Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 170/2023-T
Data da decisão: 2023-11-22  IRC  
Valor do pedido: € 65.333,36
Tema: IRC - Derrama municipal. Rendimentos obtidos fora de Portugal.
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SUMÁRIO: 1. A derrama municipal é um imposto municipal que incide sobre os rendimentos tributáveis e não isentos de IRC, que corresponde à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes e que aí exerçam atividade comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

2. Os rendimentos gerados fora do território nacional, designadamente os relativos a dividendos auferidos por via de participação social detida por entidade residente junto de uma sociedade participada não residente devem ser excluídos, para efeitos deste imposto, do lucro tributável e, como tal, não podem contribuir para a base do cálculo da derrama municipal lançada pelo município.

***

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

A A..., SGPS, S.A., (doravante A..., Grupo B... ou Requerente), com número único de pessoa coletiva e registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa ..., com sede na ..., ...-..., ...-... Lisboa, abrangida territorialmente pela competência do Serviço de Finanças de Lisboa ..., sociedade dominante de grupo submetido ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (adiante “RETGS”) do qual a sociedade a seguir identificada era participante no período de tributação em causa e a  C... S.A., (doravante Requerente ou C...) com número único de pessoa colectiva e registo na Conservatória do Registo Comercial de ... ..., sociedade detida pela A..., com sede no ..., ..., ...-..., ..., abrangida territorialmente pela competência do Serviço de Finanças de ... (conjuntamente, “as Requerentes”) apresentaram, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º , n.º 1, a) , n.º 1; 5.º n.º 3 b); 6.º, n.º 2 b) , n.º 1; artigo e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e a anulação

  1. do ato de liquidação de IRC n.º 2018..., referente ao exercício de 2014, na parte respeitante à liquidação da Derrama Municipal, objeto de correção para mais no montante de € 19.472,56, efetuada no seguimento e em consequência de correção ao resultado fiscal da C...,
  2. do ato de liquidação adicional n.º 2019..., respetiva liquidação de juros e acerto de contas e o Reacerto Financeiro de Liquidação de IRC, respetiva Liquidação de juros e Acerto de contas, todos referentes ao período de 2015, na parte respeitante à liquidação da Derrama Municipal, objeto de correção para mais no montante de € 45.860,80, efetuada no seguimento e em consequência de correção ao resultado fiscal da C...; e
  3. dos atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pelas Requerentes que mantiveram aqueles atos de liquidação inalterados, apreciando a sua (i)legalidade, dos quais foi dado conhecimento à A..., na qualidade de sociedade dominante, o de 2014, em 29 de Dezembro de 2022 e, o de 2015, em 16 de Dezembro de 2022, ambos praticados mediante despachos do Chefe da Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, serviço central da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo de subdelegação de competências RETGS,

Requerem, ainda, as Requerentes, a condenação da Administração Tributária e Aduaneira ao reembolso do imposto indevidamente pago e à liquidação e pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art.º 43.º da LGT.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-03-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 08-05-2023 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 26-05-2023.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em 28-06-2023, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo também procedido à junção aos autos do processo administrativo.

Por despacho de 29-06-2023 foi indeferido o pedido de inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente, atendendo a que o Tribunal considera estar habilitado a decidir a matéria de facto com os elementos que já constam dos autos e, consequentemente, sem necessidade de produção de prova testemunhal, afigurando-se inútil ou sem objeto, o ato de inquirição de testemunhas e, como tal, sendo proibido à luz do artigo 130.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, do RJAT. Pelo mesmo despacho e ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do artigo 16.º, e do n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, foram as Partes informadas do prazo para apresentação de alegações finais e do prazo para prolação da decisão arbitral.

As Partes apresentaram as suas alegações escritas em 11.09.2023 e 12.09.2023, respetivamente a Requerida e a Requerente, reiterando as suas posições.

Face a tudo o que antecede e aos elementos que constam do processo, considera-se que o Tribunal Arbitral é materialmente competente e que se encontra regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

Nos termos do art.º 3.º, n.º 1, do RJAT, a coligação de Autores é admissível uma vez que o pedido arbitral tem por objeto atos de liquidação do mesmo imposto, existe identidade da matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito.

