag) Em 15 de julho de 2016, foi apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

*

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no respetivo processo administrativo juntos aos autos e, ainda, na prova por declarações de parte e testemunhal que foram produzidas.

Relativamente aos depoimentos prestados por C… e F…– que depuseram de forma clara, objetiva e isenta sobre os factos aos quais foram inquiridos, revelando inequívoco conhecimento direto dos mesmos, pelo que os seus depoimentos mereceram total credibilidade – os mesmos corroboraram, no essencial, a factualidade alegada pela Requerente, relativamente à qual foram inquiridos.

Em especial, relativamente aos factos a que se refere o ponto i) da matéria de facto, esclareceram as testemunhas que o financiamento da Requerente junto das suas accionistas, correspondeu à consolidação de outros financiamentos de que a Requerente era devedora junto de terceiros, e que por razões de política financeira decorrentes da alteração da estrutura accionista da Requerente foram liquidados com fundos intra-grupo, sendo que o custo do novo financiamento tem cabimento na normalidade do mercado, conforme demonstrado no dossier de preços de transferência, não tendo a Requerida se pronunciado sobre a matéria dos preços de transferência.

Relativamente aos factos a que se referem os pontos j) a m) da matéria de facto provada, esclareceram as testemunhas que o projecto da D… previa, inicialmente, financiamento por terceiros (banca – project finance), tendo sido isso que aconteceu nas duas primeiras fases do projecto, e que foi por força da crise financeira que se entretanto instalou que, na terceira fase, os accionistas da D… se viram na necessidade de disponibilizar capital à sua participada.

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III.2. DE DIREITO

A Requerente funda o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito da sobredita reclamação graciosa e dos atos tributários controvertidos, na violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, arguindo ainda a inconstitucionalidade desta mesma norma legal, por violação do princípio da iniciativa privada, constante do artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa.

O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estatui que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT –, pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).

As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento.

A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.

Assim, se se tratar, por exemplo, de um vício de violação de lei, a anulação do ato impedirá a prática de um novo ato tributário em que se aplique ou desaplique a mesma norma que esteve em causa no ato anterior, o que se traduzirá na impossibilidade de praticar um novo ato que imponha tributação ao impugnante.

Como se infere do que se vem de dizer, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do ato impugnado.

Nesta parametria, volvendo ao caso concreto, impõe-se, então, começar pela apreciação do vício de violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, pois, a verificar-se, afastará definitivamente a possibilidade de impor à Requerente um novo ato impositivo de tributação, alcançando-se, dessa forma, a mais estável e eficaz tutela dos seus interesses.

Além disso, só importará proceder à apreciação da questão da inconstitucionalidade daquela mesma norma legal, tal qual se encontra alegada, se e na medida em que se concluir que a interpretação e concretização da solução normativa dela resultante preclude a subsunção da situação sub judice à respetiva previsão legal.   

*

 

A situação sub iudice desenha-se com contornos simples. Com efeito, verificando a AT que a Requerente suportou gastos com financiamentos em montante superior aos respetivos proveitos, entendeu desconsiderar o excedente de gastos para o cômputo do lucro tributável da Requerente, por o considerar desnecessário, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do CIRC, na redação aplicável à data.

Situação análoga, relativa ao exercício do ano de 2011 da ora Requerente, foi objeto de extensa apreciação no âmbito do processo arbitral 695/2015T[2], cuja contextualização e considerandos se subscrevem na sua generalidade, e para os quais se remetem.

No referido aresto é revista doutrina e jurisprudência anterior sobre a matéria, e em particular a consideração de que “… a actividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos”.

Em síntese, conforme referido no referido aresto, quanto ao conceito de “indispensabilidade”, apreciado na finalidade de “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, relevam-se os seguintes aspetos, constantes da sua fundamentação: 

“A indispensabilidade … afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) …

A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado … à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa”.

Assim, o critério de indispensabilidade destina-se a “impedir a consideração fiscal de gastos” incorridos em benefício de “interesses alheios”.  

