Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 247/2016-T
Data da decisão: 2017-04-05  Selo  
Valor do pedido: € 1.394,12
Tema: Imposto do Selo sobre terreno para construção
Versão em PDF


 

Decisão Arbitral

 

Requerentes: A… LDA

Requerida: AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Pedido  

A… LDA, contribuinte nº…, com sede na Rua … nº…, … …-… …, apresentou, em 28-04-2016, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista a:

 

¾    A declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo nº 2011 … de 07-11-2012, no valor de 1.394,12 euros, praticado ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), incidente sobre prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, freguesia de …, concelho de Leiria.

A Requerente alega, no essencial e com relevância para a decisão da causa, o seguinte:

 

¾    Foi notificada à Requerente uma nota de cobrança de imposto do selo com o nº 2012…, sem que a Requerente tivesse sido previamente notificada quer do projeto de liquidação, para poder exercer o direito de audição prévia nos termos do artigo 60º da LGT, quer da liquidação definitiva;

¾    O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, freguesia de …, concelho de Leiria é um terreno para construção cuja avaliação foi efectuada tendo por pressuposto que a construção a erigir seria afecta a habitação;

¾    Sucede, porém, que as referidas áreas e afectação não se fundam em eventual projecto ou alvará de obras de construção, na medida em que não foi entregue qualquer projecto de obras ou sequer emitida licença de obras pela entidade competente (Câmara Municipal de…);

¾     Assim, no lote de terreno em causa não foi iniciada nem concluída qualquer construção, não foram requeridas e/ou licenciadas obras, e consequentemente não foi emitida licença de utilização;

¾    Não tendo sido emitida licença de utilização, não pode falar-se em qualquer destinação ou afectação, pelo que o lote de terreno está excluído do âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS);

¾    A alteração à redacção da verba 28.1 da TGIS não tem carácter interpretativo e apenas entrou em vigor em 1 de janeiro de 2014;

¾    Na anterior redacção da norma em causa, a incidência objectiva do imposto era sobre prédios urbanos com afectação habitacional, expressão que pressupõe uma efectiva utilização e não uma mera possibilidade;

¾    A Requerente entende ainda que a liquidação impugnada é ilegal por tributar o mesmo facto jurídico já tributado em Imposto Municipal sobre Imóveis, sendo que quer a incidência subjectiva quer a incidência objectiva são idênticas nos dois impostos. Existe assim dupla tributação, o que torna a liquidação ilegal por violação do princípio da proibição da dupla tributação;

¾    A lei suscita também dúvidas de constitucionalidade quanto à sua retroactividade na medida em que vem impor a ocorrência de um facto jurídico em 2012, que na realidade não se verifica pois se trata de tributar direitos reais sobre imóveis, independentemente da data sua constituição, através de uma lei publicada em 29 de Outubro e vigente no ano seguinte;

¾    O que quer dizer que, na realidade, a lei aplica-se retroactivamente a direitos reais já anteriormente adquiridos, muito embora a lei nova seja do final do ano de 2012, e que assim se aplica a situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor.

¾    Verifica-se ainda a inconstitucionalidade da tributação por se dirigir apenas aos imóveis para fins habitacionais, ferindo o princípio da igualdade fiscal. Por exemplo, são tributados os proprietários de prédios destinados a habitação arrendados, e cujas rendas são/foram fixadas antes da entrada em vigor do RAU ou do NRAU, mas deixam-se incólumes os proprietários dos centros de negócios ou escritórios e das sedes de bancos, e mesmo de entidades, institutos e fundações públicas e ou privadas, por mais valiosos que sejam, porque não se destinam a habitação.

