Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 227/2023-T
Data da decisão: 2024-01-26  IRC IVA  
Valor do pedido: € 82.961,47
Tema: IRC e IVA – caducidade do direito à liquidação e enquadramento de rendimentos provenientes de arrendamento de imóveis.
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SUMÁRIO

  1. Ocorre a caducidade do direito à liquidação quando a mesma não é validamente notificada ao contribuinte dentro do prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
  2. Nos termos do disposto no artigo 11.º da Portaria n.º 233/2019, de 25 de julho, a comprovação do registo informático das notificações e citações eletrónicas na área reservada do Portal das Finanças é feita mediante a emissão, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de certidão que ateste, quanto a cada notificação ou citação efetuadas, a data e hora do registo da disponibilização na plataforma informática, bem como a data em que operou a presunção legal de notificação ou citação, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 38.º-A do CPPT.
  3. Verificando-se a ocupação de um espaço, sem oposição por parte do proprietário, e o pagamento de uma contrapartida financeira associada a essa ocupação, o referido valor é de considerar um rendimento tributável para efeitos de IRC, ainda que não exista um contrato formal a sustentar a referida relação jurídica.
  4. O facto de as transferências de valores para a Requerente só terem começado em 2020 não afasta a natureza de rendimento dos valores que lhe foram pagos, nem tão-pouco a regra da periodização do lucro tributável prevista no artigo 18.º do Código do IRC. Nos termos do n.º 1 e n.º 5 do artigo 18.º do CIRC, os rendimentos são imputáveis ao período de tributação a que digam respeito, pela quantia nominal, independentemente do seu recebimento, de acordo com o regime da periodização económica, vulgo princípio da especialização do exercício.
  5. Em sede de IVA, o direito à dedução de imposto apenas é aplicável quando as operações estão relacionadas com transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, o que não é o caso da atividade de locação de bens imóveis, prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Prof. Doutor Guilherme W. d' Oliveira Martins (Presidente), Dra. Sofia Ricardo Borges e Dra. Raquel Franco (relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo no processo identificado em epígrafe, decidem o seguinte:

  1. RELATÓRIO

I.1 Enquadramento processual

A..., LDA, sociedade por quotas, com número de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., Lote ..., ...-... ..., ... (“Requerente”), vem, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1, e n.º 2, do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º do CPPT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) com vista à anulação das seguintes liquidações de IVA, de IRC e de juros compensatórios, bem como do indeferimento das reclamações graciosas apresentadas com referência a esses atos:

 

  • Liquidação de IVA n.º 2021..., de 29.12.2021
  • Liquidação de juros compensatórios de IVA n.º 2021…
  • Liquidação de IVA n.º 2021..., de 29.12.2021
  • Liquidação de juros compensatórios de IVA n.º 2021...
  • Liquidação de IRC n.º 2021..., de 28 de dezembro de 2021 (referente ao exercício de 2017)
  • Liquidação de IRC n.º 2022..., de 10 de outubro de 2022 (referente ao exercício de 2018)
  • Liquidações de juros compensatórios de IRC n.ºs 2022... e 2022... .

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 31.03.2023 e notificado à Requerida na mesma data.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 06.06.2023.

Notificada para apresentar Resposta e remeter cópia do processo administrativo, a Requerida deu cumprimento ao referido em 10.07.2023 e 31.07.2023 (após o despacho arbitral referido no parágrafo seguinte).

Por despacho de 27.07.2023, o Tribunal Arbitral dispensou as Partes da reunião do artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, e definiu os demais trâmites processuais devidos.

As Partes não apresentaram alegações finais.

Por despacho de 02.12.2023, o Tribunal notificou a Requerida para apresentar prova adicional no prazo de 5 dias, e, tendo em conta a necessidade de ponderação dos novos elementos a serem juntos, prorrogou o prazo de prolação da sentença por dois meses, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.

Decorrido o prazo referido, a Requerida não juntou a prova adicional solicitada.

I.2 Posições das Partes

Com o presente PPA, a Requerente pretende obter os seguintes efeitos:

(i) Anular a Liquidação de IRC, respeitante ao ano de 2017, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios, por ser ilegal, por vício de violação de lei —i.e., por caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da LGT;

(ii) Anular as Liquidações de IRC, respeitantes aos anos de 2017 e 2018, e respetivos juros compensatórios, por erro sobre os pressupostos de facto e erro na aplicação do direito, designadamente, por a Requerida ter considerado que, no período em causa, o imóvel da Requerente se encontrava locado e considerar que foram pagas rendas respeitantes a esse período. Caso o pedido antecedente não proceda, requer a anulação das indicadas liquidações por erro sobre os pressupostos de facto e erro na aplicação do direito, por a Requerida não se ter abstido de liquidar o referido imposto, ao não ter considerado que os mesmos rendimentos já tinham sido declarados pela Requerente e tributados nos exercícios de 2020 e 2021 —conforme o acordo de reconhecimento de dívida junto como documento 25 e  por, tendo emitido as indicadas liquidações, não ter efetuado o ajustamento correlativo nas liquidações relativas aos exercícios de 2020 e 2021, para assim evitar a criação de uma situação de dupla tributação.

