Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 184/2023-T
Data da decisão: 2023-10-03  IRS  
Valor do pedido: € 8.021,15
Tema: IRS – Mais valias; domicílio fiscal; habitação própria e permanente.
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SUMÁRIO

  1. A alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS estatui que não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando, tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento.
  2. As referidas normas não remetem para o conceito jurídico-fiscal de domicílio fiscal, o qual apenas presume a habitação própria e permanente, sendo possível demonstrar a sua localização em morada distinta (cf. artigo 13.º, n.º 10, do Código do IRS).
  3. Não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal, incumbe ao sujeito passivo alegar e provar que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, para poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis, não impedindo o preenchimento da condição de aplicação do regime de reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal à Autoridade Tributária.   Para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 10º do CIRS, o conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.
  4. Demonstrando a Requerente que o imóvel alienado constituía a sua habitação própria e permanente, opera a exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10º do CIRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Pedro Guerra Alves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 30-05-2023, decide o seguinte:

 

  1. Relatório

A..., doravante “Requerente”, NIPC..., residente na Rua ..., n." ..., ..., ...-... Lisboa , veio, em 22-03-2023, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) relativo ao ano de 2021, que efetuaram correções ao imposto deduzido no valor de € 8.021,15, pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação, bem como o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:

  1. A origem da liquidação de IRS em crise esta a Declaração Modelo 3 apresentada pela Requerente, em 05 de julho de 2022, reportada aos rendimentos auferidos no ano de 2021, no qual declarou rendimento de mais valias obtidas naquele ano, com a venda de bem imóvel destinado a sua habitação própria e permanente (escritura datada de 14.06.2021), bem coma a respetiva indicação de reinvestimento na aquisição, em 18 de Junho de 2021, de nova habitação própria e permanente.
  2. Em 16.03.2017, a Requerente celebrou escritura de compra e venda e mutuo com hipoteca, através da qual, comprou, em compropriedade e para sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar, pelo preço global de duzentos e sessenta mil euros (€ 260.000,00) uma casa de habitação, correspondente a fração autónoma individualizada pela letra "E", correspondente ao 2.0 Dto., em duplex, sita na ..., com entrada pela Rua ..., n." ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrita na respetiva matriz sob o artigo ..., tendo celebrado, em conjunto com a outra coproprietária e sua companheira, com o B..., SA - Sucursal em Portugal, um mútuo com hipoteca no valor de total de duzentos e oito mil euros (€ 208.000,0).
  3. Em 29.08.2019, a Requerente, em conjunto com a outra coproprietária e sua companheira, celebraram  com o Banco C..., SA, contrato de mútuo (transferência) com hipoteca sabre a fração autónoma identificada no artigo 2.0 desta Petição inicial, pelo montante de cento e noventa e seis mil, duzentos e noventa euros e trinta cêntimos (€ 196.290,30), para liquidação do mútuo também identificado.
  4. Em 14.06.2021, a Requerente tinha em divida naquele mútuo a quantia de noventa e quatro mil, duzentos e cinquenta e um euros e oitenta e três cêntimos (€ 94.251,83
  5. Em 14.06.2021, a Requerente, em conjunto com a outra comproprietária e sua companheira, celebraram escritura de compra e venda, através da qual, venderam, pelo preço global de trezentos e sessenta e cinco mil euros (€ 365.000,00) a fração
  6. Entre Marco de 2017 e 14.06.2021, a Requerente tinha o seu domicílio fiscal e, mais importante, a sua habitação própria e permanente na fração autónoma.
  7. Com efeito, entre Março de 2017 e 14.06.2021, a Requerente, a sua companheira e as suas filhas, tinham todo o seu centro de vida pessoal e familiar, onde dormiam, tomavam as refeições e recebiam as amigos e toda a sua correspondência, na fração.
  8. Em 18 de junho de 2021, a Requerente e a sua companheira celebraram Contrato Particular Autenticado de Compra e Venda e Mutuo com Hipoteca, através da qual, compraram, em compropriedade e para sua habitação própria e permanente, pelo preço global de quinhentos e sessenta e cinco mil euros (€ 565.000,00) uma casa de habitação, correspondente a fração autónoma individualizada pela letra "J", correspondente ao Pisa 2, denominada pela letra B, do tipo T-Três Duplex, do prédio urbano sito na Rua ..., n.0s ... a ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrita na respetiva matriz sob o artigo ..., tendo celebrado um mutuo com hipoteca no valor de quatrocentos mil euros (€ 400.000,00).