  1. Resposta da Requerida

Na sua Resposta, a Requerida alega, resumidamente, o seguinte:

¾    O imposto devido pela Verba 28.1 da TGIS tem carácter periódico e a sua liquidação é feita oficiosamente pela AT, com base nos elementos pré-determinados na matriz predial;

¾    O nº 4 do art. 38.º do CPPT dispõe que as notificações relativas a liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei são efectuados por simples via postal;

¾    Como refere Jorge Lopes de Sousa, em relação às notificações dos impostos periódicos mencionados no n.º 4 do art. 38.º do CPPT, “embora (...) se atribua a designação de “notificações”(...), não se trata de atos com a natureza das notificações previstas no art. 36.º do CPPT, pois não têm subjacentes qualquer decisão procedimental da Administração Tributária, qualquer ato em matéria tributária, antes são emitidas mecanicamente pelos serviços” (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 6.ª edição, Vol. I, pag. 376);

¾    As liquidações de imposto do selo, verba 28, emitidas ao abrigo do regime transitório do art. 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, tal como a que se encontra em apreciação, deram lugar a um procedimento massificado de emissão de documentos de cobrança;

¾    A notificação remetida à Requerente mais não é do que o documento de cobrança respectivo, efectuada nos termos do art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro, do n.º 1 do art. 119.º do CIMI, através do mecanismo previsto no n.º 4 do art. 38.º CPPT;

¾    A este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no Acórdão n.º 1089/09, de 20-10-2010, onde se lê: “(...) a liquidação de CA e de IMI, efectuada dentro do prazo normal, não carece de notificação ao sujeito passivo, bastando o envio do documento de cobrança aludido nos artigos 22.º e 23.º do CCA e nos artigos 119.º e 120.º do CIMI para tornar a divida exigível; Essa notificação do acto de liquidação apenas se impõe quando está em causa uma liquidação “fora do prazo normal” ou quando se trata de uma “liquidação adicional”.

¾    Pelo que improcede a invocada falta de notificação da liquidação de imposto do selo, invocada pela Requerente.

Quanto à alegada falta de fundamentação:

¾    A fundamentação dos actos tributários visa permitir um conhecimento das razões que determinaram o órgão a actuar como actuou, de molde a permitir ao contribuinte optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação. Fundamentar “não significa uma exaustiva descrição de todas as razões que determinam a sua prática, mas implica esclarecer devidamente o seu destinatário dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o seu conteúdo. (...) Esse dever de fundamentação visa, assim, permitir ao destinatário do ato conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram a Administração à sua prática (...) um ato está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater família, de que fala o artigo 487º, nº 2 do Código Civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram.”

¾    Por sua vez, nos termos estabelecidos no nº 1 do artigo 77º da LGT “A decisão do procedimento é fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (...), sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo “A fundamentação dos actos tributários deve conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

¾    Considera-se que o ato se encontra devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos.

¾    No caso concreto, a liquidação encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a Requerente apresentou reclamação graciosa, recurso hierárquico e pedido junto do tribunal arbitral, no qual revela que não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à emissão das liquidações.

Quanto à questão fundo:

¾    O que está aqui em causa é uma liquidação que resulta da aplicação directa da norma legal, e que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária;

¾    Os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeitos a imposto de selo;

¾    O imposto de selo passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário que conste da respectiva matriz nos termos do CIMI seja igual ou superior a €1.000.000,00;

¾    Não existindo em sede de IS definição do que se entende por ‘prédio urbano’, ‘terreno para construção’ e ‘afectação habitacional’ é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10;

¾    O n.º 1 do artigo 6º do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando os ‘terrenos para construção’ neste conceito, «...terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações...».

¾    A noção de ‘prédio urbano’ encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, uma vez que, a finalidade da avaliação do imóvel é incorporar-lhe valor, constituindo um factor de distinção determinante – coeficiente – para efeitos de avaliação.

¾    O legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos ‘terrenos para construção’, como resulta da expressão ‘valor das edificações autorizadas’ a que se refere o artigo 45º, n.º 2 do CIMI e aplicando-lhes por conseguinte o coeficiente de afectação que vem previsto no artigo 41º do CIMI.