(iii) Anular as Liquidações de IVA, respeitantes aos períodos 201706Te 201806T, e respetivos juros compensatórios, por erro sobre os pressupostos de facto e erro na aplicação do direito, por a Requerida ter considerado inadmissível a dedução do IVA suportado com as obras no imóvel da Requerente e ter considerado existente uma locação de imóvel isenta de imposto nos termos do n.º 29 do artigo 9.ºdo Código do IVA. Caso o pedido antecedente não proceda, requer a anulação das Liquidações de IVA por padecerem de erro sobre os pressupostos de facto e erro na aplicação do direito, por a Requerida ter ignorado o facto de as faturas respeitarem a obras para 4 (quatro) pavilhões e ter recusado a dedutibilidade do IVA relativamente à totalidade da obra, quando apenas uma parte está a ser atualmente locada, o que, nos termos do artigo 163.º do CPA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT, gera, em seu entender, a anulabilidade das liquidações.

(iv) Anular a Liquidação de IVA respeitante ao período 201806T, e respetivos juros compensatórios, por erro na aplicação do direito, por a Requerida excluir o direito à dedução do IVA pago pela Requerente, por considerar não estarem preenchidos os requisitos formais dos artigos 19.º, n.º 2, alínea a) e artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA, incorrendo em violação do disposto nos mencionados artigos. Caso este pedido não proceda, requer a anulação da Liquidação por padecer de erro sobre os pressupostos de facto, designadamente, por a Requerida ter considerado não estarem preenchidas as formalidades legais da Fatura n.º FA 2018/27, quando conhece um orçamento relativo a essa mesma obra com a descrição, quantidade e preços dos trabalhos executados e conhece a realidade material subjacente à fatura, designadamente, a obra realizada para a Requerente, através da inspeção tributária que realizou à sociedade comercial B..., Lda.;

(v) Anular as decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas;

(vi) Que a Requerida seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

A Requerente alega, ao contrário do entendimento expresso pela AT, que, no ano de 2017 e 2018, o imóvel de que é proprietária, sito na ..., em ..., não se encontrava locado. Alega ainda que, tanto quanto logra alcançar, talvez a minuta que a AT recolheu na ação inspetiva tenha sido elaborada pela C..., Lda., como forma de justificar à AT a utilização do imóvel da Requerente durante o período em causa.

Daqui decorrem diferentes posicionamentos entre ambas quanto aos seguintes temas.

Em sede de IRC, entende a AT, contestando a Requerente, que não foram declarados rendimentos nos termos do artigo 18.º, n.º 1, n.º 3, alínea b) e n.º 5 do CIRC. Em concreto, estariam em causa “rendas”, no valor de € 4.000,00 (quatro mil euros), respeitante a cinco meses de renda no ano de 2017, e de € 9.600,00 (nove mil e seiscentos euros), respeitante a 12 meses de renda no ano de 2018, no valor de € 800,00 (oitocentos euros) por mês.

Em sede de IVA, entende a AT, contestando a Requerente, que não há direito a dedução de IVA das Faturas n.º FA 2017/37, com data de 28.06.2017, e n.º FA 2018/27, com data de 08.05.2018, emitidas pela sociedade comercial por quotas com a firma “B..., Lda”, porquanto a Requerente exercia uma atividade sujeita a IVA, mas dele isenta, nos termos do artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA (a atividade de locação de imóveis é isenta de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 29, do CIVA) e porque (ii) a fatura n.º FA 2018/27, de 08.05.2018, não cumpre as formalidades legais previstas no artigo 36.º, n.º 5, alíneas b) e f) do CIVA, em concreto, porque não especifica: «as quantidades (horas/(homens), áreas de construção, nem a denominação usual dos serviços prestados (não discriminando os serviços que foram executados), limita-se a referir “construção de um pavilhão”, “incluindo um muro e vedação”; a data da realização da prestação de serviços».

A AT sustenta, ainda, que o procedimento inspetivo externo não ultrapassou o prazo inicial de 6 meses estipulado no n.º 3 do artigo 36º do RCPITA, não se verificando, por esse motivo, a caducidade do direito à liquidação. Do mesmo modo, as notificações das liquidações e notas de cobrança foram efetuadas mediante transmissão eletrónica de dados, através do Sistema Eletrónico de Citações e Notificações – SECIN –, para a caixa postal eletrónica da Requerente, em conformidade com o n.º 9 do artigo 38.º e seguintes e nos termos do 38º-A do CPPT. Nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 38.º-A do CPPT, as notificações efetuadas por transmissão eletrónica na respetiva área reservada do Portal das Finanças equivalem à remessa por via postal, via postal registada ou via postal registada com aviso de receção, consoante os casos, pelo que, tão-pouco por este motivo ocorreu a caducidade do direito à liquidação.

Quanto à fundamentação das correções, entende que as mesmas se encontram devidamente descritas e fundamentadas no Relatório de Inspeção, em conformidade com o que dispõe o artigo 77.º da LGT, contendo, ainda que de forma sucinta, a exposição das razões de facto e de direito, isto é, as disposições legais aplicáveis, a sua qualificação e quantificação. Entende, ainda, que a Requerente compreendeu o itinerário cognoscitivo e valorativo da fundamentação constante do Relatório.