Quanto ao conceito de ativo e de fonte produtora, na fundamentação do processo referido supra, são considerados os ativos financeiros, incluindo as participações financeiras, e quanto à questão “Uma sociedade participada que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, cobrando-lhes juros nulos, ou inferiores aos pagos, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?, estabelece que “a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro)”

Entendeu-se, no caso, que quando a participante financia as participadas (seus ativos financeiros), na contabilidade da participante “a alocação de fundos às participadas tem como contrapartida o incremento do valor do investimento contabilizado na conta "41-Investimentos financeiros". A fonte produtora que é financiada, na qual se reforça a posição da investidora é, em primeira linha, o conjunto de ativos financeiros” da participante.

“Isto é, a fonte produtora materializa-se jurídica e contabilisticamente no ativo da [participante], que concentra legal, económica e financeiramente as características de uma fonte produtora da [participante]: é um conjunto de ativos previamente adquirido por esta entidade, que lhe outorga direitos sobre as participadas, e dele se esperam rendimentos na esfera da adquirente.”

“… a AT corrige apenas o diferencial de juros e não a totalidade dos juros pagos pela [participante]. …, esta lógica de ajustamento fiscal afigura-se desajustada. Querendo-se questionar o diferencial de preços (taxas de juro) pagos e cobrados, seriam as normas de preços de transferência as que se deveriam aplicar, e não as do artigo 23.º do CIRC”.

Como se nota no referido aresto, é hoje relativamente consensual qual a leitura a fazer da norma em que assenta a correção operada pela AT, contra a qual a aqui Requerente se insurge, podendo sintetizar-se da seguinte forma:

-          o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11[3]);

-          “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Ac. STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

-          “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades.” (Ac. STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

-          o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico, e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Ac. TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

-          “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Ac. TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

-          “da noção legal de custo fornecida pelo art. 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);

-          “A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.

Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.” (Ac. STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

Densificados, deste modo, os critérios de apreciação da indispensabilidade dos gastos, à luz do artigo 23.º do CIRC, resta, então, a operação de aplicação de tais critérios ao caso concreto, apreciando-se àquela luz os argumentos da AT que sustentam a sua posição.

 

*

No presente quadro, relativo ao exercício de 2012, verifica-se que está exclusivamente em causa o financiamento da Requerente à sua participada D…, contrastado com os financiamentos obtidos por aquela, junto das suas acionistas B… e CC… .

Com efeito, embora do Relatório de Inspeção conste a menção de que a Requerente concedeu empréstimos a várias participadas, o certo é que, relativamente ao ano de 2012 e tendo em conta os valores em que assentam as correções em crise, constantes dos pontos h) e i) da matéria de facto provada, bem como a documentação junta aos autos, se verifica que, no ano em causa, apenas estão em causa financiamentos à referida participada da Requerente, D…, pelo que a apreciação subsequente se deverá ater a essa situação concreta.

Nessa matéria, verifica-se nos autos que no projecto D… a Requerente era uma acionista minoritária (participação inferior a 20%), que o mesmo decorria já há vários anos, tendo entrado na sua fase 3, que o financiamento necessário estava previsto ter sido obtido junto de terceiros (que, na sequência da crise financeira que se instalou, se indisponibilizaram para o efeito), e que as condições acordadas para o financiamento foram iguais para todos os acionistas/financiadores, sendo que a participação destes no financiamento foi proporcional à participação de cada um na financiada.

Relativamente ao financiamento à D…, verifica-se também que se tratou de um financiamento de curto prazo (um ano, renovável).

Já no que se reporta aos  financiamentos à Requerente, verifica-se que resultam da consolidação de outros financiamentos pré-existentes, contraídos no normal exercício da atividade daquela, e que se tratam de financiamentos de longo prazo (7 anos).

Ainda no que diz respeito a ambos os financiamentos, não se apurou que qualquer deles tivesse condições desfasadas das normalmente vigentes no mercado, estando devidamente justificados no dossier de preços de transferência da Requerente.

Com relevância, também, para o caso, verifica-se que a D… constituía um consórcio para a construção e exploração de parques eólicos e que o objeto social da Requerente consistia em “promover a utilização racional de energia e a diversificação de fontes energéticas através da identificação, estudo, projeto e execução, com recursos próprios ou em associação, de instalações para produção de energia elétrica e/ou aproveitamento de calor residual e a sua posterior exploração e venda de energia, sob forma de financiamento por terceiros”.