¾    Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art. 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção;”

¾    Donde, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação;

¾    Fiscalmente os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados e, por isso, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exactamente prédios urbanos com vocação habitacional;

¾    Não pode a Requerente desconhecer que a caderneta predial é claríssima ao definir para os lotes de terreno para construção em causa, a respectiva área de implantação do edifício e de construção, assim perfeitamente definida e identificada. É, pois, patente a afectação habitacional do imóvel;

¾    Note-se que o legislador não refere ‘prédios destinados a habitação’, tendo optado pela noção ‘afectação habitacional’, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, alínea a) do CIMI;

¾    Já a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, o qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projecto de urbanização e de construção;

¾    Não se podendo ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previsto, nos termos da alínea e) do artigo 77º do RJUE. E que o artigo 77º do RJUE contém especificações obrigatórias, desde logo para os alvarás de operação de loteamento ou obras de urbanização, e para as obras de construção;

¾    Muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção;

¾    A Lei nº 55-A/2012 de 29 de Outubro (em vigor a partir de 30 de Outubro de 2012), veio alterar o art. 1.º do CIS e aditar à TGIS, a verba 28.

¾    Com esta alteração legislativa, o IS passou a abranger na sua incidência a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, fosse igual ou superior a 1.000.000€;

¾    A verba 28 da TGIS é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito;

¾    Acresce que fundadas razões também com assento constitucional, justificaram a criação da norma contestada, designadamente o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva;

¾    O próprio princípio constitucional da igualdade consignado no artigo 13º da CRP «obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedido a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante»;

¾    A tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado;

¾    Na verdade, a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia, quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes;

¾    Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável;

¾    Tal não se verifica porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, pelo que há necessariamente que concluir que os actos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal.

3.                             Tramitação subsequente

Por despacho de 27-10-2016, o Tribunal propôs a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, em vista da desnecessidade desta, ao que ambas as Partes anuíram.

Por despacho de 03-11-2016, ao abrigo do artigo 18º, nº 1, al. c) do RJ da AT, o Tribunal convidou a Requerente a aperfeiçoar o pedido de pronúncia arbitral.

Tendo a Requerente remetido o pedido de pronúncia arbitral aperfeiçoado em 07-11-2016, o Tribunal concedeu à Requerida um prazo de dez dias para se pronunciar sobre o mesmo, o que esta fez em 08-11-2016, sem se opor ao aperfeiçoamento nem acrescentar nada à sua defesa.

Por despacho de 10-11-2016, o Tribunal determinou a dispensa da reunião prevista no art. 18º do RJAT.

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 15-07-2016, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD).

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

 

São questões a decidir:

-        A existência de vício de falta de notificação do acto tributário de liquidação de imposto do selo impugnado para efeitos de exercício do direito de audição prévia;

-        A existência de vício de falta de notificação do acto de liquidação definitivo;

-        A existência de vício de falta de fundamentação do acto tributário de liquidação de imposto do selo impugnado;

-        A aplicabilidade da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação primitiva, aos terrenos para construção;

-        A violação do princípio da proibição da dupla tributação por parte da norma contida na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo;

-        A violação do princípio constitucional da proibição de retroactividade das leis tributárias por parte da Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro;

-        A violação do princípio constitucional da igualdade tributária por parte da norma contida na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo;

 

IV – FACTOS PROVADOS

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

-          A Requerente era, à data do facto tributário, proprietária de 2/10 do prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de …, concelho de Leiria;

-          A AT- Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou imposto do selo sobre o valor patrimonial tributário do prédio supra referido, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, com referência ao ano “lei 54-A/2012”;

-          O valor do imposto liquidado é de 1.394,12 euros;

-          Em 19-04-2013, a Requerente deduziu reclamação graciosa do ato de liquidação, a qual recebeu decisão de indeferimento notificada em 12-12-2013;

-          Do despacho de indeferimento da reclamação graciosa interpôs a Requerente recurso hierárquico em 15-01-2014, o qual foi indeferido totalmente em 18-12-2015.