  9. Desde 21.06.2021, que a Requerente e o seu agregado familiar têm a sua habitação própria e permanente na fração autónoma identifica.
  10. Com efeito, desde 21.06.2021, que a Requerente, a sua companheira e as suas duas filhas, tem todo seu centro de vida pessoal, onde dormem, tomam as refeições e recebem os amigos e toda a sua correspondência, na fração autónoma.
  11. Em 20.06.2022, a Requerente foi notificada pela Autoridade Tributaria nos seguintes termos: "A declaração de rendimentos relativa ao ano de 2021, com a identificação J.../... ..., foi selecionada para analise por ter(em) sido detetada(s) a(s) seguinte(s) situação(oes): Residência do titular diferente do imove! objeto do reinvestimento e/ou comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimento declarado”.
  12. Em 07 .07 .2022, a Requerente, em resposta aquela notificação, apresentou a seguinte justificação: "Ex.mos Senhores, Envio em anexo o comprovativo de alteração de morada para o imóvel onde ocorreu o investimento, devido a pandemia não me foi passive/ atualizar mais cedo uma vez que os registos civis de toda a área de residência (Lisboa) estavam sem disponibilidade para agendamento. Caso seja necessário mais algum documento comprovativo que habito a casa desde o inicio do reinvestimento estou ao dispor.
  13. Depois, em 23.09.2022, após reunir a documentação necessária, a Requerente completou aquela justificação, dizendo: "Ex.mos Senhores, Envio em anexo a justificação dos valores do anexo G. - Escritura da Compra e Venda do imóvel - Escritura da compra do novo imóvel (reinvestimento) - Documento do banco com o valor em divida. Aguardo a vossa resposta para efetuar quaisquer alterações"
  14. Em 28.10.2022, a Autoridade Tributaria procedeu a liquidação de IRS n." 2022..., relativa ao exercício de 2021 referente a Requerente, com cêntimos (€ 8.021, 15) e data-limite de pagamento a 21.12.2021.
  15. Em 03.11.2022, foi ainda a Requerente notificada da demonstração de liquidação dos juros compensatórios calculados, na ótica da Autoridade Tributaria. pelo retardamento da liquidação de IRS, cujo montante já constava da liquidação ora impugnado.
  16. Em 15.12.2022, a Requerente apresentou perante a Autoridade Tributaria, Reclamação Graciosa.
  17. Em 20.12.2022, a Requerente procedeu ao pagamento daquela quantia liquidada, no montante de € 8.021.
  18. Em 27 .12.2022, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada em 15.12.2022.
  19. Desde julho de 2021, que a Requerente e a sua companheira, tem na sua titularidade os contratos de fornecimento de água (EPAL), eletricidade e gás, cujos consumes atestam inequivocamente a utilização permanente da fração pela Requerente e pelo seu agregado família.
  20. Em 21.04.2022, a Requerente, através do seu acesso ao portal da Autoridade Tributaria, solicitou a atualização da sua situação patrimonial, requerendo a atualização da matriz, para ali passar a constar toda a informação resultante da aquisição da sua habitação própria e permanente.
  21. Defende a Requerente, não existir uma necessária coincidência entre o domicílio fiscal e a habitação própria e permanente, sempre foi intenção da Requerente que o seu domicilio fiscal fosse transferido para a fração autónoma, o que acabou por acontecer apenas em 21.06.2022, atentos todos os constrangimentos sobejamente conhecidos provocados pela situação pandémicas COVID-19.
  22. Com efeito, já após a compra da sua atual habitação própria e permanente, o cartão de cidadão da Requerente expirou, o que implicou a necessidade de remissão de um novo cartão e consequentemente atualização da morada fiscal par agendamento presencial.
  23. Sustenta a Requerente, conforme decorre dos actos e fundamentos conhecidos pela Requerente, a liquidação impugnada assenta exclusivamente no entendimento da Autoridade Tributaria de que a expressão "habitação própria e permanente" a que se refere o n." 5 do art. 10.0 do CIRS coincide com o domicilio fiscal previsto no art. 19.0 da LGT, , é um entendimento errado, no qual a Autoridade Tributaria vem teimosamente insistindo, ao arrepio da jurisprudência que invariavelmente lhe explica e a condena em sentido distinto.
  24. Defende, a Requerente que reunia os requisitos de que depende a aplicação do regime do reinvestimento de mais-valias Imobiliárias consagrado no CIRS (art." 10.0, n." 5), isto e, estavam verificadas, no caso, as condições de que depende a aplicação do regime do reinvestimento e, nessa medida, era devido aplicar esse regime a liquidação de IRS da Requerente referente ao ano de 2021.
  25. Termina a Requerente peticionando que que seja declarada ilegal e consequentemente anulada a liquidação de IRS melhor identificada nos autos; Condenar a Requerida na devolução das quantias pagas;  Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios,

