Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 348/2016-T
Data da decisão: 2017-05-02  Selo  
Valor do pedido: € 374.062,36
Tema: IS - Art.º 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, Verba 17.3.4 da TGIS, Comissões cobradas por Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões aos respetivos Fundos de Pensões.
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Acordam os Árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Árbitro Presidente), Diogo Leite de Campos e Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.      Em 27 de Junho de 2016, A…, S.A., NIPC…, com sede na Av…, n.º…, em Lisboa, doravante designada por Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2015…, no montante de € 79.879,79, referente ao ano de 2011; 2015…, no montante de € 81.629,88, referente ao ano de 2012; n.º 2015…, no montante de € 87.995,29, referente ao ano de 2013 e n.º 2015…, no montante de € 92.684,48, referente ao ano de 2014; bem como das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 12.156,47, referente ao ano de 2011; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 9.566,09, referente ao ano de 2012; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 6.744,57, referente ao ano de 2013; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, no montante total de € 3.405,79, referente ao ano de 2014, perfazendo a quantia global de € 374.062,36 (trezentos e setenta e quatro mil, sessenta e dois euros e trinta e seis cêntimos). No âmbito desse pedido de pronúncia arbitral, requereu a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e solicitou, a final, a anulação das liquidações impugnadas e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

2.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida, em 17 de Junho de 2016.

3.      Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

4.      O presente tribunal foi constituído no dia 13 de Setembro de 2016.

5.      Não tendo sido invocadas quaisquer exceções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais e reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade do mesmo, entendeu, por despacho de 5 de Novembro de 2016, dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Nesse mesmo despacho, o Tribunal, em cumprimento com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou o dia 13 de março de 2017 como data para a prolação da decisão arbitral. Data essa prorrogada para o dia 13 de maio por despacho de 10 de março de 2017.

6.      As partes apresentaram alegações escritas.

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

A Requerente sustenta o pedido de anulação dos actos de liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2015…, no montante de € 79.879,79; 2015…, no montante de € 81.629,88; n.º 2015…, no montante de € 87.995,29 e n.º 2015…, no montante de € 92.684,48, referentes, respectivamente, aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, tudo no montante global de € 342.189,44 (trezentos e quarenta e dois mil, cento e oitenta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos), bem como das respectivas liquidações de juros compensatórios, no montante de € 4.872,92 (quatro mil, oitocentos e setenta e dois euros e noventa e dois cêntimos), tudo num total de € 374.062,36 (trezentos e setenta e quatro mil, sessenta e dois euros e trinta e seis cêntimos) por se encontrarem os mesmos feridos de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto:

 

a)           Entende a Requerente, a título introdutório, que «a AT inventou uma incidência subjetiva onde ela não existe (…) e desaplicou uma isenção (…) de uma norma que foi expressamente revogada em 2002 [e que] perdura até hoje

b)          Com efeito, considera a Requerente, que sendo «sociedade gestora de fundos de pensões (doravante “SGFP”) (…) rege[-se] pelo disposto no Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime de Constituição e Funcionamento dos Fundos de Pensões e das Entidades Gestoras (doravante “DL 12/2006”); (…).», pelo que, nesta acepção, sob o tema “da incidência subjetiva do imposto do selo, quando estão em causa as comissões cobradas pelas SGPF aos fundos de pensões.» Refere  «(…) as normas fiscais não contêm a definição do que se deve entender por “instituições de crédito”, “sociedade financeiras ou equiparadas” ou “outras instituições financeiras”. Tal como refere – e bem – a Informação DS IMT (…), é preciso verificar se os fundos de pensões e as SGFP “se incluem em alguma das modalidades de entidades financeiras referidas” na citada Verba 17.3. Para efetuar esta análise, a Informação DS IMT convoca – e de novo bem – o n.º 2 do artigo 11.º da LGT, referindo que esta norma é importante “no domínio da exegese jurídico-tributária” aqui em causa.»

c)           Entende a este respeito, a Requerente, que «(…) realmente, a norma de incidência subjetiva constante da Verba 17.3 inclui os conceitos de (i) instituição de crédito, (ii) sociedade financeira ou outras entidades a ela legalmente equiparadas e de (iii) instituição financeira, cujo sentido deve ser interpretado à luz do Direito Bancário, Financeiro e Segurador, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 11.º da LGT. Isto porque as normas fiscais não contêm a definição destes conceitos, que são próprios daquele outro ramo de direito

d)          Mais refere, a Requerente quanto a esta matéria que «[ outro aspeto essencial que convém desde já focar (…): é que estão em causa normas de incidência subjetiva que, como tal, estão sujeitas ao princípio da legalidade tributáriaAssim sendo, acrescenta, que «este princípio exige que as normas de incidência sejam claras, precisas e com um elevado grau de determinação, não conferindo discricionariedade administrativa no preenchimento dos seus conceitos.», pelo que «[n]ão se admite, desta forma, o uso de conceitos indeterminados em normas de incidência subjetiva de imposto(…)».

e)           Segundo a Requerente, «as SGFP [não] são instituição de crédito, (ii) sociedade financeira ou outras entidades legalmente equiparadas ou (iii) instituição financeiras.» para efeito dos conceitos previstos na Verba 17.3 da TGIS, por entender que o «conceito de instituição de crédito, [pode ser aferido n]o Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, o qual aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante “RGICSF”).» Ademais, ainda, neste contexto menciona que, «o RGICSF é, por razões históricas, o diploma fundamental do sistema bancário e financeiro português. Na verdade, é este diploma que estabelece a arquitetura jurídica, nomeadamente ao nível das definições nele ínsitas, do direito Bancário e Financeiro, que resulta de uma maturação continuada fruto da: (i)Evolução legislativa europeia; (i) Intervenção do Banco de Portugal, enquanto regulador principal do sistema financeiro português (…). Ora, o RGICSF contém a definição de “instituição de crédito”, mais precisamente no seu artigo 3.º

f)            Assim, e no que toca ao conceito de “sociedade financeira” e de “outras entidades legalmente equiparadas”, refere a Requerente que «[t]ambém neste caso, o RGICSF contém a resposta, no seu artigo 6.º, n.º 1.», para depois de transcrever o artigo em questão, concluir no sentido de que «nem as SGFP, nem os fundos de pensões são qualificáveis de “sociedades financeiras”.

g)           No que ao conceito de “instituição financeira” constante da Verba 17.3 diz respeito, entende a Requerente que «é [também] o RGICSF que contém a definição de “instituição financeira”», nomeadamente, na alínea z) do artigo 2.º A, norma esta que «inclui no conceito de “instituições financeiras” as (i) “Sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas”, o que evidentemente não inclui as SGFP nem os fundos de pensões (nem a AT, naturalmente) defende o contrário.».

h)          Na verdade, segundo a Requerente, «[n]a última parte da norma, o artigo 2.º-A, alínea z), do RGICSF refere que são “instituições financeiras” as (iii) instituições de pagamento e (iv) As sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário na aceção do ponto 6.º do artigo 199.º-A”.», pelo que, «[b]asta consultar a respetiva definição deste tipo de entidades, prevista no RGICSF, para concluir que as SGFP e os Fundos de Pensões não estão, também, aí incluídos.».

i)            Com efeito, «[n]a parte mais importante da norma, é referido que são “instituições financeiras” as (ii) “Sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva 2013/36/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho”, Diretiva esta que é comummente conhecida como CRD IV – Capital Requirements Directive (e que doravante será designada por “Diretiva CRD IV”).

j)            Continua, a Requerente, aludindo que: «(…) a atividade das SGFP e dos fundos de pensões não é a “participação em emissões de títulos”, nem a “prestação de serviços conexos” com essa emissão (ponto 8), e muito menos são estas as suas atividades principais. Na verdade, este ponto 8 do anexo I abrange entidades que coadjuvam a emissão de participações, atividade que em Portugal pode ser exercida, por exemplo, pelas instituições de crédito, conforme dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do RGICSF, que dispõe que estas instituições podem efetuar as operações de “Participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos”; Da mesma forma, é absurdo pretender que a atividade principal das SGFP é a “Gestão de carteiras ou consultoria em gestão de carteiras” (ponto 11), visto que a atividade das SGFP nada tem a ver com a atividade de “gestão de carteiras”, que se encontra prevista nos artigos 323.º-A e ss. e 335.º e 336.º do Código dos Valores Mobiliários (“CVM”) e, por exemplo, na alínea h) do artigo 4.º do RGICSF.»

k)          «Sejamos claros: a atividade principal das SGFP é a gestão do fundo de pensões, nada tendo a ver com o acima exposto. Para tanto, basta ler as funções das SGFP que estão elencadas no artigo 33.º do DL 12/2006.»

l)            Refere, ainda, a Requerente que «[a]cresce ainda que o artigo 2.º-A, alínea z) do RGICSF replica a definição de “instituições financeiras” constante do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, 26 de junho (doravante “Regulamento 575/2013”). Com efeito, o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento 575/2013 estabelece a seguinte definição: "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.» Concluindo, assim, a Requerente que «esta definição exclui do conceito de “instituição financeira” as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE [também conhecida por regime do “Solvência II”]”.»

m)        Invoca, ainda, a Requerente que « [a] razão pela qual o Regulamento CRR exclui estas sociedades do conceito de “instituição financeira” resulta da circunstância de estas entidades estarem relacionadas com um outro ramo do sistema financeiro, o setor segurador (no qual tradicionalmente também se inclui a matéria dos fundos de pensões). Assim, as atividades praticadas pelas entidades do sector segurador regem-se exclusivamente pelas regras do regime do Solvência II, transpostas em Portugal pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, a qual nomeadamente aprovou o Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora (doravante “RJASR”) e pelo DL 12/2006 no que se refere às sociedades gestoras de fundos de pensões, e não pelo RGICSF ou pela legislação europeia do setor bancário. Desta forma, a definição de “instituição financeira” que consta do RGICSF, e também do Regulamento 575/2013, visto que a primeira é a réplica da segunda, nunca abrange as entidades do sector segurador. É por este motivo, de resto, que as SGFP são supervisionadas pela ASF e não pelo Banco de Portugal!»

n)          Aduz, complementarmente, quanto a esta matéria: «[r]azão pela qual, e ao contrário do que defende a AT, as SGFP e os fundos de pensões não são qualificadas como “instituições financeiras” à luz da definição legal existente, quer para efeitos de Direito Interno ou Direito Europeu.»

o)           Mais, afirma que: «[q]uando o legislador quis integrar no conceito de “instituição financeira” outras entidades que não são qualificadas como tal nos termos do RGICSF, estabeleceu isso mesmo em norma expressa. Foi o que aconteceu com as seguradoras que, conforme referido acima, estão excluídas desse conceito previsto no RGICSF.(…) E foi o que efetivamente não aconteceu com as SGFP e fundos de pensões, em relação aos quais nenhuma norma semelhante foi estabelecida.» Neste contexto, considera a Requerente que «o intérprete não pode ignorar esta realidade jurídica nem o modelo de atuação utilizado pelo legislador quando pretende estender o conceito de “instituição financeira”, constante do RGICSF, a outras entidades que não estão por ele abrangidas.» Na verdade, «o legislador, compreendendo que o conceito de “instituição financeira” é um conceito específico, que está definido na lei (ou seja, no artigo 2.º-A, alínea z), do RGICSF) e que não convém criar confusões conceptuais, acabou por alterar esta qualificação, passando o n.º do artigo 47.º do RJASR agora a estipular que “As empresas de seguros são empresas financeiras que têm por objeto exclusivo o exercício da atividade seguradora, bem como as operações dela diretamente decorrente, com exclusão de qualquer outra atividade comercial”. Ou seja, no quadro jurídico em vigor, a legislação deixou de qualificar as empresas de seguros como “instituições financeiras”, passando o legislador a qualificá-las de “empresas financeiras”.

p)          Acrescenta que «atualmente, é o próprio RJASR que estabelece a distinção entre, por um lado, instituições financeiras e, por outro, empresas de seguros», pelo que, [d]aqui retiramos duas conclusões que, a nosso ver, são definitivas: (i) o conceito de instituição financeira é o que consta do RGICSF e (ii) o legislador optou por deixar de qualificar as seguradoras como instituições financeiras. Chegamos, portanto, à conclusão que as SGFP e os fundos de pensões não são expressamente abrangidos, no Direito Bancário, Financeiro e Segurador, pelo conceito de “instituições financeiras” que decorre destes ramos.»

q)          «Com efeito, a definição de “instituição financeira” sempre constou do RGICSF, desde a sua versão original, aprovada em 1992 pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (cfr. definição constante do artigo 13.º, n.º 4, na versão original). Ou seja, quando o legislador fiscal, na reforma do Imposto do Selo operada em 1999, aditou a referência a “outras instituições financeiras” na verba 17.3 da TGIS, face ao que se encontrava consagrado no artigo 120.º-A da tabela anterior (…), já constava do Direito Bancário a definição de “instituição financeira” acima referida

r)    Refere, ainda, a Requerente que «por estarem sujeitas à supervisão do ISP (causa) devem ser qualificadas de instituições financeiras (efeito) ou o seu contrário, ou seja, se por serem instituições financeiras é que estão sujeitas a esta supervisão», entende a Requerente que: «[a] primeira hipótese não pode proceder, pelo simples facto de existirem outras realidades – como os mediadores de seguros, que podem inclusivamente ser pessoas singulares!!! – que estão sujeitas à supervisão do ISP (atual ASF) e que ninguém, tanto quanto se sabe, qualificaria como instituição financeira para efeitos da norma de incidência em análise. Quanto à segunda hipótese, a mesma nada nos diz quanto à qualificação, pois parte do pressuposto que as SGFP são instituições financeiras (causa) para depois afirmar que daí decorre estarem sujeitas à supervisão (efeito). Ora, é exatamente esta causa que a AT teria de demonstrar, o que significa que este raciocínio sofre do vício de petição de princípio.»

s)    Relativamente à previsão da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, quanto ao conceito de “instituições financeiras”, alude a Requerente que esta norma «estabelece uma definição própria de “entidades financeiras”, o que é diferente de “instituições financeiras”. (…) o conceito de “entidades financeiras” estabelecido neste artigo 3.º inclui muitas realidades que nem a interpretação mais delirante poderá alguma vez inclui-las na norma de incidência prevista na Verba 17.3 enquanto “instituição financeira”. Considera, a Requerente que «(…) o propósito desta Lei 25/2008 é o de estabelecer “medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo”. Ou seja, esta Lei tem um escopo muito específico que nada tem a ver com as definições gerais estabelecidas para efeitos de Direito Bancário e Financeiro.».

