Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 428/2023-T
Data da decisão: 2024-02-06  IRS  
Valor do pedido: € 13.594,12
Tema: IRS- Reinvestimento de Mais-valias Imobiliárias, domicílio fiscal/ habitação própria e permanente, artigo 10º do CIRS, prova habitação própria e permanente.
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SUMÁRIO: O nº5 do artigo 10.º do CIRS, contém uma norma de delimitação negativa na incidência sobre o valor de realização que venha a ser reinvestido, cumpridos cumulativamente, os seguintes pressupostos: (i) quer o imóvel de “ partida” ( alienado), quer o imóvel de “ chegada” ( adquirido com reinvestimento do produto da alienação do imóvel situado em território português ou no território de outro Estado membro da EU ou EEE) tenham como destino a habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar; (ii) que o reinvestimento do valor de realização do imóvel de “ partida” seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 posteriores contados da data da realização e que, (iii) o reinvestimento ( ou a intenção de reinvestir), ainda que parcial, seja comunicado pelo sujeito passivo na declaração de rendimentos respeitante ao ano da sua alienação.[1]

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.RELATÓRIO

1. A... e  B..., casados sob o regime da separação de bens contribuintes fiscais respetivamente nº ..., e..., ambos residentes na Rua ..., ... Código Postal nº ...-... Vila Nova de Famalicão ( doravante designados por Requerentes ou sujeitos passivos), apresentaram a 2023-06-12, pedido de constituição do Tribunal arbitral singular, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2.º e artigo 10.º, nº 1 e 2, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro ( doravante designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira ( doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IRS, nº 2023... de 2023-02-03, e da demonstração de  juros nº 2023..., no total de 13.594,12€ referente ao ano de 2021.

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite em 2023-06-14 pelo Exmo. Senhor, Presidente do CAAD, e notificada nessa data à Requerida.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4.Em 2023-08-02 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, nº 1 alíneas a e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2023-08-23, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/ 2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, a Requerida apresentou a sua resposta e o processo administrativo em 2022-09-22.

7. Em 2023-09-28, foi proferido despacho no sentido de interpelar os requerentes, para indicarem os factos relativamente aos quais pretendem produzir prova testemunhal e declarações de parte.

8.Em 2023-10-03 os requerentes apresentaram requerimento com a indicações dos pontos do PPA a que pretendem a inquirição das testemunhas.

9.Em 2023-10-06, foi proferido despacho de fixação da data para inquirição das testemunhas e declarações de parte do requerente marido.

10.Em 2023-11-07, procedeu-se à inquirição das testemunhas e declarações de parte na delegação do porto do CAAD.

11. Na sessão supra referida, foram as partes notificadas para apresentar no prazo de 15 dias, e de modo simultâneo alegações escritas, e designada a data de prolação de decisão arbitral.

12.Os requerentes apresentaram em 2023-11-23 alegações escritas, onde fundamentalmente reiteram e reforçam o constante das suas peças processuais, procedendo ainda, à indicação da jurisprudência em abono da sua tese, reiterando o juízo que emitiram quanto às conclusões que extraíram da prova testemunhal e depoimento de parte.

13. Por seu turno, a AT nas suas alegações escritas, juntas aos autos em 2023-11-22, reitera e fundamenta a posição já devidamente expressa na resposta.

14. A fundamentar o seu pedido, os Requerentes invocam em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

15.”. A Requerente mulher, casada no regime da separação de bens, adquiriu a título gratuito (doação), em 19/01/2016, a fração T do prédio urbano artigo..., sito na Rua..., nº..., habitação ..., Freguesia de ... e ..., Concelho de Vila Nova de Famalicão (…) (cfr., artigo 6.º do pedido de pronúncia arbitral, e documento 3 com o mesmo junto),

15.1. Desde dessa data, que este imóvel passou a ser a sua habitação própria e permanente de ambos os Requerentes ( cfr., artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral),

15.2. Em 25/06/2021, a Requerente mulher alienou a dita fração T do artigo urbano ..., pelo preço de 204.000€ (…) ( cfr., artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral e documento 4 com o mesmo junto),

15.3.A Requerente mulher, adquiriu, em 31/05/2021, a fracção AU do prédio urbano sito na Rua ..., nº ..., ..., freguesia de ... e ..., conselho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (…) (cfr., artigo 9º do pedido de pronúncia arbitral e documento 5 com o mesmo junto),

15.4. A Requerente mulher declarou, na declaração de rendimentos modelo 3 de 2021, a mais-valia obtida com a venda do referido imóvel (…) (cfr., artigo 10º do pedido de pronúncia arbitral, e documento 6 com o mesmo junto),

15.5. Declarou ainda que o valor de venda (204.000€) foi reinvestido sem recurso a crédito (campos 5006 e 5008 do quadro 5 A do anexo G). (cfr, artigo 11º do pedido de pronúncia arbitral),

15.6. Posteriormente, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) enviou à Requerente mulher a notificação que se anexa como documento 7 ( cfr.,artigo 12.º do pedido de pronúncia arbitral),

15.7.: Dita notificação refere o seguinte:

“Da análise efetuada aos documentos/ elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, modelo 3, do ano de 2021, com a identificação .../..., constatou-se a existência da (s) seguinte(s) incorreção (ões):

Como o imóvel alienado com a inscrição matricial ... artigo ... fração T, não correspondia ao domicílio fiscal (habitação própria e permanente do sujeito passivo/ agregado familiar), não poderá beneficiar da exclusão consagrada no nº 5 do artigo 10.º do CIRS.