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 27-03-2023, e subsequentemente notificado à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o ora signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 12-05-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 30-05-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

A Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 30-06-2023, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. A referida declaração deu origem a um procedimento de divergência, em 2022-07-07, com o motivo D25 – Reinvestimento em imóveis, o qual findou com correções, por se ter verificado que a “SP não afetou o imóvel adquirido a habitação permanente até 12 meses decorridos após o reinvestimento”.
  2. Nessa sequência foi elaborada declaração oficiosa/DC, na qual foram retirados os valores mencionados no Quadro 5 do Anexo G, a qual deu origem à liquidação n.º 2022...,de 2022-11-02, com o valor a pagar no montante de €8.021,15, liquidação que se encontra atualmente em vigor.
  3. No caso concreto, em sede de procedimento de gestão de divergências verificou-se que o requisito da afetação do imóvel adquirido à habitação própria e permanente no prazo de doze meses não se encontrava preenchido, motivo pelo qual foi elaborada declaração oficiosa/DC que deu origem à liquidação aqui contestada.
  4. Por consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se:- Em 2017-05-08, a requerente alterou a sua morada para a Rua ..., n.º ..., 2.º Dto., Lisboa;- Em 2022-07-19, a requerente alterou a sua morada para a Rua de..., n.º ... –..., Lisboa.
  5. Assim, tendo o imóvel objeto de reinvestimento sido adquirido em 2021-06-18, deveria a requerente ter alterado a sua morada para aquele imóvel prazo de 12 meses, ou seja, até2022-06-18.
  6. Porém, tendo a alteração do domicílio da requerente para aquela morada sido efetuada apenas em 2022-07-19, ou seja, fora do prazo legal para o efeito, verifica-se que não encontram reunidas as condições previstas no n.º 6 do artigo 10.º do CIRS e, consequentemente, a exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.
  7. Embora se compreenda que os constrangimentos nos serviços públicos invocados pela requerente para justificar a demora na alteração da morada possam ter tido impacto na alteração da morada, não tendo este prazo sido suspenso ou alargado ao abrigo do regime excecional das medidas COVID-19, e atendendo a que a requerente conhecia ou devia conhecer o prazo de 12 meses para proceder à alteração do respetivo domicílio fiscal, sendo este um prazo perentório, o não cumprimento do mesmo implica o não preenchimento dos requisitos para beneficiar da exclusão de tributação.
  8. Com vista à demonstração cabal dos factos, veio a requerente juntar ao presente pedido de constituição de tribunal arbitral, documentos, a fim de fazer prova para fazer valer o seu direito.
  9. Acresce referir, que os documentos juntos não se mostram suficientes para comprovar o seu domicílio nesta morada, uma vez que as faturas da luz (EDP) juntas não estão em nome da requerente e as faturas da água (EPAL) emitidas em nome da requerente respeitam apenas aos períodos de setembro de 2021 a fevereiro de 2022.
  10. Sendo a requerente coproprietária daquele imóvel, aqueles documentos não comprovam por si só que aquela fosse efetivamente a sua habitação própria e permanente, uma vez que os consumos de água e luz podem não respeitar ao uso efetivo do imóvel, mas resultarem de obras ou uso ocasional do imóvel, para além de que muitas encomendas (por exemplo, da Zara) feitas em nome da requerente têm uma morada diferente daquela que é invocada como o seu domicílio, não havendo, assim, uma congruência de morada entre todos os documentos apresentados.
  11. Conclui pela improcedência do pedido arbitral, com as devidas consequências legais.

