Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 234/2023-T
Data da decisão: 2024-01-24  IRS  
Valor do pedido: € 171.315,44
Tema: IRS – mais-valias; caducidade do direito à liquidação; procedimento de inspeção externo; reinvestimento na aquisição de outro imóvel destinado a habitação própria permanente – arts. 13.º do RCPITA, 45.º, n.ºs 1 e 4 e 46.º da LGT e 10.º, n.º 5 do CIRS.
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SUMÁRIO:

I. O procedimento de inspeção tributária, em conformidade com o artigo 13.º do RCPITA, é caracterizado como interno ou externo em função do lugar da prática dos atos inspetivos, pelo que, mesmo que tenha sido formalmente nomeado como externo, caso os atos inspetivos concretamente praticados se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento, o procedimento é interno e não releva para preenchimento da causa suspensiva do n.º 1 do art. 46.º da LGT.

II. Não é suscetível de beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, a mais-valia da alienação de imóvel que não tenha constituído a habitação própria e permanente do sujeito passivo.

 

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

PROCESSO N.º 234/2023-T

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão, Árbitro Presidente, Dr.ª Cristina Coisinha e João Menezes Leitão, árbitros vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório[1]

 

1. A..., a seguir designado por “Requerente”, contribuinte n.º ..., com morada na ..., ..., ..., ...-... Vila Nova de Gaia, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, com as alterações subsequentes (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), apresentou, em 03.04.2023, pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), no qual peticionou a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade parcial das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respeitantes aos anos de 2017 e 2018, e inerentes juros compensatórios, identificadas, respetivamente, pelos n.ºs 2022... e 2022..., incluindo as correspondentes demonstrações de acerto de contas, no valor total de € 171.315,44, bem como a restituição ao Requerente das importâncias por ele pagas acrescida dos juros indemnizatórios devidos a taxa legal.

 

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do presente tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no competente prazo.

Em 26.05.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em consonância com a al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 14.06.2023.

 

3. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, em sustentação da peticionada anulação das liquidações de IRS e juros compensatórios respeitantes aos anos de 2017 e 2018, bem como da decisão da reclamação graciosa que as manteve, os seguintes fundamentos essenciais:

i) a liquidação adicional de IRS/2017 e respetivos juros compensatórios padece do vício de caducidade, pois nenhum ato inspetivo, nem total ou parcialmente, foi realizado em instalações do Requerente ou de qualquer terceiro, o que afasta a aplicação do n.º 1 do art. 46.º da Lei Geral Tributária (LGT) e o efeito suspensivo da notificação do início da ação inspetiva, sendo que a caducidade do direito à liquidação constitui um vício gerador de ilegalidade do ato de liquidação;

ii)  as liquidações adicionais de IRS/2017 e IRS/2018 padecem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

iii) quanto à liquidação adicional de IRS/2017, e respetivos juros compensatórios, os Serviços de Inspeção Tributária, ao considerarem que o imóvel alienado em dezembro de 2017 integrava a sua esfera empresarial, para negarem a aplicação do regime do reinvestimento parcial do valor de realização ínsito no artigo 10.º, n.ºs 5 e 9 do Código do IRS (CIRS), olvidam o facto de o Requerente ter sempre vivido, desde que o adquiriu em 2008, no imóvel situado na ..., n.ºs ... a ..., Leça da Palmeira, concelho de Matosinhos, que era, assim, a habitação permanente do Requerente e do seu agregado familiar e onde sempre teve o seu domicílio fiscal;

iv) o Requerente declarou, nos anexos G das suas declarações de rendimentos (modelo 3) de IRS/2017 e de IRS/2018, a sua intenção de proceder ao reinvestimento parcial do valor de realização, mencionando os respetivos montantes nas declarações de rendimentos respeitantes aos anos das alienações dos imóveis que eram a sua habitação própria e permanente;

v) o regime de exclusão de tributação decorrente do reinvestimento do valor de realização inerente à alienação da habitação permanente do agregado familiar deveria ter sido aplicado pela AT, tal como havia, atempada e corretamente, solicitado o Requerente ao manifestar essa vontade nas suas declarações de rendimentos (modelo 3) de IRS/2017 e de IRS/2018;

vi) nenhuma dúvida poderá existir quanto à possibilidade de aplicação do regime de exclusão de tributação ínsito no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, quando estamos perante a habitação permanente do Requerente, bem como do seu agregado familiar, como é o caso sub judice, quer na habitação alienada, quer na habitação adquirida.

O Requerente arrolou prova testemunhal, a saber, as testemunhas B..., C..., D..., E..., F..., G..., H... e I... .

Solicitou ainda a prestação de declarações de parte à matéria de facto alegada nos artigos 78.º a 114.º do pedido de pronúncia arbitral (a seguir PPA).

 

4. A Requerida, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, juntou aos autos o procedimento administrativo (a seguir PA), constituído pela reclamação graciosa (a seguir PA-PRG) e pelo procedimento inspetivo (a seguir PA-PI) e apresentou resposta, na qual, convocando e dando por reproduzida a argumentação constante da decisão da reclamação graciosa e a fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária (a seguir RIT), solicitou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, com base, em síntese, no seguinte:

i) relativamente à caducidade do direito à liquidação do IRS do ano de 2017, reiterando a fundamentação da decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, invoca que, por se tratar de um procedimento de inspeção externa iniciado em 2021-07-27 e concluído em 2021-12-30 (dentro, pois, do prazo de seis meses), ocorreu a suspensão do prazo de caducidade nos termos do n.º 1 do art. 46.º da LGT, pelo que acrescem 5 meses e 3 dias, do que resulta que a notificação da liquidação em 2022-02-11 foi efetuada dentro do prazo;

ii) o imóvel sito na ..., n.º ..., Matosinhos, alienado em 2017, foi afetado pelo Requerente à atividade de alojamento local, pelo que tendo sido alienado nesse âmbito da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo (sem que anteriormente tenha regressado à esfera privada), entende-se que não tem aplicação a exclusão de tributação objeto dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS;

iii) relativamente ao imóvel sito na Rua ..., n.º..., no Porto, alienado em 2018, não estão reunidos os requisitos de exclusão de tributação prevista nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, porquanto não chegou a ser destinado a habitação permanente do sujeito passivo.

5. Na sequência de despacho de 13.10.2023 do Presidente do Tribunal Arbitral, foi realizada em 21.11.2023 a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu, via Cisco Webex Meetings, à inquirição das testemunhas arroladas no PPA, bem como à prestação de declarações de parte pelo Requerente, conforme documentado na ata constante dos autos.

Na mesma reunião, decidiu-se a apresentação de alegações escritas simultâneas no prazo de 15 dias, o que foi concretizado pelas partes em 07.12.2023.

Em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do RJAT, ainda na mesma reunião, foi designado o dia 12.02.2024 para prolação da decisão arbitral.

II. Saneamento

 

6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em conformidade com o preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas (artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03).

O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III. Thema Decidendum

 

7. A matéria objeto do litígio concerne à (i)legalidade das liquidações de IRS dos anos de 2017 e de 2018 e do subsequente despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2022... em atenção à não aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias ínsito no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, quanto à alienação onerosa dos imóveis realizada pelo Requerente nos referidos anos.

Como causas de pedir dos pedidos formulados, são colocadas à apreciação do Tribunal as seguintes questões decidendas:

i) caducidade do direito à liquidação respeitante ao ano de 2017, por ausência de efeito suspensivo dado a inspeção tributária realizada não se poder configurar como externa;

ii) erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto à não consideração, em atenção à exploração de alojamento local nele realizada, do imóvel situado na ..., n.ºs ... a ..., Leça da Palmeira, Matosinhos, como a habitação própria e permanente do Requerente e do seu agregado familiar;

iii) erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto à não consideração do imóvel situado na Rua ..., n.º..., Porto, como a habitação permanente do Requerente e do seu agregado familiar.

Tais questões serão apreciadas na medida em que o seu conhecimento não fique prejudicado pela solução dada a questão antecedente (cfr. art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT).

 

IV. Fundamentação de Facto

 

A. Factos provados

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

I. O Requerente adquiriu por Escritura Pública de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca outorgada em 18.07.2008, pelo preço de € 450.000,00, com recurso a mútuo com hipoteca no montante de € 400.000, o imóvel sito na ..., n.ºs ... a..., Leça da Palmeira, Matosinhos, constituído por casa de dois pavimentos e quintal, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Matosinhos, identificada matricialmente à data sob o artigo n.º ..., artigo que veio dar origem ao artigo n.º ... da matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... (cfr. a escritura junta como documento n.º 23 ao PPA e a pp. 237 e segs. do PA-PI).

II. Na indicada escritura de aquisição, o Requerente declarou que o imóvel adquirido se destinava a habitação própria permanente (cfr. o referido documento n.º 23 e a pp. 237 e segs. do PA-PI).

III. O Requerente alterou o seu domicílio fiscal para a ... em 11.09.2008, aí o mantendo até 01.05.2018 (cfr. a indicação do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes reportada no RIT, n.ºs II.3.1 e III.1).

IV. Por contrato de mediação imobiliária, celebrado em 08.08.2014, o Requerente contratou os serviços de empresa de mediação imobiliária para venda do imóvel sito na ... n.ºs ... a ... (cfr. o contrato a pp. 228 e segs. do PA-PI e como documento n.º 28 ao PPA).

