Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 398/2016-T
Data da decisão: 2017-06-08  Selo  
Valor do pedido: € 56.260,00
Tema: Imposto do Selo sobre divisões de prédio urbano em propriedade vertical total
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Pedido  

A…, SA, contribuinte nº…, residente no …, no…, …-… Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou, em 14-07-2016, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:

 

-          A declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto de Selo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015 respeitantes ao prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Freguesia de …, Lisboa;

-          A declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto de Selo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015 respeitantes ao prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Freguesia de …, Lisboa;

-          A declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto de Selo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015 respeitantes ao prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Freguesia …, Lisboa;

-          A condenação da AT - Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente das quantias pagas a título de imposto de selo, verba 28.1 da TGIS, com referência ao ano de 2015, acrescidas dos juros moratórios e indemnizatórios competentes;

A Requerente alega, em síntese:

-          O prédio descrito sob o artigo …, Freguesia de …, Lisboa, sito na Rua …, no … a …, é composto por divisões com utilização independente, cujo valor patrimonial tributário (VPT) foi determinado separadamente;

-          O prédio não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal, encontrando-se antes em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente;

-          O prédio compreende um total de 11 pisos, com divisões susceptíveis de utilização independente, encontrando-se afetas a habitação os andares direito e esquerdo do 1º ao 8º piso, e o seu VPT total perfaz o valor de 3.454.270,00€, sendo que nenhuma das partes ou andares com afectação habitacional tem um valor patrimonial tributário superior a 1.000.000,00€;

-          Sobre cada uma das identificadas divisões destinadas a habitação, a Autoridade Tributária liquidou um imposto do selo, com referência ao ano de 2015, nos termos da Tabela Geral do Imposto do Selo;

-          O prédio descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Freguesia de …, Lisboa é composto por cave, rés-do-chão e seis andares divididos pelas letras A a D, as quais constituem divisões susceptíveis de utilização independente, cujo valor patrimonial tributário (VPT) foi determinado separadamente;

-          O prédio não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal, encontrando-se antes em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente;

-          O prédio compreende um total de 7 andares, com divisões susceptíveis de utilização independente, encontrando-se afectos a habitação os andares do 2º ao 6º piso, sob as letras A a D, e o seu VPT total perfaz o valor de 1.640.230,00€, sendo que nenhuma das partes ou andares com afectação habitacional tem um valor patrimonial tributário superior a 1.000.000,00 €;

-          Sobre cada uma das identificadas divisões destinadas a habitação, a Autoridade Tributária liquidou imposto do selo, com referência ao ano de 2015, nos termos da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo;

-          O prédio descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Freguesia de …, Lisboa é composto de 9 pisos de duas frentes, com divisões Esquerdo, Direito e Frente, as quais constituem divisões com utilização independente, cujo valor patrimonial tributário (VPT) foi determinado separadamente;

-          Apesar de constituído nos termos descritos, este prédio não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal, encontrando-se antes em propriedade total, com andares e divisões susceptíveis de utilização independente;

-          O prédio, em propriedade vertical, compreende um total de 9 pisos, com divisões susceptíveis de utilização independente, encontrando-se afectos a habitação os andares esquerdos, frente e direitos do 1º ao 7º piso, e o seu VPT total perfaz o valor de 2.279.440,00€, sendo que nenhuma das partes ou andares com afectação habitacional tem um valor patrimonial tributário superior a 1.000.000,00€;

-          Sobre cada uma das identificadas divisões destinadas a habitação, a Autoridade Tributária liquidou imposto do selo, com referência ao ano de 2015, nos termos da Tabela Geral do Imposto do Selo;

-          A AT entende que, para um prédio em propriedade vertical, a norma constante da verba 28 da TGIS determina que o critério para a aferição da sua incidência é o VPT global do prédio, independentemente deste ser composto por divisões destinadas a habitação, de utilização independente. Pelo contrário,

-          Entende a Requerente que não deve ser tido em conta o somatório dos VPT de cada andar e divisão para aferir da incidência do imposto do selo. Pelo que, na perspectiva da Requerente, o entendimento da AT é ilegal;

-          A sujeição ao imposto do selo contido na verba n.º 28.1 da TGIS é determinada pela conjunção de dois factos: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a 1.000.000,00€;

-          Assim, tratando-se de prédios com as características já descritas, a sujeição a imposto do selo é determinada, não pelo VPT dos prédios, mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

-          Da redacção da verba 28 da TGIS resulta que não importa ao legislador o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio, mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Aliás,

-          Quanto à questão do valor relevante para determinação do valor de imposto de selo, a posição da AT não se afigura aceitável, nem conforme ao princípio da legalidade fiscal;

-          Tal como se diz na decisão arbitral proferida no processo 50/2013-T, “considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo”.

