Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 606/2023-T
Data da decisão: 2024-04-08  IRC  
Valor do pedido: € 13.099,07
Tema: Artigos 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC – Perdas por imparidade.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

 

  1. Os requisitos previstos no artigo 28.º-A e 28.º-B do CIRC, que permitem deduzir as perdas por imparidade, não estão verificados relativamente ao ano de 2019.
  2. Inexiste, por conseguinte, um gasto fiscalmente constituído associado ao crédito em análise.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

A A..., S.A. (doravante Requerente), com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Matosinhos,  sujeito passivo com número de identificação fiscal ..., vem requerer pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), submetendo à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade do ato tributário identificado abaixo.

 

Peticiona que seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa que correu termos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, sob o n.º ...2022..., com a consequente anulação do despacho de indeferimento.

Peticiona ainda a título mediato, enquanto objeto daquela reclamação graciosa, a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, do ano de 2019, com o n.º 2022..., efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira que apurou, de acordo com a demonstração de acerto de contas, um valor a pagar de € 13.099,07 (treze mil noventa e nove euros e sete cêntimos), correspondentes a imposto no montante de € 12.295,96 mais juros compensatórios, no valor de € 803,11, com a consequente anulação e respetiva restituição do montante em causa pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal aplicável.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de Tribunal Arbitral e do n.º do processo atribuído, em 28-08-2023, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 31-08-2023.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

Em 16-10-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Síntese da posição das Partes:          

1.      Do Requerente

Entende a Requerente que a AT está a incorrer em diversos vícios, no seguintes termos:

Refere que o risco de incobrabilidade estava devidamente justificado porquanto os créditos se inseriam na atividade normal da empesa, estavam devidamente registados na contabilidade, foram considerados como de cobrança duvidosa, o que motivou a injunção, existindo assim provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o recebimento dos valores em dívida.

E desenvolve:

Com base na argumentação do relatório inspetivo, estariam em causa meras diferenças temporais no reconhecimento de perdas por imparidade.

A ser aceite a correção efetuada, teria de ser reconhecida a perda por imparidade sobre a totalidade do valor em dívida, em 2020, por força da existência do PER instaurado nesse período, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 artigo 28.º-B do Código do IRC.

Cabia assim à Autoridade Tributária alargar o âmbito da sua inspeção aos períodos em que se verificam as condições para o reconhecimento fiscal da perda por imparidade, através da emissão de uma nova ordem de serviço, procedendo às respetivas correções a favor do sujeito passivo.

De acordo com o disposto no Ofício Circulado n.º 14/93, de 23.11 da DGCI, o qual determina que competirá aos serviços de fiscalização «(…) fazer as correções adequadas ao resultado líquido do período a que os gastos ou rendimentos digam respeito, quando, nos termos do artigo 18.º do CIRC, não sejam considerados», e tratando-se de uma mera diferença temporal, que no global dos períodos não resulta nenhum prejuízo para o Estado, não se verificou qualquer benefício ou vantagem fiscal para o sujeito passivo.

Assim, e considerando a existência de processo de injunção, defende o sujeito passivo que até poderia ter reconhecido uma perda por imparidade sobre a totalidade do valor reclamado no mesmo (€ 226.091,29) ao invés de apenas € 56.522,82.

Contudo, a Requerente aplicou uma percentagem, no caso em concreto, de 25%, pois era expectável vir a receber uma parte do valor em dívida, o que não se verificou até ao momento presente.

Reitera-se ainda, o disposto pelo sujeito passivo no direito de audição, onde se afirmou que a perda por imparidade foi com base no processo de injunção e não com base no período da mora.

Conclui, por fim, a Requerente:

A fundamentação das correções contestadas é incompleta, não tendo sido efetuado um correto enquadramento fiscal, contrariando, inclusive, a jurisprudência existente.

Quer isto dizer, que as correções a favor do Estado elencadas no relatório inspetivo originam correções a favor do sujeito passivo no próprio período de 2019, dado que pela existência do processo de injunção, aplicar-se-ia a alínea b) do n.º 1 do artigo 28.º-B do Código do IRC.

E, ainda que não fosse aceite o processo de injunção, estariam em causa meras diferenças temporais, ocorrendo uma correção simétrica no período de 2020, em consequência da instauração do PER.

