Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 197/2023-T
Data da decisão: 2023-11-29  Selo  
Valor do pedido: € 258.361,93
Tema: Imposto do selo. Sociedades de capital de risco. Instituição financeira.
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Sumário:

As sociedades de capital de risco não se caracterizam como instituições financeiras para efeito da incidência de imposto do selo nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

  1. A..., SCR, S.A., sociedade comercial registada sob o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., Porto (doravante Requerente), requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, (RJAT), para apreciar a legalidade de 5 (cinco) atos tributários de liquidação de Imposto do Selo (“IS”), titulados pelos documentos n.º ... (€ 55.075,49), ... (€ 55.378,11), ... (€ 26.765,93), ... (€ 60.405,25) e ... (€ 60.737,15), no montante global de € 258.361,93 (duzentos e cinquenta e oito mil trezentos e sessenta e um euros e noventa e três cêntimos) sobre as comissões de gestão cobradas a fundos de capital de risco e, bem assim, a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, imediatamente impugnado contra elas deduzido, e que foi notificado à Requerente pelo ofício n.º ...-DJT/2022, de 16/12/2022 do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes. A Requerente pede ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

A Requerente fundamenta o pedido nos seguintes termos.

A A..., SCR S.A. é uma Sociedade de Capital de Risco (doravante, “SCR”), regularmente constituída ao abrigo da legislação nacional, ao abrigo do atual Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, previsto na Lei n.º 18/2015, de 4 de Março, tendo como atividade principal a gestão de fundos de capital de risco (doravante “FCR”).

No âmbito da sua atividade, gere diversos fundos, entre os quais o Fundo de Capital de Risco B..., FCR.

Em contrapartida pela gestão e representação jurídica dos Fundos de Capital de Risco, a Requerente cobra uma comissão de gestão, sobre a qual sempre liquidou imposto do selo à taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

Assim, a Requerente autoliquidou e entregou ao Estado imposto do selo sobre as comissões de gestão no valor global de € 258.361,93 (duzentos e cinquenta e oito mil trezentos e sessenta e um euros e noventa e três cêntimos).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 22-03-2023 e automaticamente notificado à Requerida.

Em 31-05-2023 foi a AT foi notificada para a apresentar Resposta e o PA.

A Requerida apresentou Resposta e juntou o PA em 04-07-2023

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo dois dos signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, sendo que o árbitro inicialmente designado o Exmo. Prof. Doutor Vasco Valdez, árbitro-adjunto do tribunal arbitral coletivo constituído neste processo, encontra-se abrangido pelo disposto no artigo 6.º, n.º 5 do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária em conjugação com o preceituado no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

Em tal conformidade, nos termos e ao abrigo do disposto do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária (artigo 6.º, n.º 5) determina-se a substituição, como árbitro-adjunto no presente processo, do Exmo. Prof. Doutor Vasco Valdez pelo Exmo. Dr. António Pragal Colaço, conforme despacho do Conselho Deontológico de 28 de agosto de 2023.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas destas designações, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 30 de maio de 2023.

No seguimento do processo, por despacho de 4 de julho de 2023, o tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinou o prosseguimento do processo para a apresentação de alegações escritas, pelo prazo simultâneo de 20 dias.

Em alegações, a Requerente procurou fixar os factos que se devem considerar assentes e, no mais, manteve a sua anterior posição. Por sua vez a Autoridade Tributária reiterou a argumentação que havia articulado em sede de Resposta e para aí remeteu as suas alegações.

 

II. Saneamento

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Cabe apreciar e decidir.