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

  1. Factos Provados

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e a cópia do processo administrativo junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente A... é a sociedade dominante do Grupo B..., enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS); .
  2. A Requerente C... está integrada no grupo de sociedades da A..., sociedade que tem como atividade principal a fabricação de cimento (CAE 23510).
  3. A AT realizou procedimentos inspetivos à sociedade C...., aos exercícios de 2014 e 2015, que mais tarde foram repercutidos na declaração do grupo; (cfr. PA).
  4. Nestes procedimentos foram efetuadas correções ao lucro tributável da C..., decorrente do acréscimo para efeitos tributários dos rendimentos gerados fora do território português, relativos a dividendos recebidos da sua participada D..., S.a.l., adiante “D...”, com sede no Líbano.
  5. A C... iniciou o investimento no Lı́bano, em 2002, com a aquisição de uma participação na empresa D...
  6. A D... não é residente em Portugal e não tem estabelecimento estável, desenvolvendo a sua atividade em exclusivo no estrangeiro.
  7. Em 1 de março de 2007, a C... reforçou a sua participação na D..., passando a deter um total de 50,5% do respetivo capital.
  8. As participações referidas são detidas, sensivelmente nas mesmas percentagens, desde 2007, sendo 28,64% do capital detido diretamente, e 22,41% detido indiretamente.
  9. Na sua declaração Modelo 22 individual (nº..., de 25-10-2016), a C... fixou, para 2014, um lucro tributável de € 24.110.918,78 e derrama municipal de € 361.663,78; (cfr. doc. 14 junto com o PPA).
  10. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2016..., teve lugar o procedimento de inspeção externa relativo ao período de 2014 da sociedade C... .
  11. Na sequência desse procedimento, foram apuradas correções à matéria tributável, para mais, no valor de € 1.298.170,95 e, para menos à matéria tributável da C... de € 16.783.234,49.
  12. O lucro tributável de 2014 da C... foi fixado em € 8.625.855,22, tendo a derrama municipal o valor de € 129.387,83, conforme campo 364 da declaração com o n.º ...2018..., de 04-05-2018.
  13. No âmbito da mencionada ordem de serviço, os Serviços de Inspeção Tributária verificaram que a C... não incluiu no resultado tributável do período de 2014 o montante de € 1.298.170,95, correspondente a dividendos, atribuídos e pagos pela sua participada D... .
  14. Estas correções tiveram reflexo no resultado tributável do grupo B... (OI2017...), dando origem à liquidação n.º 2018... que é objeto de contestação (parcial) no presente processo arbitral.
  15. Pela liquidação adicional de IRC de 2014 foi concretizada liquidação adicional de Derrama Municipal em valor de € 19.472,56.
  16. Quanto ao exercício de 2015, ocorreu uma alteração no período de tributação, deixando o mesmo de ser coincidente com o ano civil para passar a ser de 01-07- ano n a 30-06-ano n+1, referindo-se o litígio ao período transitório compreendido entre 01-01-2015 e 30-06-2015 e aqui denominado 2015-I.
  17. Relativamente ao exercício 2015-I, a C..., na sua declaração Modelo 22 individual, fixou um lucro tributável de € 5.268.513,12 (na sequência de entrega de declaração de substituição com o n.º..., de 20-10-2016, apurando derrama municipal, no valor de € 79.027,70.
  18. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2018..., teve lugar o procedimento de inspeção externa incidente sobre o período de 2015.
  19. Na sequência do mesmo, foram apuradas correções à matéria tributável, para mais, no valor de € 3.057,386,83.
  20. O lucro tributável da C... foi fixado em € 8.325.899,95, tendo a derrama municipal o valor de € 124.888,50, conforme campo 364 da declaração com o n.º ... 2018..., de 19-12-2018.
  21. À semelhança do ocorrido no exercício de 2014, os SIT verificaram que a C... não incluiu no resultado tributável do período de 2015-I, o montante de € 3.057.386,83 correspondente a dividendos, atribuídos e pagos pela sua participada D... .
  22. Foi concedido à C... o direito ao crédito de Imposto por dupla tributação jurídica internacional, nos termos previstos no artigo 91.º do CIRC no valor de € 305.738,70, a deduzir em 2015 ou a reportar nos termos do nº 4 do mesmo artigo 91º, em razão da correção que acresce aos rendimentos tributáveis os dividendos acima mencionados.
  23. Estas correções tiveram reflexo no resultado tributável do grupo B... (OI2017...), dando origem à liquidação n.º 2019..., aqui objeto de contestação (parcial).
  24. A diferença entre o valor da derrama municipal incluído na autoliquidação do grupo B... de 2015 e aquele que foi liquidado pela AT é de € 45.860,80.
  25. A Requerente A... apresentou em 12-12-2022 pedido de revisão oficiosa a que foi atribuído o número ...2022..., relativo aos exercícios de 2014; (cfr. doc. 8 junto com o PPA).
  26. Pedido que foi analisado pela Divisão de Justiça Tributária (DJT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), com despacho de indeferimento datado de 28-12-2022, com registo dos CTT de 28-12-2022 e entregue a 29-12-2022; (cfr. doc. 4 junto com o PPA).
  27. A Requerente A... apresentou em 15-07-2022 pedido de revisão oficiosa a que foi atribuído o número ...2022..., relativo aos exercícios de 2015, que foi analisado pela Divisão de Justiça Tributária (DJT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), tendo tido despacho de indeferimento em 13-12-2022, com registo postal de 15-12-2022 recebido a 16-12-2022; (cfr. pedido de revisão oficiosa que consta do doc. 5 junto com o PPA e junto ao PA).