Deste modo, fica V. Exª notificado da intenção de se efetuarem a(s) seguinte(s) correção

(ões) aos valores inscritos na referida declaração Modelo 3(…)( cfr.,artigo 13º do pedido de pronúncia arbitral e documento 7 com o mesmo junto),

15.8. O imóvel alienado pela Requerente mulher sempre foi a sua habitação própria e permanente desde que lhe foi doada, em 19/01/2016, até á data da venda (25/06/2021) (cfr, artigo 14º do pedido de pronúncia arbitral,

15.9. Com efeito, a Requerente mulher sempre residiu naquela habitação, com o seu marido e com os seus filhos. Entre 2016 e 2021, a Requerente mulher tinha o seu domicílio fiscal na casa dos pais, na Rua ..., nº ..., ...-... Porto. (cfr, artigos 15º e 16º do pedido de pronúncia arbitral.

15.10. Mas apenas só para ser mais fácil o recebimento de correspondência, uma vez que na casa dos pais estava sempre alguém para receber o correio. (cfr., artigo 17º do pedido de pronúncia arbitral)

15.11. E a Requerente mulher trabalhava, nessa época fora de casa, só regressava a casa à noite, tal como o Requerente marido e filhos. (cfr., artigo 18º do pedido de pronúncia arbitral),

15.12. Os filhos menores dos Requerentes (C... e D...) tiveram o seu domicílio fiscal, entre 2016 e 2021, no imóvel alienado (cfr, artigo 19º do pedido de pronúncia arbitral),

15.13. Os Requerentes juntaram em anexo como documentos 8 a 11, os recibos da creche dos filhos menores (…) que demonstra que os filhos tinham residência na Rua ..., nº ..., habitação ... (no imóvel alienado em 2021) ( cfr., artigo 20º do pedido de pronúncia arbitral, e documentos 8 a 11 com o mesmo juntos),

15.14.O Requerente marido foi residente na Rua..., nº ... (imóvel alienado) desde 01/2016, até 05/2021(…) (cfr., artigo 21º do pedido de pronúncia arbitral e documento 12 com o mesmo junto).

15.15. Conforme comprova também a declaração de junta de freguesia, o Requerente marido passou a residir, desde 06/2021, na Rua ..., nº..., ..., ..., Vila Nova de Famalicão, ou seja, no imóvel adquirido cfr., (artigo 22.º do pedido de pronúncia arbitral),

15.16. Assim, a habitação sita na morada indicada no ponto anterior, corresponde à habitação própria e permanente do Requerente marido desde 06/2021. (cfr, artigo 23º do pedido de pronúncia arbitral),

15.17. O Requerente marido junta ainda cartas do condomínio, extratos de bancos e faturas da NOS, com datas desde fevereiro de 2016, até 04/2021, que comprovam que a sua morada se situa na Rua ..., nº ... ( cfr., artigo 24º do pedido de pronúncia arbitral, e documentos 13 a 38 juntos com o mesmo),

15.18. Junta ainda faturas da Altice e do colégio dos filhos, com datas desde 07/2021 a 02/2022, que demonstram que nessas datas já residiam na Rua ..., nº ..., Antas, ou seja, na sua nova habitação própria e permanente (cfr., artigo 25º do pedido de pronúncia arbitral e documentos 39 a 43 juntos com o mesmo),

15.19. A Requerente mulher residiu, naturalmente com o marido e com os filhos, na habitação sita na Rua ... nº ..., até à altura da venda. (cfr., artigo 26º do pedido de pronúncia arbitral),

15.20. Para prova disso, a Requerente mulher junta em anexo a declaração da junta de freguesia que atesta que residiu naquela morada entre 01/2016 até 05/2021(cfr., artigo 27º do pedido de pronúncia arbitral e documento 44 junto com o mesmo),

15.21. Conforme comprova também a declaração da junta de freguesia, a Requerente mulher passou a residir, desde 06/2021 na Rua..., ..., Antas, Vila Nova de Famalicão, ou seja, no imóvel adquirido. (cfr., artigo 28.º do pedido de pronúncia arbitral),

15.22. A Requerente mulher junta ainda extratos de bancos, faturas de eletricidade e água, com datas de 2016 a 2021 que comprovavam que a sua morada se situava no imóvel alienado sito na Rua ... nº ... (cfr., artigo 29.º do pedido de pronúncia arbitral e documentos 45 a 56 com o mesmo juntos),