Quanto ao demais, o entendimento da Requerida é o de que a Requerente, sendo possuidora de um imóvel, arrendou esse imóvel a entidade externas, não tendo reconhecido os rendimentos provenientes desse arrendamento, e simultaneamente tendo deduzido o IVA mencionado em faturas emitidas por outras entidades terceiras quanto a prestações de serviços executadas nesse imóvel que se encontrou arrendado. Entende não ser de aceitar que a atual gerência da Requerente não tivesse conhecimento do negócio de arrendamento celebrado pela anterior gerência com outras entidades e que, de qualquer forma, os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade, vinculam a sociedade para com terceiros. A Requerente, como sociedade – pessoa coletiva – responde pelos seus atos, designadamente pelos atos tributários perante a AT, sendo irrelevante o desconhecimento da celebração de um determinado negócio. Uma vez que as decisões da gerência obrigam a sociedade, não podem os sócios alegar o seu desconhecimento, nesse sentido, não se mostra válida a alegação de que o arrendamento é do desconhecimento da sociedade. Ademais, registou-se, no entretanto, uma alteração do contrato de sociedade, a 16-10-2018, por alteração da sede para a ... – ...-... ..., e do objeto da sociedade para “compra, venda e arrendamento de bens imobiliários e na prestação de projeto, execução e manutenção para espaços verdes e venda de produtos afins”. A 16-10-2018, quando é alterado o contrato de sociedade, o imóvel está ocupado e a ser utilizado pela empresa C..., pelo que, para a AT, dúvidas não restam de que o arrendamento e utilização por terceiros (C...) é do conhecimento dos sócios e da nova gerência.

Quanto ao argumento da Requerente de somente a 16-10-2018 ter sido alterado o objeto social para 68100 - Compra e venda de bens imobiliários e 68200 - Arrendamento de bens imóveis, pretendendo invocar que somente nessa data passou a exercer atividade sujeita, mas isenta de IVA, nos termos do n.º 29 do artigo 9º do CIVA, entende a AT o seguinte:

- que a falta de inscrição no CAE não se traduz na ilegalidade das correções determinadas;

- que ficou provado que, de agosto de 2017 a 2018, o dito imóvel esteve arrendado à sociedade C...;

-  que existem faturas que demonstram a construção de pavilhão no referido terreno em data anterior a 08-05-2018, uma vez que, para além de fatura n.º FA 2018/277, datada de 08-05-2018, com a referência a “Execução de um pavilhão em lote de terreno na ... –...– Torres Novas, existe em data anterior a fatura n.º FA 2017/37, datada de 28-06-2017, que refere no descritivo: “trabalhos executados no exterior do pavilhão em ..., ou seja, independentemente da edificação de outros pavilhões, a junho de 2017 já existia pavilhão no local”;

- constatou-se também um pedido de ligação à rede BT – rede de eletricidade, por fatura da EDP;

- a C... prestou esclarecimentos à AT, tendo informado que (i) ocupa o imóvel desde agosto de 2017, tendo sido acordado o pagamento de 800,00 euros mensais; (ii) pelo facto de o imóvel estar inacabado, foi acordado com o senhorio que a C... efetuaria as despesas de acabamento, mais tarde seria efetuado o encontro de contas; (iii) daí que de agosto de 2017 a março de 2020, não foram efetuados pagamentos à Requerente; (iv) em março de 2020, foi efetuada reunião de encontro de contas e acordado que após essa data a renda seria de € 850,00; (v) até à data de 23-11-2021, a C... efetuaria o pagamento de € 850,00, acrescido de € 500,00 das rendas vencidas;

- No referido acordo diz-se que “[é] celebrado um acordo de pagamento e de reconhecimento de dívida, nos termos das cláusulas seguintes:

a) A Segunda Contraente reconhece ser devedora à Primeira Contraente, do montante de 14.600,00 euros (…) respeitante à utilização das instalações da Primeira, desde agosto de 2017 até à presente data.”

(…)

“O montante que (…) se reconhecem devedores, constitui numa quantia líquida, certa e exigível.”

- A dívida reconhecida em 12-03-2020 resulta do encontro de contas entre o valor mensal da renda acordada e o valor dos acabamentos suportado pela C..., Lda. Tendo o imóvel sido cedido para utilização ainda em estado de inacabado, ficou a inquilina – C...- de proceder ao seu acabamento para sua utilização plena. As despesas incorridas pela inquilina dizem respeito a benfeitorias diretamente inerentes/incorporadas definitivamente no imóvel que é da propriedade da Requerente. Foram efetuadas por conta das rendas acordadas e devidas, cujo encontro de contas seria efetuado à posteriori. É, deste modo, plausível que as transferências de valores somente tenham começado após 12-03-2020, isto é, após o encontro de contas. O facto de o fluxo financeiro não acompanhar os efeitos económicos não é elemento comprovativo da inexistência de facto tributário. Ainda que esta circunstância esteja correlacionada com o incumprimento do disposto no artigo 63º-C da LGT, pelo não reflexo em conta bancária dos movimentos financeiros (pagamentos e recebimentos) relacionados com a atividade empresarial, sendo o fluxo financeiro do pagamento das referidas faturas de gastos associadas ao imóvel efetuado por contrapartida do sócio, revela o conhecimento da colocação do imóvel em condições de funcionamento por parte do sócio. Estando comprovados os pressupostos da sua existência, a qualificação e a quantificação sido demonstrados e apoiados na prova documental externa que se mostraram suficientemente fundamentadas de facto e de direito no Relatório de Inspeção, e não tendo a Requerente apresentado fundamentos que alterassem o entendimento descrito e fundamentado no Relatório, considera-se comprovada a omissão de rendimentos ao lucro tributável dos exercícios de 2017 e 2018.