t)     Mais afirma que a alusão da Requerida ao considerando n.º 4 da Diretiva 2003/41/CE, para encontrar uma definição ao conceito de instituição financeira, deve ter em atenção que «(…) o dito “considerando” não acarreta qualquer definição. Muito pelo contrário, a própria Diretiva em causa (2003/41/CE) contém as suas definições e em nenhuma destas definições refere o conceito de “instituições financeiras”.». Segundo crê a Requerente, «esta Diretiva não faz qualquer classificação ou estabelece qualquer definição do conceito de instituição financeira. A verdade é que, se é certo que os planos de pensões profissionais foram harmonizados ao nível europeu, através desta Diretiva, também é certo que outra coisa muito diferente são as entidades que os gerem e que variam de país para país, não sendo objeto de harmonização através de Diretiva… pelo que nenhuma ilação se pode tirar desta Diretiva quanto à natureza ou classificação das SGFP ou dos fundos de pensões. Isto mesmo ressalta do disposto na alínea c) do n.º 2 do seu artigo 16.º (…)». Tanto assim é que, «a Diretiva não harmoniza as entidades que geram os planos, ela própria não elenca “quem” ou “o que” são essas entidades.» Explicando que «[é] É por esse motivo que a norma citada refere “instituições financeiras ou organismos análogos” e a referência a “instituições financeiras” consta apenas de um mero “considerando”

u)   Mais refere, a Requerente quanto a esta matéria que: «É correto afirmar que o DL 12/2006 transpôs a Diretiva n.º 2003/41/CE para o ordenamento jurídico interno. No entanto, é preciso ter em conta que somente nove(!) dos seus artigos é que resultam da transposição da mencionada Diretiva… pelo que, o facto deste DL 12/2006 operar a transposição da Diretiva não significa, sem mais, que esta última é a sua base – na verdade, a Diretiva é a base dos referidos nove artigos. Efetivamente, é expressamente referido no artigo 32.º do DL 12/2006 que a gestão de fundos de pensões só pode ser realizada por sociedades gestoras previstas no mesmo diploma legal ou por empresas de seguros que explorem legalmente o ramo “vida” e possuam estabelecimento em Portugal.», para concluir no sentido de que: «[a]ssim sendo, fica demonstrado que, ao contrário de muitas outras áreas do sector financeiro, as SGFP são ainda uma realidade exclusivamente sujeita à legislação pátria, exceto no que se refere aos planos de pensões profissionais, pelo que não é possível recorrer ao direito europeu para tirar ilações quanto à sua natureza jurídica de uma construção legal nacional.»

v)    Menciona, paralelamente, a Requerente, ainda, quanto a este tema que: «O artigo 30.º do CVM tem por objetivo, apenas, determinar os investidores que necessitam de menor proteção (informação) na sua relação com os intermediários financeiros.». Com efeito, compulsando aquela norma, esclarece a Requerente que «A designação constante da alínea f) de “outras instituições financeiras autorizadas e reguladas” resulta de uma mera imprecisão terminológica na transposição da Diretiva. Na verdade, o Anexo II da Diretiva MiFID (Diretiva 2004/39/CE) elenca as mesmas entidades que se consideram “investidores qualificados”, mas excluí as SGFP e os fundos de pensões do âmbito das “outras instituições financeiras autorizadas e reguladas”, pelo que estamos perante uma transposição deficiente da norma em causa.» pelo que, «Como se pode ver, a Diretiva coloca os fundos de pensões e as SGFP fora do conceito de “outras instituições financeiras”, sendo que o artigo 30.º do CVM, que constitui a sua transposição, troca as alíneas por mero lapso.»

w)  Mais alude a Requerente que «Com efeito, está em causa uma norma de incidência de imposto, cujo caráter definidor tem de ser certo, objetivo e estar “desenhado na lei de forma suficientemente determinada”. Na verdade, segundo a Requerente «(…)poderá existir a tentação de encarar o conceito de “instituição financeira” como sendo um “conceito indeterminado”, que o legislador inseriu na Verba 17.3 para subsumir uma variedade de entidades cuja atividade seja, mais ou menos, relacionada com a atividade financeira. Nesta ótica, caberia ao intérprete ir “escolhendo” que entidades fazem ou não parte do conceito, sujeitando-as a Imposto do Selo. Para esta tese contribui o facto de o legislador fazer referência, na Verba 17.3, a “quaisquer outras instituições financeiras”.», no entanto, rejeita a Requerente esta acepção, por entender, por um lado, que:«(…) a expressão “quaisquer outras instituições financeiras” também poderá significar apenas que o conceito de “instituição financeira” é mais amplo e inclui os anteriores conceitos da mesma norma. Com efeito, as “instituições de crédito” e as “sociedades financeiras” são também qualificadas de “instituições financeiras” por força da definição legal constante do artigo 2.º-A, alínea z), do RGICSF. Assim, o legislador quis apenas salientar essa realidade ou seja, “quaisquer outras instituições financeiras, para além das instituições de crédito e sociedades financeiras, que se subsumam ao conceito legal respetivo”., » por outro lado, considera que «se o legislador quisesse efetivamente utilizar um conceito indeterminado e abrangente poderia tê-lo feito de outra forma, utilizando por exemplo “entidades financeiras” ou “entidades que operam no sector financeiro” ou ainda “entidades que pratiquem as atividades constante do (…)”.», por outro lado, ainda, refere que «existe uma definição legal de “instituições financeiras” que não inclui nem as SGFP, nem os fundos de pensões. Se o legislador pretendeu utilizar um conceito indeterminado e, por inépcia, utilizou um conceito que estava legalmente definido, essa é uma realidade que está além do alcance do intérprete. Com efeito, o intérprete não pode presumir que o legislador é inepto, tendo, pelo contrário, de presumir que foi razoável, como dita o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil. Termos em que o conceito de “instituição financeira” que consta da Verba 17.3 deverá ser interpretado com o sentido que o conceito tem na lei positivada, ou seja, no RGICSF, onde está definido.» aferindo, por último, que «trata[ndo-se] aqui de uma norma de incidência subjetiva de imposto.(…) a utilização de um conceito indeterminado (…)redundaria numa evidente inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade fiscal e do princípio da tipicidade e, também, dos princípios da igualdade e da segurança jurídica.»

x)     Conclui, deste modo, no sentido de que «a interpretação efetuada pela AT da norma de incidência subjetiva constante da Verba 17.3, para além de ilegal, é também inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais acima mencionados.»

y)    Alega, ademais, a Requerente, uma segunda ilegalidade com base no entendimento de que «as comissões cobradas pela Requerente estão sujeitas a Imposto do Selo (o que não se concede), então será forçoso concluir que se aplica a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS.», por considerar que «[e]m qualquer dos casos (não sujeição ou sujeição com aplicação da isenção), o resultado é inexoravelmente o mesmo: a ilegalidade das liquidações impugnadas. Esta conclusão é a única que, mais uma vez, se encontra em linha com o princípio da legalidade fiscal e com as regras da hermenêutica jurídica.»

z)     Esclarece, a Requerente, quanto a esta matéria que «a AT considera que as SGFP e os fundos de pensões qualificam-se como “outras instituições financeiras” para efeitos da norma de incidência, é difícil descortinar porque motivo recusam aplicar a isenção prevista na alínea e). Com efeito, a isenção tal como consta da lei não parece conter qualquer dificuldade de aplicação, sendo certo que foi aplicada durante décadas por todo o sector financeiro sem problemas de assinalar».

aa)    Com efeito, «o CEF assume que a delimitação da isenção acima referida consta do n.º 2 do artigo 37.º da LOE 2001, razão pela qual se assumiu que esta delimitação [que] continua a ser aplicável até ao presente (visto que nenhuma norma revogou aquela disposição da LOE 2001). (…). »

bb)     Mais alude, a Requerente, que «esta delimitação material do âmbito de aplicação da isenção não consta do n.º 2 do artigo 37.º da LOE 2001 mas foi, na verdade, introduzida na própria redação do n.º 2 do então artigo 6.º do CIS! Ou seja, ao contrário do que afirma o Parecer CEF e a Informação DS IMT, não é o n.º 2 do artigo 37.º da LOE 2001 que estabeleceu a delimitação da isenção constante das alíneas e) e f) do n.º 1, mas sim o próprio n.º 2 do então artigo 6.º do CIS. (…) .

cc) Segundo a Requerente, esta norma, «delimita o âmbito das operações financeiras que deveriam beneficiar da isenção prevista nas alíneas e) e f) no n.º 1 daquele artigo, em moldes muito diferentes à versão original, estabelecendo um novo requisito de aplicabilidade. Ou seja, é absolutamente claro que foi intenção expressa do legislador fiscal restringir o âmbito material destas isenções de Imposto do Selo previstas naquelas alíneas para as operações financeiras (juros, abertura de crédito e comissões) que estivessem numa relação direta com a atividade de concessão de crédito realizada pelas entidades aí previstas.»

dd)     Na verdade, «[e]m parte alguma é referido que esta isenção deveria estar limitada às comissões diretamente destinadas à concessão de crédito.», pelo que, entende a Requerente que «[a] interpretação pugnada pela AT no que respeita à alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS viola, ademais, o princípio constitucional da igualdade e o princípio da tipicidade da lei fiscal, pois restringe a aplicação de uma isenção legalmente prevista, com fundamento na aplicação de uma norma revogada em 31.12.2002.»

ee)  Aduz, ainda, a Requerente, no sentido de que «Há ainda um último argumento que pode ser aventado e que ajuda a refutar a tese que a AT preconizou no Relatório. Esse argumento resulta das alterações que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (a qual aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2016, doravante “LOE 2016”), recentemente introduziu ao artigo 7.º, do CIS. (…) Conforme facilmente se constata, a redação dada pelo legislador fiscal a este novo n.º 7 do artigo 7.º do CIS apresenta inúmeras similaridades com a redação que havia sido instituída pela LOE 2001 para o então n.º 2 do artigo 6.º do mesmo Código e que, conforme acima demonstrado, vigorou durante 2 anos até ser revogado pela LOE 2003. No entanto, o legislador não se limitou, com a LOE 2016, a repescar uma fórmula que já havia sido empregue há cerca de 15 anos atrás para efeitos de impor uma redução ao âmbito da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. Através do artigo 154.º, da LOE 2016, o legislador estatuiu que, nomeadamente, a redação conferida ao novo n.º 7 do artigo 7.º do CIS tinha um carácter interpretativo. (…) E não se diga que o caráter interpretativo conferido legislador pelo artigo 154.º, da LOE 2016, ao novo n.º 7 do artigo 7.º do CIS virá, agora, em “socorro” da AT, apagando toda e qualquer ilegalidade entretanto cometida no passado, nomeadamente no procedimento tributário que antecedeu as liquidações de imposto e juros compensatórios contestadas pela Requerente. É que, nunca é demais recordar, o artigo 103.º, n.º 3, da CRP (norma resultante da Revisão Constitucional de 1997) prescreve que “[n]inguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

ff)  «Ora, atentas às explicações acima apresentadas acerca da distinção entre uma lei inovadora e uma lei interpretativa (para as quais se remete por uma questão de economia), entende a Requerente que não há como negar o caráter inovador do n.º 7 aditado pelo artigo 152.º, da LOE 2016, ao artigo 7.º, do CIS e, como tal, está-se perante um caso em que uma lei nova aplicar-se-á (por via do caráter interpretativo que lhe foi conferido pelo artigo 154.º, da LOE 2016) a factos totalmente ocorridos (e.g. nos anos de 2011 a 2014) em momento anterior à sua publicação. Como é evidente, a norma que confere caráter interpretativo padece do vício de inconstitucionalidade na medida em que é patentemente contrário à referida proibição da retroatividade da lei fiscal. »

gg)                   Menciona, ainda a Requerente que «[p]or último, crê-se que a intervenção legislativa efetuada na LOE 2016 não assenta em razões de interesse público prevalecentes, desconhecendo-se, de resto, quaisquer interesses públicos que justifiquem ser protegidos a tal ponto que justifiquem a instituição e manutenção de uma situação que provoca uma injusta, desproporcional e desequilibrada repartição dos encargos fiscais entre os vários contribuintes (…). Face aos princípios constitucionais enunciados, tendo já ocorrido os factos que deram origem à obrigação tributária que aqui se impugna e sobre os quais a lei nova se pronuncia (entre 2 e 5 anos após), as razões que presidiram à consagração da regra de proibição da retroatividade neste domínio estão integralmente presentes, impondo-se evitar que a LOE 2016 recentemente publicada provoque agravos financeiros desrazoáveis para a Requerente, pela impossibilidade em que esta se encontra, vinculada a tais factos já ocorridos, de prever e prover quanto às suas consequências tributárias determinadas por uma lei claramente inovadora. Assim, não podem os artigos 152.º e 154.º, da LOE 2016, sob pena de violação da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, delimitar o âmbito da isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, relativamente a comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de pensões em anos anteriores à sua entrada em vigor, e como tal, não poderá a AT servir-se da “cobertura” aparentemente dada por aquelas normas inovadoras para, a partir daí, justificar a manutenção na ordem jurídica das liquidações de imposto e juros compensatórios ora contestadas sob pena de flagrante inconstitucionalidade.»

hh)    Com efeito, entende a Requerente que «a restrição da isenção propugnada pela AT viola também a Diretivas de “reunião de capitais”. (…) Assim, a proibição de aplicar impostos indiretos sobre estas entidades decorre do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) da mencionada Diretiva 3008/7/CE, conjugada com a Diretiva 2003/41/CE (cfr. pág. 57 e 58).Mas mesmo que se entenda que a Diretiva 3008/7/CE não é aplicável, ainda assim a tributação em sede de Imposto do Selo violaria o disposto no artigo 11.º do DL 12/2006, que impede o património dos fundos de pensões de responder por quaisquer outras obrigações, para além das elencadas nessa lei (cfr. págs. 58 e 59 do Parecer MVGA).»

ii)   Acrescenta, ainda, com interesse que, «[u]ma vez que este Decreto-Lei transpõe para a ordem interna a Diretiva 2003/41/CE, a violação daquele artigo 11.º configura uma violação da própria Diretiva e, por essa via, da própria Constituição (artigo 8.º da CRP).»