-          Assim, só́ haveria lugar a incidência de novo imposto do selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a 1.000.000,00€;

-          Não pode a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba nº 28 da TGIS;

-          Pelo que, e em conclusão, os critérios adotados pela AT violam os princípios da legalidade e igualdade fiscal, bem como o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

 

  1. Resposta da Requerida

Na sua Resposta, a Requerida alega, resumidamente, o seguinte:

-          O que aqui está em causa são liquidações que resultam da aplicação directa da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária;

-          O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1, do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio;

-          Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, vários prédios;

-          O artigo 12º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais;

-          Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o inscrito na caderneta predial como “valor patrimonial total”;

-          Em cumprimento do disposto no artigo 119º, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios;

-          Em consonância, estando correcta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos quaisquer juros moratórios ou indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos serviços, que se limitaram a actuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal;

-          A ora Requerente, discordando da interpretação que a AT faz da citada verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS, considera as liquidações ilegais, por violação desse normativo legal.

-          Defende que, pelo facto de se estar perante prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, tal incidência deveria ser determinada pelo VPT atribuído a cada andar ou divisão.

-          Carece, porém, de sustentação legal a tese defendida pela Requerente.

-          De facto, muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba no 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2º do CIMI.

-          O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, conforme adiante se refere.

-          A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da TGIS resulta da conjugação de dois factos: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.

-          Na verdade, consta das cadernetas prediais (anexas à PI) que os prédios em apreço se encontram em regime de propriedade total, compostos por várias partes susceptíveis de utilização independente.

-          Sendo esta a informação matricial, de acordo com o artigo 23º, n.º 7 do CIS, as liquidações de imposto do selo reportados ao ano de 2015, foram efectuadas, pela Administração Tributária, tendo em conta a natureza dos prédios urbanos, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

-          De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efectua-se anualmente, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.

-          Encontrando-se os prédios em regime de propriedade total (não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do n.º 4 do artigo 2º do CIMI resulta que só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios), é o VPT global do prédio que deve, pois, relevar.

A Requerida, invoca, a favor da sua tese, a decisão arbitral proferida no Processo nº 668/2015–T, citando da mesma os seguintes trechos:

“Importa agora perceber se a AT agiu com erro nos pressupostos de facto ou de direito para aplicação, ao caso, da verba 28.1 da TGIS.

Para a apreciação da questão em causa importa, antes de mais, analisar as verbas n° 28 e 28.1 da TGIS:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1Por prédio com afectação habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada e prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI- 1 %”.

A Requerente sustenta que não cabem nesta previsão normativa os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando compostos por partes susceptíveis de utilização independente.

Impõe-se interpretar, para este efeito, o conceito de “prédio" constante daquela verba 28.1da TGIS. Para compreender o seu conteúdo, deverão ser compulsados os conceitos de prédio constantes do CIMI (artigos 2.° a 6.°) - ao abrigo do disposto no artigo 67.°, n.° 2 do CIS, segundo o qual, às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba n.° 28 da TGIS, se aplica subsidiariamente o disposto no CIMI.

E tal interpretação deverá ser sempre realizada nos termos do disposto nos artigos 11.° da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.° do Código Civil, para o qual aquele remete, o que se fará.

O artigo 2.° do CIMI define o conceito de prédio, e estabelece, especificamente, no respetivo n.°4, que para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime da propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio. Este artigo nada refere quanto a prédios em propriedade total ou quanto a partes de prédios (andares ou divisões susceptíveis de utilização independente).

De uma interpretação literal do artigo 2.° do CIMI, dúvidas não restarão de que partes de prédios que não estejam em propriedade horizontal não integram, para efeitos de IMI, o conceito de prédio.

Já quanto à determinação do valor patrimonial tributário de cada prédio, rege o artigo 7.° do CIMI. De acordo com o n.°1 do mesmo, o valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos deste Código. Assim, e segundo o n.°2 alínea b) daquele artigo 7.°, o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações atribuídas a prédios urbanos nos termos do artigo 6.° n.°1 do CIMI (a saber, habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros) determina-se como se descreve: “caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.