Contudo, o relatório inspetivo apenas evidencia correções a favor do Estado, onde as mesmas são indevidas.

Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Determina ainda o n.º 2 do artigo 77.º da LGT, a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

Ora, considera a Requerente que estas normas não foram observadas no relatório final, e que em razão de tudo o que ficou exposto, deverá ordenar-se a anulação da liquidação em análise, incluindo o valor dos juros compensatórios.

2. Da Requerida

Os argumentos apresentados na Resposta da AT, bem como em alegações escritas, sublinham o seguinte:

Segundo a Requerida e conforme concluem os SIT, em resposta ao direito de audição, no ano de 2019, não existia em curso nenhum processo judicial, pelo que não é permitida a dedução fiscal das perdas por imparidade em créditos, no valor de € 56.522,82, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC. Acrescenta que o processo de injunção apresentado, apesar de requerido em 05-12-2019, apenas teve força executiva, em 29-01-2020.

No que concerne à correção simétrica invocada pela Requerente, pelo facto de existir um PER instaurado, em 2020, defende a Requerida que o entendimento da AT ao qual a Requerente faz referência [ofício circulado n.º 14, de 23-11-1993, da DSIRC], excluiu o procedimento lá descrito no caso concreto das provisões (agora imparidades), como se reproduz: “Exceptuam-se deste procedimento as provisões, reintegrações e amortizações quando não contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam”, pelo que não possível atender à pretensão da Requerente.

No que respeita aos acórdãos invocados, sublinha a Requerida que os mesmos apenas vinculam a AT quanto aos casos concretos que neles sejam apreciados, não vinculando os demais contribuintes.

Assinala ainda que, mesmo que versem sobre a mesma matéria, em cada caso são tidas em consideração as diversas premissas em função das concretas situações, não podendo, portanto, ser de aplicação generalizada.

Independentemente de não resultar nenhum prejuízo para o Estado, nem se verificar qualquer benefício ou vantagem fiscal para o SP, estando em causa meras diferenças temporais, tal como a Requerente defende, considera a AT que em 2019, tal como concluído pelos SIT, a ora Requerente não cumpria as condições determinadas no artigo 28.º-B do CIRC não se permitindo assim a dedução fiscal das perdas por imparidade.

Mais considera que a AT deu pleno cumprimento ao ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, foi demonstrado que, no período de 2019, a Requerente não reunia as condições impostas pelos artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC.

A Requerida contraria ainda o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão levantada acerca da fundamentação, que considera observar os requisitos legais de síntese, clareza e suficiência exigidos pelo artigo 77.º da LGT.

Em face do exposto, conclui a Requerida que o procedimento adotado pelos SIT não enferma de qualquer ilegalidade, e que os atos de liquidação se encontram devidamente fundamentados no estrito cumprimento da aplicação das normas legais.

Ou seja, segundo a AT, no fim do período de tributação de 2019, o cliente B... SA não tinha pendente nenhum processo judicial, a Requerente não juntou provas de que os créditos tinham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral e os créditos, com exceção de uma fatura, não estavam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento, condições previstas no n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, para que os créditos pudessem ser considerados de cobrança duvidosa.

Na medida em que se projeta a manutenção da liquidação impugnada, defende, por último, não haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, já que não estão reunidos os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

***

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular, foi constituído em 06-11-2023.

Em 06-11-2023, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da Administração Tributária para apresentar resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou, em 11-12-2021, juntando Processo Administrativo (doravante PA).

Em 18-12-2023, foram notificadas as partes do despacho, de 16-12-2023, proferido pelo Tribunal Arbitral, no qual se dispensava a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, convidando-se as partes, querendo, a apresentar alegações escritas por prazo simultâneo, em 30 dias, o que o Requerente efetuou, em 02-02-2024.

Estimou-se, por último, a prolação de decisão arbitral dentro do prazo previsto no n.º 1, do artigo 21.º do RJAT, convidando-se o Requerente a pagar a taxa arbitral subsequente prevista no artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. 

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.

O processo não enferma de nulidades.