Face a este quadro factual, crê-se resultar de forma relativamente evidente que não se poderá concluir de outra forma, aqui, como no citado processo arbitral 695/2015T, que não a de que os encargos suportados pela Requerente com o financiamento da sua participada D… foram incorridos no normal prosseguimento da atividade própria da Requerente.

Com efeito, enquadrando-se a atividade da D… no objeto próprio e específico da Requerente, estando esta, ab initio, vocacionada para exercer a sua actividade com recursos próprios ou em associação, exercendo a Requerente, efectivamente, a sua actividade por meio de participação ou associação em cerca de duas dezenas de sociedades, e surgindo a necessidade de financiamento num quadro de turbulência financeira que inviabilizou a possibilidade de financiamento por terceiros, como estava previsto, nada mais poderia a Requerente fazer, em ordem a assegurar a manutenção da D… enquanto fonte dos seus prospetivos rendimentos tributáveis, do que aportar à sua participada a parte do financiamento que aquela carecia, e que, de acordo com a participação na mesma, lhe competia assegurar, e nas condições que, nos termos legais, os restantes participantes na financiada deliberaram estabelecer.

A circunstância de, concomitantemente, a Requerente estar onerada com financiamentos a taxa superior àquela que veio a ser determinada no financiamento à sua participada, de forma alguma inviabiliza a conclusão retirada, desde logo porquanto financiamentos com caraterísticas próprias distintas (prazos, garantias, valores) poderão ter, como é o caso, preços distintos, e depois porquanto nada nos factos apurados indicia que, como entendeu a AT, a Requerente esteja a suportar custos relativos a uma atividade alheia, sendo que o que se verifica é que os custos de financiamento se reportam, directamente, à atividade empresarial da Requerente.

No caso em que uma sociedade participante não cobra juros (ou cobra juros a taxa inferior à que suporta no seu financiamento) a sociedades participadas, o que conduz a não obter (ou obter reduzidos, face ao seu custo) rendimentos de juros tributados, ao mesmo tempo que tal conduz a tendencialmente maior lucro imputável à participação no caso de aplicação do MEP-Método de Equivalência Patrimonial (não havendo tributação na esfera da participante, atendendo ao nº 8 do artigo 18º do CIRC), e caso a participada venha a distribuir lucros (dividendos) estes poderão beneficiar de exclusão de tributação na esfera da participante caso se verifiquem os requisitos previstos no artigo 51º do CIRC.

Não obstante tal fundamento não ter sido invocado pela AT, sempre se dirá que se  entende que tal não configura uma operação com carácter abusivo, no contexto do artigo 23º do CIRC, atentas as considerações acima, bem como a jurisprudência do TJUE. Assim, conforme referido no Acórdão nº 753/2014 do Tribunal Constitucional (Processo nº 247/2014), “o caráter abusivo de uma operação para efeitos de aplicação de uma disposição antiabuso não pode advir simplesmente da existência de relações especiais entre as partes envolvidas, a constatação da existência de uma prática abusiva não resulta da natureza das transações comerciais normalmente efetuadas pelo autor das operações em causa, mas do objeto, da finalidade e dos efeitos dessas mesmas operações. — cf. Acórdão n.º C -103/09, de 22 de dezembro de 2010”.

            De facto, no Acórdão (proc. n.º) C -103/09 (Weald Leasing), no seu nº 30 é referido que “deve igualmente resultar de um conjunto de elementos objectivos que a finalidade essencial das operações em causa é a obtenção de uma vantagem fiscal. Com efeito, a proibição de práticas abusivas não é relevante nos casos em que as operações em causa possam ter alguma explicação para além da mera obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições (v. acórdãos … Halifax (nº 75) …” e no seu nº 44 referido que “a constatação da existência de uma prática abusiva não resulta da natureza das transacções comerciais normalmente efectuada pelo autor das operações em causa, mas do objecto, da finalidade e dos efeitos dessas mesmas operações”.

            Também, no Acórdão (proc. nº) C-255/02 (Halifax), no seu nº 73, refere que “o sujeito passivo tem o direito de escolher a estrutura da sua actividade de forma a limitar a sua dívida fiscal”.