Consequentemente, também na determinação do valor patrimonial tributário de prédios, não parece existir qualquer referência que especificamente determine que as partes economicamente independentes são consideradas como constituindo, de per si, prédios. Pelo contrário, a interpretação literal da norma permite concluir em sentido oposto: o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes.

Reitera-se então: o CIMI não equipara, para determinação do valor patrimonial tributário, partes de prédios susceptíveis de utilização independente a prédios. Pelo contrário, claramente separa os conceitos de “prédio” e de “parte de prédio”. Ora, voltando ao artigo 2. ° do CIMI, as “partes de prédio” não são havidas como prédios (precisamente ao inverso do que especificamente se refere relativamente a fracções autónomas, essas sim equiparadas a prédios). No caso concreto, o prédio urbano é composto por partes (independentes) habitacionais e por partes (independentes) comerciais. Logo, o valor do prédio é, de acordo com as regras indicadas, a soma dos valores das suas partes.

Não existe, então, igualdade de tratamento no ClMl entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com partes enquadráveis em mais de uma das classificações atribuídas a prédios urbanos. Quanto aos primeiros, as respetivas fracções autónomas são, inequivocamente, prédios para efeitos de IMI, quanto aos segundos, as suas partes independentes não cabem naquele conceito. As partes compõem, no seu todo, o prédio.

Consequentemente, se as partes de prédios, para efeitos de IMI, não são prédios, então não o serão também para efeitos de IS. Logo, o facto tributário é a propriedade do prédio, no seu todo, conforme decorre do conceito constante do artigo 2.° do CIMI.

Não colhem, igualmente, no entendimento do Tribunal Arbitral, os argumentos em torno dos artigos 12.° n.°3 e 119.° do CIMI, respeitantes, respetivamente, ao conceito de matriz predial e à liquidação do imposto.

Na verdade, não é pela mera autonomização matricial determinada pelo artigo 12.° n.°3 que os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente adquirem a qualidade de prédio que não lhe é conferida pelo artigo 2.° do mesmo CIMI.

As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios (artigo 12.° n.°1 CIMI). Dessa descrição fazem parte integrante, no caso de prédios em propriedade total, os andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, que a lei determina (n.°3 do mesmo artigo) sejam separadamente considerados na mesma inscrição matricial.

Já quanto aos prédios em regime de propriedade horizontal, a lei vai mais longe: o artigo 92.° do CIMI estabelece que a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde também uma só inscrição, mas cada uma das fracções autónomas que o compõe é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra que lhe competir.

E mesmo que se considerasse que, quanto à questão da inscrição matricial, o tratamento entre prédios em regime de propriedade total e prédios em regime de propriedade horizontal é substancialmente semelhante, tal não ultrapassaria, considera-se, o facto de partes de prédios não constarem especificamente do artigo 2.° do CIMI, ao contrário do que acontece com as fracções autónomas.

Adicionalmente, por cada “prédio” inscrito na matriz é entregue uma caderneta predial ao respectivo proprietário (artigo 93.° n.°1 do CIMI). Ora, não existe, para cada andar ou divisão susceptível de utilização independente de prédio em propriedade total, uma caderneta predial autónoma, pela razão clara de não se subsumir no conceito de prédio definido em sede deste imposto.

Quanto à liquidação do IMI (artigo 119.°), o documento de cobrança contém, necessariamente, a discriminação dos prédios e suas partes susceptíveis de utilização independente. Tal porque, ao abrigo do disposto no artigo 7.° n.° 2 alínea b) do CIMI, cada parte susceptível de utilização independente tem o valor patrimonial tributário calculado separadamente, como se indicou anteriormente.

Consequentemente, não procede o pedido da Requerente de declaração de nulidade das liquidações em crise com base em falta de pressuposto legal do facto tributário: como se demonstrou, o facto tributário existe (a propriedade de prédio urbano com valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00).

Não procede igualmente o pedido de anulação das liquidações em crise fundado em erro nos pressupostos, de facto ou de direito, pois os pressupostos para a liquidação e cobrança do imposto claramente se verificam no caso em apreço.