- Quanto ao IVA, em termos do direito à dedução do IVA suportado, o exercício de atividades previstas no artigo 9.º do CIVA, no caso em concreto o n.º 29, implica que não se possa exercer o direito à dedução do IVA suportado com a aquisição de bens e/ou serviços diretamente relacionados com essa atividade. Independentemente do incumprimento da obrigação de reduzir o contrato de arrendamento a escrito por circunstâncias alheias à “locatária”, o imóvel foi cedido por acordo entre as partes por um período delimitado com contrapartida de retribuição mensal, imperando o princípio da substância sob a forma; os réditos/rendimentos são reconhecidos de acordo com os efeitos económicos que produzem no período de tributação, independentemente de serem ou não acompanhados do respetivo fluxo financeiro, sob o princípio da especialização económica conjugado com o princípio da tributação real do rendimento; independentemente da alteração do objeto da sociedade e inscrição nos CAE’s, o que prevalece é a efetiva natureza da operação e a qualificação do facto tributário, de acordo com o princípio da substância sobre a forma. Em sede de IVA, esse facto tributário encontra-se previsto na disposição do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, e não enquadrada a operação nas exceções das alíneas desse normativo, a operação é sujeita, mas isenta de IVA. Só se pode deduzir o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços para a realização de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, pelo que o imposto de gastos suportados com o imóvel arrendado não é dedutível fiscalmente. Limitando-se a Requerente a deduzir a totalidade do IVA constante dos documentos em apreço no Relatório de Inspeção, cuja utilização foi exclusiva ao arrendamento do imóvel, é devida a correção ao IVA dedutível em função da sua não dedutibilidade fiscal. Nesses termos, não tem qualquer acolhimento a alegação com vista a qualificar o facto tributário sujeito e não isento de IVA nem a alegação da neutralidade fiscal e da duplicação de coleta invocada, pois só confere direito à dedução imposto suportado para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas.

- Quanto ao incumprimento dos requisitos formais das faturas, entende a AT, à luz do disposto nos artigos 19.º e 36.º do CIVA, que as faturas em apreço não discriminam os serviços que foram executados nem datas, limitando-se a referir “construção de um pavilhão”, “incluindo um muro e vedação”. Por outro lado, os elementos dispostos no n.º 5 do artigo 36º do CIVA visam a reconstituição da operação com vista ao apuramento do imposto, pelo que, quanto às prestações de serviços no âmbito da construção civil, teria que estar especificado: (i) as quantidades (horas/homem), áreas de construção, denominação usual dos serviços prestados; (ii) a data de realização da prestação de serviços. Tudo visto e ponderado, entende a AT que não merecem censura os atos tributários que vêm contestados, devendo ser mantidos na ordem jurídica.

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Quanto à cumulação de pedidos, é a mesma admitida pelo artigo 3.º do RJAT «quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito».

No caso sub judice, está em causa uma cumulação de pedidos relativos a dois impostos distintos (IRC e IVA) e a exercícios diversos, com fundamentos de facto fundamentalmente correspondentes aos que constam de um mesmo Relatório de Inspeção Tributária. Os fundamentos fácticos que levaram às conclusões do Relatório de Inspeção Tributária são essencialmente os mesmos e é neles que se baseiam as liquidações adicionais aqui em causa.

Em face do exposto, conclui-se pela admissibilidade da cumulação dos pedidos formulados.