15.23. Juntou ainda o contrato de fornecimento de eletricidade e gás, e faturas da água e da Galp, com datas de 2021 e 2022, que demonstram que nesses anos, já residia na Rua ..., ..., ..., ou seja, na sua nova habitação própria e permanente (cfr., artigo 30º do pedido de pronúncia arbitral e documentos 57 a 62 juntos com o mesmo),

15.24. Em conclusão, o imóvel alienado era a habitação própria e permanente dos Requerentes, e o novo imóvel adquirido passou a ser também a ser a habitação própria e permanente. (cfr., artigo 31º do pedido de pronúncia arbitral),

15.25. Com efeito, era lá que os Requerentes pernoitavam, tomavam as suas refeições, organizavam, a sua vida pessoal, recebiam visitas, tinham seus amigos. (cfr, artigo 32º do pedido de pronúncia arbitral),

15.26. E a liquidação não considerou o reinvestimento declarado na modelo 3, e efetuado, do valor de realização total de (204.000€) na aquisição de novo imóvel que passou a ser também a habitação própria e permanente da Requerente mulher e do seu agregado familiar (marido e filhos menores). (cfr., artigo 33º do pedido de pronúncia arbitral),

15.27. A liquidação tributou a mais-valia obtida na venda do imóvel, desconsiderando a exclusão e tributação por se ter verificado reinvestimento do valor de venda.” (cfr., artigo 34º do pedido de pronúncia arbitral),

15.28. Tece ainda a Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral várias considerações de direito acerca do regime da exclusão das mais valias, previsto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, manifestando a sua discordância quanto à interpretação que do mesmo faz a AT, pugnado pela verificação dos necessários requisitos para sua aplicação, convocando ainda a interpretação a levar a cabo quanto às realidades subjacentes aos conceitos de “habitação própria e permanente” e “domicílio fiscal”.

15.29. Concluindo, como se extrai do seu pedido, que o mesmo deverá ser julgado procedente por provado, declarando-se a ilegalidade dos atos impugnados, e condenada a requerida a proceder ao pagamento “(…) dos juros indemnizatórios à taxa legal a contar do pagamento nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária. (…)”, devendo a “(…) demonstração de liquidação de IRS n.º 2023... e a demonstração da liquidação dos juros nª 2023..., do ano de 2021 (…) ser anuladas”.

16. A AT devidamente notificada para o efeito, através do despacho arbitral de 2023-08-24, apresentou tempestivamente a sua resposta, pugnando pela inexistência de qualquer ilegalidade relativa à liquidação aqui em crise, concluindo, consequentemente, pela improcedência do pedido formulado pela Requerente.

16.1. Alega assim, em brevíssima síntese, em defesa da sua posição, e para o que aqui releva, que a exclusão da tributação das mais valias em questão é (…) “o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”. (cfr., artigo 22º da resposta),

16.2. No caso presente, Os requerentes nunca tiveram com domicílio fiscal a morada do imóvel alienado. (cfr., artigo 23º da resposta),

16.3. Como tal, para efeitos da presunção prevista no nº 12 do artigo 13.º do Código de IRS não tendo o imóvel alienado o domicílio fiscal não se presume a habitação própria e permanente nesse imóvel (cfr., 24º da resposta),

16.4. (…) Dos elementos constantes dos autos (bem como nas bases de dados da Autoridade Tributária), não se retira que o imóvel, na data da alienação fosse a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar. (cfr., artigo 26º da resposta),

16.5. (…) Assim sendo, não tendo conseguido comprovar que o imóvel alienado em 2021 era a sua habitação própria e permanente não pode obter essa vantagem de natureza fiscal (exclusão de habitação) (cfr., artigo 28º da resposta),

16.6. (…) Acresce ainda que, ainda que fosse considerado que o imóvel alienado era a habitação própria e permanente do sujeito passivo, também o imóvel adquirido em 2021 (onde pretensamente foi reinvestido o valor de realização do outro imóvel), não foi afeto a esse destino dentro do prazo concedido para o efeito.” (cfr., artigo 33º da resposta),

16.7. Conclui a AT, como já supra referido, que “(…) deve ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido”.

17. O tribunal singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº1, alínea a), 5.º, 6.º do RJAT.

18. A acção é tempestiva, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado no prazo previsto no artigo 10.º nº 1 do RJAT. 

19. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15 do Código do Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29.º n1, alínea a) do RJAT.

20. O processo não enferma de quaisquer nulidades, não tendo sido suscitadas quaisquer expecções, inexistindo qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

  1. MATÉRIA DE FACTO

A.1 Factos dados como provados

Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, do processo administrativo anexo, do depoimento das testemunhas, e das declarações de parte do requerente marido, e com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

a. Em 2016-01-19, a requerente mulher adquiriu a título gratuito, por doação, a fração T do prédio urbano artigo ..., sito Rua ..., nº ..., habitação ..., freguesia ... e ..., Concelho de Vila Nova de Famalicão.

b. Pelo menos até Maio de 2021, os requerentes residiam no supra mencionado imóvel, com o seu agregado familiar, composto por dois filhos menores, sendo essa, a habitação própria e permanente dos requerentes e do seu agregado familiar.