jj)   Concluindo no sentido de que «[a] incidência de Imposto do Selo sobre as comissões aqui em causa viola também o princípio da não discriminação vigente no Direito Europeu

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)      Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, aduzindo, desde logo, que «o SP alega, em suma, que as liquidações de Imposto do Selo impugnadas padeceriam de vício de violação de lei, invocando-se ainda a ofensa do Direito da União.» (…) De facto, não assiste razão à Requerente, desde logo, pelas razões sobejamente evidenciadas no Relatório Final da Inspecção Tributária, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.»

b)     Inicia a Requerida a sua resposta, fazendo um enquadramento legal das liquidações controvertidas, mencionando para o efeito o disposto no artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, para concluir que «[c]omo se faz notar no RIT, o nº 2 do mesmo artigo 1º do CIS determina que não são sujeitas a imposto do selo as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas, havendo o RIT concluído pela isenção das operações em sede de IVA.»

c)      Com efeito, e no que concerne ao enquadramento das comissões cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões, aduz a Requerida que «(…) como bem se fez constar do RIT, é relativamente pacífico que as mesmas estão isentas de IVA nos termos da alínea g) do nº 27 do artº 9º do CIVA, quer no caso de a gestão dos fundos de pensões ser efectuada pelas companhias de seguro do ramo “Vida”, quer no caso de a gestão ser efectuada por sociedades constituídas exclusivamente para tal finalidade. (…) Por sua vez, a verba 17.3.4 da Tabela Geral de Imposto do Selo, para o que ora releva, prevê a sujeição a IS, à taxa de 4 % de «Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros». Complementarmente, refere, quanto a este aspecto o disposto no artigo 7.º do CIS, mencionando que «(…) a redacção da alínea e) foi dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, e o nº 7 foi aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março, com carácter interpretativo, integrando-se, assim, na norma interpretada

d)     No que toca ao argumento tecido pela Requerente de que não é, nem pode ser considerada “instituição financeira ou equiparada” invoca a Requerida em sua defesa que «importa notar que, como é consabido, só está isento o que a priori cabe nas normas de incidência do imposto.», fazendo ainda alusão a que «no âmbito do procedimento inspectivo em que as liquidações impugnadas se fundamentam, a aqui Requerente nem sequer discutiu a sua qualificação como instituição financeira ou equivalente. Antes, optou por invocar, desde logo, a isenção concedida pelo disposto no DL n.º 20/86, de 13 de Fevereiro. Argumento que, entretanto, abandonou...».

e)      Continua, a Requerida a sua tese no sentido de que «[a]ssim, não obstante a indignação com que aparenta insurgir-se contra a qualificação como instituição financeira ou equiparada, verifica-se que, num primeiro momento, aceitou sem qualquer restrição essa qualificação subjectiva.»

f)       Ora, na verdade, confirma a Requerida «[d]e facto, no RIT caracterizou-se a A… Fundos como uma sociedade gestora de fundos de pensões, regida pelo disposto no Decreto-Lei nº 12/2006, de 20 de Janeiro, »(…) pelo que, «Relativamente ao seu enquadramento em sede de Imposto do Selo, o A… Fundos, enquanto Sociedade Gestora alega que seria de aplicar a isenção que tem origem numa interpretação extensiva do art.º 4º do DL n.º 20/86, de 13/2 “Ficam isentos do imposto do selo […] as operações sobre certificados representativos de unidades de participação de investimentos mobiliários.”

g)      Compreende a Requerida que «resulta da conjugação das normas previstas no art. 1º do CIS e verbas 17.3 e 17.3.4, estão sujeitas a imposto do selo as operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, sendo as "outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” taxadas a 4%. Assim, a verba 17.3 exclui do seu campo de incidência as operações financeiras que não sejam realizadas por ou com intermediação das entidades nela referidas, pelo que incontestavelmente a incidência opera apenas nos casos em que as ditas operações sejam realizadas por ou com a intermediação daquelas entidades.». Deste modo, e consequentemente, é imperioso «resolver a questão da incidência, haverá que saber se os Fundos de Pensões e as Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões se incluem na expressão referida na norma em apreço. Decorre do art. 11º da LGT, que o conceito fiscalmente relevante de «instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras» para efeitos da norma de incidência em causa – e, portanto, da correlativa norma de isenção - deve ser o que vigore no direito financeiro, em particular no direito bancário e segurador, quer nacional quer comunitário.»

h)     Ora, «[o] regime de constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das respectivas sociedades gestoras consta, como já referido, do Decreto-Lei 12/2006, de 20 de Janeiro, que transpôs para a nossa ordem jurídica a Directiva n° 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais. Como se expendeu na informação da DSIMT, decorre do preâmbulo do diploma nacional o objectivo de estabelecer um tratamento unitário dos fundos de pensões, verificando-se que o legislador estendeu os princípios e previsões normativas contidos na directiva para os planos de pensões profissionais aos fundos de pensões “do terceiro pilar da protecção social” (planos de pensões «individuais»). Nos termos do citado decreto-lei os fundos de pensões são geridos por entidades especializadas e profissionais, constituídas sob a forma de sociedade anónima exclusivamente para esse fim, designadas por SGFP, ou por empresas de seguros que explorem legalmente o ramo “Vida" e possuam estabelecimento em Portugal.»

i)       Neste contexto, entende a Requerida que «à Entidade Gestora, enquanto legal representante do Fundo e responsável pela sua boa administração, compete, nomeadamente, seleccionar e negociar os investimentos que devem fazer parte do património do fundo, de acordo com a política definida, representar os associados, participantes, contribuintes e beneficiários no exercício dos seus direitos; cobrar as contribuições; garantir os pagamentos devidos aos beneficiários, etc.», continuando no sentido de que «[q]uanto à supervisão destas entidades é actualmente repartida entre o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM): a supervisão da gestão de fundos de pensões é da competência do ISP, abrangendo os fundos de pensões e as respectivas entidades gestoras; a comercialização de contratos de adesão individual a fundos de pensões abertos está sujeita a supervisão da CMVM. Sobre a qualificação das sociedades gestoras de fundos de pensões como instituições financeiras, veja-se que, quando a actividade de gestão é exercida por seguradoras do ramo Vida, não existe margem para dúvidas nessa qualificação, de acordo com o disposto no art. 8º do DL 94-98, de 17 de Abril, que transpôs a Directiva nº 2005/68/CE. Quanto às Entidades Gestoras constituídas especificamente para esse fim, são também pacificamente consideradas como instituições financeiras sujeitas em conformidade à supervisão do ISP, embora de regime especial, dado a regulamentação da sua actividade não constar do Regime Geral das instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, mas sim de legislação especial para que remete o n° 3 do art. 6.º deste mesmo Regime. Atesta tal evidência os termos da alínea f) do n.º 1 do art. 3.º da Lei nº 25/2008, de 5 de Junho que estatui expressamente que as sociedades gestoras de fundos de pensões são entidades financeiras.»

j)       A este respeito, aduz ainda a Requerida no sentido de que «(…) o direito comunitário transposto pelo Decreto-Lei 12/2006, converge no mesmo sentido interpretativo, pois o critério que presidiu à elaboração da Directiva n° 2003/41/CE foi que, dada a importância e influência que essas entidades assumem na realização do mercado único de serviços financeiros considerou-se " (... ) premente a elaboração de uma diretiva relativa à supervisão prudencial das instituições de realização de planos de pensões profissional, já que estas importantes instituições financeiras, que têm um papel-chave a desempenhar na integração, eficácia e liquidez dos mercados financeiros, não estão sujeitas a um quadro legislativo comunitário coerente que lhes permita tirar pleno partido das vantagens do mercado único. ” (destaques nossos) – cfr. considerando quarto da Directiva. No mesmo sentido, veja-se a definição constante do nº 1 do art. 4º do Regulamento (UE) nº 575/2013 de 2013-06-26, do Parlamente Europeu e do Conselho, segundo a qual é instituição financeira a empresa que não seja uma instituição, cuja actividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/EU.»

k)     Nesta acepção, considera a Requerida que «as actividades mencionadas são subsumíveis, por exemplo, aos pontos 8 a 11 do anexo I da Directiva 2013/36/UE, de 2013-06-26, do Parlamento Europeu e do Conselho que refere, a “Participação em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão'', aplicável aos Fundos abertos, e a "Gestão de carteiras", sendo certo que é o exercício de uma ou mais destas actividades que, a nível comunitário, qualificam uma determinada entidade como instituição financeira.»

l)       Invoca, ainda, que «(…) nos termos das alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 30º do Código dos Valores Mobiliários (CVM), tanto as SGFP como os Fundos são qualificados, a par das outras instituições financeiras, investidores institucionais, sendo factualmente indesmentível a sua relevância efectiva como investidores institucionais.»

m)   Com efeito, explica a Requerida que «[t]endo ainda em vista a qualificação das sociedades gestoras de fundos de pensões, importa tomar em consideração o Regime Geral das Instituições de Crédito (RGICSF),(…)», nomeadamente no disposto as alíneas z) e kk) do artigo 2.ºA e o artigo 4.º. «somos levados a concluir que a Requerente preenche os requisitos para ser qualificada como “sociedade financeira”, categoria onde se inserem também as instituições financeiras definidas na alínea z), subalínea ii).E tanto assim é que, no art.º 6.º (Tipos de Sociedades Financeiras), o legislador afastou expressamente do RGICSF,  ao prever no n.º 3: “Para efeitos deste diploma, não se consideram sociedades financeiras as empresas de seguros, as sociedades gestoras de fundos de pensões e as sociedades de investimento mobiliário e imobiliário.” (nosso sublinhado), donde resulta que não as desqualifica como sociedades financeiras, antes, as retira do regime prudencial e da supervisão do Banco de Portugal.». Mais referindo que, «[c]om efeito, apesar de o nº 3 do art. 6º do RGICSF ter remetido expressamente para um regime próprio, é inegável que o núcleo das suas funções se assemelha a algumas das actividades exercidas pelas entidades sujeitas ao regime geral.»

n)     Menciona a Requerida que «[a] isto contrapõe a Requerente (Art.º 88.º da PI) que se trata de mera clarificação porque as sociedades gestoras de fundos de pensões (SGFP) pertencem a outro ramo do sector financeiro, o que, sendo verdade, se se atender à supervisão prudencial, não invalida que, em termos da natureza da actividade exercida, e é isso que releva para qualificar as sociedades e as instituições como financeiras, caiba nesta categoria. Adianta ainda a Requerente (art.º 105.º da PI) que a actividade principal das SGFP é a gestão do fundo de pensões, nada tendo a ver com ao cima exposto”, i.e., com a gestão de carteiras, esquecendo o disposto no n.º 4 do art.º 32.º do Decreto-Lei n.º 12/2006; E, bem assim, que os Fundos de Pensões, na definição dada pela APFIPP (Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios), são patrimónios autónomos destinados exclusivamente ao financiamento de planos de pensões, ou seja, constituem um conjunto de activos cujo único objectivo é proporcionar o pagamento futuro dos benefícios previstos no respectivo plano.», mais, aferindo, quanto a esta matéria, que «[n]aturalmente, a composição dos activos que integram os patrimónios dos Fundos de Pensões, cuja gestão é assegurada pelas SGFP, de acordo com uma política de investimento segura e eficiente pautada pelo princípio do “gestor prudente”, compreende, além de imóveis, aplicações em carteiras de valores mobiliários ou outro tipo de aplicações financeiras, decorrentes das aplicações dos fundos que lhe são entregues pelas entidades contribuidoras e/ou participantes. Ora, tal implica que as SGPF operam nos mercados financeiros com o estatuto de investidor qualificado, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do art.º 30.º do Código de Valores Mobiliários.»

o)      No que à transposição da Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho diz respeito, contrapondo a posição da Requerente, entende que «importará esclarecer que o legislador deu nota publicamente de que efectuou, com este diploma,[Decreto-Lei n.º 12/2006, 20.01] a transposição da Directiva e, assim, o comunicou oficialmente à Comissão Europeia, que no seu Relatório sobre determinados aspectos essenciais da Directiva 20013/41/CE relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais (Directiva IRPPP) indica que «Em 2007, todos os Estados-Membros tinham já notificado as suas medidas de aplicação…».

p)     Mais considera a Requerida que «[o] âmbito de aplicação da Directiva abrange os Fundos de Pensões e as SGFP, tal como resulta do n.º 1 do art.º 2.º, segundo o qual “…é aplicável às instituições de realização de planos de pensões profissionais. Sempre que, nos termos da legislação nacional, essas instituições não tenham personalidade jurídica, os Estados-Membros aplicarão a presente directiva a estas instituições ou, sob reserva do n.º 2, às entidades autorizadas responsáveis pela sua gestão e que actuam em seu nome.”». Ademais, «[n]o preâmbulo da Directiva, tanto no Considerando 4, na explicação dos objectivos que presidiram à sua publicação é referido que as instituições de realização dos planos de pensões profissionais sãoinstituições financeiras que têm um papel chave a desempenhar na integração, eficácia e liquidez dos mercados financeiroscomo ainda no Considerando 19 se explicita queAs instituições de realização de planos de pensões profissionais são prestadores de serviços financeiros …” »

q)     Concluindo no sentido de que «(…) não restam dúvidas que as SGFP se subsumem no corpo da verba 17.3, quer como sociedades financeiras quer como instituições, à luz da qualificação feita em conformidade com os critérios do RGICSF e do direito europeu aplicável, tal como é corroborado pela Directiva 2003/41/CE e por outros instrumentos legislativos de direito nacional e europeu, a que se alude no Parecer da DS IMT.»

r)      Afere ainda, a Requerida que «[c]orroborando todo o exposto, da letra da lei, isto é, do facto de a verba 17.3 prever expressamente «quaisquer outras instituições financeiras», decorre também o intuito do legislador de a definição dever ser entendida no sentido mais abrangente. Efectivamente, cumpre assinalar que o legislador do CIS, certamente consciente da diversidade de operadores no mercado financeiro e da sua previsível evolução, por força do aprofundamento do mercado interno dos serviços financeiros, na União Europeia, recorreu a uma formulação ampla do corpo da verba 17.3 que permite enquadrar quaisquer entidades que sejam consideradas legalmente equiparadas a sociedades financeiras e as que sejam qualificadas como instituições financeiras. Basta, a este respeito, comparar com a redacção da verba 120-A da TGIS, cujo proémio era o seguinte: «Operações a seguir enumeradas realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito ou sociedades financeiras» para concluir que o âmbito subjectivo foi expandido de modo significativo.»