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. A Requerente encontra-se enquadrada para efeitos de IRC, no regime geral com contabilidade organizada e para efeitos de IVA no regime normal mensal.
  2. Está registada para a atividade principal de “Actividades das empresas de trabalho temporário”, CAE 78200 e atividades secundárias de “Actividades das empresas de selecção e colocação de pessoal”, CAE 78100 e “Outro fornecimento de recursos humanos”, CAE 078300.
  3. No ano de 2019, foi registado como gasto na conta 6511, o valor de € 56.522,82 (perdas por imparidades em dívidas a receber), correspondente a 25% da dívida do cliente “B...” (€ 226.091,29 x 25%).
  4. No mapa modelo 30, as perdas por imparidade foram calculadas com base na mora do cliente, nos termos do artigo 28.º B, n.º 1, alínea c) do Código do IRC.
  5. Os documentos suporte ao crédito são constituídos por 8 faturas e uma nota de crédito, emitidas no decurso de 2019.
  6. Como prova de diligência efetuada para recebimento do crédito foi apresentado requerimento de injunção n.º .../19...YIPRT, referência ..., cuja entrega data de 05-12-2019.
  7. Em 2019-12-31,apenas uma das faturas (sob o n.º 190107), no valor de € 7.496,42, estava em mora há mais de 6 meses.
  8. O valor da perda por imparidade em créditos apurado pelos SIT, nos termos da alínea a) do n.º 2 do referido artigo 28.º-B, foi de € 7.496,42 x 25% = € 1.874,11.
  9. Os SIT concluíram que as perdas por imparidade em créditos não fiscalmente dedutíveis, nos termos dos artigos 28.º-A a 28.º-C, deveriam ser acrescidas ao apuramento do lucro tributável, no valor de € 54.648,71 (€ 56.522,82 - € 1.874,11).
  10. A liquidação adicional de IRC resulta de correção efetuada no âmbito de uma ação inspetiva desenvolvida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto a coberto da Ordem de serviço interna n.º OI2021..., de âmbito parcial – IRC, que concluiu pela desconsideração como gasto fiscal de perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa em mora, no valor de € 54.648,71.
  11. Relativamente às correções propostas pelos SIT a Requerente apresentou reclamação graciosa.
  12. Do projeto de despacho proferido, em 30-03-2023, foi a Requerente notificada por carta registada, nos termos do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), através do ofício n.º 2023..., de 11-04-2023, sob o registo postal RF...PT, para, querendo, exercer o direito de audição prévia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), tendo-lhe sido concedido o prazo de quinze (15) dias para o efeito.
  13. Através de documento remetido por via postal e que deu entrada na AT, em 03-05-2023, a Requerente exerceu o direito de audição prévia.
  14. A Requerente exerceu o direito de audição alegando, em síntese, que o montante constituído como perdas por imparidade foi calculado com base em “reclamação judicial” e não “com base na mora do cliente”, acrescentando que apesar da possibilidade de o risco de incobrabilidade ser da dívida total a empresa apenas considerou 25% por ter alguma expectativa de recebimento de parte do valor.
  15. No exercício do direito de audição ao projeto de relatório, o sujeito passivo, por mensagem de correio eletrónico, de 07-04-2022, enviou um outro mapa Modelo 30 - mapa de provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos em inventários (página 11 do RIT) alterando o montante constituído em perdas por imparidade de créditos em mora para créditos em contencioso.
  16. Os SIT concluíram que, relativamente ao período de 2019, o requerimento de injunção pode ser considerado prova das diligências efetuadas para recebimento da dívida, onde o risco de incobrabilidade pode ser justificado nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC.
  17. A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças do Porto, após apreciação do direito de audição e invocando a ausência de novos dados por parte da Requerente, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação graciosa e da manutenção do ato tributário.

2. Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).

Os factos dados como “provados” e “não provados” foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a) do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

IV. DO DIREITO

 

1. A questão a decidir:

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa que correu termos junto da AT, sob o n.º ...2022..., e enquanto objeto daquela reclamação graciosa, a legalidade do ato de liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, do ano de 2019, com o n.º 2022..., efetuada pela AT que apurou, de acordo com a demonstração de acerto de contas, um valor a pagar de € 13.099,07 (treze mil noventa e nove euros e sete cêntimos).

2. Ordem de Conhecimento dos Vícios

A Requerente fundamenta o pedido de anulação nos vícios sobre os pressupostos de direito, ou de facto, em alternativa, alegando subsidiariamente que a liquidação padece do vício de falta de fundamentação legalmente exigida, os quais determinarão a anulação do ato de liquidação adicional de IRC e de liquidação de juros compensatórios. 