            Por fim, é considerado no supra referido Processo n.º 695/2015T que “os investimentos da [participante], suportados por capital alheio do qual se pagaram juros, incrementaram, por virtude da lucratividade das participadas, os rendimentos reconhecidos na [participante], por via da aplicação do MEP. É certo que esses rendimentos são, por via do artigo 18.º, n.º 8, do CIRC excluídos da tributação; mas no plano económico-financeiro eles constituem inequivocamente rendimentos obtidos pela [participante]... em função da gestão dos seus investimentos e do respetivo financiamento.

Em face do que se disse sobre o MEP, e havendo lucros nas participadas, o pagamento de dividendos (efetivo ou potencial) resulta também da atividade de gestão da [participante]... relativamente às suas participadas”, e como referido acima, caso a participada venha a distribuir lucros (dividendos) estes poderão beneficiar de exclusão de tributação na esfera da participante caso se verifiquem os requisitos previstos no artigo 51º do CIRC.

A este propósito, poderá colocar-se a questão de saber se as situações acima referidas (lucros imputáveis por aplicação do MEP a que será aplicável o nº 8 do artigo 18º do CIRC, e lucros distribuídos, que beneficiem da eliminação da dupla tributação económica, verificadas as condições do nº 1 do artigo 51º do CIRC), na esfera da participante, se tratam de situação e/ou situações de delimitação negativa de incidência (não sujeição ou não tributação) e/ou de isenção.

            A participante, tratando-se de uma sociedade comercial, o IRC incide sobre o lucro (de acordo com o nº 1 do artigo 3º do CIRC), em que “o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código” (nº 2 do artigo 3º do CIRC).

            No preâmbulo do CIRC (constante do Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro) é estabelecido que “13 -  Na estrutura do IRC, uma das questões nucleares é a da dupla tributação económica dos lucros colocados à disposição dos sócios, que se relaciona com o problema, desde há muito discutido, de saber se entre o imposto de sociedades e o imposto pessoal de rendimento deve existir separação ou integração e, neste último caso, em que termos. A escolha do sistema a adoptar depende de vários factores e entronca na perspectiva que se tenha sobre a incidência económica do imposto que recai sobre as sociedades.

No entanto, quanto aos lucros distribuídos por sociedades em que outra detenha uma participação importante, …, adoptando-se, na linha de orientação preconizada em algumas legislações e nos estudos em curso no âmbito comunitário, uma solução que elimina, nesses casos, a dupla tributação económica”.

A expressão “lucros distribuídos por sociedades em que outra detenha uma participação importante”, representa uma espécie de “critério fiscal” de subsidiária ou associada, cujo conceito e enquadramento contabilístico vem apresentado no supra referido Processo n.º 695/2015T, e que conforme referido por este, e citado acima, “havendo lucros nas participadas, o pagamento de dividendos (efetivo ou potencial) resulta também da atividade de gestão da [participante]... relativamente às suas participadas”.

            No que se refere, ao lucro imputável à participação na esfera da participante, no caso de aplicação do MEP, há que atender ao caso geral de adoção da teoria da separação na generalidade das sociedades de capitais, conforme considerações abaixo, bem como ao princípio da realização, os quais decorrem do conceito de rendimentos que estabelecia a alínea c) do nº 1 do artigo 20º do CIRC:

            “De natureza financeira, tais como …, dividendos, …”.

            Também, quanto aos rendimentos de mais-valias, se encontra reflectido o princípio da realização, atendendo ao que estabelecia a alínea h) do nº 1 do artigo 20º do CIRC:

            “Mais-valias realizadas”.

No que se refere ainda ao princípio da realização, de acordo com TOMÁS CANTISTA TAVARES, em “IRC e Contabilidade: da realização ao justo valor”, 2011, págs. 42 e 43, “A realização reporta-se às componentes positiva do rédito”, e “A proposição central deste modelo encerra-se na estrutural ligação do rédito à realização … A realização comanda a regra de imputação temporal do rédito – a especialização dos exercícios”. Assim, o nº 8 do artigo 18º (Periodização do lucro tributável) estabelecia à data do período temporal dos factos que “Os rendimentos e gastos, assim como quaisquer outras variações patrimoniais, relevados na contabilidade em consequência da utilização do método da equivalência patrimonial não concorrem para a determinação do lucro tributável, devendo os rendimentos provenientes dos lucros distribuídos ser imputados ao período de tributação em que se adquire o direito aos mesmos”.