s)      Entende, ainda a Requerida que «[e]ncontra-se igualmente preenchido o requisito de incidência de natureza objectiva que permite o enquadramento das comissões de gestão na sub-verba 17.3.4, porquanto cabem na categoria “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”.

t)       Concluindo «sem margem para dúvidas, que as operações realizadas por ou com intermediação das sociedades gestoras dos fundos de pensões, em nome e por conta dos fundos, são consideradas materialmente financeiras, sendo por isso as sociedades gestoras subsumíveis na noção de "quaisquer outras instituições financeiras", constante da verba 17.3 da TGIS, para efeitos de sujeição a tributação em sede de IS. Deste modo, encontra-se preenchido o elemento objectivo previsto na norma de incidência, constituindo as comissões cobradas pelas sociedades gestoras a título de remuneração pela administração e gestão dos fundos de pensões, contrapartida de serviços financeiros nos termos e para os efeitos da Verba 17.3.4 da TGIS.»

u)     Termina a sua tese, mencionando que «[n]este conspecto, cabe a liquidação, cobrança e entrega do imposto apurado nos cofres do Estado à SGFP, na qualidade de sujeito passivo, de acordo com o disposto no art. 2º do CIS, sendo encargo do próprio fundo, enquanto titular do interesse económico. Em suma, como concluído pela DSIMT, que se dá aqui por integralmente reproduzido, as comissões sub judicio preenchem cumulativamente os elementos de natureza objectiva e subjectiva previstos na Verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no nº 1 do artigo 1° do CIS.»

v)      No que respeita à «pretensa violação de lei por aplicabilidade da isenção do art. 7º do CIS», entende a Requerida ser pertinente fazer referência que «[p]retende a Requerente, no presente pedido de pronúncia arbitral, esgrimir, em segunda linha, o argumento de que as comissões cobradas aos fundos de pensões pela respectiva sociedade gestora estariam previstas na norma de isenção actualmente constante do art. 7º, nº 1, al. e) do CIS. (…) Sendo que, como referido, a redação da alínea e) foi dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31.12, e o nº 7 foi aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30.03, com carácter interpretativo, integrando-se, assim, na norma interpretada.» Ora suportando-se no Parecer do CEF nº 25/2013, considera prudente mencionar que «a actual [isto é, a redação dada pela Lei n.º 107-B/2003] redacção deste normativo sofreu sucessivas alterações, desde a revisão do código do imposto do selo e respectiva tabela pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, até à sua estabilização com a redacção dada pela Lei n ° 107-B/2003, de 31 de Dezembro. Com efeito, na versão originária do código revisto, o teor da actual alínea e) encontrava-se repartido por duas alíneas - a alínea e) e a alínea f) (Na redacção dada pela Lei nº 150/99 ”e) Os juras cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997. f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições, da mesma natureza a entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997) - cuja redacção, em 2000, foi objecto de uma alteração, na sua parte final, que substituiu a referência ao Código de Conduta pela domiciliação em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças (cfr., nº 1 do artigo 37.º da Lei nº 30-C/2000, de 29 de Dezembro).»

w)    «De facto, a Lei 30-C/2000, lei do Orçamento do Estado para 2001, [veio dar nova redacção] ao art. 6º, as alíneas e) e f), relativas a juros cobrados e a utilização de crédito concedido, bem como as comissões cobradas, pelas instituições de crédito aí previstas estavam abrangidas pela isenção apenas no respeitante às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas. Assim, como se expende fundadamente no Parecer do CEF: «nessa mesma Lei, procedeu-se também a uma delimitação do âmbito material da isenção concedida pelas alíneas e) e f) do artigo 6.º (actual art.º 7º), ao estabelecer, no n.º 2 do artigo 37º, que "O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas a concessão de crédito, no âmbito de actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas”, mas, tal, contudo, segundo a Requerida  «(…)não retira evidência à efectiva delimitação do âmbito material da isenção, concedida pelas alíneas e) e f) do anterior art. 6.º e atual art. 7º, apenas às operações financeiras directamente destinadas a concessão de crédito

x)      «Na verdade, a Lei n° 32- B/2002, do Orçamento do Estado para 2003, [que procedeu à] concomitante revogação do nº 2 do art. 6º (por meio da substituição da redacção pela anteriormente constante do nº 3) é perfeitamente passível de ser lida da forma que a AT – como, de resto, também os Tribunais, (…) salientam (…) que não se afigura racional estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro; Pois apenas em relação à concessão de crédito é possível conexionar com as instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objecto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras, beneficiárias da norma de isenção.»

y)      Complementarmente, entende a Requerida que «(…) como salientam o TCAS e o STA, afigura-se incompreensível que o legislador se reportasse aos juros, comissões cobradas e garantias prestadas, como realidades com existência a se, para efeitos de isenção de imposto; Tal redundaria, como pretende a aqui Requerente, que todas e quaisquer que elas fossem, estariam isentas, desde que reportadas a operações entre sociedade com localização observadora do determinado na norma. Louvando-nos na argumentação dos Tribunais superiores, tal interpretação (grandemente alargadora do âmbito da isenção dos juros, comissões e garantias) tornaria ainda mais incompreensível o tratamento fiscal dado à utilização do crédito, pois aqui restringir-se-ia, e apenas aqui, a isenção às operações financeiras celebradas entre aquelas instituições. Pelo que, neste sentido concluíram o TCAS e o STA que os elementos sistemático e racional impõem que a norma de isenção se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo.»

z)      «De regresso ao elemento histórico, é perfeitamente legítimo pensar que a agregação das alíneas, bem como a alteração da redacção para passar a utilizar a expressão «e, bem assim, a utilização de crédito concedido» terá sido motivadora da convicção do legislador de que o nº 2 passaria a ser redundante. De facto, a alínea e) passou a prever «juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido», apontando o elemento literal da interpretação para tal ligação à concessão de crédito. Como já consta do RIT, deve entender-se que quando o legislador menciona “e, bem assim, a utilização do crédito concedido”, identifica e delimita a relação intrínseca existente entre aquelas realidades perfeitamente identificadas e o crédito, e fá-lo no sentido de que este deva ser considerado como o elemento essencial e prévio em relação aos demais. Assim, [entende a Requerida que] o fundamento utilizado pelo legislador para justificar o reconhecimento da isenção em relação aos juros, comissões cobrados e às garantias prestadas será o mesmo para o crédito, por e quando aqueles sejam acessórios deste, ou seja, só os juros, comissões e garantias que resultem da existência prévia de um crédito concedido que com aqueles se encontra directa e intrinsecamente relacionado cabem na previsão legal. De facto, não há juros sem uma concessão prévia de um crédito.»

aa)  Afirma, quanto a esta matéria, a Requerida que «[o] mesmo raciocínio deverá ser feito relativamente às outras operações: comissões, garantias,e, bem assim, a utilização do crédito concedidode que aqueles tenham resultado.»

bb) Conclui, no sentido de que « [o] limite à isenção desejado pelo legislador, antes e depois da nova redação dada às alíneas é o mesmo, ou seja, a isenção prevista na actual alínea e), n.º 1, do art. 7.º do CIS só é aplicável às comissões previstas na verba 17 quando estejam directamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo.»

cc)   Mais, acrescenta a Requerida, a final, que «[a] Requerente imputa ainda à interpretação adoptada pela Administração Tributária a violação do Direito da União Europeia, nomeadamente da Directiva «Reunião de Capitais» e do princípio da não discriminação. Sem razão, (…), porquanto, «no presente processo, está em causa a tributação em imposto do selo das comissões de gestão cobradas aos Fundos de Pensões pelas sociedades gestoras, sendo que estas comissões são calculadas com base numa percentagem aplicada sobre o valor líquido global do fundo. Porém, de acordo com o art.º 5.º, n.º 1, alínea a) da Directiva 2008/7/CE, os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre as “Entradas de capital”, sendo que esta proibição levou a que fosse revogada a verba 26 da TGIS, pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril. Não se descortina qualquer semelhança real ou aparente entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais e a tributação de uma comissão de gestão do Fundo de Pensões e, talvez, por isso, a própria Requerente desvaloriza este argumento (cfr. art.º 524.º do ppa) para chamar à liça o art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, alegando que o disposto neste normativo impede o património dos fundos de pensões de responder por quaisquer outras obrigações, para além das elencadas nessa lei. Atentando no referido art.º 11.º (Autonomia patrimonial)  e (…) [t]endo presente que imposto do selo incidente sobre a remuneração de gestão do Fundo de Pensões, por efeito da repercussão, integra-se no respectivo montante, o qual é considerado como encargo do Fundo, não se visualiza como é que pode configurar uma violação do princípio da autonomia patrimonial instituído pelo art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 12/2006.»

dd) Por último, e no que toca ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, refere a Requerente que «por tudo quanto supra se disse, entende-se não enfermar os atos de liquidação de vício que deva ditar a sua anulação.(…) os juros indemnizatórios não são devidos.»

 

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos e o processo administrativo, os quais se mostraram idóneos sobre os factos em discussão nos presentes autos.

 

a.        Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.    A ora Requerente é uma sociedade gestora de fundos de pensões;

B.    Entre os anos de 2011 e 2014, a Requerente exerceu, enquanto SGFP, a sua actividade de gestão de vários fundos de pensão, nomeadamente, o A… Fundo de Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.;

C.    Ao longo desse período temporal, a Requerente cobrou mensalmente, comissões aos fundos de pensões, como contrapartida pela prestação dos seus serviços de gestão, que totalizam o montante de € 8.554.736,02 (oito milhões quinhentos e cinquenta e quatro mil, setecentos e trinta e seis euros e dois cêntimos);

D.     Aquando da cobrança destas comissões, a Requerente entendeu que, nos termos do Código do Imposto do Selo (doravante, “CIS”) e da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, “TGIS”), não tinha de liquidar Imposto do Selo sobre as mesmas;

E.    A Requerente foi objecto de Procedimento Inspectivo levado a cabo pela Unidade de Grandes Contribuintes, o qual foi credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2015…, OI2015…, OI2015…, OI2015… de 30-01-2015, com o código de actividade…, relativas aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, procedimento de âmbito parcial, incidindo apenas sobre o Imposto do Selo;

F.     As ordens de serviço foram abertas com o objectivo de verificar o enquadramento fiscal das comissões de gestão dos Fundos de Pensões em sede de Imposto do Selo (isenção do artigo 4º do Decreto-Lei 20/86, de 13 de Fevereiro e alínea e) do n.º 1 do artigo 7º do CIS conjugado com a verba 17.3.4 da TGIS);

G.    A Requerente foi notificada, primeiro, através do Ofício n.º …, de 02.04.2015, e depois, através do Ofício n.º…, de 30.04.2015, para se pronunciar sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, no qual se propunha efectuar correcções em sede de Imposto do Selo que ascendiam ao montante de € 342.189,44 (trezentos e quarenta e dois mil, cento e oitenta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos) (cfr. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial);

H.    A fundamentação do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária proveio da Informação n.º I2014…, da Direcção de Serviços de IMT e no Parecer n.º 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros. (cfr. Doc. n.º 3, 4 e 5 juntos com a petição inicial);

I.       No dia 22 de Maio de 2015, a Requerente exerceu o direito de audição prévia que lhe assistia. (cfr. Doc. n.º 6 junto com a petição inicial);

J.      No dia 15 de Julho de 2015, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção Tributária, o qual manteve as correcções adiantadas no Projecto acima identificado. (cfr. Doc. n.º 7 junto com a petição inicial);

K.    Mais tarde, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação do Imposto do Selo e de juros compensatórios n.º 2015…, no montante de € 79.879,79, referente ao ano de 2011; 2015…, no montante de € 81.629,88, referente ao ano de 2012; n.º 2015…, no montante de € 87.995,29, referente ao ano de 2013; e n.º 2015…, no montante de € 92.684,48, referente ao ano de 2014; bem como das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 12.156,47, referente ao ano de 2011; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 9.566,09, referente ao ano de 2012; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 6.744,57, referente ao ano de 2013; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, no montante total de € 3.405,79, referente ao ano de 2014). (cfr. Doc. n.º 8 junto com a petição inicial);

L.    Nos dias 14 de Outubro e 15 de Dezembro de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento dos actos de liquidação de Imposto do Selo aqui impugnados. (cfr. Doc. n.º 9 junto com a petição inicial);

M.  No dia 26 de Janeiro de 2016, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os actos de liquidação de Imposto do Selo identificados em K supra. (cfr. Doc. n.º 10 junto com a petição inicial);

N.    No dia 28 de Março de 2016, a Requerente foi notificada da decisão no sentido do indeferimento da Reclamação graciosa, através do Ofício n.º … de 2016.03.23 da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) da Autoridade Tributária e Aduaneira. (cfr. Doc. n.º 11 junto com a petição inicial);

O.    No dia 27 de Junho de 2016 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal arbitral.

 

b.         Factos dados como não provados.

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

VI- Do Direito

 

1.     A questão central que se coloca, no caso sub judice, reconduz-se à interpretação das normas constantes dos artigos 17.3.4 da Tabela Geral e 7.º, alínea e), do Código do Imposto do Selo (CIS) - anterior artigo 6.º - por forma a determinar se as comissões de gestão, de administração e outras comissões cobradas pelas entidades gestoras aos respetivos fundos de pensões estão sujeitas a Imposto do Selo (IS), não beneficiando da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS.

2.     Como ficou dito, segundo a AT, a isenção mencionada não é aplicável a todas as comissões abrangidas pela verba 17.3.4, mas tão só às que estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito de atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo. Mais precisamente, apenas cabem na previsão legal daquela norma os juros, comissões e garantias que resultem da existência prévia de um crédito concedido que com estes se encontre direta e intrinsecamente relacionado.

3.     Vejamos.

 

A)1- Sentido e alcance do artigo 17.3.4 da Tabela Geral

 

4.     Impõe-se começar por determinar se estão preenchidos os requisitos de natureza objetiva e subjetiva para a sujeição a imposto do selo com enquadramento na verba 17.3.4 da TGIS.

5.     O referido preceito sujeita a imposto, à taxa de 4%, “as comissões cobradas e contraprestações por serviços financeiros em operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”(negrito nosso).