Conforme dispõe o artigo 124.º do CPPT, na sentença a proferir no processo de impugnação  (igualmente aplicável no âmbito dos processos arbitrais ex vi Artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), o Tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pela Requerente, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior (n.º 2).

No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato tributário.

Ainda que a Requerente não tivesse indicado uma relação de subsidiariedade entre os vícios, haveria lugar ao conhecimento prioritário dos vícios sobre os pressupostos de direito, ou de facto, por serem estes que conferem mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, visto que o vício de falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente – a proceder – não impede que a AT produza, em execução de julgado, um ato de idêntico sentido após inclusão da devida fundamentação.

Nestes termos, procede-se ao conhecimento do mérito da causa começando por apreciar, por esta ordem, os invocados:

a) Erro sobre os pressupostos de direito e de facto;

b) Vício de falta de fundamentação legalmente exigida do ato de liquidação.

Por fim, procede-se ainda na alínea c) à apreciação de eventual direito ao pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

Cumpre apreciar e decidir.

  1. Erro sobre os pressupostos de direito ou de facto.

Nas palavras da Requerente citando JORGE LOPES DE SOUSA, estaríamos no primeiro caso face a um “erro de direito acerca dos factos”, por ser alegadamente pressuposto do ato “uma figura jurídica e os factos efetivamente existentes não materializarem essa figura, mas o agente erradamente supôs que sim”.

Ou se assim não se atendesse, perante uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato, erro sobre os pressupostas de facto que configura um vício de violação de lei.

Recordemos:

 Foram registadas, em 2019, perdas por imparidade na conta 6511, no montante de € 56.522, 86, relativo à divida do Cliente  B... .

Apenas a fatura 190107, no valor de € 7.496,42, de 22-04-2019, com vencimento em 22-05-2019, estava em mora há mais de 6 meses, em 31-12-2019.

Considerou a inspeção tributária que apenas em relação à referida fatura n.º 190107, de 30-04-2019, no valor de € 7.496,42, se encontrava justificado o risco de incobrabilidade dos créditos, pois apenas essa fatura preenchia a condição prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 28.º-B do CIRC de estar em mora há mais de seis meses e menos de doze meses desde o respetivo vencimento.  

No exercício do direito de audição ao projeto de relatório, o sujeito passivo, por mensagem de correio eletrónico de 07-04-2022, enviou um segundo mapa Modelo 30 - mapa de provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos em inventários (página 11 do RIT) alterando tão somente o montante constituído em perdas por imparidade de créditos em mora para créditos em contencioso.

Segundo a Requerente, apenas considerou 25% do crédito por ter alguma expectativa de recebimento de parte do valor.

Perante as alegações do sujeito passivo e o novo mapa Modelo 30, que veio considerar a constituição ou reforço de perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa, não já em função da mora mas considerando os créditos em contencioso, entenderam os SIT que o próprio contribuinte vem reconhecer que as perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa com base na mora do cliente, não preenchiam as condições para serem aceites fiscalmente nos termos na alínea a) do n.º 2 do artigo 28º-B do CIRC, e vem apresentar novo mapa, pretendendo que as mesmas perdas por imparidade sejam agora aceites, não como créditos em mora mas sim como créditos em contencioso reclamados judicialmente. 

O cliente B... SA, apenas no ano de 2020, iniciou um Processo Especial de Revitalização (PER), conforme portal CITIUS, processo n.º .../20...T8ACB, com data de prepositura da ação, de 28-04-2020, e o sujeito passivo na qualidade de credor, foi chamado a reclamar o seu crédito através de anúncio de 02-05-2020.  

Vejamos:

Em termos contabilísticos e de acordo com os respetivos normativos e em respeito pelo princípio da periodização económica ou do acréscimo, a constituição de perdas por imparidade (o reconhecimento contabilístico) deverá ser efetuada sempre que se verifique que esse crédito está em imparidade, de acordo com o §25 da NCRF 27 (conjugação do princípio da prudência com o princípio da periodização económica), como aconteceu no caso concreto.