 

III - Fundamentação

III. 1. Matéria de facto

Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A A..., SCR, S.A. é uma sociedade de capital de risco constituída ao abrigo do Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado consagrado na Lei n.º 18/2015, de 4 de março;
  2. Para efeitos fiscais encontra-se registada junto do Serviço de Finanças do Porto ..., encontrando-se enquadrada em sede de IVA no regime normal mensal desde 01-01-2023, e em sede de IRC no regime geral, desde 01-01-2012.
  3. No âmbito da sua atividade, a A... SCR, S.A. gere diversos fundos, entre os quais o Fundo de Capital de Risco B..., FCR;
  4. Em concreto, a A..., SCR, S.A. gere e representa os Fundos de capital de risco em aspetos da sua atividade económica e jurídica, nos termos previstos no artigo 17.º, n.º 4, do Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado consagrado na Lei n.º 18/2015;
  5. Em contrapartida pela gestão e representação jurídica dos Fundos de capital de risco, a A..., SCR, S.A. cobra uma comissão de gestão semestral, sobre a qual liquidou imposto do selo à taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo;
  6. Entre Dezembro de 2020 e junho de 2022, a A..., SCR, S.A.  autoliquidou e entregou ao Estado imposto do selo sobre as comissões de gestão no valor global de € 258.361,93, como consta da seguinte tabela:

 

 

 

  1.  A A..., SCR, S.A. em 10 de novembro de 2022 apresentou à Administração Tributária uma reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação de imposto do selo;
  2. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, praticado com subdelegação de competências que foi notificada à Requerente pelo ofício n.º ...-DJT/2022, de 16-12-2022 do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes,
  3. O despacho de indeferimento manifestou concordância com a informação dos serviços n.º ...-ISCPS1/2022, constante do PAT junto pela Requerida, que aqui se dá como reproduzido;
  4. A informação dos serviços considera que a gestão jurídica e económica dos fundos é uma atividade financeira e a A..., SCR, S.A. deve ser qualificada como uma instituição financeira, que realiza serviços financeiros, pelo que se encontram verificados os elementos objetivo e subjetivo da liquidação de imposto do selo;

 

III. 2. Factos não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

III. 3. Fundamentação da matéria de facto

O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronuncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pela Requerente, e que não foram impugnados.

Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV. Matéria de direito

A questão a decidir no presente processo arbitral consiste em saber se as comissões cobradas por sociedades de capital de risco por atividades de gestão e representação jurídica de fundos de capital de risco se encontra sujeita a imposto do selo nos termos da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

IV. 1. Posição da Requerente

A Requerente entende que as autoliquidações referidas são ilegais e devem ser anuladas uma vez que as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos Fundos de Capital de Risco não estão sujeitas a imposto do selo, porque não se verificam, quanto a elas, os elementos objetivo e subjetivo da incidência previstos na mencionada verba 17.3.4 da TGIS.

Nesse sentido, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação, que foi indeferida por despacho notificado à Requerente pelo ofício n.º ...-DJT/2022, de 16-12-2022 do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, com base no entendimento de que a gestão jurídica e económica dos fundos é uma atividade financeira e a A..., SCR S.A. deve ser qualificada como uma instituição financeira, pelo que se encontram verificados os elementos de que depende a incidência de imposto.

No entanto, a Requente considera que as comissões de gestão que cobrou aos Fundos de Capital de Risco não estão sujeitas a imposto do selo, quer porque não se trata de serviços financeiros, quer porque as sociedades de capital de risco não são instituições de crédito, sociedades financeiras nem instituições financeiras.

Comissões que não são devidas pela prestação de qualquer tipo de serviços financeiros, mas pela gestão e representação desses Fundos em todos os aspetos da sua atividade económica e jurídica, pelo que se trata de uma atividade de gestão de um património autónomo, que em nada difere da gestão de outros patrimónios autónomos como as heranças, pessoas coletivas ou sociedades.

Por outro lado, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) elenca as entidades que se enquadram na categoria de instituições de crédito e sociedades financeiras, como, por exemplo, os bancos, as instituições de crédito hipotecário, as sociedades de investimento, as sociedades de locação financeira, e previa na alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º, na sua versão originária, que as sociedades de capital de risco eram qualificadas como sociedades financeiras.

Sucede que essa disposição foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, tendo as sociedades de capital de risco perdido a qualificação de sociedades financeiras e, consequentemente, a de instituições financeiras.