V. Perante a insolvência em 11.03.2015 de empresa da qual era sócio-gerente (cfr. os documentos n.ºs 24 e 25 ao PPA) e para fazer face às dificuldades financeiras que então teve, o Requerente decidiu rentabilizar o imóvel sito na ... mediante o acolhimento de hóspedes, para o que registou o imóvel nas plataformas internacionais de alojamento, nomeadamente, Booking e AirBnb (vd. os depoimentos testemunhais de B..., G..., H..., C... e I..., bem como as declarações de parte do Requerente, assinalando-se também que as correspondentes alegações constantes dos arts. 89 e 90 do PPA não foram contestadas pela AT).

VI. Em 01.10.2015 o Requerente apresentou declaração de início de atividade em nome individual de exploração de Alojamento Mobilado para Turistas, CAE 55201 (cfr. indicação constante do RIT, II.3.1 e III.1).

VII. Em 13.10.2015 o Requerente procedeu à submissão no Balcão do Empreendedor da Câmara Municipal de Matosinhos do pedido de comunicação prévia para efeitos de inscrição da unidade de alojamento local sita na  ... n.º ..., tendo-lhe sido atribuído o número de registo nacional de alojamento local .../AL, com a designação “...”. (Cfr. PA-PI, a p. 145 e a indicação fáctica constante do RIT, III.1).

VIII. O Requerente celebrou Contrato Promessa de Compra e Venda do imóvel sito na ... n.ºs ... a ...  em 14.10.2016, conforme documento n.º 29 ao PPA.

IX. Por Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado em 30.11.2016, junto como documento n.º 30 ao PPA, o Requerente prometeu comprar o imóvel sito na Rua ... n.º .../..., inscrito na matriz urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo n.º..., com o valor patrimonial tributário de € 136.140,00.

X. O Requerente emitiu, no ano de 2017, faturas-recibo no montante de €15.286,60, que continham o seguinte descritivo: "Arrendamento de alojamento local, sito na: ..., .../..., ...-... Leça da Palmeira (...)" (cfr. as faturas-recibo a pp. 131 a 143 do PA-PI).

XI. Em 21.02.2017, o Requerente celebrou um contrato de mediação imobiliária para a venda do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., freguesia do ..., Porto (cfr. o contrato a p. 221 do PA-PI).

XII. Quando o Requerente tinha hóspedes alojados no imóvel da ... n.º ..., esteve sempre a habitar essa casa, compartilhando os espaços comuns com os hóspedes (vd. os depoimentos testemunhais de B..., G...,  H..., C..., D..., E..., F...,  I..., bem como as declarações de parte do Requerente).

XIII. O imóvel sito na  ... foi a habitação própria e permanente do Requerente e respetivo agregado familiar até à data da sua venda (cfr. os depoimentos testemunhais de B..., G..., H..., C..., D..., E..., F... e declarações de parte do Requerente, bem como os documentos constituídos pela correspondência endereçada ao referido imóvel junta no doc. n.º 26 ao PPA).

XIV. Por escritura pública lavrada em 14.12.2017 no Cartório Notarial sito na Rua do ..., n.º ... Porto, conforme documento n.º 31 ao PPA, o imóvel sito na ... n.ºs ... a ... foi vendido pelo valor declarado de € 1.000.000,00.

XV. Por escritura pública lavrada em 28.02.2018, no Cartório Notarial sito na Rua ..., n.º..., Sala ..., Porto, o Requerente adquiriu (sem recurso a mútuo), com indicação de destino a sua habitação própria permanente, o imóvel, composto por habitação de cave e rés-do-chão, do Tipo T-três, com logradouro, sito na Rua ..., n.º .../..., Porto, pelo valor declarado de € 570.000,00 (cfr. a escritura junta como documento n.º 32 ao PPA e a pp. 255 e segs. do PA-PI).

XVI. Por Título de compra e venda, celebrado em 19.04.2018 na Conservatória do Registo Predial de ... no âmbito do Processo Casa Pronta n.º .../2018, o Requerente, que aí declarou residir na ..., n.º ..., Leça da Palmeira, concelho de Matosinhos, alienou o referido imóvel sito na Rua ..., n.º .../..., Porto, pelo valor declarado de € 1.350.000,00 (cfr. o contrato a pp. 259 e segs. do PA-PI).

XVII. Em Maio de 2018 o Requerente procedeu à submissão da comunicação do cancelamento do registo de alojamento local sito na ... n.º ..., o qual foi registado com o n.º .../2018 (cfr. a indicação constante do RIT, p. 12 e documento a pp. 65 e segs. do PA-PI).

XVIII. Por Escritura Pública de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, outorgada a 07.05.2018 no Cartório Notarial sito na ..., n.º ..., ..., ..., em Vila Nova de Gaia, o Requerente adquiriu para habitação própria e permanente e pelo valor declarado de € 410.000,00, o imóvel sito na ..., n.ºs ..., ... e ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o artigo n.º ... . (cfr. a escritura a pp. 270 e segs. do PA-PI e a certidão predial junta como documento n.º 33).

XIX. O imóvel localizado na Rua ..., n.º .../..., no Porto, nunca foi utilizado como habitação própria e permanente pelo Requerente e seu agregado familiar (vd. os depoimentos testemunhais de B..., H..., D..., C..., as próprias declarações de parte do Requerente, bem como os documentos constantes a pp. 46 e segs. do PA-PI).

XX. O Requerente alterou o seu domicílio fiscal para a Rua ... em 02.05.2018 que aí manteve até 27.05.2018, sendo que a partir de 28.05.2018 esse domicílio ficou estabelecido na ... (indicações do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes reportadas no RIT, II.3.1 e III.1, n.º 14).

XXI. Em 02.03.2020, o Requerente procedeu à cessação da atividade de Alojamento Local com efeitos reportados a 14.12.2017 (cfr. a indicação reportada no RIT, II.3.1).

XXII. Em 14.10.2020 o Requerente submeteu uma declaração Modelo 3 de substituição, relativa ao ano de 2017, tendo declarado no Anexo G a alienação do imóvel sito na ..., n.º ..., adquirido em 18.07.2008, pelo valor declarado de € 450.000,00, sendo que, nessa declaração, é ainda manifestada a intenção de reinvestimento de parte do valor de realização, no montante de € 570.000,00 (campo 5006 do Q-5A) – cfr. as indicações constantes do RIT, pp. 6, 7, 12 e 16.

XXIII. Na declaração Modelo 3 de substituição, entregue a 02.04.2021, relativa ao ano de 2018, o Requerente declarou no Anexo G os seguintes valores: a) A alienação, por € 1.350.000,00, do imóvel sito na Rua ... n.º .../...; b) A realização do reinvestimento no montante de € 570.000,00 (campo 5029 do Q-5A), cuja intenção foi manifestada na declaração relativa ao ano de 2017; c) A intenção de reinvestir parte do valor de realização (no montante de € 488.235,52) da alienação do imóvel sito na Rua ... n.º .../... (campo 5006 do Q-5A); d) O valor de realização reinvestido com a alienação do imóvel sito na Rua ... n.º .../..., sem considerar recurso ao crédito, € 466.770,15 (campo 5008 do Q-5A) - cfr. as indicações constantes do RIT, pp. 8, 13 e 21.

XXIV. No quadro 8 no Anexo B das declarações de rendimentos Modelo 3, referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017, o Requerente não mencionou a afetação de qualquer imóvel à atividade de exploração de “Alojamento Mobilado para Turistas” (CAE 55201) - cfr. as indicações constantes do RIT, pp. 8 e 13.

XXV. Em sede de “Emissão de Ordem de Serviço para o Processo” com data de 17-06-2021, relativa às Ordens de Serviço n.ºs OI2021... e OI2021..., consta o seguinte (p. 1 do PA-PI): “Em face da análise efetuada reúnem-se indícios fortes que o imóvel alienado em 2017 pelo sujeito passivo, e que correspondia ao seu domicílio fiscal, estava de facto afeto à atividade de alojamento local, pelo que a mais valia não poderá usufruir da não sujeição prevista no artigo 10º do CIRS em face da intenção de reinvestimento parcial declarada. Verifica-se ainda que o SP declarou reinvestimento em 2018 em imóvel que tudo indica não terá sido utilizado como habitação própria e permanente, pois alienou num espaço muito curto tendo declarado novamente intenção de reinvestimento parcial. Propõe-se a realização de ações inspetivas internas, de âmbito parcial IRS, ao ano de 2017 e de âmbito parcial IRS/IMT a 2018, para confirmação dos factos descritos e, caso se corroborem os indícios carreados, a correção das irregularidades”.

XXVI. Nos despachos relativos às Ordens de Serviço n.ºs OI2021... e OI2021..., determina-se a realização de procedimento de inspeção externa (pp. 14 e 15 do PA-PI).

XXVII. O Requerente foi notificado para a sujeição a procedimento externo de inspeção por carta com aviso, através do ofício n.º 2021..., com data de 12.07.2021 (cfr. doc. n.º 4 ao PPA).