Os factos considerados provados foram-no com base na prova documental incorporada no processo.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO       

 

1)     A existência de vício de falta de notificação do acto tributário de liquidação de imposto do selo impugnado para efeitos de exercício do direito de audição prévia.

a)      A obrigatoriedade de notificação da liquidação de imposto do selo ao abrigo da verba 28 da TGIS

A obrigatoriedade de notificação dos actos administrativos com eficácia externa encontra-se consagrada no artigo 268°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), integrando-se, pois no quadro dos direitos e garantias dos administrados.

A mesma obrigatoriedade encontra previsão expressa ao nível das normas tributárias, nomeadamente nos artigos 36°, n° 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 45º, n° 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

O artigo 36º do CPPT determina:

 1 - Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.

2 - As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.

Por sua vez, o artigo 45º, nº 1 da LGT diz:

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

Sobre o alcance a atribuir à expressão “actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes” deve entender-se que o são, entre outros, os actos tributários de correcção ou fixação da matéria colectável e da liquidação do imposto (TC, acórdão nº 130/2002 de 14-03-2002).

Por outro lado, o artigo 119º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) determina que:

“1 - Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.”

Esta disposição tem um antecedente no domínio do Código da Contribuição Autárquica, cujo artigo 22º, nº 1 dispunha que “Os serviços centrais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos enviarão a cada sujeito passivo, até ao fim do mês de Janeiro, um aviso para pagamento, com discriminação, em relação a cada município, dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor tributável e colecta.”

Com base nestas disposições da Contribuição Autárquica e do IMI, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que não existe necessidade de notificação do acto de liquidação de IMI quando realizado dentro dos prazos normais. (STA, acórdão de18-11-2015, proc. nº 319/14; STA, acórdão de 20-10-2010, proc. nº 1089/09; STA, acórdão de 18-09-2008, proc. nº 300/08; STA, acórdão de 20-10-2010, proc. nº 1089/09).

Com a devida reverência, não deixaremos de apontar que esta doutrina do Supremo Tribunal Administrativo equivale a admitir que o legislador ordinário pode afastar, sem razão de peso aparente, a obrigatoriedade de notificação dos actos administrativos consagrada no 268°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa, diminuindo assim as garantias dos contribuintes consagradas constitucionalmente.

Temos também dificuldade em acompanhar a fundamentação desta doutrina, exposta nos seguintes termos no acórdão do STA de 18-09-208, proc. 300/08: “a falta de notificação de uma liquidação pode ser que em nada contenda com a (i)nexigibilidade da obrigação liquidada. Pode acontecer que a obrigação se encontre já vencida, e, portanto, seja exigível independentemente da notificação da sua liquidação. Na verdade, a notificação da liquidação só é devida, quando legalmente imposta – valendo a notificação como interpelação para pagamento da obrigação liquidada, e ficando o contribuinte constituído em mora a partir de tal notificação. Sendo certo que, independentemente de notificação-interpelação, há mora do devedor, se a obrigação tiver prazo certo – cf., v. g., a alínea a) do n.º 2 do artigo 805.º do Código Civil. E, assim, se esse for o regime legal consagrado, a dívida de imposto pode tornar-se certa, líquida e exigível sem necessidade da respectiva notificação, logo após a sua liquidação.”

Equipara o Supremo Tribunal, neste excerto, a função da notificação do acto tributário à função que tem a interpelação para pagamento de uma dívida cujo vencimento depende dessa mesma interpelação.

Ora, mais uma vez com a devida reverência, cremos que a razão da obrigatoriedade de notificação consagrada no art. 268º, nº 3 da Constituição vai muito além do aspecto do vencimento da dívida tributária. É certo que a notificação válida torna eficaz a liquidação, fazendo com que se vença a dívida tributária. Mas uma das principais razões da obrigatoriedade da notificação dos actos tributários reside em permitir-se efectivamente ao contribuinte, através da notificação, o exercício de vários meios de defesa contra o acto, como, desde logo, o exercício da audição prévia.