Acresce que as sociedades de capital de risco não podem ser qualificadas como outras instituições financeiras por efeito do disposto no artigo 30.º, n.º 1, alínea f), do Código dos Valores Mobiliários (CVM), porquanto o enquadramento das SCR naquele preceito legal apenas releva para efeitos de qualificação destas entidades como investidores qualificados (e não como instituições financeiras).

Em conclusão, as comissões de gestão em causa não preenchem, nem o elemento objetivo, nem o elemento subjetivo da incidência do imposto do selo a que se refere a verba 17.3.4 da TGIS, razão pela qual as autoliquidações contestadas são ilegais e devem ser anuladas.

 

IV. 2. Posição da Requerida

A AT, na sua resposta, sustenta que o imposto do selo, nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na TGIS, incluindo as transmissões gratuitas de bens” (n.º 1), com exclusão das operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas” (n.º 2).

As operações de “administração ou gestão de fundos de investimento” estão isentas de IVA, conforme prevê a alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, pelo que, tendo em consideração a sua natureza de prestação de serviços que gozam de isenção de IVA encontram-se sujeitas a imposto do selo por ser este um imposto de carácter residual.

Por sua vez, a verba 17.3 da TGIS tributa as “operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” e “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”.

E o que se constata é que as comissões cobradas pelas entidades gestoras de fundos, a título de contraprestação pela administração e gestão dos fundos, se encontram sujeitas a imposto do selo na medida em que se trata de comissões cobradas por instituições financeiras a título de contraprestação por serviços financeiros prestados.

Com efeito, as sociedades de capital de risco são consideradas como instituições financeiras, como se extrai da alínea l) do n.º 1, do artigo 6.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), numa interpretação conjugada com outros dispositivos legais aplicáveis. Artigo 6.º que considera como sociedades financeiras “outras empresas que, correspondendo à definição de sociedade financeira, sejam como tal qualificadas pela lei, e, por outro lado, o Código dos Valores Mobiliários (CVM) qualifica, na alínea f) do n.º 1 do artigo 30.º, como “outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas, designadamente sociedades de capital de risco, fundos de capital de risco e respetivas sociedades gestoras”.

E, refere-se ainda à necessidade de enquadrar à discussão do tema, os dois Regulamentos comunitários - o Regulamento (UE) n.º 1092/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010 e o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que, constituindo mecanismos de regulação e supervisão de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras, definindo o respetivo âmbito de aplicação, inclui as sociedades de capital de risco.

E sendo assim, a Requerente preenche os elementos subjetivo e objetivo de incidência do imposto.

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

IV. 3. Discussão de Direito

 

Tendo autoliquidado o imposto de selo relativamente a essas comissões no período de Dezembro de 2020 a Junho de 2022, a Requerente deduziu reclamação graciosa em vista à anulação dos atos tributários, por considerar que o imposto não era devido por se não verificarem os requisitos objetivo e subjetivo de incidência.

 

Porque concordamos, acompanhamos de perto nestes autos, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 757/2020-T.

A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, feita por remissão para a informação dos serviços, assenta essencialmente em três ordens de considerações:

(a) a atividade de gestão dos fundos de capital de risco comporta, no essencial, a prática de atos e operações semelhantes aos realizados por outros fundos de investimento, e encontra-se coberta pela isenção de IVA prevista na alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA;

(b) a atividade de administração e gestão de fundos, embora não seja considerada uma atividade de intermediação financeira, constitui uma atividade auxiliar de serviços financeiros e de seguros e, como tal, enquadra-se no âmbito das operações financeiras a que se refere a verba 17.3 da TGIS;

(c) na ausência de especificação do que se entende por “outras instituições financeiras”, a que igualmente alude a verba 17.3 da TGIS, haverá de recorrer-se a outros elementos interpretativos, e, especificamente, à norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários, que integra na enumeração exemplificativa dos “investidores profissionais” outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas, designadamente as sociedades de capital de risco, os fundos de capital de risco e as respetivas sociedades gestoras.