XXVIII. Ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2021... e OI2021..., o Requerente foi objeto de ação inspetiva parcial, qualificada como externa pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), em resultado das quais foram efetuadas correções aritméticas à matéria tributável de IRS, anos de 2017 e 2018 (cfr. docs. n.ºs 5 e 6 ao PPA).

XXIX. As ações inspetivas foram iniciadas em 27.07.2021 com a assinatura das Ordens de Serviço pelo Requerente e terminaram com as notas de diligências emitidas em 29.12.2021 sob os códigos NDO2021... e NDO2021... (cfr. os documentos juntos agregadamente como doc. n.º 12 ao PPA)

XXX. No âmbito do procedimento inspetivo, o Requerente foi notificado em 18 de outubro de 2021, mediante o Ofício n.º 2011... emitido pelos Serviços de Inspeção Tributária, conforme doc. n.º 7 ao PPA e documento a pp. 39 e segs. do PA-PI e que aqui se dá por reproduzido, para, ao abrigo do dever de colaboração, apresentar elementos e prestar esclarecimentos, o que fez em 28.10.2021 nos termos que constam da comunicação com documentos a pp. 129 e segs. do PA-PI e como doc. n.º 8 ao PPA.

XXXI. No âmbito do procedimento inspetivo foram formulados pelos SIT pedidos de informações e esclarecimentos a entidades fornecedoras de água, energia e telecomunicações, bem como ao Município de Matosinhos, conforme documentos que constam a pp. 18 a 38, 43, 54, 60 do PA relativo ao procedimento inspetivo e que aqui se dão por reproduzidos, os quais tiveram as respostas que constam a pp. 46 a 53, 55 a 59, 61 a 128 do mesmo PA-PI e que se dão por reproduzidas.

XXXII. Em 09.12.2021 o Requerente foi notificado do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, no qual os SIT projetaram correções meramente aritméticas à matéria tributável de IRS, anos de 2017 e 2018, conforme documentos a pp. 304 e segs. do PA-PI, não tendo o Requerente exercido o direito de audição prévia (facto reconhecido no art. 9.º do PPA e RIT, p. 28).

XXXIII. A 18 de janeiro de 2022, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto notificaram o Requerente do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), conforme documento n.º 9 ao PPA e a pp. 326 e segs. do PA-PI, de que se destacam as seguintes afirmações:

i) - “1.1 - Credencial e Período em que decorreu a ação

A ação externa de inspeção foi efetuada em cumprimento das Ordens de Serviço n.º 012021... e 012021..., com data de Despacho em 18.06.2021.

Nos termos dos artigos 38.º e 49.º do RCPITA e al. l) do n.º 3 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT), notificou-se o sujeito passivo, para sujeição a procedimento externo de inspeção, com a remessa da carta aviso, através do ofício n.º 2021..., com data de 12.07.2021 do Serviço de Inspeção Tributária da DF do Porto, registada (RF...PT).

Em Anexo à carta aviso foi remetido o folheto informativo contendo os direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo, e exortando à regularização voluntária da situação tributária.

As ações inspetivas foram iniciadas em 27.07.2021, com a assinatura das Ordens de Serviço por A... .” [p. 4 do RIT]

ii) – “Em face da análise efetuada reuniram-se indícios fortes que o imóvel alienado pelo sujeito passivo em 2017, e que correspondia ao seu domicílio fiscal, estava de facto afeto à atividade de alojamento local, pelo que a mais-valia não poderia usufruir da não sujeição prevista no artigo 10.º do Código do IRS, em face da intenção d[o] reinvestimento parcial declarad[o]. Verificou-se ainda, que o sujeito passivo declarou o reinvestimento em 2018 em imóvel, ao que tudo indica, não terá sido utilizado como habitação própria e permanente, pois alienou num espaço muito curto, tendo declarado novamente a intenção de reinvestimento parcial.” [pp. 4-5 do RIT];

iii) – “II.1 – Os Factos e sua descrição cronológica

 1. Conforme Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Procuração, A... adquiriu, em 18.07.2008, pelo valor declarado de € 450.000,00, o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Matosinhos, sob o artigo n...., à data com o Valor Patrimonial Tributário de € 27.826,37. Para tal aquisição, celebrou Mútuo com Hipoteca no valor de € 400.000,00. (...)

4. Em 01.10.2015 iniciou, para efeitos fiscais, a atividade em nome individual de exploração de “Alojamento Mobilado para Turistas” (CAE 55201).

5. Com o propósito de registar um estabelecimento de alojamento local, em 13.10.2015, A... procedeu à submissão no Balcão do Empreendedor da Câmara Municipal de Matosinhos, do documento de mera Comunicação Prévia em conformidade com DL n.º 128/2014, de 29/08. De acordo com informação da Divisão de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Matosinhos, datada de 08.10.2021, à unidade de alojamento local sita na ..., n.º ..., na União de Freguesias de ... e ..., foi atribuído o Número de Registo Nacional de Alojamento Local .../AL, com a denominação “...”. Para cumprimento da al. c) do n.º 2 do artigo 6.º do aludido Decreto-Lei, A... apresentou a Caderneta Predial do prédio inscrito na Matriz predial urbana da freguesia de ... e ..., concelho de Matosinhos sob o artigo n.º... . (...)

7. No âmbito da atividade em nome individual emitiu, no ano de 2017, faturas-recibo no montante de € 15.286,60. Porém, não procedeu à comunicação dos elementos das faturas à Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme impõe o DL n.º 198/2012, de 24 de agosto.

8. Em 14.12.2017, A... alienou, pelo valor declarado de € 1.000.000,00, o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ..., concelho de Matosinhos sob o artigo n.º ... .

9. Em 14.10.2020 submete nova declaração Modelo 3 de substituição, relativa ao ano de 2017, tendo declarado no Anexo G a alienação do imóvel identificado no ponto anterior, o qual tinha sido adquirido em 18.07.2008, pelo valor declarado de € 450.000,00 (conforme ponto 1). Na declaração é ainda manifestada a intenção de reinvestimento de parte do valor de realização, no montante de € 570.000,00 (campo 5006 do Q-5A).

10. Por escritura de Compra e Venda lavrada em 28.02.2018, no Cartório Notarial sito na Rua ..., n.º..., sala ..., Porto, registada no Livro 235-A a Folhas 117, A... adquiriu pelo valor declarado de € 570.000,00, o imóvel sito na Rua ... n.º .../ ..., inscrito na matriz urbana da União de freguesias de ..., ... e ... sob o artigo n.º ..., o qual tinha o Valor Patrimonial Tributário de € 136.140,00.

11. Por Título de Compra e Venda, celebrado na Conservatória do Registo Predial de ..., em 19.04.2018, A... alienou, pelo valor declarado de € 1.350.000,00, o imóvel cuja aquisição foi resumida no parágrafo anterior.

12. Em 11.05.2018, A... procedeu à submissão, no Balcão do Empreendedor da Câmara Municipal de Matosinhos, da comunicação de Cancelamento do Registo de alojamento local sito na ... n.º ..., na União de Freguesias de ... e ..., com a denominação “...”, o qual foi registado com o n.º .../2018. A fundamentação apresentada para o cancelamento do registo, “VENDA DA PROPRIEDADE, CONTUDO, A MESMA CONTINUARÁ A MESMA ATIVIDADE EM NOME DE OUTRO”.

13. Por Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, lavrada a 07.05.2018 no Cartório Notarial sito na ..., n.º..., ..., ..., em Vila Nova de Gaia, A... adquire pelo valor declarado de € 410.000,00, o imóvel sito na ..., nºs ..., ... e ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o artigo n.º..., com o Valor Patrimonial Tributária, à data, de € 355.675,64. Simultaneamente, foi celebrado Mútuo com Hipoteca no valor de € 150.000,00.

14. Em 28.05.2018, dois dias antes de apresentar a primeira declaração Modelo 3 referente ao ano de 2017, A... altera o seu domicílio fiscal para a Rua ..., n.º... . Recorde-se que este imóvel havia sido adquirido pelo sujeito passivo em 28.02.2018 e alienado a 19.04.2018.

15. Em 02.04.2021 entrega declaração Modelo 3 de substituição, relativa ao ano de 2018, tendo declarado no Anexo G os seguintes valores: a) A alienação, por € 1.350.000,00, do imóvel sito na Rua ... n.º .../... e inscrito na matriz urbana da União de freguesias de..., ... e ... sob o artigo n.º...; b) A realização do reinvestimento no montante de € 570.000,00 (campo 5029 do Q-5A), cuja intenção foi manifestada na declaração relativa ao ano de 2017; c) A intenção de reinvestir parte do valor de realização (no montante de € 488.235,52) da alienação do imóvel sito na Rua ... n.º .../... e inscrito na matriz urbana da União de freguesias de ..., ... e ... sob o artigo n.º ... (campo 5006 do Q-5A); d) O valor de realização reinvestido com a alienação do imóvel sito na Rua ... n.º .../... e inscrito na matriz urbana da União de freguesias de ..., ... e ... sob o artigo n.º..., sem considerar recurso ao crédito, € 466.770,15 (campo 5008 do Q-5A).