c.  Em 2021-06-25, a requerente mulher alienou a dita fração, pelo valor de 204.000,00€.

d. Com data de 2021-05-31, a requerente mulher adquiriu novo imóvel urbano sito na Rua ..., n.º ..., ..., freguesia de..., Concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz urbana sob o artigo ... .

e. Na declaração de rendimentos de IRS modelo 3, e no campo para tanto assinalado para o efeito, a requerente mulher declarou a mais-valia obtida com a venda da fração do imóvel sito na Rua ..., nº ..., habitação ..., freguesia de ... e ..., Concelho de Vila Nova de Famalicão.

f. Na sobredita declaração, a requerente mulher declarou que a totalidade do valor da venda (204.000,00€), foi reinvestido na aquisição do novo imóvel sito na Rua ..., nº ..., B, freguesia de ..., Concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz urbana sob o artigo ... . sem recurso a crédito bancário.

g. A requerente foi notificada da existência de divergências na declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2021- para proceder à correção dos valores inscritos na referida declaração.

h. Com data de 2023-02-03, foi emitida demonstração da declaração de IRS, com o nº 2023..., com um valor a pagar de 13.594,12€.

i. Os requerentes procederam à alteração do seu domicílio fiscal para a Rua ..., ..., ..., Antas, ...-... Vila Nova de Famalicão, em 2022-07-29, e 2022-07-05, respetivamente.

j. Em 2023-03-12, os requerentes procederam ao pagamento da demonstração de liquidação de IRS aqui em causa, no valor de 13.594,12€.

k. Em 2023-06-12 os Requerentes apresentaram junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2 Factos dados como não provados e Fundamentação da decisão da matéria de facto

Com relevo para a decisão inexistem factos que devam considerar-se como não provados.

A matéria dada como provada, assenta nos documentos juntos pelos requerentes com o pedido de pronúncia arbitral, e na produção de prova testemunhal, que se revelou credível e coerente.

As testemunhas inquiridas, bem como as declarações de parte do requerente marido, depuseram de forma consistente, com isenção, correcção e conhecimento dos factos que lhes foram colocados.

A.3 Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. art. 123º, nº2 do  CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi, artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) de direito. (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º nº1 alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, o PA anexo, os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte do requerente marido, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

B.DO DIREITO

A questão que é objeto do presente processo, reconduz-se ao tema da tributação dos rendimentos de categoria G, concretamente das mais valias previstas na alínea a) do nº 1 do artigo 10.º do CIRS, à apreciação sobre a legalidade do ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2021, que no caso subjudice, se concretiza( i) ao tema da tributação dos rendimentos da categoria G concretamente das mais valias previstas na alínea a) do nº 1 do artigo 10.º do CIRS, ( ii) ao regime de exclusão de tal tributação nas situações de reinvestimento previstas nos nºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, e (iii) saber em que medida  releva a identidade entre o domicilio fiscal e habitação própria e permanente para efeitos de exclusão da tributação das mais-valias.

 

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Importa por ora, ainda que de forma sinóptica, traçar o enquadramento jurídico relativo à matéria objeto dos presentes autos.

 

O CIRS configura os incrementos patrimoniais como uma categoria residual, tributando somente os ganhos que não estão abrangidos nas restantes categorias.

No artigo 9º do CIRS, respeitante aos rendimentos da categoria da categoria G, agregam-se várias categorias de incrementos patrimoniais desde que não considerados rendimentos de outra categoria, as mais valias, as indeminizações que ressarçam danos não patrimoniais, as quantias auferidas em virtude das obrigações de não concorrência, e ainda os acréscimos patrimoniais não justificados estabelecidos nos termos dos artigos 87º, 88º e 89º A) da Lei Geral Tributária.

As mais valias encontram-se casuisticamente enumeradas no artigo 10.º do CIRS, podendo dizer-se que se caracterizam pela sua natureza ocasional e fortuita, e para o que aqui releva, no que concerne  à fonte do “ ganho obtido” as imobiliárias, provindas de acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 10.º do CIRS da “ alienação onerosa de direitos reais sobre os bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”.

Sendo que o Código do Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares não nos fornece um conceito de mais valias, poderemos aqui assumir que constituindo as mesmas incrementos de natureza patrimonial, “correspondem essencialmente a ganhos resultantes de uma valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, portanto, independentemente de uma atividade produtiva do seu titular. São” ganhos trazidos pelo vento “(Windfal gains)”.[2]

Relativamente ao ganho efetivo para efeitos fiscais, dir-se-á, que a “mais valia, é um ganho que se materializa na diferença entre o valor por que o activo entrou no património individual e o valor por que dele saiu por força de um ato de disposição ou outro facto que, segundo a lei, constitua a realização da mais-valia”.[3]

Tais ganhos, e segundo a solução tradicional do nosso ordenamento jurídico tributário só serão tributados no momento da alienação do bem, de acordo com a previsão do nº 3 do artigo 10-º do CIRS, consagrando-se como princípio geral da tributação das mais valias, o princípio da realização.