            Na mesma linha, por aplicação do princípio da realização, também não concorrem para a formação do lucro tributável “As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade …” (alínea b) do nº 1 do artigo 21º do CIRC).

No que se refere à prudência quanto aos rendimentos decorrentes da aplicação do MEP no plano do direito societário, o nº 3 do artigo 32º (Limite da distribuição de bens aos sócios) do Código das Sociedades Comerciais, estabelece que “Os rendimentos e outras variações patrimoniais positivas reconhecidos em consequência da utilização do método da equivalência patrimonial, nos termos das normas contabilísticas e de relato financeiro, apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios, …, quando sejam realizados” [Aditado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho].

            No plano contabilístico, no que se refere ao lucro imputável à participação por aplicação do MEP, não obstante o §58 da NCRF13 - Interesses em Empreendimentos Conjuntos e Investimentos em Associadas, estabelecia que “Pelo método da equivalência patrimonial, o investimento numa entidade é inicialmente reconhecido pelo custo e a quantia escriturada é aumentada ou diminuída para reconhecer a parte do investidor nos resultados da investida depois da data da aquisição. A parte do investidor nos resultados da investida é reconhecida nos resultados do investidor. As distribuições recebidas de uma investida reduzem a quantia escriturada do investimento”, o princípio da realização vinha reflectido nas notas de enquadramento à conta “5712 - Ajustamentos em activos financeiros - Relacionados com o método da equivalência patrimonial - Lucros não atribuídos”, a qual estabelecia que “Esta conta será creditada pela diferença [corresponde a considerar esta diferença como rubrica do capital próprio não realizada] entre os lucros imputáveis às participações e os lucros que lhes forem atribuídos (dividendos) [corresponde implicitamente a consideração da parte do lucro imputado que foi atribuída/distribuída como realizada], movimentando-se em contrapartida a conta 56 - Resultados transitados”.

No que se refere ao nº 1 do artigo 51º (Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos) do CIRC, este estabelecia que “Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais … são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos: …”. Conforme referido no parágrafo acima, no plano contabilístico, na aplicação do MEP, implicitamente se considera que a parte do lucro imputado que foi atribuída/distribuída como realizada.

Assim, não obstante os lucros distribuídos pela participada serem no plano contabilístico, na aplicação do MEP, tratados na esfera da participante como uma redução do investimento financeiro em participações financeiras, não sendo esta distribuição de lucros refletida no resultado da participante, atendendo ao disposto na parte final do nº 8 do artigo 18º do CIRC (“…devendo os rendimentos provenientes dos lucros distribuídos ser imputados ao período de tributação em que se adquire o direito aos mesmos”) deverão ser considerados no lucro tributável (refletindo a sua realização como rendimentos para efeitos fiscais), podendo, no entanto, ser deduzidos a este, verificadas as condições do nº 1 do artigo 51º do CIRC.

            J. L. SALDANHA SANCHES, em “Manual de Direito Fiscal”, 2007, págs. 449 e segs., refere que “A construção doutrinal do conceito de isenção fiscal tem acentuado algumas das características centrais desta figura, em particular no campo da sua distinção da figura próxima da não tributação ou não sujeição.

            Do ponto de vista formal, estamos perante uma isenção sempre que a lei subtrai à tributação, através da previsão normativa de um facto impeditivo, situações … que, de outra feita, ficariam dentro do âmbito de previsão da norma tributária. A isenção pressupõe sempre uma norma de conteúdo afirmativo, que abrange, na sua previsão, um certo grupo de realidades e uma norma negativa ou restritiva que, procedendo a uma segunda previsão legal, abrange um subconjunto dessas mesmas realidades e as torna não tributáveis de forma total ou parcial.

… dificuldades de distinção, através da mera estrutura formal da norma, … levaram à utilização do fim da norma como critério principal para essa distinção. Este critério distingue entre normas de delimitação, que reduzem a abrangência de previsões fiscais, e normas que contêm isenções. Deixamos de lado os critérios formais para adoptarmos critérios materiais, os quais atendem, principalmente, ao fim e ao sentido da norma.

            Em síntese, estaremos perante uma isenção fiscal sempre que se trate de uma norma com um objectivo extra-fiscal, …, instrumentos de política económica.