16. No quadro 8 no Anexo B das declarações de rendimentos Modelo 3, referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017, A... não mencionou a afetação de qualquer imóvel ou imóveis à atividade de exploração de “Alojamento Mobilado para Turistas” (CAE 55201), isto é, sempre assinalou o campo 04 do aludido Quadro 8” (pp. 11 a 13).

iv) - “Através do ofício nº 2021... de 14.10.2021, procedemos à notificação do sujeito passivo para no prazo de 10 dias, apresentar, entre outros elementos, cópia das faturas emitidas no ano de 2017 que sustentaram o valor inscrito no campo 417 do Anexo B da declaração Modelo 3 submetida a 14.10.2020”.

v) – “III.4 – Alienação de imóvel ocorrida em 2017 (...)

Retira-se da declaração de rendimentos apresentada por A... que a exclusão de tributação (por força do reinvestimento) opera por estarmos perante uma mais-valia obtida com a alienação de imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, e parte do produto dessa alienação, ter sido utilizado na aquisição de novo imóvel com igual destino.

Contudo, por informação prestada pela Divisão de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Matosinhos, através do ofício DMGT/2021/... de 08.10.2021, no imóvel alienado pelo sujeito passivo em 14.12.2017 (sito na ..., n.º ..., na União de Freguesias de ... e ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ...,  concelho de Matosinhos sob o artigo n.º...), funcionou, desde 13.10.2015, uma unidade de alojamento local, ao qual foi atribuído o Número de Registo Nacional de Alojamento Local 20740/AL, denominado “...”.

De acordo com o exposto no ponto III.2 do presente relatório, as faturas emitidas pelo sujeito passivo, no ano de 2017, continham o seguinte descritivo “Arrendamento de alojamento local, sito na: “ ..., ...– ...-... Leça da Palmeira (...)”.

Sendo o sujeito passivo titular de atividade geradora de rendimentos da categoria B e simultaneamente o proprietário do imóvel utilizado como unidade de alojamento local, estava legalmente obrigado a declarar no Quadro 4B do Anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3, relativa ao ano de 2017 (ano em que ocorreu a alienação onerosa do imóvel), a afetação do aludido imóvel à respetiva atividade empresarial e profissional, conforme a al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS. No referido quadro deveria ter inscrito o valor da afetação determinado de acordo com a al. c) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS, o valor de aquisição a título oneroso do imóvel conforme o artigo 46.º do Código do IRS e respetiva inscrição matricial.

Mas A... não o declarou (...)

Ora, a afetação do imóvel do património particular do sujeito passivo à atividade empresarial e profissional exercida em nome individual é particularmente relevante na medida em que a mais-valia, determinada pela diferença entre o valor de mercado à data da afetação e o seu valor de aquisição, é considerado rendimento da categoria G, o qual, de acordo com o previsto no n°. 2 do artigo 43.º do Código do IRS, apenas será tributado em 50% do seu valor. Contudo, conforme o disposto na al. b) do n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, a sua tributação é adiada ou suspensa para o momento da efetiva alienação ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas.

No ano em que se verificar a alienação onerosa do imóvel ou a ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas, ter-se-á em consideração a valorização do imóvel no período em que esteve efetivamente afeto à atividade empresarial e profissional do sujeito passivo. No entanto, considerando que esta “mais-valia empresarial" é imputável a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, a mesma é considerada rendimento da categoria B, em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 3°. do Código do IRS. Assim, a "mais-valia empresarial" não beneficia do benefício referido no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, antes ficando sujeita às regras para determinação do rendimento tributável da categoria B.

Face ao facto de A... se encontrar, à data, enquadrado no regime simplificado de tributação, a determinação do seu rendimento tributável seria feita através da aplicação, a cada um dos diversos tipos de rendimentos que integram os rendimentos da categoria B, do coeficiente que lhe corresponde e previstos no n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS. Nestes termos, à "mais-valia empresarial" seria aplicado o coeficiente 0,95, conforme se extrai da conjugação da al. b) do n.º 3 do artigo 10.º, nº. 2 do artigo 29.º e al. d) do n.º 1 do artigo 31.º todos do Código do IRS. (...).

Assim, para a determinação da mais-valia obtida, o valor de mercado à data da afetação à atividade empresarial e profissional de A... do imóvel sito na ... n.ºs ... a ..., em Matosinhos, será o valor pelo qual o imóvel foi alienado a favor de terceiro em 14.12.2017, ou seja €1.000.000,00. A validar o referido, estão os esclarecimentos prestado pelo Mandatário do sujeito passivo em resposta à notificação efetuada através do oficio n.º 2021... de 14.10.2021, designadamente nos pontos 17 a 20, em que refere que a alienação do imóvel foi ajustada no início do ano de 2016, poucos meses após o início da atividade de exploração de alojamento local, ocorrida em outubro de 2015, sendo o respetivo Contrato Promessa de Compra e Venda assinado em outubro de 2016.

Na prática, assume-se que a valorização do imóvel, enquanto afeto à atividade empresarial e profissional de A..., foi nula.

Cumpre ainda referir, que a adoção do valor de mercado do imóvel à data da afetação à atividade empresarial e profissional do sujeito passivo, igual ao valor declarado na alienação do mesmo a favor de terceiro, em nada prejudica o sujeito passivo. Desta forma, a totalidade da mais-valia obtida será considerada para efeitos de tributação como rendimento da categoria G, apenas se tributando a “mais-valia privada” (gerada enquanto o bem esteve no património particular do sujeito passivo), a qual tinha ficado adiada ou suspensa em 13.10.2015 com a afetação daquele à atividade empresarial e profissional (...)

No que concerne à exclusão da tributação da mais-valia obtida com a alienação do imóvel sito na ... n ° ... a ... em Matosinhos, por via do reinvestimento do valor de realização obtido, conforme prevê a al. a) do n.º 1 do artigo 10.° do Código do IRS na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, tal não nos afigura ser legalmente possível, em resultado do sujeito passivo ter procedido à afetação do mesmo, da sua esfera privada para a esfera empresarial de exploração de unidade de "Alojamento Mobilado para Turistas" (CAE 55201), atividade essa, geradora de rendimentos da categoria B, e sem que o tenha transferido novamente para a esfera privada, o tenha alienado a favor de terceiro em 14.12.2017.”.

vi) – “III.5 – Alienação e aquisição de imóvel ocorrida em 2018 (...)

Em 28.02.2018, A... adquiriu pelo valor declarado de €570.000,00, o imóvel sito na Rua ... n.º .../..., inscrito na matriz urbana da União de freguesias de ..., ... e ... sob o artigo n.º ... .

Cinquenta dias após aquela data, a 19.04.2018, procede à alienação do mesmo, pelo valor declarado de €1.350.000.00.

A 07.05.2018, adquire pelo valor declarado de €410.000,00, o imóvel sito na ..., n.ºs ..., ... e ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o artigo n.º... .

(...) cumpre analisar se se encontram preenchidas as condições previstas nos n.ºs 5, 6 (a contrario) e 7 do artigo 10.º do Código do IRS, para o afastamento, ainda que parcial, de tributação da mais-valia obtida com a alienação do imóvel sito na Rua ... n.º.../..., no Porto.

Ora, nos termos do referido n.º 5, para excluir de tributação a mais-valia obtida com a alienação de um imóvel, este terá que ter tido como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

(...) o artigo 19.º da LGT determina, como regra geral, que o domicílio fiscal para pessoas singulares é o local de residência habitual, sendo obrigatória a comunicação do domicílio à AT, sob pena de ser ineficaz a mudança do mesmo enquanto não lhe for comunicada e o n.º 11 do artigo 13.º do Código do IRS determina que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo.

Acresce que são diversos os indícios de que a aquisição do imóvel sito na Rua ... n.º .../... inscrito na matriz urbana da União de freguesias de ..., ... e ... sob o artigo n.º..., não estava destinada nem esteve afeta a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. Atente-se:

• Analisada a Escritura de Compra e Venda do imóvel, verificamos, que o pagamento do preço (E570.000,00) foi efetuado da seguinte forma; a) A 30.11.2016 A... paga ao alienante €5.000,00, a título de sinal; b) No período compreendido entre março e outubro de 2017, paga €5.000,00 mensais, a título de reforço de sinal; c) A 29.11.2017 paga €155.000,00, a título de reforço de sinal; d) A 28.12.2017 paga €5.000,00, a título de reforço de sinal; e) Na data da realização da Escritura, a 28.02.2018, paga o valor remanescente. ou sej a €365.000.00.

Contudo, após o pagamento da primeira "tranche" de €5.000,00, mas um ano antes da realização da Escritura de Compra e Venda, a qual só ocorre a 28.02.2018, A... celebrou com a sociedade J..., Lda., NFI ..., em 21.02.2017, um contrato de mediação imobiliária para a venda do referido imóvel, no qual a aludida sociedade de mediação imobiliária se obriga a "diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra (...) pelo preço de €1.500.000,00 (...)" para o imóvel “(...) sito na rua ... ...-..., da Freguesia de ..., Concelho de Porto (...)".

• Porque o imóvel está localizado na cidade do Porto, foi solicitada, através do ofício n.º 2021... de 27.10.2021, à K... do Município do Porto, E.M., informação sobre se no período de 01.01.2017 a 31.12.2018, o sujeito passivo manteve relações contratuais com aquela entidade. Em resposta obtivemos o seguinte esclarecimento: "(...) No nome de A..., Nif ..., não temos nesta empresa no período referido nenhum contrato de fornecimento de água e drenagem de águas residuais. (...)

