Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 26/2017-T
Data da decisão: 2017-05-22  IMT  
Valor do pedido: € 58.045,00
Tema: IMT - Inutilidade superveniente da lide
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 5 de janeiro de 2017, o A…, S. A., NIPC …, com sede na Praça …, n.º…, Porto (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando:

- A declaração de ilegalidade e a anulação do ato de liquidação adicional de IMT, no montante de € 58.045,00, referente à aquisição do prédio urbano, sito em … ou … freguesia de …, concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo…, por adjudicação, pelo preço de € 893.000,00, no âmbito do processo de insolvência da sociedade “B…, S. A.”, NIPC…, que, sob o n.º …/11… TYLSB, correu termos pelo … Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa; e

- A declaração de ilegalidade e a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, que correu termos pelo Serviço de Finanças da Amadora-…, apresentada contra o referido ato tributário.

A Requerente juntou 7 (sete) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 20 de janeiro de 2017.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. No dia 3 de março de 2017, a AT veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, apresentar um requerimento, comunicando a revogação dos atos controvertidos, nos seguintes termos:

5. No dia 6 de março de 2017, a Requerente foi devidamente notificada quer desse requerimento da AT quer do despacho do Senhor Presidente do CAAD, com o seguinte teor:

6. Na mesma data, as Partes foram devidamente notificadas da designação do signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, não tendo manifestado vontade de recusar essa designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

7. Nada tendo a Requerente vindo dizer/requerer aos autos, na sequência da predita notificação, mencionada no ponto 5 (cinco), em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 21 de março de 2017.

9. No dia 4 de maio de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta que rematou da seguinte forma:

            «Nos termos supra expostos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, devem ser julgadas procedentes as exceções invocadas:

            Devendo ser ordenada a extinção da Instância, com fundamento da impossibilidade da lide, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC ex vi 29.º do RJAT,

            Ou, caso assim não se entenda,

Deve ser julgada procedente a exceção perentória invocada e a AT absolvida na totalidade do pedido, nos termos do n.º 3 do 576.º do CPC ex vi 29.º do RJAT

Ou, ainda,

Deve ser julgada procedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral, para apreciar o pedido de juros indemnizatórios, tudo com as demais consequências legais.»

7. Em 15 de maio de 2017, a Requerente, devidamente notificada para o efeito, veio pronunciar-se quanto à matéria de exceção alegada pela Requerida, tendo, além do mais, dito o seguinte:

«1. Em face da revogação o despacho que é objecto do presente processo e com o consequente dever de restituição do valor de imposto indevidamente pago, acrescido dos juros legais desde a data do pagamento até à sua efectiva devolução, o ora Requerente nada tem a opor que seja considerada extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT.

(…)

4. Em face do exposto, caso se julgue extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide deverá a responsabilidade pelas custas recair sobre a Requerida por lhe ser imputável a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, por ter dado satisfação voluntária da pretensão do ora Requerente e com o consequente dever de restituição do valor de imposto indevidamente pago, acrescido dos juros legais desde a data do pagamento até à sua efectiva devolução.»   

8. O Tribunal dispensou quer a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT quer a apresentação de alegações finais, tendo fixado o dia 16 de junho de 2017 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

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II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

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            III. DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

            Por ambas as Partes foi expresso o entendimento de que se verifica a inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, ambas requerem a extinção da presente instância arbitral.

            Cumpre apreciar e decidir.

            O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

Volvendo ao caso concreto, temos que a AT satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que a Requerente formulou nestes autos, como esta própria veio expressamente reconhecer.

Nessa medida, os resultados que a Requerente visava com o presente processo arbitral foram já integralmente atingidos, pelo que a decisão arbitral que, normalmente, seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.   

            Sem necessidade de maiores considerações, julga-se, pois, verificada a inutilidade superveniente da lide.

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            IV. DAS CUSTAS

Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os previstos nos números anteriores), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.

No caso concreto, temos que a pretensão da Requerente foi satisfeita voluntariamente pela AT, por esta ter revogado os atos impugnados.

No entanto, a AT procedeu à aludida revogação ainda antes da constituição deste Tribunal Arbitral singular, sendo que o prosseguimento do processo (rectius, do procedimento arbitral), apesar da satisfação integral e voluntária dos pedidos formulados, por parte da AT, só à Requerente pode ser imputável.

Porquanto, notificada para se pronunciar quanto ao requerimento apresentado pela AT, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, a Requerente nada veio dizer aos autos, pelo que, atenta essa postura silente da Requerente e apenas por causa dela, houve lugar à constituição deste Tribunal Arbitral singular; efetivamente, a constituição do Tribunal Arbitral não teria ocorrido se a Requerente tivesse, na referida ocasião, vindo aos autos pronunciar-se nos termos em que, posteriormente, o fez, ou seja, no sentido da inutilidade superveniente da lide e consequente extinção do processo, uma vez que é apodítico que a inutilidade superveniente da lide verificou-se em momento anterior ao da constituição do Tribunal Arbitral. 

As custas deste processo devem, por isso, ser totalmente imputáveis à Requerente.

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V. DECISÃO

            Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)       Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide;

b)      Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 58.045,00.

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

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Notifique.

 

Lisboa, 22 de maio de 2017.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)