 

2. Factos não provados

Não existem outros factos com relevância para a apreciação do pedido, que devam ser considerados provados ou não provados.

 

3. Fundamentação da matéria de facto

O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pelas partes, e que não foram impugnados e na cópia do processo administrativo, apresentado pela AT e junto com o PPA.

Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o que prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV. DO DIREITO

A questão central a decidir nos presentes autos arbitrais consiste em determinar se a derrama municipal incide, ou não, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC que tenha sido gerado fora do território nacional.

As Requerentes alegam, em síntese, a ilegalidade das liquidações adicionais de derrama municipal relativas a 2014 e 2015-I, as quais incidiram sobre o lucro tributável da C... corrigido, na sequência da inspeção externa mencionada, mediante o acréscimo do valor dos dividendos que aquela sociedade recebeu da sua participada D... . com sede no Líbano.

A AT considera, contudo, que a melhor interpretação das normas aplicáveis, em particular do artigo 18.º da Lei nº 73/2013, de 3 de setembro, não permite excluir da incidência de Derrama Municipal quaisquer rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos, mesmo aqueles que não se possam considerar imputáveis a, ou obtidos em qualquer dos municípios nacionais.

Sobre esta questão já se pronunciou o STA, num caso idêntico ao que se discute nos presentes autos, em que foi proferido o acórdão de 2021-01-13, Proc. n.º 3652/15.3BESNT, que refere, nomeadamente, o seguinte:

“... o legislador, parece-nos, não ter querido ser inconsequente, anódino, na previsão, desde sempre, imutável, de que o percentual da derrama municipal incida sobre o lucro tributável correspondente à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município coletor. E, na mesma linha, está a preocupação, constante, de, nos casos de necessidade de repartição de derrama entre vários municípios, ser obrigatório tributar "o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município" envolvido elou, ainda, quando não haja diversos estabelecimentos estáveis ou representações locais, ter de considerar-se "o rendimento (que) é gerado no município", em que se situa a sede ...

Numa outra formulação, em função destes concretos e objetivos ditames legais, no pressuposto, ainda, de que o legislador não desconhecida a realidade de que muitos dos sujeitos passivos de IRC exercem atividades comerciais ou industriais em diversos pontos do País e do globo, o reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à "proporção", à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.