Como é referido nos acórdãos proferidos no Processo n.º 226/2018-T e no Processo n.º 757/2020-T, a isenção de IVA relativamente às operações desenvolvidas pelas sociedades de capital de risco, no pressuposto de que a sua atividade é equiparada à administração ou gestão de fundos de investimento, não implica a necessária sujeição dessa atividade a imposto do selo.

Segundo o n.º 2 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), “não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”. Desta norma de incidência negativa não pode resultar, por argumento a contrario, que todas as operações não sujeitas ou cobertas pela isenção de IVA passem a ser abrangidas pelo imposto do selo, até porque tal construção violaria o principio da tipicidade fiscal.

A norma que delimita pela positiva a incidência objetiva do imposto é a do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, pelo que a sujeição ao imposto por parte de sociedades de capital de risco depende de a sua atividade se encontrar enquadrada em qualquer dos factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral do Imposto do Selo.

No caso, estão em causa as verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS, que são do seguinte teor:

  1. - Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4%

Daí decorre que o imposto é devido por comissões e contraprestações cobradas por serviços financeiros e desde que se trate de operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou equiparadas e outras instituições financeiras, pelo que se torna sempre necessário demonstrar, nas circunstâncias do caso, se as comissões cobradas respeitam à prestação de serviços financeiros (elemento objetivo) e se a Requerente, na qualidade de sociedade de capital de risco, é suscetível de ser qualificada em qualquer das categorias que são elencadas na verba 17.3 (elemento subjetivo).

Começando pela análise deste último requisito, deve fazer-se notar que as sociedades de capital de risco, que constituíam como uma das espécies de sociedades financeiras segundo o disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea h), do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RJICSF), na sua redação originária, perdeu esse qualificativo por efeito da revogação dessa disposição, operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, que alterou o regime jurídico das sociedades de capitais de risco, que então constava do Decreto-Lei n.º 433/91, de 7 de novembro.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 319/2002, a descaraterização das sociedades de capitais de risco como sociedades financeiras é assinalada como um dos “traços mais salientes do novo regime” e encontra-se justificada nos seguintes termos:

As sociedades de capital de risco deixam de ser qualificadas como sociedades financeiras. Tal alteração é agora viabilizada pelo facto de as sociedades de capital de risco deixarem de estar autorizadas a praticar atividades exclusivas de instituições de crédito e sociedades financeiras, como seja a participação na colocação de valores mobiliários. Em consequência, e à semelhança do que já acontece em outros países europeus, as sociedades de capital de risco passam a estar unicamente sujeitas a registo junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários CMVM;

A modificação do estatuto das sociedades de capital de risco relaciona-se com a proibição, estabelecida no artigo 10.º, n.º 1, alínea d), daquele diploma legal, de “concessão de crédito ou prestação de garantias, sob qualquer forma ou modalidade, exceto em benefício de sociedades em que participem”, proibição que se manteve nos diplomas que sucessivamente vieram regular o regime jurídico do capital de risco, como consta do artigo 7.º, n.º 3, alínea d), do Decreto-Lei n.º 375/2007, de 8 de novembro, e do artigo 10.º, n.º 2, alínea d), da Lei n.º 18/2015, de 4 de março. É igualmente consentânea com o objeto social das sociedades de capital de risco, que se encontra circunscrito à realização de investimento em capital de risco e à gestão de fundos de capital de risco, e a que se encontra vedado a realização de operações não relacionadas com a prossecução do seu objeto social e a respetiva política de investimentos (artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, e 10.º, n.º 1, da Lei n.º 18/2015, disposições que têm correspondência no regime jurídico anteriormente definido nos Decretos-Lei n.º 319/2002 e n.º 375/2007).[1]

De referir ainda que a norma do artigo 6.º, n.º 1, alínea h), do RJICSF não foi repristinada, mantendo-se a sua revogação, quer na atual redação do RJICSF, quer na redação vigente à data em que ocorreram os atos tributários de autoliquidação de imposto do selo, revogação que, entretanto, se estendeu às sociedades gestoras de fundos de investimentos e às sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos (cfr. RJICSF na versão da Lei n.º 54/2021, de 13 de agosto).