  1.  FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Factos provados

Com relevância para a causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa –... Secção com o n.º .../2001-10-15 - cf. Doc. 20, que se considera reproduzido para os devidos efeitos legais.
  2. O objeto social inicial era a prestação de serviços de projeto, execução e manutenção para espaços verdes, venda de produtos e afins - cf. Doc. 20.
  3. Por deliberação de 13.12.2011, inscrita através da AP 55/2011..., foi designado como gerente D...– cf. Doc. 20.
  4. A 20.09.2018, através da AP 9/2018..., foi inscrita a cessação de funções do referido gerente, por renúncia datada de 03.09.2018 – cf. Doc. 20.
  5. A 21.09.2018, através da AP 33/2018.., foi inscrita a designação do novo gerente E...– cf. Doc. 20.
  6. A 16 de outubro de 2018, através da AP 33/2018..., foram efetuadas alterações ao contrato de sociedade, designadamente, ao objeto social, tendo sido aditada a compra, venda e o arrendamento de bens imobiliários, mantendo-se a prestação de serviços de projeto, execução e manutenção para espaços verdes e venda de produtos e afins —cf. Doc. 20.
  7. Na mesma data, através da mesma apresentação, foi alterada a sede social para a Zona Industrial ..., lote 15, freguesia de ..., concelho de Torres Novas, distrito de Santarém – cf. Doc. 20.
  8. A Requerente é proprietária do imóvel sito em ..., Lote ..., ... ... ..., Torres Novas.
  9. No referido imóvel, nos anos de 2017 e 2018, foram executados trabalhos de construção, conforme Faturas n.º FA 2017/37, com data de 28.06.2017, no valor de € 19.110,00 (dezanove mil cento e dez euros) e n.º FA 2018/27, com data de 08.05.2018, no valor de € 285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil euros), emitidas pela sociedade comercial por quotas com a firma “B..., Ldacf. Docs. 21e 22, que se consideram reproduzidos para os devidos efeitos legais.
  10. Os descritivos das faturas referidas no parágrafo anterior são:
    1. Fatura n.º FA 2017/37 - “trabalhos executados no exterior do pavilhão em ..., mencionados no Auto n.º 1 (auto n.º 1 em anexo)” (doc. 21);
    2. Fatura n.º FA 2018/27 - “execução de um pavilhão em lote de terreno na... –...– Torres Novas, incluindo muro de vedação exterior e fundações para a construção de três futuros pavilhões no mesmo lote (lote n.º 15)” (doc. 22).
  11. Ficou inscrito nas faturas como motivo de isenção a “autoliquidação” (docs. 21 e 22).
  12. A Requerente efetuou a dedução do IVA respeitante às faturas identificadas nos parágrafos antecedentes, no valor de € 4.395,30 (quatro mil trezentos e noventa e cinco euros e trinta cêntimos), referente ao ano de 2017, e no valor de € 65.550,00 (sessenta e cinco quinhentos e cinquenta euros), referente ao ano de 2018.
  13. No âmbito da inspeção tributária, a Requerida considerou que, nos anos de 2017 e 2018, o imóvel, propriedade da Requerente, sito na ..., se encontrava locado a uma outra sociedade comercial por quotas, a C..., Lda.
  14. No âmbito da inspeção tributária, a Requerida notificou a C..., Lda., para se pronunciar quanto à utilização do imóvel sito na ....
  15. A C..., Lda., respondeu à notificação indicando que “ocupa o imóvel desde agosto de 2017”, juntando para o efeito uma minuta (não assinada por nenhuma das alegadas partes) de um “Contrato de Arrendamento a Termo Certo para Fins Não Habitacionais - Doc. 23 (Anexo II).
  16. Ainda no âmbito da Inspeção Tributária, a Requerente autorizou a derrogação do sigilo bancário.
  17. Sendo a Requerente detentora de uma conta na Caixa Geral de Depósitos, esta instituição bancária comunicou que não foram efetuados quaisquer movimentos na conta da Requerente no período compreendido entre 01.01.2017 e 31.12.2018  - cf. Doc. 23.
  18. Ainda no âmbito da resposta apresentada à REQUERIDA, a C..., Lda., juntou o “Acordo de Reconhecimento de Dívida e de Pagamento Prestacional”, celebrado entre a Requerente, a C..., Lda., e F...- cf. Doc. 25.
  19. O Acordo referido no parágrafo antecedente refere que a C..., Lda., era devedora à Requerente do montante de € 14.600,00 (catorze mil e seiscentos euros), a título de utilização das instalações da Requerente, desde agosto de 2017 até março de 2020 - cf. Doc. 25.
  20. Na sequência da inspeção tributária, a AT emitiu as liquidações de IVA referentes aos períodos de 201706T (datada de 28.12.2021) e de 201806T (datada de 02.09.2022), a liquidação de IRC referente ao ano de 2017, datada de 28.12.2021 e a liquidação de IRC referente ao ano de 2018, datada de 10.10.2022.
  21. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa das referidas liquidações, a qual deu entrada no Serviço de Finanças de ... a 13 de junho de 2022 – cf. doc. 18.
  22. Na referida Reclamação Graciosa, a Requerente reclamou também das correções efetuadas pela AT ao exercício de IRC de 2018, embora a respetiva liquidação ainda não tivesse sido emitida – cf. doc. 18.
  23. Na sequência de a Requerente ter sido notificada da liquidação de IRC, respeitante ao ano de 2018, foi remetido requerimento para o Serviço de Finanças de ..., rececionado a 3 de novembro de 2022, a solicitar a ampliação do objeto da reclamação graciosa anteriormente apresentada, para incluir a liquidação de IRC de 2018, com base nos mesmos fundamentos apresentados - cf. doc. 18.
  24. A Requerente efetuou os pagamentos das liquidações aqui em causa.

Factos não provados

Não se consideraram não provados factos com relevância para a decisão arbitral.

Fundamentação da decisão relativamente à matéria de facto

No que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes, incluindo o processo administrativo.

III.2 MATÉRIA DE DIREITO

A primeira matéria que cumpre analisar diz respeito à caducidade do direito à liquidação, invocada pela Requerente relativamente à liquidação de IRC de 2017 e respetiva liquidação de juros compensatórios.

O regime da caducidade do direito à liquidação de impostos encontra consagração genérica no artigo 45.º da LGT, norma que consagra um prazo de caducidade de quatro anos – pelo que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, têm de ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito.

No caso dos autos, estamos perante uma liquidação oficiosa de IRC de 2017, um imposto periódico, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (nos termos do disposto no artigo 45, n.º 4, da LGT). Tendo em conta que se trata da liquidação relativa ao exercício fiscal de 2017, o prazo de caducidade conta-se a partir de 31/12/2017, tendo o seu termo final em 31/12/2021.

No caso em apreço, as liquidações resultaram de correções determinadas em procedimento inspetivo (com o número de ordem OI2021..., no que toca ao ano de 2017).

O prazo de caducidade do direito de liquidação suspendeu-se desde o início do procedimento inspetivo (que teve o seu início com a assinatura da ordem de serviço externa a 03-09-2021), até à notificação das conclusões do Relatório de Inspeção Tributária (a 17-12-2021 foi proferido Relatório de Inspeção Tributária RIT, notificado à Requerente através do ofício n.º..., de 22-12-2021, com registo RF...PT, entregue a 27-12-2021), pelo que o procedimento inspetivo externo não ultrapassou o prazo inicial de 6 meses estipulado no n.º 3 do artigo 36º do RCPITA.

Assim, ocorreu uma causa de suspensão do prazo de caducidade, prevista no n.º 1 do artigo 46.º da LGT, nos termos do qual o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção. No presente caso, a inspeção não ultrapassou o prazo de 6 meses previsto na norma, pelo que o prazo de caducidade esteve suspenso entre 03/09/2021 e 23/12/2021.