Sobre a razão de ser da obrigatoriedade de notificação do acto de liquidação e sobre a sua importância enquanto garantia dos contribuintes, diz-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 72/09 de 11-02-2009:

“Pode perguntar-se por que razão consagrou o legislador constituinte este dever da Administração, ao invés de lhe conferir, sem mais, o poder de praticar actos (e de os executar) sem se ocupar do conhecimento dos mesmos por parte dos seus destinatários.

A razão de ser desta opção constitucional reside na tutela de dois diferentes valores que se reconduzem, no essencial, a dois princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico: de um lado, o princípio da segurança (ínsito na ideia de Estado de Direito), do qual decorre a necessária cognoscibilidade, por parte dos destinatários dos actos da Administração, de todos os elementos que os integrem; de outro lado – mas de forma indissociável do primeiro – o princípio da tutela jurisdicional efectiva, dado que só será impugnável o que for cognoscível.

Daqui decorre a relação estreita que se estabelece, a este propósito, entre o disposto no nº 3 e o disposto no nº 4 do artigo 268º da CRP. O dever de notificação vem consagrado no nº 3. Tal dever tem, como acabou de se ver, uma razão de ser ou um fundamento autónomo, na medida em que é ele próprio concretização de uma ideia mais vasta de segurança – ou da necessária cognoscibilidade de todos os actos do poder –, que vem inscrita no princípio do Estado de direito. Mas é este um dever que se justifica por ser, ele também, instrumento de realização do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no nº 4 do mesmo artigo, dado que, se não forem cognoscíveis os actos da administração, se não poderá nunca vir a garantir a efectiva protecção judicial dos «direitos e interesses» dos administrados.”

Parece-nos, pois, que, estando-se perante matéria de direitos e garantias dos administrados perante a administração pública, e faltando um fundamento válido para o afastamento quer do art. 268°, n° 3 da CRP, quer do art. 36°, n° 1, do CPPT, quer do art. 45º, n° 1 da LGT, não pode deixar de ser considerada necessária a notificação do acto de liquidação de IMI, a qual deve ser efectuada nos termos do art. 38º, nº 4 do CPPT, por se tratar de um imposto periódico, desde que efectuada nos prazos previstos na lei.

Vivendo-se uma época em que quase diariamente aumentam as obrigações tributárias dos cidadãos e as exigências de rigor quanto ao seu cumprimento, com notório agravamento das punições pelos incumprimentos, mal se poderá compreender que as garantias dos contribuintes consagradas constitucionalmente possam ser afastadas por lei ordinária, por inércia do legislador e para comodidade da administração tributária.

Sendo certo que não se nos afigura faltar ao acto de liquidação de IMI qualquer característica ou elemento que faça com que o mesmo se subtraia à espécie de actos tributários que, nos termos do art. 36º, nº 1 do CPPT, requerem ser notificados, nomeadamente quanto o requisito de ser susceptível de afectar direitos e interesses legítimos dos contribuintes.

Não nos parece igualmente válido o argumento baseado no carácter massificado dos actos de liquidação do IMI. A maior parte dos elementos necessários à notificação constam já da nota de cobrança que é gerada automaticamente por um programa informático. Tudo o que a administração fiscal tem a fazer é alterar esse programa, de forma a incluir no documento enviado ao sujeito passivo os elementos que possam faltar para que se esteja perante uma notificação completa e conforme com a lei, nomeadamente, a alusão à concessão de um prazo para exercício do direito de audição prévia.

A notificação é o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa (ou se chama alguém a juízo), nos termos do art. 35º, nº 1 do CPPT.