E prosseguindo a Requerida:

-          Desta forma se conclui que a ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto do selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietária de frações autónomas, mas sim de um único prédio, considerando a AT que este é o entendimento que melhor se coaduna com o princípio da legalidade ínsito no artigo 8º da LGT, a que está votada toda a sua actividade.

-          Pelo que temos, necessariamente, de concluir que as notificações efectuadas para pagamento do imposto em causa, não violaram qualquer princípio legal, devendo, assim, ser mantidas.

 

  1. Tramitação subsequente

Por despacho de 15 de Dezembro de 2016, após obtida a anuência das Partes, o Tribunal determinou a prescindência da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

As Partes apresentaram alegações escritas.

Nas suas alegações, a Requerente invocou jurisprudência, quer dos tribunais arbitrais tributários quer do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo do Sul, que suportam a tese da Requerente quanto à interpretação da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS no que diz respeito aos prédios em propriedade vertical total, compostos por partes susceptíveis de utilização independente.

Em particular, a Requerente cita a sentença do Supremo Tribunal Administrativo de 9-9-2015, proferida no processo nº 47/15, reproduzindo os seguintes excertos:

Como tem vindo a dizer este Supremo Tribunal Administrativo, «O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades».

Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (…).

Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

(…)

Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o Código do IMI».

Ou seja, tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do IMI, segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não parece, ao presente tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.

Neste contexto, se a lei exige, relativamente ao IMI, a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, exigirá, nos mesmos termos, relativamente à regra de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

Pelo que, o IS, no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, só poderia incidir em determinada fracção se esta, eventualmente, tivesse um VPT superior a € 1.000.000,00.

E, mais se diga, que foi esse inclusive o entendimento adoptado pela ATA.

Com efeito, esta (ATA) também emitiu notas de liquidação individualizadas, referentes a cada uma das fracções susceptíveis de utilização autónoma, demonstrando que, na sua opinião, as aludidas fracções, apesar de juridicamente não constituídas em propriedade horizontal, seriam, para todos os efeitos, independentes entre si.

Todavia, olvidou a ATA que não poderia, em virtude do enquadramento previamente vertido, proceder ao somatório dos VPTs individuais das fracções previamente mencionadas, almejando um valor que já caísse na base de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

Isto quando o próprio legislador estabeleceu uma regra diferente no âmbito do Código do IMI que, tal como previamente referido, é o Código aplicável às matérias não reguladas no Código do IS, no que se refere à Verba n.º 28 da TGIS.

Resumindo, o critério estabelecido pela ATA, de considerar o valor do somatório dos VPT individuais atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, servindo-se do facto de que o prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra, aos olhos do presente tribunal, sustentação legal, sendo, nomeadamente, contrário ao critério aplicável em sede de IMI e, por remissão (nos termos mencionados supra), em sede de IS.

Neste contexto, considera o presente tribunal que o critério defendido pela ATA viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, e, bem assim, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

Paralelamente, note-se que o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI não efectua qualquer distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical.

Como tal, e uma vez que se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, a ATA não pode tratar situações materialmente iguais de forma diferente.

A este respeito, veja-se aquilo que foi dito a propósito deste tema na Decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 132/2013-T, de 16 de Dezembro, cujo entendimento o presente tribunal acolhe.

“Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma «inovação» sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação.

Note-se, exemplarmente, o que diz o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a € 1.000.000,00.

Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretendia a ora requerida, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS.

(…)

Acresce, ainda, que admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis do ponto de vista jurídico e atentatórios dos objectivos que o legislador dizia ter para aditar a verba n.º 28. A título exemplificativo, suponha-se a seguinte hipótese, que parece plausível à luz da interpretação que foi feita pela ora requerida: um cidadão que é proprietário de um prédio constituído em propriedade total destinado a habitação, sendo o valor global das unidades autónomas igual ou superior a € 1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a € 1.000.000,00, sujeita-se a uma tributação anual de 1% desse valor (como sucedeu na situação em análise); já um outro cidadão que detenha um prédio com as mesmas exactas características do anterior mas que tenha sido constituído em propriedade horizontal, sendo, igualmente, o valor global das fracções autónomas igual ou superior a € 1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a € 1.000.000,00, não será sujeito a tributação nos termos da mencionada verba n.º 28.