• Na consulta às declarações Modelo 2, aprovada pela Portaria n°. 98-A/2015, de 31/03, referentes aos anos de 2017 e 2018, constatou-se que a EDP ... SA, NIF ...  celebrou contratos de fornecimento com o sujeito passivo. Através do ofício n.º 2021... de 27.09.2021, foi solicitado àquela sociedade "cópia de todos dos contratos de fornecimentos de serviços, bem como subsequentes alterações, celebrados com A...  NIF.... que se encontravam e m vigor a 01.01.2017, ou que tiveram início nos anos de 2017 e 2018. Em resposta prestou os seguintes esclarecimentos:

"(...) informamos que em nome de A... para o período mencionado no ofício em resposta vigorou os seguintes contratos de energia e gás natural:

R ..., ...-...PORTO de 21.11.2016 a 21.12.2017.

Não dispomos da cópia da apólice do contrato assinado, uma vez que o mesmo não foi devolvido pelo cliente aos nossos serviços;

RUA ..., ...-... PORTO de 21.11.2016 a 05.04.2021.

Não dispomos da cópia da apólice do contrato assinado, uma vez que o mesmo não foi devolvido pelo cliente aos nossos serviços;

Vigora ainda um contrato de energia e gás natural para:

... ... ..., ... ... VNG desde 15.03.2018.

Não dispomos da cópia da apólice do contrato assinado uma vez que o mesmo não foi devolvido pelo cliente aos nossos serviços (...)...

• Na referida consulta constatou-se igualmente que a Galp ..., NIF..., celebrou contratos de fornecimento de serviços com o sujeito passivo. Assim, através do ofício n.º 2021... de 27.09.2021, foi solicitado àquela sociedade "cópia de todos os contratos de fornecimentos de serviços, bem como subsequentes alterações, celebrados com A..., NIF..., que se encontravam em vigor a 01.01.2017, ou que tiveram início nos anos de 2017 e 2018". Em resposta foram prestados os seguintes esclarecimentos

"(...)

Com base nos dados disponibilizados, foi identificado no Sistema de Gestão Comercial da Galp..., a existência de um contrato de gás natural com o n.º ..., referente à morada Rua ..., N.º ..., R/C, ...-... Porto. Em Anexo, consta uma cópia do documento de Contrato;

Este contrato vigorou no período compreendido entre 13/06/2018 e 31/07/2018. tendo sido encerrado devido a mudança de comercializador não sendo possível disponibilizar documento que comprove a cessação do serviço. Esta informação poderá ser obtida junto do Operador de Rede de Distribuição que atua nesta área geográfica.

Durante o período de vigência do contrato, não existem registos de alterações contratuais (...).

• Devido ao facto do sujeito passivo alegar que a sua habitação própria e permanente, foi sucessivamente alterada, primeiro na ... n.º ... a ..., em Matosinhos, depois na Rua ... n.º .../..., no Porto e por último na ..., n.ºs..., ... e ..., em Vila Nova de Gaia, procedemos à notificação das entidades Indaqua ..., NIF ... e Águas de Gaia ..., NIF ..., a solicitar "cópia de todos dos contratos de fornecimentos de serviços celebrados com sujeito passivo.

Dos esclarecimentos prestados pelas duas entidades verificamos o seguinte: O contrato com o n.º ..., celebrado com a Indaqua para fornecimento de água para o local de consumo sito na ... n.º ... em Matosinhos, foi denunciado a 02.03.2018 e o contrato n.º..., celebrado com a Águas de Gaia para fornecimento de idêntico serviço na ... n.º... Vila Nova de gala, teve o seu início em 14.03.2018, o qual se mantém em vigor a data da prestação dos esclarecimentos. Cruzando estes elementos com a informação prestada pela K... do Município do Porto, EM. a que acima se fez referência, sinaliza, uma vez mais, a não utilização por parte de A... do imóvel localizado na Rua ... n.º .../..., no Porto, como habitação própria e permanente.

Face ao exposto, o valor de realização obtido com a alienação do imóvel sito na Rua ...n.º .../..., inscrito na matriz urbana da União de freguesias de ..., ... e ... sob o artigo n.º ..., não é suscetível de beneficiar da exclusão de tributação por não verificação da condição prevista na al. a) no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

Deste modo, o valor da mais-valia fiscal obtida pelo sujeito passivo no ano 2018, resultante da alienação do imóvel mencionado no parágrafo anterior ascende a €640.749,71, obtida através da fórmula MV =VR - (VA x CM +EVB +DA). Sendo que, o coeficiente de correção monetária é igual a 1, por não terem decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação, de acordo com o n.º 1 do artigo 50.º do Código do IRS e as despesas com a aquisição do imóvel e encargos ascendem a €139.250,29, (...)”.

 

XXXIV. No seguimento das correções à matéria tributável levadas a cabo pelos SIT nos termos do RIT referido, nos montantes de €177.388,56, ano de 2017, e de €115.686,96, ano de 2018, foram emitidas as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.ºs 2022... e 2022..., respeitantes respetivamente aos referidos anos de 2017 e de 2018, e inerentes juros compensatórios, com as correspondentes demonstrações de acerto de contas (docs. n.ºs 2 e 3 juntos ao PPA).

XXXV. A liquidação adicional de IRS referente a 2017 com o n.º 2022..., no montante de € 124.994,47, foi emitida a 2 de fevereiro de 2022 e notificada em 11 do mesmo mês (cfr. docs. n.ºs 2, 17 e 22 juntos ao PPA e reconhecimento no art. 19.º da resposta da AT).

XXXVI. A liquidação adicional de IRS referente a 2018 com o n.º 2022..., no montante de € 169.727,37 foi emitida a 2 de fevereiro de 2022 (cfr. docs. n.ºs 3 e 18 juntos ao PPA).

XXXVII. O Requerente pagou o IRS liquidado pela AT nas liquidações adicionais de IRS de 2017 e de 2018, respetivamente, em 16 de março de 2022, no montante de €105.034,20, e em 30 de março de 2022, no montante de €66.281,24, conforme documentos de pagamento juntos como docs. n.ºs 19 e 20 ao PPA.

XXXVIII. Não se conformando com as indicadas liquidações de 2017 e de 2018, o Requerente apresentou, a 12.07.2022, uma reclamação graciosa, quanto ao valor de €171.315,44, que correu termos junto da Direção de Finanças do Porto sob o n.º ...2022... (cfr. pp. 2 e segs. e 17 e segs. do PA-PRG).

XXXIX. Pelo Diretor adjunto da Direção de Finanças do Porto foi proferido despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa a 27.12.2022 (cfr. os docs. n.ºs 1 e 21 ao PPA e pp. 22 e segs. e 30-31 do PA-PRG), que se sustentou, no essencial, na seguinte fundamentação:

i) - “Relativamente ao vício da caducidade da liquidação adicional de 2017, invocada pelo reclamante, tal não se verifica, senão vejamos:

Prescreve o n.º 1 do artigo 45.º da LGT que, o direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, (...).

Alega o reclamante que não se verificou nenhum facto suspensivo, pelo que o prazo para ser notificado da liquidação terminou em 2021-12-31, o que não corresponde à verdade, porquanto encontra-se ínsito no n.º 1 do artigo 46.º da LGT que o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação inspetiva externa, (...), desde que a duração do procedimento inspetivo não ultrapasse prazo de seis meses após a notificação.

Encontra-se plasmado no artigo 51.º do RCPITA, com a epígrafe, data do início do procedimento de inspeção, que o início deste verifica-se com a entrega da cópia da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento inspetivo, que in casu, verificou-se em 2021-07-27, conforme consta do RIT.

O Procedimento inspetivo terminou em 2021-12-30, ou seja, foi concluído dentro do prazo dos seis meses, pelo que se verifica a suspensão da caducidade, conforme estatui o n.º 1 do artigo 46.º da LGT.

Assim, acrescem 5 meses e três dias, ao prazo de caducidade de 2021-12-31 que se verificaria caso não houvesse esta suspensão.

Nesta senda, a notificação da liquidação efetuada em 2022-02-11, foi efetuada dentro do prazo, considerando-se o reclamante validamente notificado”.

ii) - “Quanto ao vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, invocado pelo reclamante, pelo facto de sempre ter vivido na casa sita na ..., n.ºs ... a ..., Leça da Palmeira, de acordo com o RIT, o reclamante em 2015-10-13 procedeu à submissão no Balcão do Empreendedor da Câmara Municipal de Matosinhos, para registo de um estabelecimento de alojamento local, sito na ..., n.º ..., da União de freguesias de ... e ..., tendo sido atribuído o Número de Registo Nacional de Alojamento Local .../AL, com a denominação “...”, tratando-se do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ..., sob o artigo ... . (...) Em 2018-05-11, submeteu o Cancelamento do Registo de Alojamento Local da casa sita ..., n.ºs ... a ..., com a denominação de “...”, através do Balcão do Empreendedor da Câmara Municipal de Matosinhos, pelo facto de ter vendido a propriedade. (...)

Ficou assim demostrado que o imóvel não era a habitação própria e permanente do reclamante, mas estava afeto à atividade de alojamento local, estando o reclamante coletado desde 2015-10-01, para a atividade em nome individual de exploração de “Alojamento Mobiliado para Turistas”, com o CAE55201.