Os ganhos, para além das exceções previstas nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 10º consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no seu nº 1: “os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no nº 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes”.

Subjacente aos ganhos ocorridos com as mais valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (ou acto equiparado) está a diferença entre o valor de realização ou alienação do bem ou direito em causa, e o valor de aquisição.

Pois bem,

Traçando ainda que de forma sinóptica o regime das mais valias imobiliárias, e recentrando-nos na questão fulcral dos presentes autos, haverá que assinalar o seguinte:

O nº 5 do artigo 10º do CIRS- redação ao tempo dos factos subjacentes- excluía “da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente as seguintes situações:

  1. O Valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado-membro da União Europeia, ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informação em matéria fiscal.
  2.  O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização.
  3. O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimento respeitante ao ano de alienação”.

 

Por seu turno, a alínea a) do nº 6 do artigo 10º do CIRS (redacção ao tempo), previa como segue:

“6. Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

  1. Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;
  2. Nos demais casos, o adquirente, não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde da data da realização, devendo afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;
  3. (Revogada)
  4.  Os imóveis que tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas para a aquisição, construção, reconstrução ou realização de obras de conservação de valor superior a 30% do valor patrimonial tributário do imóvel para efeitos de IMI, sejam vendidos antes de decorridos 10 anos sobre a data da sua aquisição, da assinatura de declaração comprovativa da recepção da obra ou do pagamento da última despesa relativa ao apoio público não reembolsável que, nos termos legais ou regulamentares, não estejam sujeitos a ónus ou regimes especiais que limitem ou condicionem a respetiva alienação.

Afigura-se a este tribunal como claro, que a dissensão entre as partes reside precisamente, e apenas, no relevo a conceder à inobservância do prazo de doze meses para afetação do imóvel de chegada à habitação própria e permanente dos requerentes (ou do seu agregado familiar, nos dizeres da alínea a) do nº 6 do artigo 10.º do CIRS, e como já sinalizado, quanto à identidade de tal habitação com o domicílio fiscal.[4], e na ausência de prova, por parte dos Requerentes, de que o imóvel que alienaram, era efetivamente a habitação própria e permanente de ambos e do seu agregado familiar.

É claro na perspetiva da AT, no presente contexto (como noutros de natureza similar), que para efeitos do benefício previsto no nº 5 do artigo 10.º do CIRS, é determinante a correspondência / coincidência entre o conceito de “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, na formulação do nº 5 do artigo 10.º do CIRS, e o conceito de “domicílio fiscal”, que nos é fornecido pelo nº 1 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (doravante designada por LGT).

Em suma e para o que releva nos presentes autos, entende a AT, que os requerentes não procederam (em tempo útil) à alteração do seu domicílio fiscal para o imóvel objeto de reinvestimento, daí decorrendo por consequência, que a liquidação de IRS impugnada assenta no entendimento vindo de traçar, que a expressão “habitação própria e permanente” a que se refere o nº 5 do artigo 10.º do CIRS, é a coincidente com o domicílio fiscal previsto no artigo 19º da LGT.

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Nesta sede, não podemos deixar de evidenciar a extensa jurisprudência sobre esta temática,  concretamente sob a égide do CAAD, onde se realça, e se subscreve sem quaisquer reservas, o que vem dito, assinale-se de uma forma laboriosa e eloquente, no âmbito do processo nº 103/2013-T proferido em 25/11/2013, quanto à questão que igualmente subjaz nos presentes autos, e que se reconduz, como assinalado, ao seguinte: deverá interpretar-se o conceito de “ habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, na formulação do nº5 do artigo 10.º do CIRS como correspondendo ao conceito de “ domicílio fiscal” com a previsão do artigo 19.º da LGT.

Temos assim, data maxima venia, na decisão em apreço:

“(…) questiona-se nos autos o significado da exigência da afectação da habitação adquirida a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” (…)

(…)

Relativamente à questão enunciada, entende a ATA, que se deverá entender que o conceito de “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, se deverá interpretar como correspondendo ao conceito do domicílio fiscal, definido na LGT, cujo artigo 19º/ 1ª) se pode ler:

“1. O domicílio fiscal do sujeito passivo, é, salvo disposição em contrário:

  1. Para as pessoas singulares, o local da residência habitual,”

Em abono da sua tese, invoca a ATA o elemento sistemático da interpretação que, reportando-se às normas da LGT relativas ao domicílio fiscal e ao regime do Estatuto dos Benefícios Fiscais respeitante à isenção do IMI (artigo 46.º daquele diploma, anterior artigo 42.º), atendível nos termos da alínea b) do artigo 2º da LGT, imporá a equivalência sustentada entre os referidos conceitos.

No mesmo sentido, ainda no entendimento da ATA, deporão exigências de segurança e certeza jurídicas, designadamente por se proporcionarem situações, como a dos autos, em que os sujeitos passivos possam beneficiar de benefícios análogos a dois prédios distintos (a isenção do artigo 10º/ 5 do CIRS e a do artigo 46.º do EBF).