No caso das liquidações de IMI, elas são levadas ao conhecimento do sujeito passivo através do “documento de cobrança”.

De onde se pode dizer que o “documento de cobrança”, se enviado ao sujeito passivo, não deixa de ser uma notificação. Este entendimento emana do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-09-12, proc. nº 659/12, que diz:

“É também inequívoco, e nisso todos os intervenientes processuais estão de acordo, que o documento de cobrança remetido ao Contribuinte – do qual constam os únicos elementos que podem considerar-se integrantes da declaração fundamentadora da liquidação ora impugnada que foram externados pela AT – refere a localização do prédio, o artigo matricial, o VPT, a data da liquidação, o ano a que respeita, a taxa aplicada, a ausência de isenção e a colecta apurada, sendo certo que do processo administrativo não constam quaisquer outros.

A questão suscitada nos autos resume-se a saber se os elementos constantes daquela nota, por que foi notificada a liquidação ao sujeito passivo, são ou não suficientes para dar cumprimento às exigências legais de fundamentação, designadamente se a declaração fundamentadora deve integrar os motivos por que o VPT foi fixado no montante aí referido.”

Ora, tudo o que nesta matéria é válido para o IMI era igualmente válido para a tributação imposta ao abrigo da verba 28 do imposto do selo (até à revogação desta com a Lei 42/2016, de 28/12), ao abrigo do art. 67º, nº 2 do respectivo código. Portanto, não é certo, em nosso entender, que não tenha havido notificação da liquidação de imposto do selo. Essa notificação foi efectuada através da nota ou documento de cobrança, como também considerou o Supremo Tribunal Administrativo na sentença anteriormente citada. Se essa notificação se efectuou em conformidade com a lei, é questão diversa.

b)      A obrigatoriedade de conceder prazo para exercício do direito de audição prévia

Quanto ao direito de audição prévia, ele está também consagrado na Constituição Portuguesa, no artigo 267º, nº 5, constituindo igualmente uma garantia dos contribuintes.

No plano da lei ordinária, no campo tributário, rege como se sabe o artigo 60º da LGT, que no seu nº 1 dispõe: “1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; (...).”

Por outro lado, não se verifica nenhuma das situações, previstas nos números 2 e 3 do art. 60º da LGT, de dispensa do direito de audição prévia.

A concessão da possibilidade de audição prévia do sujeito passivo constitui formalidade essencial do procedimento tributário, cuja falta, nos casos consagrados no art. 60º, nº1, da LGT, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à invalidade da decisão que vier a ser tomada (STA, acórdão de 14-05-2003, proc.  nº 317/2003; TCAS, acórdão de 27-11-2014, proc. nº 5278/12). A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência prévia só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ele ter sido cumprido, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente (acórdão do STA de 16-11-2011, proc. nº 539/11).

Como já se referiu anteriormente, as normas aplicáveis em matéria de procedimento à tributação da verba 28 da TGIS eram, até à revogação desta com a Lei 42/2016, de 28/12, e por força do art. 67º, nº 2 do CIS, as vigentes para o Imposto Municipal sobre Imóveis.

Tal como não existe nenhuma norma que dispense a administração tributária de notificar o contribuinte para o exercício do direito de audição prévia no âmbito do IMI, nenhuma dispensa da mesma obrigação existia no que dizia respeito à verba 28 da TGIS.

Assim, só pode afirmar-se que a concessão do direito de audição prévia ao contribuinte não constitui formalidade essencial numa liquidação concreta de imposto ao abrigo da verba 28 da TGIS se se puder concluir que a decisão do procedimento de liquidação não podia ser outra.

Ora, esta é uma conclusão a que só poderemos chegar após analisadas as questões de fundo alegadas para sustentar a ilegalidade do acto. 

Assim, deixaremos a conclusão sobre a preterição da formalidade da notificação para exercício do direito de audição prévia para esse momento.