Posto isto, a mais-valia resultante da alienação do supra referido imóvel só poderia ser excluída parcialmente, se o produto dessa alienação fosse utilizado na aquisição de novo imóvel com igual destino (habitação própria e permanente). No entanto, o imóvel alienado não era à data da alienação, a sua habitação própria e permanente, pelo que não se pode aplicar o consignado no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

Uma vez que o reclamante possuía uma atividade geradora de rendimentos de categoria B e era proprietário do imóvel utilizado como unidade de alojamento local, estava obrigado a declarar no quadro 4B do anexo G da declaração Modelo 3 do ano de 2017, a afetação do imóvel em causa à atividade exercida em nome individual.

Como refere o RIT a exclusão de tributação da mais-valia obtida com a alienação do imóvel sito na ..., n.º ... a ..., em Matosinhos, por via do reinvestimento do valor de realização obtido, conforme prevê a al a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31-12 não é legalmente possível, pelo facto do reclamante ter procedido à afetação do mesmo da sua esfera privada para a esfera empresarial, atividade geradora de rendimentos da categoria B, sem que o tenha transferido novamente para a espera privada, alienou-o a favor de terceiro em 2017-12-14”;

 iii) – “Em 2018-02-08, o reclamante adquiriu pelo valor declarado de €570.000,00 o imóvel sito na Rua ..., n.º .../..., inscrito na matriz urbana da União de Freguesias de..., ... e ..., sob o artigo ..., que aliena em 2018-04-19.

Em 2018-05-07 adquire pelo valor declarado de € 410.000,00, o imóvel sito na ..., nºs..., ... e ..., ..., ..., V. N. de Gaia, inscrito na matriz da freguesia de ..., sob o artigo ... . (...)

Prescreve o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, que para excluir de tributação a mais-valia obtida com a alienação de um imóvel, este terá que ter tido como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

A data que se considera obtido o ganho sujeito a tributação é 2018-04-19, de acordo com o prescrito no n.º 3 do artigo 10.º do CIRS, não sendo o domicílio fiscal do reclamante localizado na Rua ..., n.º .../..., Porto, após consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes.

O artigo 19.º da LGT estatui como regra geral que o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local da residência habitual, sendo obrigatória a comunicação do domicílio à AT, sob pena de ser ineficaz a mudança do mesmo enquanto não lhe for comunicada e o n.º 12 do artigo 13.º do CIRS determina que, o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo.

A AIT solicitou à K... do Município do Porto, EM., informação se, no período de 2017-01-01 a 2018-12-31, o reclamante manteve relações contratuais com aquela entidade. A resposta da K... foi que no período referido pela AIT, não tiveram nenhum contrato de fornecimento de água e drenagem de águas residuais com o ora reclamante. (...)

Dos esclarecimentos prestados pelas duas entidades aferiu-se que o contrato celebrado com a Indaqua para fornecimento de água para o local de consumo sito na ..., n.ºs ..., Matosinhos, foi denunciado em 2018-03-02 e o contrato celebrado com Águas de Gaia para fornecimento de idêntico serviço na ..., n.ºs..., V. N. de Gaia, teve o seu início em 2018-03-14, mantendo-se em vigor à data da prestação da informação.

Cruzando todos os elementos com a informação prestada pela K..., a AIT aferiu que o imóvel localizado na Rua ..., n.º .../..., no Porto, não foi utilizado como habitação própria e permanente pelo ora reclamante.

Nesta senda, o valor de realização obtido com a alienação do imóvel sito na Rua ..., n.º .../..., no Porto, inscrito na matriz urbana da União de Freguesias de..., ... e ..., sob o artigo ..., não beneficia de exclusão de tributação plasmada na al a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

Destarte, a correção efetuada pela AIT de € 115.686,96, relativamente ao rendimento líquido da categoria G, está correta. (...). Como se demonstrou exaustivamente no RIT, o imóvel localizado na Rua ..., n.º .../..., no Porto, nunca foi utilizado como habitação própria e permanente pelo reclamante”.

 

XL. Em 03.04.2023, conforme consta do sistema de gestão processual, o Requerente submeteu junto do CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral, requerendo a declaração da ilegalidade das liquidações de IRS e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa antes indicadas.

 

B. Factos não Provados

 

9. Com relevo para a decisão da causa em face das alegações das partes, o Tribunal julga como não provada a seguinte factualidade:

 

A. O Requerente mudou-se para a casa da Rua ..., n.º ..., Porto (alegação do Requerente efetuada nos artigos 110 e 111 do PPA, bem como nos n.ºs 25 e 26 das alegações: “durante o tempo em que foi o proprietário da mesma [casa do ..., n.º ...], era esta a sua única habitação permanente, estando apenas a apetrechá-la com as condições necessárias projetadas pelo seu arquiteto para ali poder estabelecer a sua residência habitual, bem como da sua família” e “pouco tempo depois de se mudar para esta sua nova habitação sita em ..., Porto”).

 

C. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

10. A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos não impugnados juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral e dos constantes do processo administrativo, constituído pelo processo respeitante ao procedimento inspetivo e pelo processo de reclamação graciosa, das informações fácticas exaradas no RIT não impugnadas (cfr. art. 76.º, n.º 1 da LGT e art. 115.º, n.º 2 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT)), bem como da prova testemunhal e por declarações de parte produzida em sede da audiência organizada em 21.11.2023, cujos depoimentos foram objeto de gravação áudio, como consta da correspondente ata, tudo como indicado em relação a cada facto julgado provado nos vários números do probatório.

 

11. Elucide-se, no que concerne aos depoimentos das testemunhas, que aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram, que tais depoimentos foram considerados relevantes para a prova dos factos V, XII e XIII, pelos seguintes motivos:

- a testemunha B..., que declarou ser companheira do Requerente há mais de dez anos, vivendo em conjunto há cinco anos na casa sita na ..., ..., adquirida pelo Requerente, referiu, evidenciando conhecimento direto dos factos, os termos da utilização permanente pelo Requerente da casa da ..., o modo como foi usada, em conjunto com o Requerente, por hóspedes, em razão de dificuldades financeiras por que aquele então passou;

- a testemunha G..., carpinteiro, que fazia trabalhos para o Requerente, confirmou que o Requerente sempre viveu na ..., incluindo quando teve hóspedes; referiu ainda que o Requerente residia atualmente em ... e que antes vivia na ..., tendo acrescentado que teria ideia, mas não o sabia com certeza, que também teria morado no ...;

- a testemunha H..., filho do Requerente, confirmou ter residido com o Pai e com o irmão na casa da ..., em Leça da Palmeira, onde também viveram com hóspedes que esporadicamente foram arranjando;

- a testemunha C..., irmão do Requerente, advogado, pronunciou-se, em especial, sobre a situação de dificuldades e crise financeira que o Requerente atravessou e que o levaram a ter hóspedes, tendo igualmente confirmado que a ... foi sempre habitada pelos Requerente com os filhos, com todos os bens e mobiliário que sempre pertenceram à família;

- a testemunha D..., arquiteto, amigo do Requerente e para quem tem prestado serviços de arquitetura, confirmou que esteve várias vezes na casa do ... e que era a casa de morada da família;

- as testemunhas E... e F..., ambos vizinhos do Requerente na  ... e que frequentavam essa casa, confirmaram que o Requerente aí viveu sempre com a família, que era a sua habitação, mesmo quando partilhava o seu uso com hóspedes, até se mudar para outra residência, cuja localização desconheciam;

- a testemunha I..., gestora, que colocou a casa da  ... em plataforma informática para efeitos de alojamento local, explicou que o negócio em causa era especial, dado que o Requerente e a sua família vivia na casa, que mantinha todo os seus móveis e bens, e coabitava com os hóspedes que esporadicamente recebia, o que tinha constituído uma forma de ultrapassar as dificuldades financeiras que na altura o Requerente lhe transmitiu.

As declarações de parte, dado o seu congénito carácter interessado, foram relevadas para a prova dos factos indicados por se mostrarem corroboradas por outros meios probatórios e conformes às regras da experiência.

 

12. Em especial no que concerne ao facto considerado provado (XIX) que o imóvel localizado na Rua ..., n.º .../..., no Porto, nunca foi utilizado como habitação própria e permanente pelo Requerente e seu agregado familiar e ao facto não provado (A) de que o Requerente e o seu agregado familiar para aí foram morar, factos que se autonomizaram em atenção aos termos das alegações do Requerente e às afirmações constantes do RIT, explicite-se que os juízos probatórios correspondentes assentaram, desde logo, na apreciação dos seguintes depoimentos testemunhais:

- a testemunha B..., apesar de declarar que, com o Requerente e outras pessoas, tinha ido ver a casa da Rua ..., n.º .../..., no Porto, e que ela e o Requerente tinham pensado ir para lá residir, referiu que acabou por não querer morar no Porto, pois sempre preferiu viver em ... (...), que a casa do ... precisava de muitas obras, e que o Requerente colocou a casa à venda e conseguiu vendê-la com sucesso, pelo que foram ambos viver para a casa de ... da ..., em ..., Vila Nova de Gaia;

- o filho do Requerente H..., ao pronunciar-se sobre a sua residência comum com o Pai referiu unicamente as casas da ..., em Leça da Palmeira, e da ..., em,  ..., Vila Nova de Gaia;

- a testemunha C..., irmão do Requerente, mencionou unicamente a intenção do Requerente de ir viver para a casa da Rua ..., mas como a oferta de compra dessa casa fora excelente e a companheira preferia viver em ..., foi adquirida a casa da ...;

- a testemunha D... declarou ter feito um projeto de arquitetura de melhoramento e ampliação da casa de ..., mas que isso não avançou, não tendo sido feitas quaisquer obras na casa.