Conclui, finalmente a ATA que a posição por si sustentado não acarreta qualquer violação dos princípios de legalidade e proporcionalidade.

(…)

Entende-se que a redacção do próprio artigo 10º/ 5 a) e b) do CIRS é suficientemente clara, não deixando lugar a grandes dúvidas.

Com efeito, e desde logo, se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia dito expressamente, como fez no EBF.

Concede-se, contudo, que este argumento, isoladamente, pudesse conceder abertura às dúvidas, que no caso a ATA suscita.

Contudo, uma leitura mais atenta da norma em causa, revela um detalhe adicional.

O artigo 10º/ 5 refere-se “à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”. Esta alternatividade apenas fará sentido, como se verá de seguida, na perspetiva de que a habitação, “a habitação própria e permanente” possa não coincidir com o domicílio fiscal.

Senão vejamos.

O artigo 13º/ 6 do CIRS refere que “As pessoas referidas nos números anteriores não podem, simultaneamente, fazer parte de mais de um agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser considerados sujeitos passivos autónomos.” Ou seja, existindo agregado familiar, haverá um domicílio fiscal do próprio agregado familiar, que será relevante para efeitos do IRS, não podendo, pelo menos para efeitos deste imposto, o agregado familiar ter dois domicílios fiscais.

Neste contexto, a apontada referência do artigo 10.º/5 do CIRS, “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, apenas poderá ser compreendida como tendo o sentido de a habitação própria e permanente poder divergir do domicílio fiscal.

Com efeito, e concretizando, poderá efetivamente ocorrer (ainda mais tempo nestes tempos de elevada mobilidade geográfica, potenciada pela crise que globalmente se atravessa) que um dos membros a quem incumbe a direção do agregado familiar fixe a sua “habitação própria e permanente” num local distinto da do agregado que integra.

“ (…)

Ora a expressão utilizada no artigo 10.º/ 5 do CIRS evidencia, justamente, tal divergência.

Com efeito a referência a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, não deixa lugar a dúvidas. O legislador não quis dizer a “ habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar, quis dizer “ou do seu”, deixando claro que a habitação própria e permanente de um sujeito passivo, que é o que releva para esse artigo, pode ser distinta da “do seu “ agregado familiar, quando o domicílio fiscal para efeitos de IRS, pelo menos, não poderá!”

Retirando-se ainda do acórdão arbitral que vimos seguindo:

Em suma, considera-se assim que resulta, suficientemente e desde logo do próprio artigo 10.º/ 5 do CIRS a intenção do legislador de não equiparar os conceitos de “habitação própria e permanente e domicílio fiscal”.

Revertendo ao caso que subjaz nos presentes autos, e não havendo motivo para discordar do entendimento que brota do acórdão proferido no âmbito do processo nº 103/2023-T, de 25/11/2013 do CAAD, somos levados a concluir, que a circunstância de os requerentes tem procedido unicamente em -2022-07-29, e em 2022-07-05 à alteração do seu domicílio fiscal decorrido mais de doze meses sobre a data de aquisição do imóvel de reinvestimento, é totalmente irrelevante no contexto da tributação em causa, considerando que o que releva, é efetivamente que os requerentes/  sujeitos passivos, afectem a aquisição do imóvel novo, à sua habitação própria e permanente.

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A corroborar o entendimento que se expos supra, e em sentido similar ao que sucede nos presentes autos, e como vem de forma assinalada na decisão proferida no âmbito do processo nº 32/2020-T, proferida a 5-01-2021, sob a égide do CAAD:

“(…) A própria redação do artigo 10.º n.º 5, alíneas a) e b) do CIRS é já suficientemente clara, não deixando lugar a grandes dúvidas. Se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia escrito expressamente ao invés de se referir a outro conceito, o de “habitação própria e permanente”. Por outro lado, o n.º 6 do mesmo artigo dispõe que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos doze meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;” ou seja, resulta uma vez mais a necessidade de “afetação à habitação”, e não a de “fixação do domicílio fiscal”. Resulta, assim, suficientemente claro que a intenção do legislador não foi a de equiparar os conceitos de “habitação própria e permanente e de “domicílio fiscal”, no que respeita ao regime jurídico de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias aqui em causa. (…) “

 

Ainda no sentido que defendemos, não poderá deixar de assinalar-se, face à manifesta pertinência para o caso que nos ocupa, a decisão nº 331/2022-T, proferida a 27 de Fevereiro de 2023, igualmente sob jurisdição do CAAD:

(…) “Ainda que se admitisse a possibilidade de se considerar a “habitação própria e permanente” do sujeito passivo o respetivo domicílio fiscal, tal haveria de ter de se ver como uma presunção iuris tantum, que admite prova em contrário, presunção essa que os Requerentes teriam ilidido nos presentes autos, com a prova oferecida. É que nos termos do disposto no artigo 73.º da LGT, todas a presunções estabelecidas em matéria fiscal são ilidíveis.” (…).

Resulta desta forma, claro e evidente, da jurisprudência acabada de expor que o conceito de domicílio fiscal e a habitação própria e permanente não têm que coincidir nem se confundem.