No dia 08-09-2023, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas arroladas e apresentadas pela Requerente. Mais foram as Partes notificadas para apresentarem alegações escritas finais e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações em 25-09-2023 e em 27-09-2023, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.

 

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade do ato de liquidação de IRS e juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado da data de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria De Facto

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. Em 16.03.2017, a Requerente celebrou escritura de compra e venda e mutuo com hipoteca, através da qual, comprou, em compropriedade e para sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar, pelo preço global de duzentos e sessenta mil euros (€ 260.000,00) uma casa de habitação, correspondente a fração autónoma individualizada pela letra "E", correspondente ao 2.º Dto., em duplex, sita na ..., com entrada pela Rua ..., n" ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrita na respetiva matriz sob o artigo ..., tendo celebrado, em conjunto com a outra coproprietária e sua companheira, com o B..., SA - Sucursal em Portugal. cf. documentos 2 juntos pela Requerente
  2. Em 14.06.2021, a Requerente, em conjunto com a outra comproprietária e sua companheira, celebraram escritura de compra e venda, através da qual, venderam, pelo preço global de trezentos e sessenta e cinco mil euros (€ 365.000,00) a fração descrita. cf. documentos 5 junto pela Requerente
  3. Entre Marco de 2017 e 14.06.2021, a Requerente tinha o seu domicílio fiscal e a sua habitação própria e permanente na fração autónoma, no imóvel descrito em A. Cf. Prova testemunhal D..., E..., F... .
  4. Com efeito, entre março de 2017 e 14.06.2021, a Requerente, a sua companheira e as suas filhas, tinham todo o seu centro de vida pessoal e familiar, onde dormiam, tomavam as refeições e recebiam as amigas e toda a sua correspondência, no imóvel descrito em A.  cf. documentos 6 junto pela Requerente e prova testemunhal produzida, D..., e E... .
  5. Em 18 de junho de 2021, a Requerente e a sua companheira celebraram Contrato Particular Autenticado de Compra e Venda e Mutuo com Hipoteca, através da qual, compraram, em compropriedade e para sua habitação própria e permanente, pelo preço global de quinhentos e sessenta e cinco mil euros (€ 565.000,00) uma casa de habitação, correspondente a fração autónoma individualizada pela letra "J", correspondente ao Pisa 2, denominada pela letra B, do tipo T-Três Duplex, do prédio urbano sito na Rua ..., n.0s ... a 160, freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrita na respetiva matriz sob o artigo ... . cf. documento 7 junto pela Requerente.
  6. Desde 21.06.2021, que a Requerente e o seu agregado familiar têm a sua habitação própria e permanente, tem todo seu centro de vida pessoal, onde dormem, tomam as refeições e recebem os amigos e toda a sua correspondência na fração autónoma identificado em A. cf. prova testemunhal produzida, D... e E... .
  7. Em 28.10.2022, a Autoridade Tributaria procedeu à liquidação de IRS n." 2022..., relativa ao exercício de 2021 referente a Requerente, com cêntimos (€ 8.021, 15) e data-limite de pagamento a 21.12.2021. cf. documento 2 junto pela Requerente.
  8. Em 03.11.2022, foi ainda a Requerente notificada da demonstração de liquidação dos juros compensatórios calculados, na ótica da Autoridade Tributaria. pelo retardamento da liquidação de IRS, cujo montante já constava da liquidação ora impugnado. cf. documento 11 junto pela Requerente.
  9. Em 15.12.2022, a Requerente apresentou perante a Autoridade Tributaria, Reclamação Graciosa. cf. documento 12 junto pela Requerente.
  10. Em 20.12.2022, a Requerente procedeu ao pagamento daquela quantia liquidada, no montante de € 8.021,00. cf. documento 13 junto pela Requerente.
  11. Em 27 .12.2022, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada em 15.12.2022. cf. documento 14 junto pela Requerente.
  12. Desde julho de 2021, que a Requerente e a sua companheira, tem na sua titularidade os contratos de fornecimento de água (EPAL), eletricidade e gás. cf. documento 17 junto pela Requerente.
  13. Em 21.04.2022, a Requerente, através do seu acesso ao portal da Autoridade Tributaria, solicitou a atualização da sua situação patrimonial, requerendo a atualização da matriz, para ali passar a constar toda a informação resultante da aquisição da sua habitação própria e permanente. cf. documento 18 junto pela Requerente.
  14. A Requerente alterou o seu domicilio fiscal em 21.06.2022, data em que lhe foi possível agendar a renovação do seu cartão de cidadão.
  15. A Requerente apresentou no CAAD, em 22 de Março de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação parcial da referidas liquidação de IRS e juros compensatórios inerentes – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