Houve um claro propósito do legislador de excluir as sociedades de capital de risco do conceito de sociedades financeiras - o que se encontra explicado pelo seu próprio objeto social e a proibição da prática de atividades exclusivas das instituições de crédito -, não faz qualquer sentido, no plano da hermenêutica jurídica, que se pretenda qualificar essas mesmas entidades como sociedades financeiras com base numa interpretação analógica a partir de elementos interpretativos que provêm de outros lugares do sistema.

A Requerida alega, referindo-se ao regime jurídico do capital de risco aprovado pelo Decreto-Lei n.º  375/2007, entretanto revogado, que, nos termos do seu artigo 12.º, n.º 2, a “a gestão de Fundos de Capital de Risco pode ser exercida por sociedades de capital de risco, por sociedades de desenvolvimento regional e por entidades legalmente habilitadas a gerir fundos de investimento mobiliário fechados”, e essas entidades são “sociedades financeiras”, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF, pelo que não existe razão válida para sujeitar ao imposto de selo as comissões de gestão cobradas pelas sociedades de desenvolvimento regional e as sociedades gestoras de fundos de investimento e não as comissões de gestão cobradas pelas sociedades de capital de risco.

De mencionar que não estamos a discutir, no presente processo, a sujeição a imposto do selo de comissões eventualmente cobradas pelas sociedades de desenvolvimento regional ou sociedades gestoras de fundos imobiliários, mas sim a qualificação das sociedades de capital de risco como instituição financeira, e, mais especificamente, como sociedade financeira. E, o que se constata é que as sociedades de desenvolvimento regional continuam a ser tidas como sociedades financeiras (artigo 1.º. n.º 1, alínea b), subalínea vii), do RJICSF), enquanto que as sociedades de capital de risco deixaram de ter esse qualificativo por efeito da revogação da alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º do RJICSF operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002 (o que é igualmente aplicável às sociedades gestoras de fundos de investimento, a que se referia a subalínea vi) do n.º 1 do artigo 1.º RJICSF, que foi também revogada).

Estando em causa a incidência subjetiva do imposto do selo em função da qualificação do sujeito passivo como sociedade financeira, é patente que não é possível caracterizar como sociedade financeira uma instituição que deixou de ser considerada como tal pelo RJICSF, com base num mero argumento de analogia com uma outra entidade que continua a ser tida pelo RJICSF como uma sociedade financeira.

De salientar que o recurso à analogia apenas tem lugar quando se verifiquem casos omissos relativamente aos quais se torne necessário aplicar as normas que diretamente contemplem casos análogos e justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa de modo a assegurar um tratamento semelhante para conflitos de interesses semelhantes.

Ora é claro que não existe nenhuma lacuna suscetível de ser preenchida por via analógica quando o legislador optou deliberadamente por excluir as sociedades de capital de risco da categoria de sociedades financeiras, revogando a disposição legal que anteriormente previa essa qualificação.

De sublinhar ainda que o artigo 11.º, n.º 4 da LGT proíbe a integração analógica de lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República, e, no caso vertente, está justamente em causa uma norma de incidência subjetiva de imposto que se enquadra na reserva parlamentar, sendo certo que o Código do Imposto do Selo foi aprovado pela Lei n.º 159/99, de 11 de setembro.

Assim, está vedado ao intérprete a integração por meio de analogia relativamente à referida disposição da verba 17.3 da TGIS.

Um outro argumento que é utilizado pela Autoridade Tributária prende-se com o disposto no artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários, que, sob a epígrafe “Investidores profissionais”, no seu n.º 1, alínea f), considera como investidores profissionais “outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas, designadamente entidades com objeto específico de titularização, respetivas sociedades gestoras, se aplicável, e demais sociedades financeiras previstas na lei, sociedades de capital de risco, fundos de capital de risco e respetivas sociedades gestoras”.[2]

Como se explicita no acórdão proferido no Processo n.º 399/2019-T e no Processo n.º 757/2020-T, a referida norma limita-se a classificar as sociedades de capital de risco como investidores profissionais, a par de diversas outras entidades, como instituições de crédito e empresas de investimento, em vista aos deveres de conduta que essas entidades se encontram obrigadas no âmbito do mercado dos valores mobiliários, em consonância com as diretivas europeias.