 Em termos fiscais, e conforme previsto legalmente, é do resultado líquido apurado de acordo com a normalização contabilística que se parte para o apuramento do resultado tributável, consequência da dependência parcial do resultado fiscal face ao resultado contabilístico.

A questão, pois, é a de saber se, em 2019, estavam preenchidos os requisitos legais cumulativos para o registo fiscal da imparidade de créditos com base no disposto no Código do IRC a propósito de perdas por imparidade. A matéria encontra-se prevista nos artigos 28.º-A e B do Código do IRC.

A este propósito o artigo 28.°-A, n.º 1 alínea a) do CIRC, em vigor, dispunha da seguinte forma:    

Artigo 28.º-A

Instituições de crédito e outras instituições financeiras

 

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores: 

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade; 

b) As relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros. 

2 - Podem também ser deduzidas, para efeitos de determinação do lucro tributável, as perdas por imparidade para risco de crédito, em títulos e em outras aplicações, contabilizadas de acordo com as normas contabilísticas e regulamentares aplicáveis, no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, nos termos e com os limites previstos no artigo 28.º-C. 

3 - As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas nos números anteriores que não devam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, consideram-se componentes positivas do lucro tributável do respetivo período de tributação.

 

[Artigo 5.º, Lei n.º 82-C/2014 - Diário da República n.º 252/2014, 2.º Suplemento, Série I de 2014-12-31 1 - O disposto no n.º 2 do artigo 28.º-A, com a redação dada pela presente lei, aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2015.

Alterado pelo/a Artigo 2.º do/a Lei n.º 98/2019 - Diário da República n.º 169/2019, Série I de 2019-09-04, em vigor a partir de 2019-09-05.

Alterado pelo/a Artigo 2.º do/a Lei n.º 82-C/2014 - Diário da República n.º 252/2014, 2º Suplemento, Série I de 2014-12-31, em vigor a partir de 2015-01-05].

 

Com idêntica relevância para o caso em análise, o artigo 28.º-B do Código do IRC determinava o seguinte:  

 

Artigo 28.º-B

Perdas por imparidade em créditos

 

1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.

3 - Não são considerados de cobrança duvidosa:

 a) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval;

b) Os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;

c) Os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas que detenham, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, mais de 10 % do capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1;

d) Os créditos sobre empresas participadas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.

e) Os créditos entre empresas detidas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital pela mesma pessoa singular ou coletiva, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1. 4 - As percentagens previstas no n.º 2 aplicam-se, igualmente, aos juros pelo atraso no cumprimento das obrigações, em função da mora dos créditos a que correspondam.

 

[Alterado pelo/a Artigo 263.º do/a Lei n.º 71/2018 - Diário da República n.º 251/2018, Série I de 2018-12-31, em vigor a partir de 2019-01-01].

 

Aqui chegados, pode afirmar-se que os requisitos legais para o registo fiscal de imparidades de créditos são, de forma cumulativa, os seguintes:    

(i) As imparidades contabilísticas devem ser “contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores” (cfr. o artigo 28.º-A, n.º 1 do CIRC); 

(ii) Devem estar “relacionadas com créditos resultantes da atividade normal da empresa, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento das obrigações” (cfr. o artigo 28.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC); 

Devem ser consideradas de “cobrança duvidosa e sejam evidenciados, como tal, na contabilidade” (artigo 28.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC), o que se verificará quando estejam em mora há mais de seis meses (cfr. o artigo 28.º-B, n.º 1, al. c) e n.º 2, do CIRC); 

(iii) Devem existir “provas objetivas de imparidade”; 

(iv) Devem ter sido efetuadas “diligências para o seu recebimento” (cfr. o artigo 28.º-B, n.º 1, al. c), do CIRC). 

Passaremos a analisar a verificação de cada um dos requisitos no caso:

(i) Da contabilização no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores (cfr. o artigo 28.º-A, n.º 1 do CIRC):

Ficou demonstrado que a Requerente registou a imparidade contabilisticamente e em termos fiscais.

Encontra-se, por conseguinte, verificado o referido requisito.  

(ii) Da existência de perdas por imparidade “relacionadas com créditos resultantes da atividade normal da empresa” (cfr. artigo 28.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC):  

Neste ponto de análise, cumpre verificar se os requisitos previstos no artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC se encontram cumpridos.