Além de esta se nos apresentar como a interpretação que melhor respeita a letra da lei, julgamos, também, ser a que melhor respeita os, mais lógicos, objetivos pretendidos alcançar com a imposição de derramas municipais. Na verdade, embora o legislador não o haja assumido explicitamente ... certos de que os tributos e em especial os impostos, visam, desde logo, "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e devem respeitar "os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material" (Artigo 5º da Lei Geral Tributária (LGT), presente, ainda, a condição de impostos autónomos (do IRC), só podemos assumir que as derramas municipais se têm, para legitimação, de ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo... Ademais e em situações, como a que nos ocupa, de, isoláveis, parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, só esta forma de entender e operar, permite alcançar um resultado equitativo e materialmente justo; por um lado, assegura os desígnios tributários do município da sede do sujeito passivo, com a incidência sobre a parcela de lucro tributável gerado no seu território e por outro, liberta o obrigado tributário de pagar sobre rendimentos que, objetiva e comprovadamente, não foram auferidos pelo exercício de qualquer atividade (produtiva) dentro dos limites territoriais do concelho, onde se encontra sediado, com a inerente não utilização das respetivas infraestruturas... Igualmente, só desta forma se consegue algum tratamento igualitário entre as situações de tributação de rendimentos auferidos na área de mais do que um município nacional, através de estabelecimentos estáveis ou representações locais, em que a coleta não pertence, apenas, àquele em que se situa a sede (ou direção efetiva) e os casos de atividades exercidas, simultaneamente, em Portugal e no estrangeiro (Nas primeiras, tenha-se em conta que, no estabelecimento da proporção que determina o lucro tributável a imputar à circunscrição de cada município, se opera com a "massa salarial", ou seja, com um fator ligado à relação de trabalho, estabelecida entre o sujeito passivo e as pessoas que exercem a sua atividade sob as suas ordens e direção, o que constitui mais um indício da vontade do legislador de ligar e condicionar o pagamento de derrama municipal à atuação concreta, efetiva, com utilização da força de trabalho, geradora de rendimentos, no território municipal respetivo.).

Obviamente, não é incorreto afirmar ... que, na LFL, "nada se refere à exclusão de tributação relativamente ao lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo certo que o Código de IRC ao estabelecer, relativamente a tais pessoas colectivas ..., a regra de extensão da incidência da obrigação do imposto a tais rendimentos, nos termos do no 1, do artº 4º, do CIRC”. Porém, retirar, daí, a conclusão de que, em todas as situações, sem exceção, o lucro tributável, (com inclusão dos rendimentos obtidos fora do território português) é integralmente sujeito a derrama, afigura-se-nos exagerado e entender de forma cega, quanto às especificidades desta, concreta, figura tributária. Na verdade, consideramos evidente (em sintonia com a doutrina) que a disciplina legal da derrama municipal nasceu e permanece, há mais de 30 anos, pouco incisiva e desenvolvida, "relativamente ligeira"”.

Ainda no mesmo Acórdão pode ler-se:

“Ora, neste cenário, compete ao juiz aplicar, sempre, a lei de forma geral e abstrata, mas sem deixar de atentar, casuisticamente, em particularidades justificativas de, pela via jurisprudencial, se ir completando o puzzle, assumidamente, incompleto, da tributação, dos sujeitos passivos de IRC, em derramas municipais. Deste modo, assumimos que o lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do nosso território (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela)”.

No mesmo sentido pronunciaram-se os tribunais constituídos no CAAD, de que salientamos as decisões proferidas nos Processos 554/2021-T, 720/2021-T, 234/2022-T e 211/2023-T.

No presente caso, não estando em causa rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, devem os mesmos ser retirados da base de incidência, acolhendo este Tribunal a fundamentação da decisão do STA acima mencionada, bem como as mencionadas decisões dos Tribunais formados no CAAD, uma vez que não se vislumbram razões, de facto e de direito, para nos afastarmos do entendimento jurisprudencial consolidado na nossa ordem jurídica.

Decorre, assim, a conclusão de que os atos tributários de liquidação da derrama municipal em apreço violam o disposto no artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, na redação em vigor à data dos factos tributários, porquanto os rendimentos gerados fora do território nacional, designadamente os lucros auferidos por via de participação social numa sociedade participada não residente, devem ser excluídos do lucro tributável e, como tal, não podem contribuir para o cálculo da derrama municipal lançada pelo município de ... .

 

Assim, considera este Tribunal Arbitral que os atos tributários objeto da presente ação arbitral enfermam de erro de direito, gerador da sua anulabilidade, a qual aqui se declara, procedendo, dessa forma, o pedido arbitral.