6.     Para efeitos da sujeição a imposto, o legislador elege um único critério: a circunstância das comissões e contraprestações por serviços financeiros serem cobradas por determinados tipos de entidades, ponto é que se trate de operações financeiras, uma vez que as operações não financeiras em geral se encontram sujeitas a IVA e não a IS. O tipo de operações que em concreto são abrangidas é-nos dado pelas normas que definem a competência das entidades referidas.

7.     Alega a Requerente que não é abrangida pela incidência da norma na medida em que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, prevê expressamente, no artigo 6.º, n.º 3, que as entidades gestoras de fundos de pensões “não se consideram sociedades financeiras”.

8.     Este argumento não tem, porém, o alcance que a Requerente pretende retirar dele.

9.     Com efeito, note-se que o legislador do RGICSF, ao ter o cuidado de explicitar que aquela afirmação vale exclusivamente para efeitos do diploma em causa, não exclui que as entidades gestoras de fundos de pensões possam ser consideradas instituições financeiras noutros contextos e para outros efeitos. Neste sentido, afirma Carlos Costa Pina (Instituições e Mercados Financeiros, Coimbra, 2005, pág. 249) que essa limitação do conceito de sociedades financeiras é meramente formal, apenas para efeito da aplicação do RGICSF: na verdade, as sociedades seguradoras e as sociedades gestoras dos fundos de pensões são materialmente instituições financeiras, compondo, enquanto tais, dois relevantes subsectores institucionais do sector financeiro: o sector segurador e o sector dos fundos de pensões, uma vez o seu objeto consistir na realização de operações material e formalmente financeiras[1]. Situação que não é alheia à tendência verificada do “progressivo desaparecimento das barreiras e das distinções entre os três setores financeiros tradicionais (banca, valores mobiliários e seguros)[2]”, com a consequente fusão de interesses e atividades entre os diversos tipos de instituições da área financeira, em especial, entre as instituições financeiras monetárias e não monetárias, e o aparecimento de novos conceitos como os da banca universal, bancassurance, ou de assurfinance, etc., que tendem a exprimir fórmulas de colaboração entre instituições financeiras de objetos distintos mas similares concorrendo entre si.

10. Na ausência da definição expressa de um conceito de instituição financeira sempre se admitiu a existência de um conceito em sentido estrito (o constante do RGICSF-instituições financeiras monetárias) a par de um conceito amplo (instituições financeiras não monetárias[3]). Esta distinção encontra apoio, quer no entendimento do setor financeiro em sentido amplo, que compreende os subsetores bancário, dos valores mobiliários e dos seguros, quer na legislação nacional e da União Europeia.

11. Na lei portuguesa não encontramos, uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o legislador, na senda do que acontece ao nível do Direito da União, em várias instâncias, a listar entidades que qualifica casuisticamente como “instituições de crédito“, “sociedades financeiras” e “instituições financeiras”, para efeitos de aplicação de um determinado regime.

12. Nos termos e para os efeitos do Regulamento (EU) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”: “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU[4], incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”          

13. No ponto 27. Uma “Entidade do setor financeiro” compreende:

a)      Uma instituição;

b)      Uma instituição financeira;

c)      Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;

d)      Uma empresa de seguros;

e)      Uma empresa de seguros de um país terceiro;

f)       Uma empresa de resseguros;

g)      Uma empresa de resseguros de um país terceiro;

h)      Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;

i)       (…)”.

 

14. Para efeitos da aplicação do regime da Diretiva 2009/138/CE do Parlamento e do Conselho de 25 de novembro, relativo ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (reformulação), no artigo 13.º, sob a epígrafe “Definições”, ponto 25., entende-se por “Instituição financeira, qualquer das seguintes entidades:

a)      Uma instituição de crédito, uma instituição financeira ou uma empresa de serviços bancários auxiliares, na acepção, respectivamente, dos pontos 1, 5 e 21 do artigo 4.º da Directiva 2006/48/CE;

b)      Empresas de seguros, empresas de resseguros ou sociedades gestoras de participações no sector dos seguros na acepção da alínea f) do n.º 1 do artigo 112.º;

c)      Uma empresa de investimento ou uma instituição financeira, na acepção do ponto 1 do n.º 1 do artigo 4.º da Directiva 2004/39/CE:

d)      (…)”.

 

15. Retira-se, daqui, que uma sociedade gestora de participações no setor dos seguros cabe, na ótica deste Regulamento, nas “entidades do setor financeiro” e, por conseguinte, num conceito amplo de instituição financeira.

16. Por sua vez, na Diretiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de Junho de 2003[5], relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, encontramos várias referências no sentido do enquadramento destas entidades no conceito de instituição financeira em sentido amplo.

17. No Considerando (1) pode ler-se que o objetivo é a criação de “um verdadeiro mercado interno dos serviços financeiros”, tendo já sido realizados importantes progressos “no sentido da criação desse mercado interno, que permite às instituições financeiras desenvolver actividades noutros Estados-Membros e assegurar um elevado nível de protecção dos consumidores de serviços financeiros” (Considerando (2).

18. Também o Considerando (4) reafirma a ideia de estarmos perante “instituições financeiras” que prestam relevantes “serviços financeiros”, que exige quadro legal harmonizado no que concerne à supervisão prudencial de tais entidades.

19. O referido Considerando tem o seguinte conteúdo:

“O plano de acção para os serviços financeiros considera premente a elaboração de uma directiva relativa à supervisão prudencial das instituições de realização de planos de pensões profissionais, já que estas importantes instituições financeiras, que têm um papel-chave a desempenhar na integração, eficácia e liquidez dos mercados financeiros (…)”.

20. Esta diretiva foi transposta para o direito português através do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões, dispondo o seu artigo 32.º que “[o]s fundos de pensões podem ser geridos quer por sociedades constituídas exclusivamente para esse fim, designadas no presente Decreto-Lei por sociedades gestoras, quer por empresas de seguros que explorem o ramo «Vida» e possuam estabelecimento em Portugal.”

21. O n.º 4 do mesmo preceito dispõe que “[a]s entidades gestoras realizam todos os seus actos em nome e por conta comum dos associados, participantes, contribuintes e beneficiários e, na qualidade de administradoras de fundos, podem negociar valores mobiliários ou imobiliários, fazer depósitos bancários na titularidade do fundo e exercer todos os direitos ou praticar todos os actos que directa ou indirectamente estejam relacionados com o património do fundo.” Porém a estas entidades gestoras são também vedadas algumas atividades, quando actuem como gestoras de fundos de pensões, tais como adquirir ações próprias, contrair empréstimos, exceto quando seja justificado por inequívoca necessidade de liquidez do fundo de pensões e conceder empréstimos, com exceção de empréstimo hipotecário aos seus trabalhadores (artigo 36.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 12/2016, segundo a redação dada pela lei n.º 147/2015, de 9 de setembro).

22. No que se refere às regras prudenciais a observar, o artigo 38.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 12/2006, segundo a redação dada pelo artigo 4.º da Lei nº 147/2015, de 9 de setembro, que estabelece o regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora, bem como o regime processual aplicável aos crimes especiais do setor segurador e dos fundos de pensões e às contraordenações cujo processamento compete à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de pensões, dispõe que:

“São aplicáveis às sociedades gestoras de fundos de pensões, com as necessárias adaptações, as disposições do regime jurídico de acesso e exercício da actividade seguradora e resseguradora, aprovado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, relativas a:

a)      Controlo dos detentores de participações qualificadas;

b)      Registo das pessoas que dirigem efetivamente a empresa, a fiscalizam ou são responsáveis por funções-chave;

c)      Requisitos de qualificação e de idoneidade das pessoas que dirigem efetivamente a empresa, a fiscalizam, são responsáveis por funções-chave ou exercem funções-chave;

d)      Acumulação de cargos e incompatibilidades;

e)      Registo de acordos parassociais;

f)       Uso ilegal de denominação.”

 

23. No que se refere às regras prudências, importa ter presente que as sociedades gestoras de fundos de pensões estão igualmente sujeitas “a dispor de uma margem de solvência disponível suficiente em relação ao conjunto das suas atividades”[6] (artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 12/2006 - segundo a redação dada pela Lei n.º 147/2015), margem essa determinada em função dos compromissos assumidos estabelecidos nos termos do artigo 46.º do mesmo diploma.

24. Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 7.º dos Estatutos da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 1/2015 de 6 de março), são atribuições desta designadamente “supervisionar e regular a atividade seguradora, resseguradora, de mediação de seguros e de fundos de pensões, bem como as atividades conexas ou complementares” [n.º1 alínea a)].

25. As entidades gestoras de fundos de pensões não apenas se aproximam das congéneres sociedades gestoras que atuam no setor segurador e ressegurador do ponto de vista dos requisitos formais e materiais da sua atividade, como estão igualmente sujeitas à supervisão da ASF (cfr. em especial, 17.º, 19.º, 20.º, 24.º, 30º, 32.º, e 38.º, nº2, do DL n.º 12/2006, segundo a redação introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 147/2015).

Ante o supra exposto, extrai-se diretamente do regime legal aplicável, em especial do direito da União, que as entidades gestoras de fundos de pensões realizam operações material e formalmente financeiras aproximando-se pelas características da sua atividade das empresas de seguros e de resseguros. Donde a conclusão natural do seu enquadramento no conceito amplo de instituição que opera no sistema financeiro.

26. Aqui chegados, impõe-se determinar qual o sentido de instituição financeira recebido pelo legislador na verba 17.3.4 da TGIS.

27. Recorde-se que o preceito se refere a operações “realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” (negrito nosso).

28. Começando pela letra do preceito, repare-se que o legislador, depois de se referir “a instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas” acrescenta e “quaisquer outras instituições financeiras” aponta expressamente para um conjunto mais vasto de instituições financeiras do que o composto pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, sob pena de tal referência se mostrar desprovida de sentido.

29. Dito por outras palavras, a letra da lei aponta necessariamente para um conceito de instituição financeira mais amplo do que os de instituições de crédito e sociedades financeiras que são expressamente referidas[7].

30. Afigura-se, desta forma, inequívoco poder extrair da letra do preceito que as sociedades gestoras de fundos de pensões preenchem o tipo de quaisquer outras instituições financeiras previsto na verba 17.3 da TGIS[8].

 

A2) - Sentido e alcance da alínea e) do artigo 7.º do CIS

 

31. O preceito tem o seguinte conteúdo:

“e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças; (Redação da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro)”.

32. Como vimos, para a AT a isenção aqui prevista apenas tem lugar quando os juros e comissões cobrados e as garantais prestadas estiverem associados a crédito concedido. Posição contrária é a da impugnante.

33. Vejamos.

34. A isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do CIS assume natureza mista, em parte objetiva e noutra parte subjetiva. É objetiva na medida em que abrange todas as operações aí previstas “os juros e comissões cobradas, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituição de crédito”. É, por outro lado, subjetiva porquanto a isenção de tais operações se restringe às realizadas entre determinadas entidades: instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras.

35. A aplicação desta norma tem suscitado divergências quanto ao tipo de entidades abrangidas e quanto à natureza das operações beneficiadas pela isenção.

36. Quanto ao âmbito subjetivo

37. A aplicação desta norma ao caso em apreço pressupõe que tanto as sociedades gestoras de fundos de pensões possam ser qualificadas como os fundos de pensões possam ser qualificados como instituições financeiras.

38. Concluímos atrás que as sociedades gestoras de fundos de pensões integram o conceito amplo de instituições financeiras, não havendo razões para excluir que também aqui vigore o referido conceito amplo de instituição financeira.

39. Na verdade, na falta de indicação da lei em sentido diferente, deve entender-se, por força dos princípios da segurança e da certeza jurídicas e da própria unidade do sistema fiscal, que o mesmo conceito de instituição financeira tem um sentido e extensão uniformes em todo o Código e Tabela Geral e não um sentido e extensão diferentes, mais amplo em caso de normas de incidência e mais estrito em normas de isenção:[9]. O mesmo deve dizer-se, aliás, do conceito de operações financeiras, ou serviços financeiros, a que reporta a verba 17.3.4. da Tabela Geral.

40. De qualquer modo, importa, ainda, que os mesmos requisitos subjetivos se verifiquem em relação aos fundos de pensões, uma vez que apenas as operações mencionadas realizadas entre estas entidades estariam isentas. A aplicação da isenção às comissões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras depende de se considerarem instituições financeiras, tanto as sociedades gestoras que cobram as comissões de gestão, como os fundos que as devem.

41. Segundo o artigo 2.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 12/2006, na redação dada pela Lei nº 147/2015, de 9 de setembro, entende-se por “Fundo de pensões”: “património autónomo exclusivamente afeto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde, podendo ainda simultaneamente estar afeto ao financiamento de um mecanismo equivalente nos termos da Lei n.º 70/2013, de 30 de agosto”.

42. Não obstante estarmos perante um património autónomo desprovido de personalidade jurídica, aos fundos de pensões é reconhecida personalidade jurídica para efeitos fiscais e, por outro lado, os mesmos integram-se, tal como as respetivas entidades gestoras, no conceito de instituições financeiras em sentido amplo.

43. Em primeiro lugar, a qualificação como instituição financeira dos fundos de pensões é reconhecida no relatório de inspeção, do qual resulta a liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, a partir do referido Parecer n.º 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais, que qualifica como instituições financeiras os organismos de investimento coletivo em geral, independentemente de estarem ou não abrangidos pela Diretiva n.º 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, designadamente os fundos de investimento alternativo que são os fundos de capital de risco. Por identidade de fundamentos, tal qualificação de instituições financeiras estender-se-ia aos fundos de pensões.

44. Constaria a mesma qualificação igualmente do projeto de decisão notificado à Requerente para efeitos do exercício do direito de audição.

45. Por outro lado, a qualificação como instituições financeiras, tanto dos fundos de pensões como das sociedades gestoras, assenta no artigo 30º, nº 1, alíneas e) e f), do Código dos Valores Mobiliários[10] e de outra legislação comunitária abundantemente referida no projeto de decisão e no mencionado Parecer nº 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais, que expressamente aglutinam no mesmo conceito de instituição financeira os fundos de pensões e respetivas sociedades gestoras.

46. Em especial, resulta desse artigo 30º, nº 1, alíneas e) e f), do Código dos Valores Mobiliários serem instituições financeiras, sujeitas à intervenção da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, todos os investidores qualificados referidos nas alíneas a) a l) e entre esses investidores qualificados figurarem os fundos de pensões.