Não existindo no Código do IRC uma definição sobre o que se deve entender por “actividade normal” para efeitos de base de incidência do cálculo das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º l do artigo 35.º, tem sido maioritariamente assumido pela jurisprudência que, para efeitos de constituição de perdas por imparidade, apenas relevam os créditos decorrentes das operações de natureza comercial relacionadas com a venda de bens ou serviços respeitantes à atividade da empresa, i.e, operações que envolvam transações correntes.

Nessa medida não pode deixar de se considerar que os créditos a que vimos fazendo referência resultaram da atividade normal da Requerente. 

Face ao exposto, verifica-se que a Requerente cumpriu igualmente este requisito. 

(iii) Da existência de créditos de “cobrança duvidosa (…) evidenciados, como tal, na contabilidade” (cfr. artigo 28.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC): 

Tendo em vista apurar o preenchimento deste requisito, o artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC deve ser lido em conjunto com o disposto no artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c) do CIRC por forma a compreender a noção de créditos de “cobrança duvidosa” encontrada pelo legislador: consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado quando «os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.» 

 Que condições eram então verificáveis no fim do período de tributação relativo ao exercício de 2019, no caso que vimos analisando? 

A determinação de perdas por imparidade em função da mora dos créditos, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 28.º-B do CIRC, não respeitou a condição de que os créditos estivessem em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento, condição que apenas é preenchida pela fatura n.º 190107, no valor de € 7.496,42. 

Razão que levou os SIT a determinar como perdas por imparidade, nos termos do artigo 28.º-B, n.º 2, alínea a) do CIRC, o valor de € 1.874,11 correspondente a € 7.496,42 x 25%, e a corrigir o excesso € 54.648,71 (€ 56.522,82 - € 1.874,11).  

Não se encontrando verificado um dos requisitos cumulativos obrigatórios supra mencionados, abstemo-nos de prosseguir com uma análise mais fina relativamente ao pontos  (iv) Da existência de “provas objetivas de imparidade” e (v) Realização de “diligências para o seu recebimento.”

Não incorrendo o caso concreto, conforme resulta do probatório quanto ao exercício de 2019, na previsão da alínea a)[1] do artigo 28.º-B, n.º 1, e conforme acabado de verificar, também, da alínea c) do mesmo normativo, resta esgotar a admissibilidade de aplicação da alínea b) do artigo 28.º-B, n.º 1, apurando se o procedimento de injunção utilizado pelo Requerente não se poderá considerar na situação "de créditos reclamados judicialmente”.

De acordo com o Portal CITIUS, a injunção é um procedimento que permite a um credor de uma dívida ter um documento (a que se chama título executivo, como é consabido) que lhe possibilita recorrer a um processo judicial de execução para recuperar junto do devedor o montante que este lhe deve, sem precisar de intentar nos Tribunais uma ação declarativa de condenação.

Após a apresentação do requerimento de injunção pelo credor, o eventual devedor é notificado desse requerimento e, se não se opuser ao mesmo, é emitido o referido título executivo. Caso se opunha, o processo é remetido para um tribunal.

 Desconhece-se se o devedor deduziu oposição, na situação em análise, caso em que os autos seriam distribuídos, passando assim o requerimento de injunção a ser tramitado em um Tribunal Judicial, contrariamente ao procedimento de injunção que corre termos no BNI (Balcão Nacional de Injunções), visto ser um procedimento de natureza administrativa. Ora, não ficou demonstrado no processo que assim tivesse acontecido.

O desenrolar deste processo é, assim, maioritariamente extrajudicial. Se o devedor não apresentar oposição à injunção, o credor tem a sua dívida confirmada sem que seja necessário intentar um processo judicial junto dos Tribunais ou sequer que haja qualquer intervenção do Juiz. Deste modo, o credor pode intentar desde logo uma ação executiva destinada a promover as diligências necessárias à cobrança coerciva da dívida, o que também não ocorreu no exercício de 2019.

Como vem descrito no processo arbitral n.º 387/2020-T “ A injunção é um procedimento que antecede a execução, e permite ao credor seguir posteriormente pela via judicial para a cobrança da dívida, pelo que se poderá considerar o procedimento de injunção uma diligência concreta e comprovada que visa o posterior recebimento do crédito, e que, inegavelmente, evidencia o risco de incobrabilidade dessa dívida àquela data, suscetível de ser considerada diligência para efeitos da al. c) do artigo 28.º-B do Código do IRC”.