… é essencial distinguir, entre a verdadeira isenção, no sentido de uma norma que derroga o princípio da distribuição dos encargos tributários para alcançar fins extra-fiscais, e outras normas, …”.

            M. H. de FREITAS PEREIRA, em “Fiscalidade”, 2010, pág. 395, refere que “A isenção é um benefício em virtude do qual, embora exista o pressuposto previsto na lei como fonte ou base de determinada tributação, por razões extrínsecas, de conveniência política ou económica, a tributação é afastada, temporária ou definitivamente. É, por isso, que, em termos jurídicos, a isenção tem a natureza de um facto impeditivo autónomo e originário e não de uma simples delimitação negativa do facto constitutivo, da incidência.

            Não se pode, portanto, confundir isenção com situação de não tributação. Por outro lado, nem todas as isenções podem ser qualificadas como benefícios fiscais. É que, por vezes, usam-se as isenções por razões técnicas, designadamente para evitar uma dupla tributação, fazendo parte, nesse caso, do regime normal de tributação”.

            Na obra supra citada, FREITAS PEREIRA, nas págs. 100-101 e 106, no que diz respeito à questão da dupla tributação económica, refere que “De entre as duas soluções – considerar ou não as sociedades como entes diferentes dos respectivos sócios – pode dizer-se que se encontra generalizada a tributação separada no tocante às sociedades de capitais. …

Da existência de tributação separada para as sociedades decorre uma outra questão: a da articulação entre esta tributação e a do rendimento pessoal dos sócios quanto aos lucros distribuídos. Trata-se de ver como é encarada a chamada dupla tributação dos lucros distribuídos: os lucros são tributados primeiro em imposto sobre as sociedades e, quando distribuídos, no imposto sobre o rendimento dos respectivos sócios. …

Se estas condições de mínimo de participação e período de detenção forem satisfeitas, verifica-se uma “isenção” total dos lucros distribuídos ao nível da sociedade … que os recebe …”.

            Decorre do exposto acima que:

a) O lucro imputável à participação, decorrente da aplicação do MEP, e que não concorre para a formação do lucro tributável da participante por aplicação do nº 8 do artigo 18º do CIRC, se trata de uma situação de não sujeição a IRC, atendendo ao princípio geral da separação e ao princípio da realização.

b) A eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, verificadas as condições do nº 1 do artigo 51º do CIRC, pela participante, trata-se de uma situação de isenção em IRC.

            Não obstante o enquadramento das duas situações acima, quanto ao conceito de “indispensabilidade” no artigo 23º do CIRC, apreciado na finalidade de “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, entende-se que, considerados os argumentos expostos acima, incluindo o conceito de “manter a fonte produtora” (ativo financeiro), no caso, se consideram dedutíveis para efeitos fiscais os juros suportados pela Requerente.

Julga-se, igualmente, que a jurisprudência em cuja intendida aplicação assenta o acto tributário ora em crise não ratifica este, nem infirma o quanto aqui se conclui.

Assim, relativamente ao Acórdão do STA de 07/02/2007, proferido no processo 01046/05, verifica-se que, não só, o financiamento concedido ali concedido foi a custo gratuito, como se apurou que as verbas financiadas não estavam “directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é a fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade”, situações que, como se viu, não têm qualquer paralelismo com os presentes autos.

O mesmo se diga relativamente aos Acórdãos do STA de 20/05/2009, proferido no processo 01077/08 (e não 01077/05, como consta do RIT), de 30/11/2011, proferido no processo 0107/11, e de 30/05/2012, proferido no processo 0171/11[4], onde os financiamentos em causa foram gratuitos e as verbas em questão não estavam “directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.”.

Quanto ao Acórdão do TCA-Sul de 24-04-2012, proferido no processo 05251/11, não se verificará, igualmente, qualquer identidade com a situação ora sub iudice, na medida em que, não só estavam, igualmente, ali em causa prestações acessórias de capital, não remuneradas, como as correcções se deram porquanto “a Inspecção Tributária não aceitou como custos fiscalmente relevantes com fundamento de que os encargos financeiros suportados relativos a créditos bancários obtidos para acorrer à obrigação de prestações suplementares, em razão da detenção de participações sociais nas demais sociedades no âmbito da actividade de detenção e gestão de participações financeiras, não representam um gasto indispensável à realização dos proveitos sujeitos a imposto, podendo apenas destinar-se à manutenção da fonte produtora da participada e ser nestas consideradas como custo, o qual não seria de considerar no âmbito do grupo de sociedades porquanto, tratando-se de sociedades gestoras de participações sociais as mesmas beneficiam de uma exclusão de sujeição a IRC quanto às mais-valias ao abrigo do disposto no artº 31º do E.B.F., pelo que não sendo os proveitos sujeitos a imposto tais custos não são fiscalmente dedutíveis.”.