Não é possível extrair dessa disposição, com um campo de aplicação específico, a conclusão de que essas entidades são consideradas como instituições financeiras para efeito de incidência de imposto do selo, tanto mais que a verba 17.3 da TGIS se refere a operações realizadas com a intermediação de instituições financeiras ao passo que as sociedades de capital de risco se encontram excluídas de qualquer atividade de intermediação financeira.

A Autoridade Tributária, na sua resposta, para sustentar a sua posição, refere-se ainda à necessidade de enquadrar à discussão do tema, os dois Regulamentos comunitários – o Regulamento (UE) n.º 1092/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010 e o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que, constituindo mecanismos de regulação e supervisão de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras, definindo o respetivo âmbito de aplicação, inclui as sociedades de capital de risco.

No entanto, não só esse não foi um argumento invocado no procedimento tributário - constituindo assim uma fundamentação a posteriori a que o tribunal não tem de atender -, como também essas disposições, visando definir um elenco de entidades que estão sujeitas  à supervisão macroprudencial do sistema financeiro na União Europeia e que cria o Comité Europeu do Risco Sistémico, como é o caso do Regulamento (UE) n.º 1092/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010 e, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento, como é o caso do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013,que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, não tem qualquer relação com o âmbito de incidência do imposto de selo, nem pode servir - pelas razões já invocadas - para justificar uma aplicação analógica.[3]

Acresce que este último Regulamento fala em instituições de crédito e empresas de investimento, constituindo ambos os normativos matéria muito específica de natureza prudencial e de supervisão, nomeadamente ao nível da necessidade da existência de fundos próprios relevantes das instituições de crédito.[4]

As sociedades de capital de risco não podem entender-se, por conseguinte, como instituições financeiras para efeito do disposto nas verbas 17.3 e 17.4 da TGIS, pelo que a Requerente não se encontrava sujeita a imposto do selo relativamente às comissões cobradas por atividades de gestão e representação jurídica dos fundos de capital de risco.

Não se verificando um dos requisitos de que depende a incidência do imposto, não se torna necessário averiguar se os serviços prestados pela Requerente se caracterizam, para o aludido efeito, como serviços financeiros.

Face ao exposto julga-se procedente o pedido arbitral.

 

V. Reembolso do imposto indevidamente pago

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

VI. Juros indemnizatórios

Relativamente aos juros indemnizatórios determina o artigo 43.º da LGT, n.º 1, que serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Considerando o teor da norma constante do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral e esse direito pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal pagamento indevido derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

O artigo 24.º, b) do RJAT determina que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o disposto no artigo 100.º da LGT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) do RJAT: “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

As normas do artigo 2.º, n.º 1 a) e b) do RJAT utilizam a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, e apesar de não se referirem a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos Tribunais Tributários, sendo essa a interpretação que está de acordo com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, e tem como primeira diretriz: “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, incluindo a via arbitral, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do n.º 1 do artigo 43.º da LGT

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Nos presentes autos, os atos de autoliquidação do Imposto do Selo foram da iniciativa do sujeito passivo, a ora Requerente, pelo que não é possível imputar qualquer tipo de erro aos serviços da AT na efetivação dos atos de liquidação de imposto do selo em causa.

Com a dedução da reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação de imposto do selo objeto do presente processo arbitral, considerando os fundamentos invocados no procedimento de reclamação graciosa, a AT teve a oportunidade de fazer o correto enquadramento jurídico-tributário dos factos e ter efetuado a plena reconstituição da legalidade dos atos ou da situação objeto do litígio.