Acompanhamos o entendimento de que apenas a prova da imparidade deve ser objetiva e não a prova das diligências para o recebimento do crédito[2].

Em termos contabilísticos, o § 25 da NCRF 27 estabelece alguns tipos de evidências objetivas para se verificar se existe necessidade, ou não, do reconhecimento da perda de imparidade, como por exemplo: significativa dificuldade financeira do devedor, não pagamento ou incumprimento do prazo de pagamento estabelecido contratualmente, probabilidade do devedor entrar em falência (Insolvência), entre outras.

Com a verificação destas evidências objetivas, a entidade passará a reconhecer a perda por imparidade, reduzindo, ou anulando na totalidade, o valor do ativo (dívida a receber de clientes).

Ou seja, a avaliação deverá ter em conta o contexto do devedor, bem como as restantes informações de que disponha o credor, sendo que a necessidade de instaurar um procedimento de injunção será mais um elemento a considerar nesta análise.

Verificando-se a existência da "evidência objetiva de evento de perda", que não é mais do que dizer que se o credor considera pelos elementos objetivos de que dispõe que existe o risco de que a dívida não seja paga, então o credor deverá registar a correspondente imparidade.

Caso as normas fiscais não permitam a dedução dessa imparidade no referido período de tributação (ou permitam apenas a dedução de uma parte), poderão ser serão feitas as correções devidas na declaração de rendimentos (modelo 22) desse período.

Desde já podemos retirar conclusões também destes últimos pontos, no sentido de que o requerimento de injunção entregue, em 05-12-2019, consubstancia uma diligência concreta e comprovada que visa o posterior recebimento do crédito.

E bem assim, que o o requerimento de injunção é um procedimento, sobretudo administrativo, que pode dar origem a um daqueles processos, mas que em si mesmo, e antes de corridos os trâmites necessários, não poderá ser considerado um processo judicial para este efeito, pelo que não existindo nenhum processo judicial, não é permitida a dedução fiscal das perdas por imparidade em créditos, no valor de € 56.522,82, nos termos previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 28.º-B do CIRC.

Podemos igualmente extrair a conclusão mais genérica de que, no fim do período de tributação de 2019, o cliente B... SA não tinha pendente nenhum processo judicial, a Requerente não juntou provas de que os créditos tinham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral, verificando-se que os créditos, com exceção de uma fatura, não estavam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento, condições previstas no n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC para que os créditos pudessem ser considerados de cobrança duvidosa.

Ora, aqui chegados, impõe-se retirar uma última conclusão: não estamos perante meras diferenças temporais, em que se impõe a conciliação do princípio da especialização de exercícios com o princípio da justiça como forma de permitir a imputação a um exercício posterior de custos referentes a exercícios anteriores (desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios tendentes a manipulá-los[3]), tal como invoca a Requerente, sendo certo que, em 2019, esta não cumpria as condições determinadas no artigo 28.º-B do CIRC, à exceção da fatura n.º 190107, no valor de € 7.496,42.  

Na impossibilidade de a “perda” por imparidade de créditos ser registada fiscalmente no exercício de 2019, à exceção da fatura acima identificada, em razão da ausência de preenchimento de requisitos cumulativos de formação da imparidade para efeitos fiscais, a questão que se nos depara é prévia: não estamos sequer perante a existência de um gasto no plano fiscal. 

Ora, não estando verificada a mora, à exceção da fatura considerada pelos SIT como vimos anteriormente, inexiste um gasto fiscalmente constituído associado a esse mesmo crédito, que dependeria da realização de vários pressupostos para a sua constituição e que configura o elemento central do reconhecimento de perdas por imparidade em termos fiscais.

Improcede, pois, o pedido quanto aos invocados vícios sobre os pressupostos de direito e de facto.

    b) Vício de falta de fundamentação dos atos de liquidação.

Concretamente, a Requerente invoca a ausência da indicação de disposições legais aplicáveis, qualificação e quantificação de factos tributários que não teriam sido observados no relatório final por parte da AT.