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Quanto à prova apresentada pelos requerentes, resta agora apreciar e decidir, se a prova aportada para os presentes autos, no sentido de demonstrar que o imóvel alienado era efetivamente a habitação própria e permanente dos requerentes, (desde o ano de 2016 até à data da alienação, (25/06/ 2021), é bastante para efeitos de aplicação do nº 5 do artigo 10. º do CIRS.

Para tal convicção, resultou da prova testemunhal produzida e declarações de parte do requerente marido, e com assinalável segurança, que os requerentes desenvolviam o núcleo da sua vida familiar no imóvel alienado sito na Rua ... nº ..., habitação nº ..., de tipologia T2, na freguesia de... e ..., Concelho de Vila Nova de Famalicão, onde habitavam desde a data em que contraíram matrimónio, já desde 2012.

Por outro lado, e das inquirições das testemunhas arroladas pelos requerentes, também resultou claro e de forma inequívoca, que era no imóvel alienado, onde os requerentes desenvolviam a sua vida familiar, apenas se ausentando do imóvel no período das férias, cruzando-se com alguns vizinhos na garagem do prédio, onde por vezes, os filhos dos requerentes, e os dos vizinhos partilhavam brincadeiras.

Era no referido imóvel, onde eram realizadas as festas de família, e os requerentes realizavam todo o seu quotidiano, enquanto núcleo da vida familiar, e onde permaneceram até 2021, tendo adquirido novo imóvel, atendendo a que o imóvel alienado, era pequeno para a família que estavam a construir.

Mais foi dito, concretamente pelo requerente A..., que o imóvel alienado foi efetivamente doado à requerente mulher, no ano de 2016, pese embora aí residir com o seu agregado familiar, desde 2012, e até à data da venda, constituindo a sua habitação própria e permanente, e do seu agregado familiar.

Por conseguinte, o requerente marido, A..., esclareceu o Tribunal de forma clara e inequívoca, que a requerente mulher, mantinha o seu domicílio fiscal na morada dos pais, atendendo ao facto de ser médica, e realizar, por diversas vezes, serviços de urgência, não tendo alterado o domicílio fiscal para o imóvel alienado em 2021, de forma a garantir a entrega de correspondência na casa dos seus pais, dado existir sempre alguém naquela residência.

Conforme resulta do probatório, desde Junho de 2021, os requerentes passaram a residir no novo imóvel sito na Rua..., nº ..., ..., freguesia de..., Concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz urbana sob o artigo ... passando aí a fazer o centro da sua vida familiar, e do seu agregado, sendo que a mudança da residência teve por base a necessidade de reajustar a família a um imóvel de dimensões maiores.

Dos demais documentos juntos ao PPA, concretamente as faturas de serviços de comunicações, concretamente, da Altice, indicado como documento 39, bem como a declaração da junta de freguesia junto com o PPA, identificado como documento nº 12, bem assim, a contratação dos serviços de eletricidade, e gás, onde se destacam, concretamente, e a título exemplificativo, os documentos identificados com os n.ºs 58 e 59, são ilustrativos da residência própria e permanente dos requerentes no imóvel onde revestiram o valor do imóvel de “ partida”, encontrando-se por isso, preenchidos todos os pressupostos da aplicação do nº5 do artigo 10.º do CIRS.

Na verdade, e sem prejuízo do que vem de dizer-se, acresce que não encontra este tribunal motivo para deixar de considerar que a contratação de serviços de fornecimento de eletricidade e gás, (…) “não possam considerar-se “factos justificativos” para efeitos de prova de “habitação permanente”, como é salientado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 08-05-2015(Processo nº 06685/13, relatora Cristina Flora);

Nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a obrigação de comunicação de mudança de domicílio fiscal prevista no artigo 19º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento do pressuposto de “habitação permanente”, o nº 5 do artigo 10.º do CIRS a não comunicação da alteração do domicílio fiscal”.

Concluindo-se, face ao que vem de se expor, que o disposto no nº 5 do artigo 10º do CIRS não condiciona o benefício aí previsto à comunicação da alteração do domicílio fiscal ínsita no nº 3 do artigo 19.º da LGT, julga-se ser procedente a pretensão dos requerentes.

Ao contrário do afirmado pela AT, no seu artigo 31º da resposta, estão reunidos os requisitos previstos no nº5 do artigo 10.º do CIRS, excludentes da tributação.

 

C.DA ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO

No mais, importa referir, que os requerentes alegam que a liquidação que lhes foi efetuada carece de fundamentação legal.

Nesta sede, importa referir que está em causa o ato de liquidação de IRS nº 2023...., do ano de 2021, no valor de 13.594,12€, em virtude de um procedimento de divergências iniciado pela requerida, e se o mesmo se encontra devidamente fundamentado.

Assim, conforme se colhe da argumentação referente ao documento 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral sob a epígrafe: “Notificação para audiência Prévia” referente à declaração de IRS Modelo 3 do ano de 2021, e referenciado pelos requerentes, no que respeita à falta de fundamentação[5], há-que decidir, se se verifica a falta de fundamentação.