§3.2. Factos não provados

Não se consideram como não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal produzida, com conhecimento direto da efetiva residência da Requerente, desde o mês de Junho ou Julho do ano de 2021, no imóvel sitio na Rua ... . Em relação à prova testemunhal importa salientar o contributo trazido pelo depoimento da testemunha D..., vizinho da Requerente, desde aproximadamente 15/06/2021, disse que era vizinho da requerente, e que ela reside no imóvel diariamente com duas crianças, uma companheira e a Ama, e que diariamente os vê no imóvel, desde dessa data. Quanto à testemunha, E..., amiga da Requerente, que conhece e frequenta a casa da Requerente, que a mesma vive com a sua companheira e com as suas duas filhas. Que vive lá desde aproximadamente julho de 2021. A testemunha F..., explicou que trabalha numa loja e que faz entregas regulares na casa da Requerente desde 2016, e desde junho ou julho de 2021 passou a fazer entregas na nova morada, normalmente ao final do dia.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

  1. Matéria de Direito

§4.1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2022..., relativa ao ano de 2021 e, consequentemente, a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa
  2. E o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

§4.2. Sobre a ilegalidade

Atenta a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, cabe ao Tribunal apreciar o direito da Requerente em beneficiar da exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação do prédio que constituiu a sua anterior habitação própria e permanente, cujo valor de realização reinvestiram, na aquisição de outro prédio para o mesmo destino.

Dessa forma, a questão essencial que se coloca é a de saber se, como alega a AT para sustentar a liquidação adicional de IRS, ora em causa, se o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo perante a AT, constitui um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, tal como o dispõe o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

Por sua vez a Requerente, alega que possuía a habitação própria e permanente no imóvel em questão, contudo não lhe foi possível alterar o seu domicílio fiscal, uma vez que se encontrando em Pandemia e com o cartão de cidadão caducado, mas valido, apenas conseguiu um agendamento para 21.06.2022 data em que alterou a sua morada.

Assim passamos a apreciar.

Concretamente, qual o entendimento a conferir ao disposto nos n.ºs 5, alínea a) e 6, alínea a) do artigo 10.º, do Código do IRS, ou seja, o de saber se o requisito legalmente exigível é o domicílio fiscal mediante a comunicação da sua alteração no prazo de 12 meses, ou, se é a afetação do imóvel à habitação própria no prazo de 12 meses.

Por conseguinte, à data dos factos, a redação dos n.ºs 5, alínea a) e 6, alínea a) do artigo 10.º, do Código do IRS, normas que enunciam os requisitos da delimitação negativa da incidência de IRS sobre os rendimentos de mais-valias, era a seguinte:

“Artigo 10.º - Mais-Valias (…)

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; (…)

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado; (…)”

Perante o exposto, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as condições ali previstas.

Por seu turno, a alínea a) do n.º 6 do mesmo artigo 10.º estatui que não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando, tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento.

As referidas normas não remetem para o conceito jurídico-fiscal de domicílio fiscal, o qual apenas presume a habitação própria e permanente, sendo possível demonstrar a sua localização em morada distinta (cf. artigo 13.º, n.º 10, do Código do IRS).