47. É de referir que a expressa qualificação como instituições financeiras dos fundos de pensões e respectivas sociedades gestoras apenas seria efectuada pelo Decreto-Lei nº 66/2004, de 24 de Março, cujo art. 1º alteraria o art. 30º do Código dos Valores Mobiliários, já que a redacção inicial desse art. 30º limitava-se a qualificar de investidores qualificados as sociedades gestoras dos fundos de pensões e não os fundos de pensões.

48. Por força dessa alteração legal, no entanto, a alínea e) do nº 1 do art. 30º do Código dos Valores Mobiliários definiria como investidores qualificados tanto os fundos de pensões como as sociedades gestoras.

49. A subsequente alínea f) desse nº 1, ao identificar as instituições financeiras com as características de investidores qualificados, mencionaria expressamente, entre essas instituições financeiras, os fundos de pensões e sociedades gestoras, os fundos de titularização de créditos e sociedades gestoras e fundos de capital de risco e sociedades gestoras. 

50. Tal qualificação dos fundos de pensões como instituições financeiras resulta também de, nos termos do artigo 32.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Junho, a sociedade gestora atuar não apenas por conta comum mas em nome dos fundos[11], pelo que os atos praticados por aquela não podem deixar de se refletir diretamente na esfera dos fundos, para efeitos da sua qualificação como instituições financeiras. Situação similar é a dos fundos de investimento, que são havidos como instituições financeiras, enquanto tais, sujeitos a IRC, nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do EBF. No entanto, porque os fundos de investimento, como os fundos de pensões, não dispõem de capacidade jurídica, atuando através da sociedade gestora, que atua com independência dos investidores, não são os fundos mas a sociedade gestora quem está sujeito às disposições do RGICSF.

51. Resulta, assim, quer da legislação da União quer da portuguesa que os fundos de pensões integram o conceito amplo de instituições financeiras sendo equiparados às respetivas entidades gestoras, nos termos e para os efeitos da incidência subjetiva prevista na verba 17.3.4 da TGIS.

52. Quanto ao âmbito objetivo

53. Nesta sede, a questão que concretamente se coloca é a de saber se o âmbito da norma de isenção se restringe, dentro do universo dos serviços financeiros, a operações e serviços tipicamente bancários donde seriam de excluir designadamente as comissões cobradas por entidades gestoras de fundos de pensões aos respetivos fundos. É de referir, no entanto, que, no desenho da norma de incidência da verba 17.3.4, como já acontecia na anterior Tabela Geral, o legislador não se limitou a incluir os serviços  bancários, mas todo o universo, hoje muito mais amplo, dos serviços financeiros. 

54. Para responder a esta questão, impõe-se interpretar a norma recorrendo aos critérios de hermenêutica jurídica, em especial, os elementos histórico, literal e teleológico.

55. Elemento histórico e literal

56. Realce-se que inicialmente não estava prevista na norma inscrita na Tabela anexa ao Regulamento do Imposto do Selo relativa às “operações bancárias[12] qualquer isenção para as operações aí identificadas.

57. De acordo com o art. 120º-A da anterior Tabela Geral, aprovada pelo art. 1º do Decreto nº 21.916 de 28 de Novembro de 1932, a tributação das operações financeiras não sujeitas ou isentas de IVA, excluídas da incidência do imposto do selo, nos termos do art. 3º da Lei nº 3/86, de 7 de Fevereiro, era regulada pela alínea e) do art. 120º- A, salvo quando fossem por garantias prestadas, caso em que era regulada pela alínea f).

58. Despacho do Subdirector-Geral das Contribuições e Impostos de 19 de Novembro de 1992, proferido no Processo n º 12/120º-A, Livro 10/3376, da 6º Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (transcrito in Madeira Curvelo e Joaquim dos Ramos Costa, “O Imposto do selo- Regulamento e Tabela Comentados e Anotados”, Coimbra, 1994, pág. 433), com o fundamento de a incidência da alínea c) do art. 120º- A da Tabela Geral depender de as operações que originaram a cobrança das comissões serem realizadas ou intermediadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras esclareceria que as comissões cobradas aos fundos de pensões pelas sociedades gestoras não estavam sujeitas a imposto do selo da alínea c) do art. 120º da Tabela Geral.

59. Tal posição seria confirmada por despacho do Subdirector-Geral das Contribuições e Impostos de 12 de Março de 1999, dirigido ao Presidente da Associação Portuguesa de Bancos, citado pelo referido Parecer do Centro de Estudos Fiscais. De acordo com esse despacho, as sociedades gestoras, por, como as seguradoras, estarem excluídas expressamente do âmbito de aplicação do RGICSF pelo nº 3 do seu art. 6º, não sendo, assim, susceptíveis de serem qualificadas como sociedades financeiras para efeitos da aplicação das normas do referido Regime, não eram sujeitos passivos de imposto do selo. Não havia, assim, qualquer isenção das comissões cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões tais comissões não estavam sujeitas a imposto do selo, não se colocando, assim, a questão da isenção.  

60. Consultado o art.º 120-A, n.º 2, da Tabela Geral do Imposto do Selo, por exemplo, na redação de 1979 em que ainda se mantinha a redação do Decreto-Lei n.º 16732 de 1929.04.13, observa-se que as operações financeiras sujeitas a imposto do selo – inscritas em apenas 2 números – não beneficiavam de qualquer isenção.

61. Só mais tarde, foram previstas isenções, mas tão só circunscritas aos juros, da seguinte forma: “Ficam isentos do imposto os juros dos empréstimos concedidos para aquisição de habitação própria, bem como os devidos por instituições de crédito ou parabancárias a instituições da mesma natureza” (redação do nº 1 do art. 120º-A dada pelo Decreto-Lei n.º 154/84, de 16.05).

62. O DL 223/91, que alterou os artigos 13.º, 15.º, 27.º-A, 94.º, 120.º-A, 120.º-B, 141.º e 145.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pelo Decreto 21.916 de 28 de Novembro de 1932, além dos juros, prevêem-se outras isenções, mas não há referência a comissões.

63. Posteriormente, o nº 2, alínea b), 1ª parte, do art. 120º-A, na redacção dada pelo art. 1º da Lei nº 24/94, de 18 de Julho, adaptando o anterior nº 1 à nova terminologia introduzida pelo RGICSF, passaria a isentar de imposto do selo os juros cobrados por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português.

64. Com a aprovação do Código do Imposto do Selo da Tabela anexa pelo art. 1º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro[13], com a epígrafe “Outras isenções”, o artigo 6.º do CIS, alíneas e) e f), dispunha:

“e) Os juros cobrados e a utilização do crédito concedido por instituições de crédito …”

 f) As comissões cobradas por instituições de crédito …”

65. Em suma, nos termos da alínea e), do n.º 1 do artigo 6.º, na numeração originária do artigo 1.º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, estavam isentos de imposto do selo os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997.

66. A alínea f) desse n.º 1 ampliaria a isenção às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, desde que igualmente cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997.

67. Com esta alteração, a isenção do imposto do selo, anteriormente limitada aos juros, passaria a também abranger a concessão de crédito e os juros e comissões cobradas, nos termos definidos nessas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6º, no que parecia ser um claro incentivo à atividade financeira, com a consequente atenuação da tributação em cascata que, ao contrário do IVA, caracteriza este tipo de impostos (é referir que a revisão do imposto do selo no sentido de assegurar uma maior neutralidade do imposto e da própria tributação das comissões cobradas vinha prevista na Resolução do Conselho de Ministros nº 119/97, de 14 de Julho, que continha as linhas gerais para a reforma do imposto do selo (ver também o Relatório “Estruturar o sistema fiscal para o Portugal desenvolvido”, publicado pelo Ministério das Finanças, Coimbra, 1998, pp. 282 e 283).

68. O enquadramento das isenções de imposto do selo das operações financeiras em que interviessem exclusivamente instituições de crédito e sociedades financeiras constaria de alíneas separadas, dado serem distintos os pressupostos das isenções aplicáveis respetivamente à utilização do crédito e aos juros e às comissões cobradas: no primeiro caso, a isenção aproveitava às instituições de crédito e sociedades financeiras, no segundo caso, exclusivamente às instituições de crédito.

69. A isenção dessas alíneas e) e f) do nº 1 do art. 6º do Código do Imposto do Selo, no entanto, como anteriormente se referiu, apenas se aplicava respetivamente à concessão de crédito e juros cobrados por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza, ou seja outras instituições de crédito e sociedades financeiras e às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições de crédito e não às sociedades financeiras e outras instituições financeiras.

70. No entanto, o artigo 37.º da Lei n.º 30-C, de 29 de Dezembro de 2000 (Orçamento do Estado para o ano de 2001), veio introduzir ao artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, as seguintes alterações:

Artigo 6.º

“[...]

“e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

2 - O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas.

[...]”.

71. Com a nova redação, dada ao n.º 2 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, o legislador determinou que as isenções previstas nestas duas alíneas se restringissem “às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito”.

72. O legislador veio dizer expressamente que a aplicação da norma de isenção se limitava precisamente à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados, de tal modo que a isenção apenas seria de aplicar às comissões da verba 17 quando estivessem diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas nas alíneas anteriores.

73. Como resulta da expressão “directamente destinadas”, foi propósito do legislador limitar a isenção referida nas alíneas e) e f), às operações diretamente ligadas com a concessão de crédito e, mesmo dentro das operações de crédito as ligadas, ao financiamento da atividade da concessão de crédito desenvolvida pelas instituições de crédito mutuárias.

74. De fora da isenção ficaria, por exemplo, o crédito obtido por instituições de crédito com vista ao financiamento da aquisição de outras instituições de crédito ou empresas em geral, para aquisição da sede social ou para adoção de planos de reestruturação empresarial.

75. A isenção em causa ficaria, assim, limitada ao crédito, respetivos juros e comissões associadas ao contrato, com vista ao financiamento da atividade tradicional das instituições de crédito, a concessão de crédito.

76. Não está em causa, assim, o que o legislador pretendeu dizer: o nº 2 introduzido no art. 6º visa limitar o sentido e alcance das isenções das alíneas e ) e f) do nº 1.

77. O legislador, no entanto, não conferiria formalmente qualquer carácter interpretativo a tal disposição, deixando em aberto o seu carácter interpretativo ou inovatório.

78. É de referir, no entanto, que até à entrada em vigor da Lei nº 30-C/2000, a Administração Fiscal, não obstante os esclarecimentos abundantes prestados sobre a aplicação dos novos Código e Tabela Geral do Imposto do Selo à atividade bancária (ver em especial a Circular nº 15/2000, de 5 de Julho) jamais declararia as isenções das alíneas e) e f) se aplicarem apenas às operações diretamente relacionadas com a concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras. Não se conhece igualmente qualquer litígio sobre o assunto, motivado por a Administração Fiscal ter atuado de acordo com essa interpretação da lei que, aliás, jamais publicamente exprimiu.

79. O art. 30º da Lei nº 32- B/2002, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003) aboliria o nº 2 do art. 6º do Código do Imposto do Selo, na redação introduzida pelo art. 37º, nº 1, da Lei n 30-C/2000, passando os nºs 3 e 4 da anterior redação a ser os nºs 2 e 3 da nova redação. Fundiria, por outro lado, em uma só alínea, a e), as anteriores alíneas e) e f).

80. A referida nova alínea e), resultante da fusão das anteriores alíneas e) e f) passou a isentar de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco[14], bem como a sociedades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.

81. Tal norma legal ampliaria, assim, em primeiro lugar, a isenção do imposto do selo, então limitada ao crédito, incluindo os respetivos juros, concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza ao crédito, incluindo os respetivos juros concedidos por instituições de crédito e sociedades financeiras às sociedades  de capital de risco, então reguladas pelo Decreto-Lei nº 319/2002, de 29 de Dezembro.

82. A isenção seria ampliada, em segundo lugar, às comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras e sociedades de capital de risco.

83. Foi, assim, expressamente e não apenas tacitamente eliminada a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras.

84. Segundo a Administração Fiscal, a eliminação do n.º 2 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo não teria qualquer alcance prático. Para a entidade Requerida, a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras decorria da nova alínea e), resultante da fusão entre as anteriores alíneas e) e f). Por sua vez, a eliminação do anterior n.º 2 terá ficado a dever-se ao facto de com a fusão das referidas alíneas tal norma legal ter deixado de ser necessária a essa limitação, tornando-se, assim, supérflua. 

85. A letra do preceito, atenta a nova redação que lhe foi dada, e a razão de ser da alteração introduzida contrariam, porém, esta tese.

86. Vejamos.

87. A primeira inovação substancial introduzida no artigo 6.º do CIS resultaria da remodelação do regime de investimento em capital de risco entretanto operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 29 de Dezembro, que este último instrumento legislativo fortemente estimularia, nomeadamente através de novos incentivos fiscais.

88. Aquela inovação consistiria na ampliação da isenção às comissões e juros cobrados e ao crédito utilizado pelas sociedades de capital de risco no âmbito das operações realizadas entre as sociedades de capital de risco e instituições de crédito ou sociedades financeiras. Por não serem instituições de crédito, as sociedades de capital de risco não aproveitavam dos benefícios previstos na anterior redação dessas alíneas.

89. Por outro lado, a isenção passaria a abranger as comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras, incluindo as sociedades de capital de risco.

90. O legislador harmonizaria os pressupostos da isenção da alínea e) com os da alínea f): tal como a isenção da alínea e), a isenção da alínea f) passaria a abranger as operações que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito, sociedades financeiras e fundos de capital de risco e não apenas as operações em que o destinatário fosse instituição de crédito. Uniformizando-se os regimes em um só, óbvias razões de simplicidade e clareza impunham que deixassem de constar de alíneas separadas, o que foi feito.

91. Assim sendo, a razão de ser da fusão das alíneas não tem a ver com a incorporação na nova alínea e) do n.º 1 do expressamente revogado n.º 2 do artigo 6.º, mas com a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras.

92. No mesmo sentido do propugnado vai a letra do preceito.

93. Com efeito, a expressão “bem como”, que quer dizer “igualmente”, “também” e “do mesmo modo”, utilizada na nova redação da alínea e) quer dizer claramente a isenção dos juros e comissões cobradas se aplicar em termos idênticos à utilização do crédito. Chama a atenção para a uniformidade dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas, em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras, não tendo qualquer alcance restritivo.

94. A expressão “utilização do crédito” não limita, assim, retroativamente o alcance da isenção dos juros e comissões anteriormente referidas, no sentido de apenas abranger os juros e comissões relativas a operações de crédito.