Acerca da notificação, a AT sustenta que a Requerente foi notificada, por transmissão eletrónica de dados, através do Sistema Eletrónico de Citações e Notificações – SECIN, das seguintes liquidações e nas seguintes datas:

- IRC - 2017 – Liquidação n.º 2021 ... de 30-12-2021 - 463,97 euros – Nota de cobrança n.º 2021 ...de 30-12-2021 com data limite de pagamento a 16-02-2022;

- Notificação SECIN n.º 2021..., 2021... e 2021... com registo ...PT e ...PT e ... PT, respetivamente, de 30-12-2021;

A Requerente contesta que nunca foi notificada da Liquidação de IRC n.º ..., de 28 de dezembro de 2021, respeitante ao ano de 2017, e que, ao contrário do que a Requerida alegou, não foi notificada através do Sistema Eletrónico de Citações e Notificações («SECIN»), porquanto, consultado o mesmo, não constava qualquer notificação referente à Liquidação de IRC, referente ao ano de 2017. A Requerente afirma que apenas teve conhecimento da referida liquidação durante o mês de maio de 2022, através da consulta do Portal das Finanças, ao verificar que existia um processo de execução fiscal respeitante ao IRC de 2017.

Em consequência, alega a Requerente que, entre a notificação do fim da Inspeção Tributária e a data em que tomou conhecimento da Liquidação de IRC, referente ao ano de 2017 – 1 de maio de 2022 – decorreram mais 4 (quatro) meses e 4 (quatro) dias, que se acrescentam ao prazo decorrido anteriormente, o que, em seu entender, redunda no conhecimento da liquidação decorridos 4 anos, 1 mês e 6 dias após o termo do exercício de 2017, isto é, fora do prazo de caducidade previsto na lei.

A questão está, portanto, em saber se a Requerente foi notificada, através do Sistema Eletrónico de Citações e Notificações («SECIN»), da liquidação de IRC respeitante a 2017 ainda dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação ou, se, pelo contrário, essa notificação não ocorreu e a Requerente só teve conhecimento da referida liquidação aquando da instauração do processo de execução.

Do processo administrativo consta uma referência a esta questão da perfeição da notificação da liquidação do IRC de 2017, na informação que antecede o projeto de indeferimento da reclamação graciosa, onde se podem ler os elementos supra transcritos: “- IRC - 2017 – Liquidação n.º 2021 ... de 30-12-2021 - 463,97 euros – Nota de cobrança n.º 2021 ... de 30-12-2021 com data limite de pagamento a 16-02-2022;

- Notificação SECIN n.º 2021..., 2021... e 2021... com registo ...PT e ...PT e ...PT, respetivamente, de 30-12-2021;”.

Consta, ainda, da mesma informação, uma referência à “consulta do sistema informático” da AT, embora não tenham sido juntos ao processo administrativo documentos reveladores dos registos do sistema informático.

Sobre o sistema de notificações e citações eletrónicas via Portal das Finanças, determina o artigo 38.º - A do CPPT o seguinte:

Artigo 38.º-A

Notificações e citações eletrónicas no Portal das Finanças

1 - As notificações e citações são efetuadas por transmissão eletrónica de dados, na respetiva área reservada no Portal das Finanças, relativamente aos sujeitos passivos:

a) Que sendo obrigados a possuir caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 12 do artigo 19.º da lei geral tributária, não a tenham comunicado à administração tributária no prazo legal para o efeito;

b) Residentes em Estado fora da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, que não tenham designado representante com residência em território nacional;

c) Que não sendo obrigados a possuir e a comunicar a caixa postal eletrónica, optem pelas notificações e citações eletrónicas no Portal das Finanças;

d) Que embora possuam caixa postal eletrónica e a tenham comunicado à administração tributária, optem pelas notificações e citações eletrónicas no Portal das Finanças;

e) Não residentes de, ou residentes que se ausentem para, Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, cuja designação de representante seja meramente facultativa, optem pelas notificações e citações eletrónicas no Portal das Finanças.

2 - A adesão às notificações e citações no Portal das Finanças, exercida por opção, pode ser feita mediante autenticação na área reservada.

3 - A opção de adesão prevista no número anterior pode ser exercida a qualquer momento, produzindo efeitos no 1.º dia do mês seguinte, desde que entre a data da opção e a data da respetiva produção de efeitos decorra um período mínimo de 10 dias, caso contrário, a adesão só produz efeitos no 1.º dia do 2.º mês seguinte.

4 - As notificações e citações efetuadas por transmissão eletrónica consideram-se efetuadas no 5.º dia posterior ao registo de disponibilização na respetiva área reservada do Portal das Finanças.

5 - O sistema informático de suporte às notificações e citações eletrónicas no Portal das Finanças garante:

a) A autenticidade da notificação;

b) O registo e a comprovação da data e da hora da disponibilização efetiva das notificações eletrónicas na respetiva área reservada;

6 - As notificações e as citações eletrónicas efetuadas por transmissão eletrónica na respetiva área reservada do Portal das Finanças equivalem à remessa por via postal, via postal registada ou via postal registada com aviso de receção, consoante os casos.

7 - A disponibilização das notificações e citações previstas no presente artigo, bem como o regime da adesão, da desistência e cessação do mesmo, é regulamentada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

De acordo com o disposto no n.º 7, esta matéria foi objeto de regulamentação pela Portaria n.º 233/2019, de 25 de julho, onde se prevê, concretamente no artigo 11.º, o seguinte:

“Artigo 11.º Disponibilização e respetiva comprovação 1 - A disponibilização efetiva das notificações e citações eletrónicas na área reservada do Portal das Finanças é registada com a indicação de data e hora, ficando este registo visível e associado a cada um dos atos notificados. 2 - O sistema regista, ainda, a data da presunção legal de notificação, decorridos cinco dias após o registo da disponibilização na respetiva área reserva do Portal das Finanças, ficando essa informação visível e associada a cada um dos atos notificados. 3 - A comprovação far-se-á mediante a emissão, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de certidão que ateste, quanto a cada notificação ou citação efetuadas, a data e hora do registo da disponibilização na plataforma informática, bem como a data em que operou a presunção legal de notificação ou citação, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 38.º-A do CPPT.”