Não tendo feito nessa fase administrativa a reapreciação da (i)legalidade dos atos de autoliquidação, a partir da data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa é legal e legítimo o juízo de imputação de erro aos serviços da AT.

Deste modo, e na linha da jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente os Acórdãos proferidos no Processo n.º 0926/17, de 06.12.2017 e no Processo n.º 0250/17, de 03.05.2018, nos termos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, a AT deve proceder ao pagamento à Requerente de juros indemnizatórios à taxa legal, em relação a cada um dos atos de autoliquidação de Imposto do Selo, desde a data do despacho de indeferimento da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito (n.º 5 do art.º 61.º do CPPT).

 

VII. Decisão

Termos em que se decide

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de autoliquidação de imposto do selo e, bem assim, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzido;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago no valor de € 258.361,93, acrescido de juros indemnizatórios desde a data do despacho de indeferimento da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
  3. Condenar a Requerida nas custas deste processo.

 

VIII. Valor da causa

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 258.361,93 indicado no PPA pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VIX. Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 29 de novembro de 2023

 

 

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(Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro – Presidente)

 

O Árbitro vogal (Relator)

 

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(Dr. António Pragal Colaço, árbitro Adjunto)

 

 

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(Prof.ª Doutora Cristina Aragão Seia – Árbitro Adjunta)

 



[1] O regime da gestão de ativos criado pelo Decreto-Lei 27/2023, de 28/4, é posterior à data dos factos do presente processo, sem prejuízo de eventualmente, nada ter inovado quanto a esta matéria;

[2] O mencionado Decreto-Lei 27/2023, de 28/4 retirou da previsão da mencionada alínea f), sociedades de capital de risco, fundos de capital de risco e respetivas sociedades gestoras;

[3] Lê-se na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que:

“O RGICSF não é o único diploma legal que regula o sistema financeiro português, mas apenas aquele que regula a atividade financeira ao regime de supervisão prudencial do Banco de Portugal”.

A norma constante do n.º 5 do artigo 6.º do RGICSF tem por efeito apenas a exclusão das SCR da supervisão do Banco de Portugal e transportá-la para a CMVC, como é reconhecido diretamente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro. Essa alteração destinou-se a harmonizar o regime de supervisão aplicável aos próprios OIC, que já anteriormente estavam sujeitos à supervisão da CMVM.

E o do n.º 5 do artigo 6.º do RGICSF constitui uma ficção legal negativa, que tem apenas efeitos internos no RGICSF, não têm efeitos externos na ordem jurídica financeira nem posterga o direito estabelecido nos Regulamentos e Diretivas Europeias que classificam as SCR diretamente como instituições financeiras”.

[4] Lê-se no ponto (80) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, “Relativamente aos grupos que dispõem quer de importantes atividades bancárias ou de investimento, quer de importantes atividades de seguro, a Diretiva 2002/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativa à supervisão complementar de instituições de crédito, empresas de seguros e empresas de investimento de um conglomerado financeiro (1) prevê regras específicas para tratar essa "dupla utilização de fundos próprios". A Diretiva 2002/87/CE assenta em princípios acordados a nível internacional para fazer face aos riscos em todos os setores. O presente regulamento reforça o modo de aplicação dessas regras sobre tais conglomerados financeiros aos grupos de bancos e empresas de investimento, garantindo a solidez e coerência da mesma. As eventuais alterações necessárias serão abordadas no âmbito do reexame da Diretiva 2002/87/CE, que deverá ser efetuado em 2015” e lê-se no ponto (96) “As instituições deverão acompanhar o nível e as variações do rácio de alavancagem, bem como o risco de alavancagem enquanto parte do processo de avaliação da adequação do capital interno (ICAAP). Tal acompanhamento deverá ser integrado no processo de supervisão. Designadamente após a entrada em vigor dos requisitos relativos ao rácio de alavancagem, as autoridades competentes deverão acompanhar os desenvolvimentos verificados nos modelos empresariais e no correspondente perfil de risco de modo a assegurar uma classificação correta e atualizada das instituições.”