95. A Administração Fiscal interpreta essa alínea e) como se dissesse: “Estão isentos de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco[15], bem como a sociedades cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças, em operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas entidades anteriormente referidas”.

96. Ora, tal interpretação, além de não ter qualquer suporte legal, é tanto mais absurda quando o objeto das sociedades de capital de risco não é a concessão de crédito mas a aquisição de instrumentos de capital próprio e alheio em atividades de elevado potencial de desenvolvimento.

97. Como resulta dos arts. 2º e 7º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 319/2002, as sociedades de capital de risco não podiam, aliás, como ainda não podem, conceder crédito.

98. O crédito obtido pelas sociedades de capital de risco não pode, assim, ser utilizado por estas sociedades para conceder crédito.

99. A produção de efeitos do nº 2 do então art. 6º do Código do Imposto do Selo, para além da sua revogação expressa, implicaria as sociedades de capital de risco estarem sujeitas a imposto do selo nos termos gerais, com a consequente inutilidade do art. 30º da Lei nº 32-B/2002, o que obviamente não se deve presumir ter sido a vontade do legislador.

100.                    É de referir, mesmo assim, que a nova redação da norma continuaria a não isentar de imposto do selo o crédito concedido e os juros e comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a outras instituições financeiras, ou seja, instituições financeiras não abrangidas no âmbito de aplicação do RGICSF, como as empresas seguradoras, salvo quando a entidade mutuária fosse sociedade de capital de risco.

101.                    Manteve-se, assim, o enquadramento anterior das comissões cobradas aos fundos de pensões pelas sociedades gestoras, bem como, aliás, das comissões cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de capital de risco.

102.                    Posteriormente, no entanto, o artigo 36.º, n.º1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2004), daria nova redação ao artigo 6.º, n.º1, alínea e), que passaria a isentar de imposto do selo as garantias prestadas, os juros e comissões cobradas e, bem assim, a utilização do crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco a outras sociedades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.

103.                    Com esta alteração, o âmbito objetivo da isenção seria ampliado às garantias prestadas e no plano subjetivo aos tipos de instituições financeiras previstos na legislação comunitária, em que se incluem os fundos de pensões regulados na Diretiva 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, e não exclusivamente as instituições de crédito e sociedades financeiras reguladas no RGCSF.

104.                    O objeto principal da atividade das instituições financeiras excluídas da aplicação do RGICSF não é a concessão de crédito. Também o não é, aliás, das próprias sociedades financeiras reguladas no RGICSF[16].

105.                    A limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida, preconizada pela Administração Fiscal tornaria, assim, de todo inútil a alteração do artigo 36.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003 que ampliaria às instituições financeiras que não fossem instituições de crédito e sociedades financeiras incluindo fundos de pensões e fundos de capital de risco, o universo subjetivo dos destinatários da isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 6.º, tudo se passando como tal redação não tivesse sido alterada.

106.                    Em suma, a evolução histórica do preceito aponta de forma clara que apenas no período em que vigorou a redação dada pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C de 29 de Dezembro (que acrescentou um n.º 2 ao artigo 6.º), a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo, no sentido de crédito obtido pelas instituições de crédito junto das instituições de crédito para emprestar posteriormente aos seus clientes.

107.                    No que se refere em particular às comissões cobradas a isenção apenas se podia aplicar àquelas que tivessem subjacente operações destinadas à concessão de crédito, por força da restrição introduzida no mencionado n.º 2 do artigo 6.º.

108.                    A partir do momento em que por vontade expressa do legislador aquele n.º 2 foi revogado e se dá a fusão das alíneas e) e f) numa única alínea e), o preceito perdeu homogeneidade inicial, com a consequente erosão do elemento catalisador da concessão do crédito. Perda de homogeneidade que é acentuada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, indo no mesmo sentido a razão de ser que presidiu, como vimos, às sucessivas alterações que o preceito foi sofrendo. Essa homogeneidade inicial apenas se manteria se fosse admissível, à luz dos critérios gerais de interpretação das leis, a sobre- vigência de uma norma revogada e jamais repristinada. 

109.                    Pelas razões expostas não podemos deixar de concluir que a isenção do artigo 7º, nº 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo não se restringia, anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras, como se defende no relatório de inspeção em que a liquidação se baseou.

110.                    Aquela restrição apenas voltou a ser expressamente instituída pela Lei nº 7-A/2016.

 

A)3- Sentido e alcance da Lei n.º 7-A/2016 e os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídicas

 

112.                    De acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, estão isentos de imposto: 

“Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliárias nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.”

(…)

113.                    Por sua vez, o n.º 7 do mesmo preceito tem o seguinte conteúdo:

“O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.

114.                    A redação da alínea e) foi dada, como vimos, pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, e o n.º 7 foi aditado, pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março ( Lei do Orçamento de Estado para 2016), tendo por sua vez o artigo 154.º qualificado de norma interpretativa o referido n.º 7.

115.                    Como é sabido, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada (artigo 13.º do Código Civil), aplicando-se a situações e factos anteriores. No entanto, ao fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar, e uma solução os tribunais poderiam ter adotado, não é suscetível de violar as expetativas seguras e legitimamente fundadas dos cidadãos.

116.                    O problema emerge quando o legislador designa uma norma de “lei interpretativa” quando na verdade está em causa uma lei inovadora, tratando-se em muitas situações de um disfarce da retroatividade da lei nova.

117.                    Para Baptista Machado[17] uma lei nova é realmente interpretativa se se verificarem dois requisitos:” que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.

118.                    Aplicando os critérios expostos ao caso em apreço, a explanação feita supra [A)2-] afigura-se clara quanto ao caráter incerto da solução de direito contida na norma em apreço, pelo menos no sentido que a AT lhe pretende atribuir. De igual modo, ficou também demonstrado que a lei nova veio consagrar um sentido que pelo menos depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 32-B/2002, é claramente inovador. Tanto assim que a lei nova veio precisamente reintroduzir uma redação para este n.º7 do artigo 7.º do CIS muito similar à redação que havia sido instituída pela Lei do Orçamento do Estado para 2001 para o então artigo 6.º do CIS e que vigorou até ser expressamente revogada pela Lei n.º 32-B/2002 (Lei do Orçamento do Estado para 2003).

119.                    No sentido do caráter inovador do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, repete-se que, se num primeiro momento, o da Lei nº 30-C/2000, o legislador pretendeu restringir a isenção do então artigo 6.º, n.º 1, alínea e), às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, num segundo momento, o da Lei n.º 32-B/2002, o mesmo legislador quis abolir essa limitação, restabelecendo o regime anterior, através da revogação expressa do n.º 2 do artigo 6.º do CIS. Finalmente, num terceiro momento, através das alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, o legislador ampliou ainda mais essa isenção, no sentido de abranger, entre outras operações, as comissões cobradas por instituições financeiras, ainda que não sejam instituições de crédito ou sociedades financeiras, a instituições da mesma natureza.

120.                    O teor literal da expressão “bem assim”, que tem inequivocamente um alcance ampliativo e não restritivo da 1ª parte do artigo 6º, nº 1, alínea e), não pode extrair-se, como pretende a Requerida, a intenção do legislador do artigo 36.º, n.º1, da Lei nº 107-B/2003, a repor a exclusão da isenção das comissões às operações diretamente relacionadas com a concessão de crédito que tinha sido revogada no ano anterior, pela Lei n.º 32-B/2002.Tal interpretação é, aliás, incompatível com o sentido geral da nova redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que vai no sentido de ampliar a isenção às comissões cobradas por instituições financeiras a outras instituições financeiras.

121.                    A Lei do Orçamento para 2016 veio, desta forma, restringir o campo de aplicação da isenção em imposto do selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, e, sendo designada pelo legislador de interpretativa, será aplicada desde a vigência da norma interpretada. Os sujeitos passivos serão, desta forma, confrontados com a imposição de um encargo fiscal, apenas balizado pela caducidade do imposto, com que não contavam nem poderiam em princípio prever, de acordo com as regras de hermenêutica aplicáveis.

122.                    E nem se argumente no sentido não inovador da Lei n.º 7-A/2016, a jurisprudência dos tribunais tributários superiores, iniciada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21 de Setembro de 2010, processo 2754/08, e confirmada, embora com oscilações de fundamentação, por posteriores e recentes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, entre outros o de 18 de Janeiro de 2016, processo 0835/16, de 15 de Junho de 2016, processo 770/15, de 9 de Junho de 2016, processo 01630/15, e de 3 de Novembro de 2016, processo 0976/16.  É de referir que a argumentação da Fazenda Pública em todos esses processos não foi qualquer interpretação restritiva da alínea e) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto do Selo, mas a mediação de seguros não ser uma atividade financeira. A colocação dos seguros junto do público não seria, assim, uma operação financeira e por isso não estaria abrangida pela incidência da verba 17.3.4. da Tabela Geral. Estaria sujeita a uma tributação diferente, a da verba 22.2.

123.                    Segundo essa jurisprudência estariam sujeitas e não isentas de imposto do selo as comissões cobradas às empresas seguradoras pelas instituições de crédito ou outras entidades financeiras, legalmente autorizadas, tais como meros particulares, a exercer a atividade de mediação de seguros, nos termos do Decreto-Lei nº 144/2006, de 31 de Julho, sem que do facto resulte a sua redenominação em instituições financeiras.

124.                    Ora, a referida jurisprudência não abrange, no entanto, ao contrário do que parece resultar da argumentação da Requerida, direta ou indiretamente, as comissões de gestão dos fundos de pensões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras e, em geral, as comissões ou outras contraprestações resultantes da prestação de serviços financeiros, sujeitos à verba 17.3.4.

125.                    As comissões a que se reporta essa jurisprudência são, na verdade, as comissões cobradas pelo exercício da atividade de mediação seguradora, tributadas pela verba 22.2, que se distingue da prestação de serviços financeiros abrangidos pela verba 17.3.4, ambas da TGIS.

126.                    O imposto do selo sobre essas comissões tem natureza distinta daquele a que se refere a verba 17.3.4. da Tabela Geral: na verdade, como refere o Acórdão de 15 de junho de 2016 anteriormente citado, essas comissões não são a contraprestação de qualquer serviço financeiro mas um serviço que, embora conexo com uma atividade financeira, no caso, a atividade seguradora e, por isso, isento de IVA nos termos do n.º 29.º, atual 28.º, do Código do IVA e objeto da regulação específica no Decreto-Lei n.º 144/2006, não é materialmente um serviço financeiro, ainda quando prestado por instituição de crédito, como admite o artigo 11.º do referido Decreto-Lei.

127.                    Aquele imposto não é, ao contrário do previsto nessa sub-verba 17.3.4. um imposto indireto, mas um imposto direto, incidindo sobre o proveito bruto do mediador, através do sistema de retenção na fonte efetuada pela empresa seguradora. 

128.                    É o que diretamente resulta da já referida alínea o) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, que considera esse imposto encargo do mediador e não da empresa seguradora, que se limita a deduzir o imposto nas comissões pagas ao mediador.

129.                    Em suma, as comissões de mediação, além de a sua causa ser o exercício de uma atividade substancialmente não financeira, não são, segundo essa jurisprudência, cobradas ao cliente do mediador, motivo pelo qual não estão sujeitas ao imposto do selo da verba 17.3.4. nem estão abrangidas pela isenção do artigo 6.º [atual artigo 7.º, n.º 1, alínea e)], do Código do Imposto do Selo.

130.                    Não é, desse modo, legítima a extrapolação dessa jurisprudência sobre o sentido e alcance do mencionado preceito para o caso dos autos e em ordem a excluir da isenção do imposto do selo as comissões cobradas em virtude do exercício da atividade de gestão de fundos de pensões. Nem tão pouco pode ser invocada essa jurisprudência como corrente jurisprudencial consolidada consagradora de um sentido inequívoco que resultasse claramente da lei antiga e que a lei nova se tivesse limitado a acolher[18].

131.                    Em suma, pelas razões que vão expostas, considera-se que a Lei n.º 7-A/2016 veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS, de forma inovadora. Aqueles preceitos ao instituírem uma redação que não constava na ordem jurídica desde 2003 têm de considerar-se retroativos e, como tal, inconstitucionais, por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica.

 

A)3-1- Lei n.º 7-A/2016 e a proibição da retroatividade da lei fiscal (artigo 103.º, n.º3, da CRP).

 

112.                    Ainda que se entendesse estarmos perante verdadeira norma interpretativa (lei interpretativa material e não puramente formal), a legitimidade do alcance interpretativo do artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS conferido pelos artigos 152.º e 154.º da Lei n.º 7-A/2016 estaria sempre ferida de inconstitucionalidade, por violação da proibição constante o artigo 103.º, n.º3, da CRP.

113.                    Senão vejamos.

114.                    Desde a revisão constitucional de 1997 encontra consagração constitucional expressa o princípio da não retroatividade dos impostos, dizendo-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da legislação, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”

115.                    Como refere Nuno M. Morujão, “a doutrina fiscal maioritária que se debruça especificamente sobre o problema das normas interpretativas, não se lhes opõe, desde que se trate de normas interpretativas “autênticas “”[19].

116.                    No entanto, para outros autores, “no domínio fiscal, havendo norma constitucional expressa a proibir a retroatividade pouco importa avaliar se a lei interpretativa o é em sentido material ou apenas em sentido formal (no caso de se tratar de lei inovadora)”[20]. Saldanha Sanches[21], em anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/98, de 9 /3/1998 (proc n.º 370/97), pondera que “ a mudança constitucional tem de ser interpretada como uma espécie de crítica do legislador à jurisprudência constitucional: o legislador constitucional, ao modificar a lei e ao acrescentar mais uma garantia no texto constitucional, está a afirmar implicitamente que neste campo a jurisprudência constitucional não concedeu uma tutela efetiva aos direitos fundamentais do contribuinte”, concluindo, que “não nos parece que a lei interpretativa possa ter lugar em matéria fiscal: se até aqui o que estava em causa eram as leis falsamente interpretativas, a revisão constitucional veio impedir os efeitos retroativos de qualquer norma, em matéria fiscal, incluindo os provocados por norma interpretativa”.

117.                    No mesmo sentido, Jónatas Machado e Paulo Nogueira da Costa[22] referem que as normas interpretativas “não têm apenas uma natureza declarativa, produzindo efeitos constitutivos. Na medida em que vinculam os tribunais a uma determinada interpretação, entre várias em abstrato possíveis e já acolhidas por outros tribunais, elas implicam, inevitavelmente, uma aplicação retroativa da lei interpretanda”.