Por outro lado, poder-se-ia perguntar: se tais fracções têm o mesmo proprietário, por que é que não faz sentido agregar, para efeitos de tributação, os respectivos VPTs? A resposta pode ser ilustrada através de uma outra hipótese: um cidadão que é proprietário de um prédio em propriedade horizontal, em que cada uma das suas 20 fracções possui um VPT inferior a €1.000.000,00, seria sujeito a tributação se – caso se admitisse tal agregação – o VPT global ultrapassasse aquele valor; já um outro cidadão com idênticas 20 fracções distribuídas por 5, 10 ou 20 prédios não estaria sujeito a qualquer tributação nos termos da referida verba n.º 28.

Se esta linha de raciocínio faz sentido – justificando-se, portanto, a não agregação dos VPTs das fracções de prédios em propriedade horizontal –, não se vê razão plausível para que a mesma não seja aplicada às unidades autónomas de prédios em propriedade total.

Observando, agora, o caso em análise, constata-se que os VPTs dos andares (unidades autónomas) do prédio com afectação habitacional variam entre (…), pelo que qualquer um deles é inferior a € 1.000.000,00.

Daqui se conclui, em resultado do que foi referido, que sobre os mesmos não pode incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, portanto, ilegais os actos de liquidação impugnados pelo requerente”.

Um último ponto que interessa destacar (não obstante o prévio enquadramento ser bastante para reconhecer a ilegalidade dos actos de liquidação praticados pela ATA), assenta no entendimento preconizado, quer pelo legislador quer pelo próprio governo, aquando do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS.

A este respeito, foquemo-nos agora na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 48/2013-T, de 9 de Outubro, que analisa, de forma extensiva, os objectivos subjacentes ao aditamento da aludida verba.

“A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.

Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, «estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa».

Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.

Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:

«O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos – os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas –, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de sectores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013»”.

De seguida, cumpre reunir as conclusões que permitam, sem margem para dúvidas, decidir sobre o tema em discussão (ou seja se, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, nos casos em que um prédio com várias fracções autónomas, susceptíveis de utilização independente, não se encontre constituído em propriedade horizontal, o VPT relevante é apurado mediante o somatório dos VPTs individuais, ou, alternativamente, é individualmente considerado).

Neste sentido, refira-se, em primeiro lugar, que a presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.

Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

No caso em apreço, o[s] prédio[s] em causa encontrava[m]-se, à data relevante dos factos, constituído[s] em propriedade total e tinha[m] […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].

Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência».

 

Nas suas alegações escritas, a Requerida reiterou a defesa já exposta na resposta.

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 04-10-2016, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD).

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

A cumulação de pedidos é admissível nos termos do artigo 3º, nº 1 do RJAT.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

 

A única questão suscitada é a da incidência do imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional e suscetíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

 

IV – FACTOS PROVADOS

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

-          A Requerente era, à data dos alegados factos tributários, proprietária:

(1)   Do prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da Freguesia …, do concelho de Lisboa;

(2)   Do prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da Freguesia de …, do concelho de Lisboa;

(3)   Do prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da Freguesia …, do concelho de Lisboa;

-          O prédio descrito em (1) encontra-se descrito na matriz predial tributária como prédio em propriedade total composto por:

-        Uma subcave afecta a estacionamento;

-        Uma cave afecta a estacionamento;

-        Um rés-do-chão afecto a comércio;

-        Dezasseis divisões afectas a habitação.

-          O valor patrimonial tributário do prédio é de 3.454.270,00 euros;

-          O valor considerado pela AT- Autoridade Tributária e Aduaneira como estando sujeito a imposto é de 2.538.500,00 euros;

-          A AT- Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou imposto do selo sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, à taxa de 1%, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente ao ano de 2015;

-          Nenhuma das divisões do prédio tem valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros;

-          O prédio descrito em (2) encontra-se descrito na matriz predial tributária como prédio em propriedade total composto por 21 divisões com utilização independente;

-          Das 21 divisões com utilização independente que compõem o prédio, quatro encontram-se afectas a comércio e as restantes a habitação;

-          O valor patrimonial tributário do prédio é de 1.640.230,00 euros;

-          O valor considerado sujeito a imposto é de 1.116.220,00 euros;

-          A AT- Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou imposto do selo sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, à taxa de 1%, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente ao ano de 2015;

-          Nenhuma das partes tem valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros;

-          O prédio descrito em (3) encontra-se descrito na matriz predial tributária como prédio em propriedade total composto por 25 divisões com utilização independente;