 

2)     A existência de vício de falta de notificação do acto definitivo;

Esta questão foi analisada no ponto anterior, tendo-se concluído que não existia qualquer dispensa de notificação da liquidação ao abrigo da verba 28 da TGIS mas que, no entanto, a nota ou documento de cobrança enviados ao contribuinte cumprem essa função.

Não se verifica, pois, o vício de falta de notificação da liquidação do imposto.

 

3)     A existência de vício de falta de fundamentação do acto tributário de liquidação de imposto do selo impugnado

Dispõe o artº 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. A consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.

O art. 77º da LGT acolhe este mesmo princípio, dizendo que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram”.

Mas acrescenta o mesmo preceito no seu nº 2: “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

Daqui já se retira que o grau de densidade que se exige para a fundamentação de um acto tributário é variável.

Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, proc nº 615/04, “o grau de fundamentação há de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado”.

Por seu turno, no acórdão do TCAS de 18-09-2014, proc. n.º 6789/13 afirma-se: “As exigências de fundamentação não são inflexíveis, podendo variar de acordo com o tipo de acto e o circunstancialismo concreto em que o mesmo foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae a que se refere o artigo 487º nº 2 do C. Civil – fique conhecedor das razões de facto e de direito que lhe subjazem, de modo a permitir-lhe optar, de forma elucidada, entre a aceitação do acto ou a utilização dos meios legais de reacção, e de maneira a que, neste caso, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.”

No caso sub judice está-se perante um acto praticado em massa e em que não existe (no momento em que o acto é praticado) qualquer divergência entre a administração fiscal e o contribuinte.

É de admitir, pois, que a fundamentação possa ser a fundamentação sumária de que fala o art. 77º, nº 2 da LGT.

A jurisprudência e a doutrina têm consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática (acórdão STA de 13-11-2013, proc. nº 1460/13; acórdão STA de 03-12-2014, proc. nº 370/13).

Admitindo, pois, que no caso presente as exigências de fundamentação se bastavam com a fundamentação sumária a que se refere o nº 2 do art. 77º da LGT, vejamos se essa fundamentação se verificou no caso concreto e se, da fundamentação comunicada na notificação comunicada à Requerente, era possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo autor do acto para a sua prática.

Analisando a notificação do acto de liquidação em causa, constata-se que dela constam:

¾    as disposições legais aplicáveis;

¾    a qualificação (muito sumária) do facto tributário, com a identificação do prédio sobre o qual recai a liquidação, o seu proprietário (sendo que o facto “propriedade” se encontra implícito) e o ano a que diz respeito o facto tributário;

¾    A quantificação do facto tributário e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo;

Confrontada com esta notificação, a Requerente deduziu reclamação graciosa. Ora, dos parágrafos 7º a 10º da reclamação graciosa apresentada deduz-se que a Requerente foi capaz de apreender o percurso cognoscitivo seguido pelo autor do acto: o autor do acto considerou estar-se perante um prédio urbano com afectação habitacional, ao qual considerou, consequentemente, ser aplicável a verba 28 da TGIS.

Considera-se assim que a notificação do acto satisfaz no limite os requisitos do nº 2 do art. 77º da LGT, não se verificando, assim, vício de falta de fundamentação.

 

4)     A aplicabilidade da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação primitiva, aos terrenos para construção

De acordo com o n.º 1 do art.º 1º do Código do Imposto do Selo (CIS), este imposto incide “sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral”. Portanto, a incidência do Imposto do Selo (IS) é determinada pela conjugação do preceito citado com as várias verbas ou rubricas da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), as quais especificam os actos, contratos, documentos, papéis e outros factos ou situações jurídicas sobre os quais incide o imposto.

A verba 28 da TGIS, na redação em vigor até 31 de Dezembro de 2013, definia como facto tributário a “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 de Euros e determina que o imposto incidirá sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.”