O Tribunal não considera suficiente a alegação da AT, consubstanciada na mera referência aos registos constantes do seu sistema de notificações, sobretudo porque é à Autoridade Tributária que cabe o ónus da prova da efetivação da notificação, e, em caso de non liquet probatório, a prova dos factos deve ser aferida em desfavor da parte sobre quem impende o ónus processual. Notificada para juntar aos autos a certidão a que se refere o n.º 3 do artigo 11.º da Portaria n.º 233/2019, de 25 de julho, a Requerida não respondeu ao Tribunal.

Assim, não sendo suficiente a alegação feita pela AT, este Tribunal considera não provada a realização da notificação da liquidação de IRC de 2017 dentro do respetivo prazo de caducidade, e, por conseguinte, considera assistir razão à Requerente quanto a este ponto. Com efeito, sem aquela prova, os factos apontam para que o primeiro dia do prazo de caducidade seja o dia 01.01.2018, o qual decorreu continuamente até ao dia 03.09.2021, data em que se iniciou uma suspensão que decorreu até ao dia 27.12.2021, sendo que, a partir dessa data até ao dia 01.05.2022, em que a Requerente diz ter tido conhecimento da notificação, decorreram mais do que os 4 anos que a lei estipula como prazo de caducidade do direito à liquidação por parte da AT.

Vejamos, agora, as liquidações de IVA impugnadas, bem como a liquidação de IRC referente ao exercício de 2018.

A posição da AT é de que a Requerente, sendo possuidora de um imóvel, arrendou esse imóvel a entidade externas, não tendo reconhecido os rendimentos provenientes desse arrendamento para efeitos de IRC, e, simultaneamente, tendo deduzido o IVA mencionado em faturas emitidas por outras entidades terceiras quanto a prestações de serviços executadas nesse imóvel que se encontrou arrendado.

A Requerente contesta que o imóvel tenha estado locado nessa altura por vários motivos: (i) a minuta de contrato de arrendamento a que acima se aludiu não foi assinada por nenhuma das partes;

(ii) A C... não pagou qualquer quantia à Requerente, a título de rendas, no período em causa;

(iii) O Acordo de Reconhecimento de Dívida e de Pagamento Prestacional, celebrado entre a Requerente e a C..., diz respeito a uma indemnização que a C... assumiu ter de pagar à Requerente, pela utilização do imóvel em causa nos presentes autos, no período compreendido entre agosto de 2017 e março de 2020, concretamente, pelo facto de ter “adaptado parte do pavilhão para fins de acomodação da respetiva atividade administrativa —escritórios — “.

A AT não aceita a posição da Requerente de que a atual gerência da Requerente não tivesse conhecimento do negócio de arrendamento celebrado pela anterior gerência com outras entidades e sustenta que, como tal, os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade, vinculam a sociedade para com terceiros. Por outro lado, apresenta diversos elementos no sentido de estarmos perante um rendimento correspondente à obtenção de uma contrapartida financeira por uma ocupação de espaço.

Com efeito, depois de o contabilista certificado da Requerente, em reunião de 03-09-2021, ter declarado que o imóvel onde está sedeada a Requerente estava ocupado por outra empresa, os serviços de inspeção remeteram o ofício n.º ..., de 12-09-2021, à empresa C..., notificando-a para prestação de esclarecimentos ao abrigo do princípio de colaboração. A C... declarou então que:

- ocupa o imóvel desde agosto de 2017, tendo sido acordado o pagamento de € 800,00 mensais;

- pelo facto de o imóvel estar inacabado, foi acordado com o senhorio que a C... efetuaria as despesas de acabamento e que mais tarde seria efetuado o encontro de contas;

- pelo motivo referido no parágrafo anterior, de agosto de 2017 a março de 2020, não foram efetuados pagamentos à Requerente;

- em março de 2020, foi efetuada reunião de encontro de contas e acordado que, após essa data, a renda seria de € 850,00;

- até à data de 23-11-2021, a C... efetuou o pagamento de € 850,00, acrescido de € 500,00 das rendas vencidas.

O “Acordo de Reconhecimento de Dívida e de Pagamento Prestacional” refere que “a) A Segunda Contraente reconhece ser devedora à Primeira Contraente, do montante de 14.600,00 euros (…) respeitante à utilização das instalações da Primeira, desde agosto de 2017 até à presente data.”

A Requerente invoca que o rendimento corresponde a uma indemnização e não a uma renda. Contudo, a própria Requerente, no art. 116.º do PPA, afirma que “foi solicitada à C..., Lda., a celebração de um acordo de reconhecimento de dívida, i.e., um encontro de contas, relativamente aos montantes despendidos pela  C..., Lda. com as adaptações ao pavilhão e a compensação que seria devida à REQUERENTE pela ocupação das suas instalações pela C..., Lda.”. No art. 117.º do mesmo PPA, afirma também a Requerente que “Em face dos valores apresentados, foi acordado entre as partes, que a C..., Lda. era devedora do montante de € 14.600,00 (catorze mil e seiscentos euros), respeitante à utilização do imóvel da REQUERENTE, desde agosto de 2017 a março de 2020”.