Não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal, incumbe ao sujeito passivo alegar e demonstrar que possui a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, para dessa forma poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis. Não impedindo o preenchimento da condição de aplicação do regime de reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal à Autoridade Tributária.

   Para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 10º do CIRS, o conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.

Nestes termos, a questão que se coloca é qual o significado da afetação da habitação adquirida, prevista na alinha a) do n.º 6 do artigo 10, por outras palavras, compete saber se estamos perante “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, e se é um requisito para a sua verificação, a obrigatoriedade da alteração do domicílio fiscal.

Há, sobre a questão da afetação da habitação própria e permanente versus a alteração do domicílio fiscal, abundante jurisprudência que se seguirá de perto. Temos presente, em particular, as decisões TCAS de 8/10/2015, proc. 6685/13, bem como decisões Arbitrais proferidas no CAAD a saber: n; 103/2013-T, 21/2015-T; 92/2016-T; 21/2017-T, 114/2018-T, 709/2018-T, 322/2020-T, 331/2022-T.

Decorre sucintamente da jurisprudência anteriormente indicada, que a não comunicação dos sujeitos passivos da mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a exclusão para reinvestimento, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio, a morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o sujeito passivo fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.

Entenda-se por “factos justificativos”, o recurso a prova que permita apurar e comprovar a habitação própria e permanente nesse prédio.

Ora no caso concreto, essa prova a ora Requerente produziu através da prova quer documental quer testemunhal.

Ainda, quanto a este tema e de relevo para a presente decisão, pronunciou-se o Acórdão do STA de 23 de novembro de 2011 – proc. nº 0590/11, respeitante ao artigo 46.º do EBF, quanto à comunicação de domicílio fiscal do sujeito passivo, o qual subscrevemos.

Continuando nossa análise, à Lei n.º 82-E/2014 de 31 de Janeiro, temos a questão do domicílio fiscal e da habitação própria e permanente, clarificada, com o aditamento ao artigo 13.º do CIRS, do qual se transcrevem de seguida o disposto nos números 10 a 13:

“10 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário. 
11 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo
a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou

b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
12 - A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.

13 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.”

Decorre do exposto, a presunção de que o domicílio fiscal do sujeito passivo é a sua habitação própria e permanente, contudo o sujeito passivo pode a todo o tempo, apresentar prova em contrário, e a AT pode demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações neles constantes.

Com efeito, com o aditamento ao art.º. 13º, a questão ficou resolvida de forma clara, permitindo ao sujeito passivo ilidir a presunção, através de qualquer meio de prova.

Retornando aos presentes autos temos que a Requerente produziu prova documental e testemunhal em como a sua habitação própria e permanente não corresponde ao seu domicílio fiscal, e que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel, preenchendo dessa forma o requisito de prova aí previsto no nº 10, 11, 12 e 13.

Em conjugação com o anteriormente exposto, refira-se que a redação do próprio artigo 10.º n.º 5 alíneas a) e b) do CIRS é suficientemente clara não deixando lugar a grandes dúvidas.

Se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia escrito expressamente.

Parece-nos claro que a comunicação à AT da mudança do domicílio fiscal para a nova habitação não é condição sine qua non da exclusão da tributação das mais-valias. Tem sido esse o entendimento dos Tribunais Superiores, isto é, desde que “o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, pelo que não se vê como no caso em apreço em que o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.” – cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de agosto de 2015, processo 06685/13, disponível em www.dgsi.pt.

Por outro lado, o n.º 6 do mesmo artigo, dispõe que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos doze meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;” ou seja, resulta uma vez mais a necessidade de “afetação à habitação”, e não a de “fixação do domicílio fiscal”.

Resulta, suficientemente claro que a intenção do legislador não foi a de equiparar os conceitos de “habitação própria e permanente e domicílio fiscal.”, no  artigo 10.º n.º 5  do CIRS.

Sendo este um benefício centrado na afetação à sua habitação ou do seu agregado familiar, limitar essa afetação à alteração do domicílio fiscal, seria contraditório face à natureza do benéfico, e levaria a situações de abuso do referido benefício.