O artigo 77.º da Lei Geral Tributária vem estabelecer, como requisito de validade, a fundamentação das decisões tomadas no procedimento tributário, sendo a Lei Geral Tributária mais exigente que a Constituição da República Portuguesa, na medida em que estabelece a obrigatoriedade da fundamentação apenas para os atos que “afetem direitos ou interesses legalmente protegidos” (cfr. n.º 3 do artigo 268.º), ao invés do artigo 77.º da Lei Geral Tributária que não estabelece tal limitação.

Como se descreve no processo do CAAD n.º 549/2018 – T, «Na terminologia administrativa e tributária, o termo “fundamentação” é utilizável com dois sentidos: o de fundamentação material e o de fundamentação formal;

A fundamentação formal pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão enquanto a fundamentação material corresponde à recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspeto formal da operação, associando-a à transparência da perspetiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do ato praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade. É com este último sentido que a jurisprudência tem falado em falta de “fundamentação substantiva” ou “fundamentação substancial”, que se reconduz a falta de demonstração dos pressupostos substantivos da atuação corretiva da administração tributária.», verificados na alínea a) supra da presente decisão.

Especialmente para a fundamentação dos atos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária»  e que «a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

Há muito que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sufragado o entendimento de que o ato em matéria tributária se encontra suficientemente fundamentado, «quando do mesmo é possível extrair o respetivo percurso cognoscitivo». É também isso que resulta do disposto nos artigos 63.º, do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

A jurisprudência do CAAD vem igualmente trazer alguma luz sobre o tema através do processo n.º 14/2017-T, onde se pode ler o seguinte:

«A exigência legal e constitucional de fundamentação do ato tributário, decorrente dos artigos 268.º da CRP, 77.º da LGT e 152.º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa.

Voltando ao caso concreto, é possível observar os requisitos legais de síntese e suficiente clareza exigidos pelo supra citado artigo 77.º da LGT: a fundamentação encontra-se comprovada, e legalmente suportada no RIT, expondo os fundamentos e critérios que sustentam as correções efetuadas em sede de Inspeção demonstrando o cumprimento do ónus da prova que recai sobre a AT, e dando a conhecer à Requerente a razão de ser desencadeado procedimento de liquidação.

É de concluir, pois, que os atos de liquidação corretiva de imposto ocorridos e dos respetivos juros compensatórios se encontram devidamente fundamentados, pelo que também quanto a este ponto de análise improcede o pedido da Requerente.

Em jeito de conclusão geral fica assim demonstrado que, no exercício de 2019, a Requerente não reunia as condições impostas pelos artigos 28.º-A e 28º-B do CIRC, e que os pressupostos legais que legitimaram a atuação da AT se encontram suficientemente fundamentados tendo sido possível ao Requerente extrair o respetivo percurso cognoscitivo.

    c) Dos juros indemnizatórios

 Face ao concluído supra deve considerar-se que a liquidação impugnada de IRC e juros compensatórios, nos termos descritos, não padece de erro da AT, não se considerando  verificados os pressupostos previstos no artigo 43.º da LGT para pagamento de juros indemnizatórios.

 

V. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral singular: 

 

  1. Julgar o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, incluindo o peticionado em sede de juros indemnizatórios, tudo com as devidas e legais consequências.
  2. De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €  13.099,07 (treze mil noventa e nove euros e sete cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada;
  3. Condenar a Requerente nas custas judiciais. Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 918,00 (novecentos e dezoito mil euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.[4]

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de abril de 2024     

 

A Árbitra

 

/Alexandra Iglésias/

 

 

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] O cliente B... SA, apenas no ano de 2020, iniciou um Processo Especial de Revitalização (PER), conforme portal CITIUS, processo nº .../20...T8ACB, com data da prepositura da ação de 28-04-2020, e o sujeito passivo na qualidade de credor, foi chamado a reclamar o seu crédito pelo anúncio de 02-05-2020. 

 

[2] Neste mesmo sentido, a decisão arbitral proferida no processo n.º 553/2019-T, de 03-02-2020.

 

[3] Como tem sido observado na jurisprudência arbitral, trata-se de gastos que já se encontram fiscalmente constituídos e em que os sujeitos passivos diferiram o seu reconhecimento para um outro período.

[4] De acordo com o Despacho de Retificação de 2024-04-18