A única testemunha que aludiu a que o Requerente teria morado na Rua ... foi G..., o qual, porém, indicou que isso era uma ideia que tinha, mas sem qualquer certeza. Como, para além desta afirmação vaga, a testemunha mencionou que tinha apresentado uma proposta de trabalhos para a casa da ..., mas que não chegou a fazer nenhuma obra nesta casa, e os trabalhos que desenvolveu foram antes em ..., o Tribunal não atribuiu consistência fáctica àquela “ideia”.

Depois, a factualidade assim dada como provada do imóvel sito na Rua ... n.º .../..., no Porto (facto provado XIX), adquirido em 28.02.2018 e vendido em 19.04.2018 (factos provados XV e XVI), não ter sido destinado ou afeto à habitação própria e permanente do Requerente e do seu agregado familiar resulta ainda dos documentos recolhidos pelos SIT no âmbito do procedimento inspetivo (docs. a pp. 46 e segs. e 221 e segs. do PA-PI) que evidenciam o seguinte:

- antes mesmo da aquisição do prédio da Rua ..., o Requerente celebrou com a sociedade J..., Lda., em 21.02.2017, um contrato de mediação imobiliária para a venda do referido imóvel (vd. facto provado XI), no qual a aludida sociedade de mediação imobiliária se obriga “a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra (...) pelo preço de €1.500.000,00 (...)” para o imóvel “sito em Rua ... ...-..., da Freguesia de ..., Concelho de Porto”;

- por comunicação de 02-11-2021 da Empresa de Águas ... Porto, ..., quanto ao período de 01.01.2017 a 31.12.2018, foi declarado que: “No nome de A..., Nif..., não temos nesta empresa no período referido nenhum contrato de fornecimento de água e drenagem de águas residuais.”;

- a EDP ... SA, relativamente aos contratos de fornecimento com o Requerente em vigor a 01.01.2017, ou que tiveram início nos anos de 2017 e 2018, indicou, por email de 08-10-2021, que em nome do Requerente os contratos de energia e gás natural que vigoraram respeitaram unicamente à “R ... ..., ... ...-... PORTO de 21.11.2016 a 21.12.2017”, à “RUA ... ..., ...-... PORTO de 21 11.2016 a 05.04.2021” e à “ ... e ..., ...-... ... VNG desde 15.03.2018”;

- segundo informação da Galp ..., relativamente aos anos de 2017 e de 2018, os contratos de fornecimento de serviços com o Requerente limitaram-se à existência de um contrato de gás natural com o n.º..., referente à morada Rua ..., N.º ..., R/C, ...-... Porto, que vigorou no período compreendido entre 13/06/2018 e 31/07/2018;

- das informações comunicadas pelas entidades Indaqua ... e Águas de Gaia..., resulta que o contrato com o n.º ..., celebrado com a Indaqua para fornecimento de água para o local de consumo sito na ... n.º ..., em Matosinhos, foi denunciado a 02.03.2018 e o contrato n.º ..., celebrado com a Águas de Gaia para fornecimento de idêntico serviço na ... n.º  ..., Vila Nova de Gaia, teve o seu início em 14.03.2018.

Note-se, também, que o próprio Requerente, no contrato de venda do referido imóvel na Rua ... (facto provado XVI), declarou ter como residência a ..., n.º ... .

Assinale-se, por último, que, nas suas declarações de parte, quanto à casa do ..., o Requerente apenas se reportou à intenção de aquisição dessa casa, como isso veio a suceder após celebração de contrato-promessa para o efeito, mas que, por influência da companheira, não obstante ter sido preparado projeto de arquitetura, e perante o valor muito significativo de uma oferta de compra “fantástica” que lhe foi feita por essa casa, acabaram decidir ir viver para Miramar, tendo mesmo reconhecido que a “casa não tinha condições para lá estar, tinha de fazer obras” e que teria ido viver para a casa se não tivesse havido complicações com a venda da outra casa, mas “não fui, porque atrasou o processo da venda”.

Perante todos estes elementos, não é possível senão concluir que o imóvel localizado na Rua ... n.º .../..., no Porto, nunca foi objeto de qualquer utilização por parte do Requerente, nomeadamente como sua habitação própria permanente, pois nunca aí residiu ou aí constituiu o centro dos seus interesses familiares e da sua vida pessoal – e daí a convicção do Tribunal quanto ao facto considerado provado XIX e ao facto não provado A.

 

V. Do Mérito. Fundamentação de Direito

 

14. Apreciando agora, em atenção ao thema decidendum acima descrito, o mérito do pedido de pronúncia arbitral, importa principiar pela questão da caducidade da liquidação respeitante ao ano de 2017, porquanto a sua procedência é suscetível de tornar inútil a apreciação do erro sobre os pressupostos de facto igualmente invocado em relação ao mesmo ato tributário.

 

A. Sobre a questão da caducidade da liquidação de 2017

 

15. Como acima se descreveu (n.º 3), alega o Requerente a caducidade do direito à liquidação adicional do IRS de 2017, de que foi notificado em 2022, porquanto não tem aplicação ao caso o n.º 1 do art. 46.º da LGT e o efeito suspensivo nele previsto, dado que nenhum ato inspetivo foi realizado em quaisquer instalações do Requerente ou de terceiro.

Pelo seu lado, a Requerida, convocando o afirmado na decisão da reclamação graciosa, contrapõe que, dado que o procedimento de inspeção externa foi iniciado em 2021-07-27 e concluído em 2021-12-30, cumprindo, pois, o prazo de seis meses, ocorreu a suspensão do prazo de caducidade nos termos do n.º 1 do art. 46.º da LGT, pelo que acrescem 5 meses e 3 dias, do que resulta que a notificação da liquidação em 2022-02-11 foi efetuada dentro do prazo.

 

16. Cabe começar por assinalar que, conforme jurisprudência constante (vd., por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-10-2022, processo n.º 02026/15.0BESNT), o regime da caducidade do direito à liquidação tributária não envolve matéria de conhecimento oficioso.

Em consequência, sob pena de excesso de pronúncia (cfr. art. 28.º, n.º 1, al. c) do RJAT), a apreciação a realizar por este Tribunal tem de se balizar pelos contornos do litígio configurado pelas partes, pelo que caberá considerar aqui apenas a ocorrência da causa de suspensão assente no art. 46.º, n.º 1 da LGT, já que não foi alegada ou suscitada nos autos qualquer outra causa ou fundamento de suspensão do prazo de caducidade.

 

17. O artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, para que remete o art. 92.º, n.º 1 do CIRS, dispõe que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro, sendo que o prazo se conta, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano civil em que se verificou o facto tributário.

Assim, respeitando o imposto ao ano de 2017, o prazo de 4 anos, sem aplicação de quaisquer causas de suspensão, terminava em 31.12.2021, sendo que a notificação da liquidação adicional de IRS com o n.º 2022... foi concretizada em 11.02.2022 (vd. facto provado XXXV).

Foi, todavia, suscitada a presença de causa suspensiva do prazo de caducidade, a saber, a realização de procedimento externo de inspeção. Com efeito, nos termos do n.º 1 do art. 46.º da LGT: “O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção”.

Como resulta desta disposição legal (“ação de inspeção externa”; “duração da inspeção externa”), constitui pressuposto da estatuição em causa que o procedimento inspetivo seja caracterizado como “externo”.

Cabe, então, ter presente que, em sede de classificação do procedimento de inspeção, o Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), determina no art. 13.º que: “Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento; b) Externo, quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso” (cfr. também art. 34.º, n.º 1 do mesmo RCPITA).

Em face desta classificação legal, observe-se que, muito embora o procedimento inspetivo tenha sido qualificado pelos SIT como “externo” (vd. os factos provados XXVI, XXVII e XXVIII, não obstante, como resulta do facto provado XXV, ter sido proposto como interno), essa qualificação não tem, só por si, com independência da verificação material de que foram efetuados atos de inspeção “em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”, viabilidade para determinar a natureza do procedimento, pois, como se entendeu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.11.2014, processo n.º 01854/10.8BEBRG: “a qualificação do procedimento, como inspeção interna ou externa, não depende da livre qualificação que a AT lhe atribua, antes obedecendo a critérios legais que confirmam, ou não, a designação escolhida – cfr. o já referido artigo 13.º do RCPIT”.

Deste modo, para decidir da caracterização do procedimento quanto ao lugar da sua realização, para os efeitos do art. 46.º, n.º 1 da LGT, importa atender ao que resulta da factualidade dada como provada.