Com efeito, e desde logo conforme o disposto no artigo 19.º n.º 1º alínea a) da LGT, o domicílio fiscal é que deve corresponder ao local da residência habitual, e não o contrário, de que o local da residência habitual seria o domicílio fiscal.

Sucede que, o “domicílio fiscal” é um conceito de direito, que tem o seu substrato fático, na situação da realidade qualificável como “residência habitual”.

A residência habitual de um sujeito passivo é que determinará o seu domicílio fiscal, e não o contrário, no entanto o entendimento da AT, vai no sentido de que o “domicílio fiscal” determina a “residência habitual” de um sujeito passivo.

Contudo, e tal como supra explanado, a circunstância de determinado local constar como “domicílio fiscal” de um sujeito passivo, não obriga a que a sua “residência habitual” seja esse local.

Deste modo, a dissonância entre o que formalmente conste como “domicílio fiscal” de um sujeito passivo, e o que efetivamente é a sua “residência habitual”, deverá ser resolvida alterando-se o primeiro e fazendo-o coincidir com a segunda, e não o oposto, ou seja, considerar-se que esta corresponde àquele, e dessa forma aplicar-se na medida em que se verifiquem os respetivos pressupostos, as sanções que no caso caibam aos responsáveis.

No que respeita à discussão em causa nos autos, entende-se ser de notar ainda que a LGT, na matéria que se vem de abordar, refere-se a “residência habitual”, e não a “habitação própria e permanente”, pelo que nem sequer a nível terminológico se verifica uma coerência sistemática que pudesse fundamentar satisfatoriamente uma relação entre a matéria do domicílio fiscal, regulada na LGT, e a matéria da “habitação própria e permanente”, a que se refere o artigo 10.º/5 do CIRS. (Acórdão Arbitral 103/2013-T de 25 de Novembro de 2013.)

Em todo o caso, e mesmo que se concluísse que se deveria considerar como “habitação própria e permanente” do sujeito passivo o respetivo domicílio fiscal, sempre tal se haveria de entender como uma mera presunção, ou seja, como a estatuição de um facto desconhecido (o local da “habitação própria e permanente”) a partir de um facto conhecido (o local declarado como domicílio fiscal).

Ora, assim sendo, e não se vislumbrando fundamento para sustentar que a presunção em causa teria natureza de iure et de iuris, a qual aliás não se coadunaria com a possibilidade de a AT conhecer oficiosamente, nestas matérias de residência e domicílio, necessariamente se haveria de conceder que a mesma admitiria prova em contrário.

Como ficou consignado no Acórdão TCAS de 8/10/2015, proferido no processo 6685/13, “[o Com efeito, o elemento de relevo para o direito ao benefício, quer seja para efeitos de atribuição ou inclusive para o afastamento da presunção do benéfico, é a “habitação própria e permanente” e não o domicílio fiscal, em consonância com o princípio da verdade material.

Nesta conformidade, como afirma Ana Pinto Moraes (Reinvestimento nas Mais-valias Imobiliárias: regime e especialidade em sede de IRS, Coimbra, Almedina, 2019, pp. 61 a 65):