-          Das 25 divisões com utilização independente que compõem o prédio, cinco encontram-se afectas a comércio e as restantes a habitação;

-          O valor patrimonial tributário do prédio é de 2.279.440,00 euros;

-          O valor considerado sujeito a imposto pela Requerida é de 1.971.280,00 euros;

-          A AT- Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou imposto do selo sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, à taxa de 1%, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente ao ano de 2015;

-          Nenhuma das divisões do prédio tem valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros;

-          O valor somado do imposto liquidado a cada comproprietário em todas as liquidações impugnadas é de 56.260,00 euros;

 

V - FUNDAMENTAÇÃO  

 

A questão de fundo que há que apreciar e decidir é a de saber se o imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional susceptíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

Sobre esta mesma questão o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou diversas vezes, encontrando-se firmada a doutrina de que, tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência objectiva do Imposto do Selo deve ser determinada, não pelo valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.

 A fundamentação desta doutrina pode encontrar-se num dos primeiros acórdãos que o Supremo Tribunal proferiu sobre esta matéria, em 09-09-2015, no processo n.º 47/15. Neste aresto, que tomamos como base da nossa decisão nos presentes autos, profere aquele Tribunal:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.”

Prossegue o Tribunal:

 “(…)A presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI,  - «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».

Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário».

Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

No caso em apreço, o[s] prédio[s] em causa encontrava[m]-se, à data relevante dos factos, constituído[s] em propriedade total e tinha[m] […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].

Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.”

Consideramos que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo explanada no aresto citado assenta em fundamentos correctos, pelo que entendemos dever aplicá-la ao caso sub judice, sem qualquer reserva.

No âmbito do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), o legislador estabeleceu claramente, no artigo 12.º, n.º 2 do CIMI, que as partes de prédio com utilização independente são avaliadas separadamente, sendo esse valor tomado como base da liquidação de imposto.

No âmbito do Imposto do Selo, o artigo 13.º, n.º 1 do respectivo código dispõe que “o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI”.

Portanto, parece claro que o legislador pretendeu que fosse considerado o valor patrimonial tributário das partes com utilização independente para efeitos de delimitação da incidência objectiva do imposto.

A AT - Autoridade Tributária e Aduaneira parece conformar a sua atuação com este entendimento, ao emitir actos de liquidação de Imposto do Selo individualizados em relação a cada parte com utilização independente.

Acresce que, de acordo com o artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Ora, o elemento subjetivo da interpretação, a retirar dos elementos históricos que são sobejamente conhecidos nesta matéria, e que são parcialmente reproduzidos no acórdão do STA citado, indica claramente a intenção do legislador de submeter a tributação unidades habitacionais (“casas de habitação”) de elevado valor. Unidades habitacionais são as partes suscetíveis de utilização independente e não o prédio na sua totalidade.

Sem esta interpretação, a norma da verba 28.1 a Tabela Geral do Imposto do Selo seria completamente arbitrária, iníqua e destituída de racionalidade.

Em consonância com todos os elementos interpretativos mencionados, deve considerar-se que, estando-se perante um prédio em propriedade total formado por partes suscetíveis de utilização independente, só há lugar a incidência de imposto do selo (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentar um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 de euros.

Por todo o exposto, cumpre concluir que as liquidações de imposto de selo impugnadas são ilegais, por violação da lei de imposto, ao incidirem sobre partes independentes de prédios em propriedade total mas tomando por base o valor patrimonial tributário da soma das mesmas partes e quando nenhuma dessas partes tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros.

 

 

VII - DECISÃO

 

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

1.       Declarar a invalidade, por violação de lei, e anular os actos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015 e respeitantes às divisões habitacionais do prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da Freguesia de …, concelho de Lisboa.

2.      Declarar a invalidade, por violação de lei, e anular os actos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015 e respeitantes às divisões habitacionais do prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da Freguesia de …, concelho de Lisboa.

3.      Declarar a invalidade, por violação de lei, e anular os actos de liquidação de Imposto de Selo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015 respeitantes às divisões habitacionais do prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Freguesia …, Lisboa;

4.      Condenar a Requerida AT - Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso à Requerente das quantias de imposto pagas referentes às liquidações anuladas acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios, devidos nos termos do artigo 43º, nº 1 da LGT.

 

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 56.260,00 euros.

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2.142.00,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 8 de Junho de 2017

 

 

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Teresa Sousa Santos Aguiar)