Neste enquadramento, quer o indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º …2016…, quer a liquidação de IRC n.º 2015…, respeitante ao exercício de 2012, e a respetiva demonstração de acerto de contas com o n.º 2015…, nos termos das quais se apurou imposto a pagar no valor de € 315.674,85,  padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, o que constitui vício de violação de lei, que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

 

*

Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos controvertidos, por vício que impede a renovação dos mesmos, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento da invocada inconstitucionalidade do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, por violação do princípio da iniciativa privada, constante do artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa. 

*

§3. DA INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA

Como está provado, a Requerente não procedeu ao pagamento voluntário do montante de € 315.674,85, resultante da referida demonstração de acerto de contas n.º 2015… .

Consequentemente, como também consta dos factos provados, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2015…, tendo a Requerente, com vista à suspensão desse processo de execução fiscal, prestado uma garantia bancária, emitida pelo Banco DD… e à qual foi atribuído o n.º…, no montante de € 399.997,31.

Por entender que, no caso concreto, houve erro imputável à AT, a Requerente formula um pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, a fim de ser ressarcida pelos prejuízos resultantes da prestação daquela garantia, sem dependência do prazo pelo qual esta venha a ser mantida.

Cumpre apreciar.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte: 

«Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.»

No caso em apreço, os atos de liquidação de IRC e juros compensatórios controvertidos padecem, como já vimos, de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto ao disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, o que invalida totalmente aqueles atos tributários.

Ademais, os referidos atos de liquidação de imposto e de juros compensatórios foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária, sendo que a Requerente em nada contribuiu para que eles fossem efetuados e, muito menos, nos termos em que o foram.

Neste enquadramento, a prestação da aludida garantia bancária, por parte da Requerente, tendo em vista a obtenção da suspensão do mencionado processo de execução fiscal, afigura-se indevida, pelo que a Requerente tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos que efetivamente sofreu com a prestação daquela garantia bancária, os quais, como a própria Requerente refere, «só poderão, evidentemente, ser apurados no momento em que venha a ser possível levantar a garantia, uma vez que o seu montante está na dependência do prazo de duração da garantia»; ou seja, será em sede de execução de sentença que serão apurados tais prejuízos e fixada a indemnização devida à Requerente.

***

IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedente a exceção do caso decidido;

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

- por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, declarar ilegal o indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º …2016…, com a sua consequente anulação;

- por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, declarar ilegal a correção meramente aritmética efetuada à matéria coletável de IRC, referente ao exercício de 2012, no valor de € 1.265.104,00;

- por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, declarar ilegal a liquidação de IRC n.º 2015…, referente ao exercício de 2012, com a sua consequente anulação, o mesmo sucedendo com a respectiva demonstração de acerto de contas com o n.º 2015…, nos termos das quais se apurou imposto a pagar no montante de € 315.674,85;

a)      Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de uma indemnização à Requerente, por prestação de garantia indevida, no valor que vier a ser fixado em execução de sentença;

b)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 315.674,85.

*

CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 5.508,00 (cinco mil quinhentos e oito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Lisboa, 20 de março de 2017.

 

Os Árbitros,

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 

(José Eduardo Mendonça da Silva Gonçalves)

 

 



[1] Uma das testemunhas – C…– é administrador da Requerente (B…, S. A.), pelo que foi requerida e deferida a respetiva prestação de declarações de parte. 

 

[2] Disponível em www.caad.org.pt.

[3] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[4] Note-se, alías, que a relatora deste acórdão é a mesma do proferido no processo arbitral 695/2015T, já citado, onde em situação análoga às dos presentes autos se conclui pela inaplicabilidade da jurisprudência citada pela AT.