 

V. REEMBOLSO DOS VALORES PAGOS

Não obstante as Requerentes alegarem nos pedidos de revisão oficiosa constantes dos documentos 5 e 8 juntos com o PPA e PA que a Requerente A... procedeu ao integral pagamento de todos os valores apurados e cobrados pela Administração Tributária relativos ao exercício de 2014, não apresentaram prova do pagamento.

Por isso, não há fundamento factual para se decidir neste processo se há ou não direito ao reembolso das quantias, pelo que tem de ser julgado improcedente os respetivos pedidos, sem prejuízo dos eventuais direitos poderem ser reconhecidos às Requerentes em sede de execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC).

 

VI. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º n.º 3, da LGT: “Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

Da matéria de facto fixada, não ficou provado que as Requerentes pagaram os valores liquidados correspondentes à derrama municipal.

Acresce que os pedidos de revisão foram apresentados em 12-12-2022 e em 15-07-2022, e decididos em menos de um ano.

Por isso, improcede o pedido de juros indemnizatórios.

 

VII. DECISÃO

Termos em que o presente Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais e anular os atos de liquidação de IRC respeitantes aos exercícios de 2014 e de 2015-I aqui impugnados, na parte em que concretizam a liquidação adicional de derrama municipal, assim como declarar a ilegalidade e anular os atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa que os mantiveram inalterados;
  2. Julgar improcedentes os pedidos de restituição das quantias pagas em excesso, sem prejuízo da sua apreciação em execução da presente decisão arbitral.
  3. Absolver a Requerida do pagamento de juros indemnizatórios;
  4. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VIII. VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em de € 65.333,36 (sessenta e cinco mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos), valor que foi atribuído pela Requerente e que a AT não impugnou.

 

IX. CUSTAS

Custas a cargo da Requerida no montante de € 2.448,00, nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de novembro de 2023

 

 

________________

(Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro – Árbitra Presidente)

 

______________________________

(Dr. Martins Alfaro – Árbitro Adjunto)

 

 

(Dra. Raquel Franco - Árbitra Adjunta)

Vencida, nos termos da declaração que se segue.

 

Declaração de voto

 

Votei vencida no que diz respeito (i) à decisão relativa ao pedido de reembolso do imposto e no que diz respeito (ii) à decisão relativa ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Quanto à primeira, por entender que, tendo o facto do pagamento sido alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida, o Tribunal poderia ter decidido no sentido de que o reembolso do imposto indevidamente pago é uma consequência da anulação das liquidações impugnadas.

 

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, entendo que a interpretação, feita pelo Tribunal, do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º do artigo 43.º da LGT, encerra uma violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição e no artigo 55.º da  LGT, ao tratar de forma diferente a situação dos contribuintes que (i) aguardam mais do que um ano pela decisão administrativa sobre o pedido de revisão oficiosa e, por essa razão, têm direito a juros indemnizatórios, e aqueles, como é o caso da Requerente no presente processo, que (ii) obtêm a decisão (administrativa) sobre o pedido de revisão oficiosa em prazo inferior a um ano, mas só obtêm a decisão final sobre o pedido formulado no âmbito do processo de revisão oficiosa, através do acesso à via judicial, depois de um ano sobre o momento em que formularam o pedido junto da AT – ou seja, usando a terminologia da lei, os casos em que a revisão do ato tributário só se efetua mais de um ano após o pedido do contribuinte. Em ambos os casos, ocorre uma constatação da prática de um ato ilegal por parte da administração pública, em ambos os casos o contribuinte tem de aguardar por um prazo superior a um ano pela decisão que reconhece essa ilegalidade. Simplesmente, num caso tem direito a ser indemnizado pela conjugação desses dois factos e no outro caso não. Penso que a decisão sobre o pedido de juros indemnizatórios, a enquadrar-se na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, deveria reconhecer o direito a juros indemnizatórios – e o correspondente dever da AT de os pagar – em consequência da declaração de ilegalidade das liquidações e do indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, por um lado, e do decurso do prazo de um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa (já decorrido num dos casos, e que poderá vir a decorrer em fase de execução do julgado no outro).

Lisboa, 21 de novembro de 2023

 

 

Raquel Franco