O imposto não incidia sobre qualquer prédio urbano com o valor patrimonial referido, mas apenas sobre duas categorias de prédios urbanos, previstas nas verbas 28.1 e 28.2. Quanto à primeira – a única que releva para o caso dos autos – aí se determinava que ficavam sujeitos ao imposto os prédios urbanos com afectação habitacional.

Assim, entre outras situações, o IS incidiria sobre (a propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre) prédios que, cumulativamente, fossem urbanos, tivessem afectação habitacional e cujo valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI fosse igual ou superior a 1 000 000 de Euros.

A questão de saber se um terreno para construção, como aquele sobre o qual incidiu a liquidação do Imposto do Selo aqui impugnada, cabia na previsão da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS (na redacção que esta tinha até 31 de Dezembro de 2013) já foi por diversas vezes apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Em todas as decisões, o Tribunal considerou que o conceito de “prédio com afectação habitacional”, contido na verba 28.1 da TGIS, não abrange os terrenos para construção, de nenhum tipo.

Em acórdão de 9 de Abril 2014, (processo nº 1870/13), o STA pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos:

“O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.”

Acompanhando esta jurisprudência, com a qual concordarmos sem reservas, há que concluir que o terreno para construção sobre cuja propriedade incidiu o IS liquidado à Requerente não cabe na previsão da verba 28.1 da TGIS, na redacção vigente em 31 de Dezembro de 2013.

Consequentemente, a liquidação impugnada pela Requerente é ilegal na medida em que viola a norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, configurando erro sobre os pressupostos de direito, o que a torna anulável nos termos do art.º 163.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.

 

5)     A violação do princípio da proibição da dupla tributação por parte da norma contida na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando aplicada aos terrenos para construção

Tendo-se concluído que a verba 28 da TGIS, na sua redacção primitiva, não era aplicável aos terrenos para construção, a questão de possível violação, por parte da norma de incidência da verba 28 da TGIS, de uma hipotética proibição de dupla tributação torna-se irrelevante para a decisão do caso concreto, pelo que a questão não deve ser analisada.

 

6)     A violação do princípio constitucional da proibição de retroactividade das leis tributárias por parte da Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro.

Tendo-se concluído que a verba 28 da TGIS, na sua redacção primitiva, não era aplicável aos terrenos para construção, a questão de possível violação, por parte da norma de incidência da verba 28 da TGIS, do princípio da proibição de retroactividade das leis de incidência tributária torna-se irrelevante para a decisão do caso concreto, pelo que a questão não deve ser analisada.

 

7)     A violação do princípio constitucional da igualdade tributária por parte da norma contida na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando aplicada aos terrenos para construção

Tendo-se concluído que a verba 28 da TGIS, na sua redacção primitiva, não era aplicável aos terrenos para construção, a questão de possível violação, por parte da norma de incidência da verba 28 da TGIS, do princípio constitucional da igualdade tributária torna-se irrelevante para a decisão do caso concreto, pelo que a questão não deve ser analisada.

 

8)     Questão da obrigatoriedade de notificação para o exercício do direito de audição prévia

Tendo-se concluído que a verba 28 da TGIS, na sua redacção primitiva, não comportava a interpretação e aplicação que dela fez a administração tributária através do acto de liquidação impugnado, não pode afirmar-se que a concessão do direito de audição prévia ao contribuinte não constituía formalidade essencial na liquidação impugnada.

Assim sendo, conclui-se que o acto de liquidação impugnado padece efectivamente de vício de forma por preterição de formalidade essencial, o que o torna inválido.

 

V - DECISÃO

Tendo em conta tudo o que ficou exposto, decide-se declarar a ilegalidade e anular o ato de liquidação de Imposto do Selo nº 2011 … de 07-11-2012, no valor de 1.394,12 euros, praticado ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), incidente sobre prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de …, concelho de Leiria.

 

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 1.394,12 euros (mil trezentos e noventa e quatro euros e doze cêntimos).

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às Partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 5 de Abril de 2017

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)