Nesta medida, analisemos esta matéria, tendo por itinerário alguma da jurisprudência sobre esta temática, concretamente sob a égide do CAAD, no processo 144/2023-T:

“(…) A fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (…)”

Quanto à questão da fundamentação do acto, e em sede da jurisprudência dos Tribunais Superiores, ressalva-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Processo, 01090/08.3BESNT de 20-04-2020, relator, Aníbal Ferraz, que preconiza:

“(…) A fundamentação do ato administrativo (tributário) é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, suposto na posição dos interessados em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões (factuais e (ou) jurídicas) que motivaram a decisão.
 Porque o dever de fundamentar, tem de satisfazer, em paralelo e uníssono, duas funções, uma de natureza exógena e outra de cariz endógeno, é essencial assegurar a suficiência e clareza da fundamentação, particularmente do ato tributário, sob pena de estarmos postados, em casos de adoção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes, perante uma situação que, por imposição legal, equivale à falta de fundamentação.”.

Em sentido similar, e nas palavras do Professor Rui Duarte Morais;

“(…) A decisão tem que ser sempre fundamentada. Tal é uma imposição constitucional (artigo 268.º nº 3 da CRP), concretizada entre outros, no artigo 77.º da LGT- Através da fundamentação, administração exterioriza o modo como formou a sua decisão, indica qual a factualidade relevante que deu por assente, e quais as razões em que fundou a sua convicção, quais as normais jurídicas que considerou aplicáveis ao caso, e a interpretação que delas fez. (…).”

(…) “Nos atos de liquidação de IRS, atenta a sua natureza de “processo de massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de observar o disposto no nº 2 do artigo 77º da LGT, ou de pôr em causa as finalidades da fundamentação [6].”

Retomando ao caso em apreço, e relativamente ao supracitado documento 7, relativo à declaração de IRS modelo 3, apresentada pelos requerentes referente ao ano de 2021, a requerida justificou, ainda que no entendimento dos requerentes, de uma forma parca, o motivo na não aplicabilidade da isenção prevista na norma contida no nº5 do artigo 10º do CIRS.

De acordo com o esclarecimento prestado pela Administração Tributária, a não aplicabilidade da isenção prevista na supracitada norma, advém do facto, do imóvel alienado identificado sob a “matricial ... artigo ..., fração T”, não corresponder ao domicílio fiscal dos requerentes, e consequentemente não sendo a sua habitação própria e permanente, nem do seu agregado familiar, não há lugar ao benefício da exclusão de tributação.

Quer isto dizer, que a requerida sustenta o seu raciocínio na falta de identidade entre o domicílio fiscal, e habitação própria e permanente do sujeito passivo, razão pela qual, entendeu não ser aplicável a isenção de tributação, dando a conhecer tais razões aos requerentes.

Deste modo, conclui-se pela inexistência de falta de fundamentação, não se limitando a AT, a remeter os requerentes, para a fundamentação que pudesse ser consultada no Portal das Finanças subscrevendo, neste segmento, a posição da AT expressa na sua resposta.

 

III. DOS JUROS INDEMINIZATÓRIOS

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “ restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o “ efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29-º do RJAT, que prevê:

 

Artigo 100-º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

“A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial, ou recuso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena restituição da legalidade do acto ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo de execução da decisão”,

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “ declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem as suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz que “ o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O nº 5 do artigo 24-º do RJAT ao afirmar que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código do Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando coloca-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa já sinalizado, decide este tribunal arbitral singular condenar a requerida no pagamento dos juros indemnizatórios calculados que se mostrem devidos nos termos legais.

 

IV. DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

  • Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  • Anular a liquidação de IRS nº 2023... referente ao ano de 2021, e consequentemente a demonstração de liquidação referente aos juros nº 2023..., no valor global de 13.594,12€;
  • Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias indevidamente pagas, bem como dos juros indemnizatórios;
  • Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento das custas do processo.

 

V.  VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estatuído nos artigos 296, nº1 e 2 do Código do Processo Civil, aprovado pela Lei 47/2013, de 26 de Junho, 97-º A) nº1, alínea a) do Código do Procedimento e Processo Tributário, e artigo 3-º nº 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 13.594,12€.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12-º, nº2, 22-º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 918.00€ (novecentos e dezoito euros).

 

 

NOTIFIQUE-SE

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131-º do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, revisto pelo árbitro.

 

[A redação da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]

 

Seis de Fevereiro de dois mil e vinte e quatro

 

O árbitro.

 

(J. Coutinho Pires)

 

 



[1][1] Sumário adoptado do que vem transcrito do âmbito do processo 275/2022-T, proferido sob a égide do CAAD.

[2] Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2006, página 109.

[3] José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, página 431 e seguintes.

[4] Cfr., artigos 36ª ao 41ª da resposta da Autoridade Tributária.

[5] Cfr., artigos 71 a 80º do pedido de pronúncia arbitral

[6] Cfr., Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 78 e 79