Pois bem, os factos provados XXIX, XXX, XXXI e os documentos a que eles se reportam, bem como o que consta do RIT (facto provado XXXIII), revelam que todas as ações inspetivas foram desenvolvidas nas instalações da AT, mediante análise dos documentos detidos ou obtidos no procedimento, estes últimos na sequência de pedidos de informação solicitados e respondidos por correspondência por correio físico ou eletrónico (factos provados XXX e XXXI), tendo apenas a assinatura das Ordens de Serviço pelo Requerente ocorrido na sua casa (facto provado XXIX).

Esta factualidade implica, então, que o procedimento inspetivo que foi desenvolvido no caso tem de ser qualificado como interno, destacando-se que, por força da atual redação do art. 13.º, al. a) do RCPITA, a obtenção de documentos junto do sujeito passivo ou de terceiros sem deslocação física dos funcionários da AT não prejudica a qualificação do procedimento como interno.

Nesta sequência, dado que apenas teve lugar no caso procedimento de natureza interna, segue-se declarar que não tem aplicação o efeito suspensivo do prazo de caducidade do direito à liquidação determinado pelo art. 46.º, n.º 1 da LGT, que pressupõe o carácter externo da inspeção.

Em face da exclusiva invocação nos presentes autos da causa de suspensão da caducidade prevista pelo n.º 1 do art. 46.º da LGT, a qual não ocorre, porquanto nenhum ato de inspeção teve lugar, total ou parcialmente, em instalações do Requerente ou de terceiros, impõe-se reconhecer a caducidade do direito à liquidação relativamente à liquidação adicional de IRS referente a 2017 com o n.º 2022..., nos termos do art. 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, por a correspondente notificação ter sido efetuada em 11.2.2022 e o prazo de 4 anos de caducidade do imposto respeitante a 2017 terminar em 31.12.2021.

 

18. A liquidação notificada após o esgotamento do prazo de caducidade consubstancia a prática de um ato tributário ferido de vício de violação de lei, por desconformidade com o n.º 1 do art. 45.º da LGT, gerador de anulabilidade (vd., por exemplo, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.07.2023, processo n.º 136/22.7BELRS), pelo que, nos termos do art. 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, julga-se ilegal e anula-se a liquidação de IRS de 2017, bem como dos correspondentes juros compensatórios, e, consequentemente, da decisão da reclamação graciosa n.º ...2022... que não reconheceu tal ilegalidade por caducidade do direito à liquidação.

Anulado por este vício a liquidação de 2017 impugnada, fica prejudicada a apreciação do vício subsequentemente invocado pelo Requerente, atinente ao erro nos pressupostos de facto e de direito da mesma liquidação (vd. acima n.º 7, ii)).

 

B. Erro sobre os pressupostos da liquidação de IRS respeitante a 2018

 

19. Segue-se, agora, no âmbito da resolução do litígio sub judice, apreciar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito invocado em relação à liquidação adicional de IRS de 2018.

Recorde-se que, segundo os fundamentos constantes do RIT na base da referida liquidação (vd. o facto provado XXXIII), reiterados no despacho de indeferimento da reclamação graciosa (vd. o facto provado XXXIX), foi rejeitada a exclusão parcial da tributação da mais-valia obtida com a alienação do imóvel sito na Rua ... n.º .../..., no Porto, dado que tal imóvel não foi destinado nem esteve afeto a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, razão pela qual se considerou que “o valor de realização obtido com a alienação do imóvel sito na Rua ... n.º.../..., inscrito na matriz urbana da União de freguesias de ..., ... e ... sob o artigo n.º ..., não é suscetível de beneficiar da exclusão de tributação por não verificação da condição prevista na al. a) no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS”.

O Requerente, pelo seu lado, alegou que o referido imóvel satisfazia os requisitos para a aplicação do regime de exclusão de tributação ínsito no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS.

 

20. Principiando pela exposição do quadro legal aplicável ratione temporis, assinale-se que a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS determina que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, estabelecendo-se no seu n.º 4 que o referido ganho é constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais.

Prevê, no entanto, o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, que: “São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização; c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação”.

A exclusão de tributação pelo reinvestimento na aquisição da propriedade de outro imóvel pressupõe, nos termos desta disposição, que se esteja, no imóvel transmitido, perante a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. Como se escreveu, por exemplo, nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-12-2023, processo n.º 3039/06.9 BELSB e de 27-11-2014, processo n.º 06948/13: “O artigo 10.º/5/a), do CIRS, consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respetivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim e situado no território nacional. O imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente”.

Nestes termos, não constituindo o imóvel “de partida” alienado a habitação própria e permanente do sujeito passivo transmitente não tem aplicação a previsão de exclusão de tributação do n.º 5 do art. 10.º do CIS.

 

21. Retomando ao caso em apreço, resulta da factualidade provada e não provada (respetivamente pontos XIX e A) que o imóvel sito na Rua ... n.º .../..., no Porto, nunca foi destinado ou utilizado como a habitação própria e permanente do Requerente e seu agregado familiar.

Como tal, por não se tratar de imóvel que tenha tido como destino a habitação própria e permanente do Requerente ou do seu agregado familiar, o valor de realização obtido com a alienação do imóvel sito na Rua ... n.º .../... não é suscetível de beneficiar da exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

Improcede, deste modo, o vício de erro sobre os pressupostos imputado à liquidação adicional de IRS referente a 2018 com o n.º 2022... e o pedido de anulação nele assente, pelo que se decide manter na ordem jurídica esse ato de liquidação de IRS, bem como a liquidação dos juros compensatórios e, na parte correspondente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... .

 

 

VI. Reembolso do Imposto pago e juros indemnizatórios

 

22. O Requerente peticiona também, no seu pedido de pronúncia arbitral, “a restituição ao Requerente do valor já pago a este título, e a que deverão acrescer os juros indemnizatórios peticionados, à taxa legal aplicável, sobre o montante indevidamente cobrado, a liquidar a final, no momento do reembolso do imposto pago indevidamente”.

Nos termos do art. 24.º, n.º 1 do RJAT, a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários”: “a) Praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral; b) Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito; c) Rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente; d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar”. Na decorrência do assim determinado, estabelece o n.º 5 deste art. 24.º que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Atenta a anulação acima decidida no que respeita à liquidação adicional de IRS referente a 2017 com o n.º 2022..., assiste ao Requerente o direito à restituição do saldo do imposto e juros compensatórios que, assim, foi indevidamente pago, conforme provado no facto XXXVII, no montante de €105.034,20.

 

23. Relativamente aos juros indemnizatórios, recorde-se que, segundo o art. 43.º, n.º 1 da LGT: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Constitui jurisprudência uniformizada que, quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou equivalente), não são devidos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do artigo 43.º n.º 1 da LGT.

Assim se afirmou expressamente nos acórdãos de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de 30.09.2020, proc. n.º 02009/18.9BALSB, de 04.11.2020, proc. n.º 037/19.6BALSB e de 21.06.2023, proc. n.º 011/23.8BALSB:

há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efetiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente da imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios.

Já quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.

Mais, nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a ação de responsabilidade civil para obter a reparação dos respetivos danos.

Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no acórdão n.º 203/2013,“[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal”.

Especificamente em relação à anulação do ato tributário com fundamento na caducidade do direito à liquidação podem citar-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 08-06-2022, processo n.º 0503/19.3BELRS e de 30-5-2012, processo n.º 410/12 em que se considerou o seguinte:

“se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (...), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.

Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (...). Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

Ora, (...) o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação. (...)

Conclui-se, assim, que nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT.

Na decorrência desta jurisprudência, que se impõe observar, como a anulação acima decretada dos atos sindicados resultou da verificação da caducidade do direito à liquidação, não há lugar à condenação da Requerida em juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do art. 43.º, n.º 1 da LGT.

 

 

VII. Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral nos seguintes termos:

a) declarar a ilegalidade, com consequente anulação, da liquidação de IRS n.º 2022..., referente a 2017, e dos correspondentes juros compensatórios, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... na parte em que não reconheceu a ilegalidade da referida liquidação;

b) condenar a Requerida a reembolsar ao Requerente o saldo de imposto e juros compensatórios indevidamente pagos relativamente à liquidação de IRS n.º 2022..., no montante total de € 105.034,20 (cento e cinco mil e trinta e quatro euros e vinte cêntimos);

c) julgar em tudo o mais improcedente o pedido de pronúncia arbitral, designadamente quanto ao pedido de anulação da liquidação de IRS de 2018 com o n.º 2022... e ao pedido de juros indemnizatórios, com consequente absolvição da Requerida;

d) condenar ambas as partes nas custas processuais na proporção de 39% a cargo da Requerente e de 61% a cargo da Requerida.

 

VIII. Valor do Processo

 

Fixa-se, em conformidade com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, no art. 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o valor do processo em €171.315,44 (cento e setenta e um mil trezentos e quinze euros e quarenta e quatro cêntimos), que constitui a importância do imposto objeto de impugnação nas liquidações sindicadas.

 

IX. CUSTAS

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.672,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção de 39% para a primeira e de 61% para a segunda, dados os termos da procedência meramente parcial do pedido de ilegalidade dos atos sindicados.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Janeiro de 2024

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro vogal

 

(Cristina Coisinha)

O Árbitro vogal

 

 

(João Menezes Leitão)

 

 



[1] Segue-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, com atualização, em conformidade, da grafia constante das citações efetuadas.