«Para efeitos de verificação dos conceitos em causa [habitação própria e habitação permanente], o n.º 11 do artigo 13.º do Código do IRS determina que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário. Para o efeito, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo (a) faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou (b) faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente [A prova compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei, ao abrigo do disposto no n.º 13 do artigo 13.º do Código do IRS, devendo a Autoridade Tributária demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações neles constantes.]. Note-se que em qualquer caso, o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não remete para o conceito jurídico-fiscal de domicílio fiscal, o qual apenas presume a habitação própria e permanente, mantendo-se a premissa da sua demonstração em morada distinta através de prova [Veja-se que, para efeitos da concessão da isenção de IMI (imóveis destinados à habitação própria permanente prevista), considera-se ter havido afetação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal, conforme artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. A este propósito, entendem os tribunais superiores que se no caso da isenção de IMI se admite que o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de «factos justificativos» – quando não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal – não se vê como no regime do reinvestimento que nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à «habitação permanente» a não comunicação da alteração do domicílio fiscal – Cfr. Acórdão do STA de 23/11/2011, Processo n.º 0590/11, Rel. Lino Ribeiro e Acórdão do TCA Sul de 08/10/2015, Processo n.º 06685/13/13, Rel. Cristina Flora.]. Para este efeito, importa realçar que o artigo 19.º da LGT determina, como regra geral, que o domicílio fiscal do sujeito passivo para as pessoas singulares é o local da residência habitual, sendo obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à Autoridade Tributária, sob pena de ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à Autoridade Tributária. Assim, não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal incumbe ao sujeito passivo vir demonstrar [Neste sentido o Acórdão do TCA Sul de 18/02/2016, Processo n.º 08826/15, Rel. Catarina Almeida e Sousa, bem como a Decisão Arbitral de 25/11/2013, Processo n.º 103/2013-T, Arbs. José Pedro Carvalho, Fernando Borges Araújo e José Rodrigues de Castro (que apresentou Declaração de voto em sentido contrário); Decisão de 29/11/2013, Processo n.º 37/2013-T, Arbs. José Pedro Carvalho, Ana Teixeira de Sousa e Olívio Mota Amador; e Decisão Arbitral de 12/02/2015, Processo n.º 343/2014-T, Arbs. Manuel Malheiros, Jorge Carita e Vera Figueiredo.] que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, não impedindo ao preenchimento da condição de aplicação do regime do reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal. A este respeito invoque-se o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual não é admissível qualquer presunção em sede de IRS que não admita prova em contrário.   

(…) Entende, assim, o Tribunal [Acórdão do TCA Sul de 25/01/2005, Processo n.º 00297/03, Rel. Casimiro Gonçalves] que o sujeito passivo pode ter o domicílio fiscal numa morada e habitação própria e permanente noutra, contudo, para poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis, tem de alegar e provar que tem a sua habitação própria e permanente no imóvel, sendo o ónus da prova do próprio sujeito passivo, dado que é constitutivo do direito que pretende beneficiar [Ver o Acórdão do TCA Norte de 25/02/2016, Processo n.º 00415/10.6BEPNF, Rel. Paula Moura Teixeira.].»

Perante o exposto, resulta que a Requerente produziu prova cumprindo o disposto no artigo 13.º n. 10 a 13, e o Tribunal após valorar a prova documental, e testemunhal produzida, entendeu que ficou demonstrado pela Requerente a fixação de habitação própria e permanente no imóvel adquirido. Por conseguinte, podemos concluir que a Requerente cumpriu com os requisitos previstos no artigo 10.º n.º 5, e em concreto para o que aqui interessa cumpriu com a condição prevista na alínea b) do CIRS.

Tendo a Requerente feito essa prova, demonstrando que o imóvel adquirido era a sua habitação própria e permanente, que afetou no prazo dos 12 meses, e cumprindo com os demais requisitos previstos no n.º 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, é de entendimento deste Tribunal dar procedência ao pedido da Requerente.

Assim sendo é de considerar ilegal por violação de lei, o ora ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

§4.3. Dos Juros indemnizatórios e da restituição do imposto indevidamente pago

Peticiona ainda a Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.

A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios —nos termos do artigo 43.ºn.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT, sendo que este último artigo remete para o disposto no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo — decorre da aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que prevê a obrigação da Requerida de reconstituir a legalidade do ato objeto do litígio, tal dever compreendendo: (i) a obrigação de reembolso do montante indevidamente pago, e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pela Requerente até à data em que o reembolso do imposto pago indevidamente seja efetivamente efetuado.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, decide, neste Tribunal Arbitral, em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº n.º 2022..., relativa ao ano de 2021, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida;

E em consequência:

  1. Ordenar a devolução à Requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até efetivo e integral reembolso.
  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 8.021,15, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor da liquidação de IRS e de juros compensatórios cuja anulação constitui o objeto desta ação.

 

  1. Custas Arbitrais

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, atendendo à procedência do pedido.

Notifique-se.

Notifique-se o Ministério Publico nos termos do artigo 17.º n.º3 do RJAT.

Lisboa, 03 de Outubro de 2023

O Árbitro

 

Pedro Guerra Alves,