Não é crível que a Requerente, que até teve obras a decorrer no local no período em causa, não tivesse conhecimento da ocupação do espaço pela C... e que não tivesse consentido essa utilização. Com efeito, nenhum dos factos apontados concorre no sentido de demonstrar uma ocupação contra a vontade da Requerente, ou à sua revelia. Embora a Requerente diga que o montante pago a posteriori não tem uma correspondência mensal, devendo ser analisado como um todo, e que, “durante os anos de 2017 e 2018, a C..., Lda. ocupou parte do imóvel da REQUERENTE sem efetuar o pagamento de quaisquer quantias pela utilização do mesmo”, entende este Tribunal que os elementos reunidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira provam que existiu, de facto, ainda que o referido contrato não reúna os requisitos de forma necessários para ser considerado um contrato de arrendamento válido, uma ocupação do espaço com uma contrapartida financeira, ou seja, um rendimento.

O facto de as transferências de valores da C... para a Requerente só terem começado em 2020 não afasta a natureza de rendimento dos valores pagos pela primeira à segunda e não afasta a regra da periodização do lucro tributável prevista no artigo 18.º do Código do IRC. Conforme refere, e bem, a Requerida, a inexistência de fluxos financeiros não afasta a imputação dos rendimentos aos respetivos exercícios económicos. Nos termos do n.º 1 e n.º 5 do artigo 18.º do CIRC, os rendimentos são imputáveis ao período de tributação a que digam respeito, pela quantia nominal, independentemente do seu recebimento, de acordo com o regime da periodização económica, vulgo princípio da especialização do exercício.

São, assim, de considerar válidas as correções efetuadas pela AT em sede de IRC, embora, como já se conclui supra, quanto ao IRC de 2017, se tenha verificado a caducidade do direito à liquidação. É válida, contudo, a liquidação de 2018, que, assim, se mantém na ordem jurídica devendo produzir os seus efeitos.

No que respeita ao IVA, os fundamentos das correções efetuadas pela AT são de duas ordens:

  1. Por um lado, porque o direito à dedução de imposto apenas é aplicável quando as operações estão relacionadas com transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, o que não é o caso da atividade de locação de bens imóveis, prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA. Assim, o imposto de gastos suportados com o imóvel arrendado não é dedutível fiscalmente, sendo devida a correção ao IVA dedutível nos períodos em causa;
  2. Por outro lado, por incumprimento dos formalismos previstos no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, nomeadamente por não se especificarem as quantidades (horas/homem), áreas de construção, denominação usual dos serviços prestados e a data de realização da prestação de serviços.

Quanto ao primeiro ponto, decorre do que ficou dito acima que o Tribunal entende que houve, de facto, uma ocupação de espaço consentida e remunerada, que, juridicamente, corresponde a uma locação de um bem imóvel. Estamos, portanto, no campo de uma atividade sujeita a IVA, mas isenta deste imposto, nos termos do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, pelo que o imposto suportado com os gastos incorridos por conta dessa atividade não é dedutível de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA. As faturas em causa respeitam a obras efetuadas no local onde a Requerente reconhece que a C... “ocupou” instalações suas, sendo que o Acordo que titula a dívida se refere apenas a “instalações”, sem discriminação de quais. Assim, entende este Tribunal que assiste razão à Requerida em associar estas faturas, e os gastos que as mesmas representam, à atividade de locação exercida no local durante o período em causa. Nesse sentido, o Tribunal entende serem válidas as liquidações de IVA impugnadas, as quais deverão, por essa razão, manter-se na ordem jurídica, produzindo os seus efeitos.

Por este motivo, fica prejudicada a análise do segundo ponto supra referido, referente aos requisitos formais das faturas e à sua relação com o direito à dedução. Efetivamente, ainda que se concluísse que estavam respeitados, nos documentos em causa, os requisitos mínimos necessários à dedutibilidade do imposto, já concluímos que não assiste direito à dedução pelo facto de estarmos no âmbito de uma atividade sujeita, mas isenta, nos termos do CIVA.

Dos juros indemnizatórios

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios deduzido pela Requerente, é pacífico o reconhecimento da competência dos tribunais arbitrais (CAAD) para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

O pagamento de juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do status quo ante.

Na situação sub judice, conclui-se que um dos atos de liquidação não chegou ao conhecimento do seu destinatário antes do prazo de caducidade de 4 anos previsto na LGT, sendo esse facto de imputar à AT. Estão, pois, verificados os requisitos legais para a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, no que a esse ato de liquidação (referente ao IRC de 2017) diz respeito.

  1. DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade, por caducidade do direito à liquidação, da liquidação relativa ao IRC de 2017 e da correspondente liquidação de juros compensatórios, com as consequências legais devidas, nomeadamente de restituição do imposto devido e de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT;
  2. Julgar improcedentes, por não provados, os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações de IRC de 2018, de IVA relativo ao período de 201706T e de IVA relativo ao período de 201806T, as quais deverão manter-se na ordem jurídica, produzindo os seus efeitos;
  3. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios no tocante aos montantes que se mostraram ter sido indevidamente pagos, nos termos da alínea (i) supra, a serem calculados, nos termos legais, em execução de sentença.
  1. VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 82.961,47 (oitenta e dois mil novecentos e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos) correspondente ao valor contestado pela Requerente (conforme indicado no PPA e não contestado pela Requerida).

  1. CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 2.754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros), ficando a cargo da Requerente (€ 2.738,03, correspondente a 99,42%) e da Requerida (€ 15,97, correspondente a 0,58%) em razão do decaimento.

Notifique-se.

Lisboa, 26 de janeiro de 2024

Os Árbitros

O Árbitro Presidente

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins

 

A Árbitra Adjunta

 

Sofia Ricardo Borges

 

A Árbitra Adjunta

 

Raquel Franco

(Relatora)