118.                    A mencionada doutrina vai, no fundo, ao encontro da jurisprudência afirmada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, processo 762/98, relativo à constitucionalidade do artigo 28.º, n.º 7, da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, sobre a dedutibilidade da derrama enquanto custo de exercício de IRC. É de referir que o sentido do Acórdão não é contrariado pelos votos de vencido, que divergem apenas sobre a fundamentação da decisão.

119.                    Aquele Acórdão consideraria as leis interpretativas que vinculem retroativamente o intérprete serem incompatíveis com a proibição da criação de impostos retroativos introduzida pela Quarta Revisão.

120.                    Sendo certo, para o Tribunal Constitucional, que as leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expetativas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada. Todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, nos casos em que a lei constitucional proíba a sua retroatividade, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários.

121.                    A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas, seguindo ainda esse Acórdão, leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica, com a consequente frustração do princípio constitucional da irretroatividade dos impostos.

122.                    Nesta medida, prosseguiria o Acórdão, poder-se-á entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do n.º 1 o artigo 13.º do Código Civil, altera o contexto de auto -vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afeta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroatividade.

123.                    Haveria, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroatividade.

124.                    No presente caso, não existia, antes da edição da norma interpretativa, qualquer corrente doutrinária[23] ou até jurisprudencial[24] que sustentasse a posição que adotou, não se podendo considerar como tal, é evidente, a fundamentação do ato impugnado.

125.                    Nessa medida, no que concerne ao novo n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, a interpretação que é dada à alínea e) do anterior n.º 1, pelo artigo 152.º, com o alcance do artigo 154.º ambos da Lei n.º7-A/2016, não pode ser considerada genuinamente autêntica. A genuinidade da interpretação é pressuposto de aplicação de toda e qualquer norma formalmente interpretativa. 

126.                    De facto, a única orientação doutrinária anterior à entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, no sentido de as comissões isentas nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto do Selo, é aquela em que se fundamentaram as liquidações impugnadas, pelo que não pode ser considerada, a não ser que se legitime a prática de legislativamente, pela edição de normas apenas formalmente interpretativas, se resolverem os litígios entre a Administração Fiscal e os contribuintes.

127.                    Mesmo que o fosse, como resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, a norma interpretativa constante do referido artigo 154.º, por implicar imposto retroativo, sempre violaria o n.º 3 do artigo 103.º da CRP, pelo que, nos termos do seu artigo 204º, não poderia ser aplicada no caso sub judice.

128.                    Por tudo o que vai exposto, não assiste razão à Autoridade Tributária ao não considerar as comissões cobradas pela Requerente isentas de Imposto do Selo em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS.

129.                    Termos em que procede o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto do Selo e juros compensatórios objeto do pedido arbitral, por erro de direito quanto ao sentido e alcance dos mencionados preceitos, com a consequente anulação das mesmas.

 

B) Questões prejudicadas

 

130.                    Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade por erro de direito quanto ao sentido e alcance do artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS, que assegura efetiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao ato tributário em causa.

131.                    Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

C) Dos juros indemnizatórios

           

132.                    Alega a Requerente que, caso obtenha ganho de causa na presente ação e considerando-se as liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios ilegais, deverá a AT pagar juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

133.                    De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

[…]

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

[…]».

132.                    No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

133.                    A doutrina e jurisprudência têm defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida (cfr. Carla Castelo Trindade (2016), Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116).

134.                    Com efeito, na autorização legislativa concedida ao Governo para aprovação do RJAT, constante do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril proclama-se, indubitavelmente, a intenção de uma verdadeira alternatividade entre o processo judicial e o processo arbitral tributários, ali se lendo que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

135.                    Assim, pese embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais tributários, não fazendo referência expressa a decisões constitutivas (anulatórias) e decisões condenatórias, deverá entender-se, de harmonia com a autorização legislativa supra transcrita e, bem assim, com os efeitos assacados às decisões arbitrais previstos no artigo 24.º do RJAT, que se compreendem nas competências dos tribunais arbitrais tributários os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais judiciais tributários em relação aos atos cuja apreciação de (i)legalidade se insere nas suas competências.

136.                    Deste modo, se apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação – conforme o disposto nos artigos 99.º e 124.º do CPPT – pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, idêntica conclusão deverá resultar no âmbito do processo arbitral tributário.

137.                    Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

138.                    No caso sub judice, como ficou demonstrado, as liquidações adicionais de Imposto do Selo e juros compensatórios impugnadas enfermam de ilegalidade imputável à Requerida, que, por sua iniciativa praticou sem suporte legal.

139.                    Por outro lado, é manifesto que, na sequência da ilegalidade das liquidações adicionais impugnadas, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, por força dos artigos 24.º, n.º1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

140.                    A Requerente tem, ainda, direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º1, da LGT, relativamente ao valor do imposto e juros indevidamente pagos, contados desde a data em que tais valores foram indevidamente pagos até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

VI. Decisão

De acordo com o exposto acordam no presente Tribunal Arbitral em :

 

a)      Julgar procedente, por violação da alínea e) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto do Selo, na redação anterior à introduzida pelo art. 152º da Lei nº 7-A/2016, o pedido de  declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2015…, no montante de € 79.879,79, referente ao ano de 2011; 2015 …, no montante de € 81.629,88, referente ao ano de 2012; n.º 2015…, no montante de € 87.995,29, referente ao ano de 2013 e n.º 2015…, no montante de € 92.684,48, referente ao ano de 2014; bem como das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 12.156,47, referente ao ano de 2011; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 9.566,09, referente ao ano de 2012; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 6.744,57, referente ao ano de 2013; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, no montante total de € 3.405,79, referente ao ano de 2014, perfazendo a quantia global de € 374.062,36 (trezentos e setenta e quatro mil, sessenta e dois euros e trinta e seis cêntimos);

b)      - Anular consequentemente o indeferimento da reclamação graciosa dessas liquidações;

c)       – Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios a partir da data do pagamento das liquidações anuladas até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do nº 1 do art. 43º da LGT.

 

VII. Valor do processo

 

Nos termos do nº 2 do artigo 315º do Código do Processo Civil, da alínea a) do nº 1 do art. 97º-A do CPPT e dos nºs 2 e 3 do artigo 3º do Regulamento das Custas nos Processos Arbitrais, fixa-se o valor do processo € 374.062,36 (trezentos e setenta e quatro mil, sessenta e dois euros e trinta e seis cêntimos).

 

VIII. Custas

O montante das custas é fixado em € 6.120,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

 

Lisboa, 2 de maio de 2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Fernanda dos Santos Maçãs)

 

 

 

 

(Diogo Leite de Campos)

 

 

 

 

(Jorge Carita)

 



[1] Esse entendimento seria, aliás, sancionado pela Administração Fiscal, pelo despacho do Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento de 18 de Novembro, que consideraria, não obstante o disposto no art. 6º, nº 3, do RGICSF, as empresas seguradoras e sociedades gestoras de fundos de pensões, instituições financeiras, abrangidas pelo dispensa de retenção na fonte dos rendimentos pagos a essas instituições, então consagrada no art. 10º, nº 1, do Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Julho, constante actualmente do art. 97º, nº 1, alínea a), do Código do IRC.

[2] Cfr. José Nunes Pereira, “Integração dos Mercados de Capitais e Regulação Financeira”, Boletim de Ciências Económicas, vol., XLV-A (2002), p. 621.

[3] Cfr., para maiores desenvolvimentos, João Espanha/Fernando Castro Silva, “Enquadramento das seguradoras na disciplina da retenção na fonte estabelecida no art.º10.º,n.º1, do Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, Fisco, Fevereiro 94, ano 6, pp 41 ss.

[4] Neste sentido, o Decreto-Lei n.º 157/2014 de 24 de outubro veio aditar o artigo 2.º-A ao RGICSF.

[5] Alterada pelas Diretivas n.ºs 2011/61/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho, e 2013/14/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de 2013. O Decreto-Lei n.º 124/2015 de 7 de junho, relativo às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, operou a transposição parcial para a ordem jurídica interna destas diretivas.

[6] Regime designado de Solvência II introduzido pela Diretiva n.º 2009/138/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2009, relativa ao acesso da atividade de seguros e resseguros. 

[7] Manuela Duro Teixeira, “O Imposto do Selo na Mediação de Seguros por Instituições de Crédito”, Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, Ano II, n.º3, p. 230.

[8] Neste sentido, cfr. Parecer junto pela Requerente aos autos da autoria de Joaquim Silvério Mateus e outros, p.13.

[9] A Circular da Direcção-Geral dos Impostos nº 7/2009, de 15 de Abril, para sustentar a não aplicação às empresas seguradoras da isenção do artigo 6.º (atual 7.º), n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, relativamente às comissões cobradas pelas instituições de crédito no exercício da atividade de mediação de seguros, sustentaria o conceito de instituições financeiras referido nessa norma legal abranger apenas as instituições financeiras em sentido estrito, em que não se incluíram essas empresas seguradoras. É o que resultaria, segundo essa Circular, de as empresas seguradoras não caberem no conceito de intermediário financeiro ou de sociedade financeira. Apenas em sentido amplo as seguradoras poderiam ser consideradas instituições financeiras. Mas isso não impediria, nos termos da sub-verba 17.3.4. da Tabela Geral, a sujeição a imposto do selo das comissões que cobrassem. Não estariam, no entanto isentas as comissões cobradas a essas entidades por outras instituições financeiras por as empresas seguradoras não serem instituições financeiras em sentido estrito. Haveria, assim, dois distintos conceitos de instituição financeira no Código do Imposto do Selo, para efeitos da incidência das comissões cobradas e da isenção das comissões suportadas, em sentido amplo, quando se trata de ampliar a incidência do imposto do selo, em sentido restrito, quando se trata de a limitar através do reconhecimento de isenções. É de referir, aliás, contrariamente ao que parece pressupor tal orientação administrativa, que o encargo económico do imposto é suportado, nos termos do art. 3º, nº 3, alínea o), do Código do Imposto do Selo, não pela empresa seguradora, mas pela instituição de crédito mediadora, à qual aquela deve reter o imposto. 

[10] Sobre o papel dos fundos de pensões no mercado financeiro enquanto intermediários financeiros, cfr. Ondabu Ibrahim Tirimba, “Role of Pension Funds in Financial Intermediation”, International Jounal of Financial and Accounting, 2013, 2(7) 365-372.

[11] De acordo com o artigo 2.º da Diretiva 2003/41/CE, do Parlamento e do Conselho de 3 de junho, aplicável às instituições de realização de planos de pensões profissionais, a qual estabelece que sempre que, nos termos da legislação nacional, essas instituições não tenham personalidade jurídica, os Estados-Membros aplicarão a presente diretiva a estas instituições ou, sob reserva do n.º 2, às entidades autorizadas responsáveis pela sua gestão e que atuam em seu nome.

[12] A epígrafe “Operações bancárias”, na sequência da entrada em vigor do RGICSF, seria alterada, pelo artigo único do Decreto-Lei º 162/94, de 4 de Junho, para “Operações financeiras”.

[13] É de referir que a Tabela Geral do Imposto do Selo, na verba 17.3, ampliaria do imposto do selo às comissões cobradas por quaisquer instituições financeiras e não apenas por instituições de crédito e sociedades financeiras, ficando, assim, prejudicada a orientação administrativa que considerava, com o fundamento de as sociedades gestoras de fundos de pensões não serem instituições de crédito nem sociedades financeiras, não estarem sujeitas ao imposto as comissões cobradas aos fundos. Tal interpretação da verba 17.3.4., a ter sido adotada, jamais viria a ser publicitada pela Administração Fiscal.

[14] As sociedades de capital de risco não constavam da redação anterior.

[15] As sociedades de capital de risco não constavam da redação anterior.

[16] Resulta, aliás, do art. 6º do RGICSF, nos termos do qual são sociedades financeiras as empresas de investimento referidas nas alíneas a) a d) e g) do n.º 1 do artigo 4.º-A, e as instituições financeiras referidas nas subalíneas ii) e iv) da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem as sociedades financeiras de crédito, as sociedades de investimento as sociedades de locação financeira, as sociedades de factoring, as sociedades de garantia mútua, as sociedades gestoras de fundos de investimento, as sociedades de desenvolvimento regional, agências de câmbios e as sociedades gestoras de fundos de titularização, que o objeto principal das sociedades financeiras não é a concessão de crédito, que, aliás, por vezes, é legalmente proibida.

[17] Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 7ª. reimpressão, Almedina, Coimbra, 1994, p. 247.

[18] É verdade que, após e entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, vários Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, como designadamente o 0821/16, passaram a invocar a norma interpretativa do seu art. 154º para fundamentar a posição da não aplicação da isenção da alínea e) do nº 1 do art. 7º à atividade de mediação seguradora, não obstante o serviço do mediador não ser um serviço financeiro e, por isso, não estar abrangido pela verba 17.3.4. da Tabela Geral. Obviamente, à luz de uma análise histórica e literal da norma, essa interpretação não suscita apoio. Aliás, a própria Administração Fiscal, ao reconhecer até à referida Lei a isenção das comissões interbancárias, que têm um peso cada vez maior nas receitas dos bancos, jamais a seguiu. Na verdade, a questão da extensão da isenção da alínea e) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto do Selo só é suscetível de se colocar relativamente às comissões cobradas por operações financeiras que, por o serem, estão sujeitas ao imposto do selo da verba 17.3.4. e não relativamente a operações não financeiras sujeitas a uma tributação específica como a da verba 22.2.

[19] Cfr. “Leis interpretativas em direito fiscal”, Revisores e Auditores, Abril /Junho de 2016, para uma resenha exaustiva da doutrina sobre a matéria, bem como sobre a mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional. 

[20] Nuno Morujão, ob .cit., p. 53.

[21] Cfr. “Leis interpretativas e retroatividade em matéria fiscal”, in Fiscalidade, n.º1, 2000, p. 89.

[22] Cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2016, p.89.

[23] Ainda que partindo da própria Administração Fiscal, que se absteve, até à entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, de tributar as comissões pela prestação de serviços interbancários, como transferências e pagamentos.

[24] Como já se referiu, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que aplicaria o art. 154º da Lei nº 7-A/2016 à mediação de seguros apenas se formou após a entrada em vigor desta Lei.