Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 431/2023-T
Data da decisão: 2023-11-17  IRS  
Valor do pedido: € 84.417,41
Tema: IRS – Mais-valias – Qualificação de pequena empresa – Tributação em 50% – Art. 43.º, n.ºs 3 e 4 do CIRS e Decreto-Lei n.º 372/2007, de 06/11.
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Sumário:

  1. A qualificação como “pequena empresa” constitui condição de acesso ao benefício de redução da base de incidência das mais-valias mobiliárias para 50% do seu valor, conforme prevê o artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS, com remissão para o disposto no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.
  2. Estando reunidos os requisitos para que duas (ou mais) sociedades sejam consideradas empresas associadas, os seus dados financeiros e número de efetivos devem ser tidos em conta de forma agregada. Se, em virtude dessa agregação, a sociedade cujas participações são alienadas deixa de cumprir os critérios atributivos do estatuto de “pequena empresa” é inaplicável o referido regime de exclusão parcial de tributação (em 50%).
  3. Devem ser qualificadas como associadas as empresas em relação às quais se verifique uma relação de controlo por intermédio de um grupo de pessoas singulares que atuem concertadamente no mesmo mercado ou em mercados contíguos. 
  4. Constitui atuação concertada a concentração, através de vendas e doação, ocorridas em anos sucessivos (2018 e 2019), das participações societárias de um grupo familiar numa sociedade veículo especificamente criada, ex novo, que passou a ser integralmente detida e controlada, em partes iguais, por três dos membros dessa família (irmãos).
  5. Adicionalmente, sendo as referidas participações societárias relativas a duas sociedades em que se verifica uma marcada dependência económica e financeira de uma em relação à outra, tal facto configura a existência de relações verticais entre elas, com enquadramento no conceito de “mercado contíguo”.
  6. A existência de certificação de “pequena empresa” emitida pelo IAPMEI referente à data de alienação das partes sociais faz presumir a verificação dos respetivos requisitos materiais. Esta presunção é, todavia, ilidível, sendo o certificado meramente declarativo e não constitutivo.
  7. Assim, demonstrando-se os pressupostos substantivos da qualificação como “média empresa”, não pode prevalecer o facto presumido.
  8. No apuramento das mais-valias mobiliárias, o valor de aquisição das partes sociais, não inclui o montante de um aumento de capital por incorporação de reservas, pois, neste caso, não existe um verdadeiro incremento patrimonial, ou dispêndio e custo incorrido. As novas participações adquiridas pelo sócio por via deste aumento de capital, ou o aumento do valor nominal das participações por aquele já detidas, resultam de uma situação de que era titular anteriormente, sem deslocação patrimonial do seu património pessoal para o da sociedade.

DECISÃO ARBITRAL

                                                                                                 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Rodrigo Rabeca Domingues e Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23 de agosto de 2023, acordam no seguinte:

 

 

           

            I.         Relatório

 

A..., contribuinte número..., adiante “Requerente”, e B..., contribuinte número..., doravante “Segunda Requerente”, designados em conjunto por “Requerentes”, ambos com domicílio na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Leiria, apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, n.º 3, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Os Requerentes pretendem que seja parcialmente anulada a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) referente ao ano 2019, emitida em 24 de fevereiro de 2023, sob o número 2023..., no valor total de € 90.535,98 (sendo € 8.125,85 referentes a juros compensatórios), de que impugnam a importância de € 84.417,41, com fundamento em ilegalidade material por erro nos pressupostos. Deduzem ainda pedido dependente de reembolso do imposto e juros pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados sobre os montantes a restituir e computados desde o pagamento até à emissão da nota de crédito.

 

Em 15 de junho de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 23 de agosto de 2023.

 

            Em 2 de outubro de 2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação. Não foi junto o processo administrativo (“PA”).

 

Não tendo sido suscitada, nem identificada matéria de exceção, nem havendo lugar a prova testemunhal, o Tribunal Arbitral determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

 

Os Requerentes apresentaram alegações em 23 de outubro de 2023, reafirmando a posição expressa no pedido de pronúncia arbitral.

 

A AT alegou em 3 de novembro de 2023, remetendo para a posição expressa na Resposta.

 

Posição dos Requerentes

 

Segundo os Requerentes, a sociedade C..., S.A. (“C...”), cujas ações foram por si alienadas em 2019, satisfazia, quer em 2018, quer em 2019 (correspondente à data de verificação do facto tributário), os requisitos para ser qualificada de “pequena empresa” e beneficiar da exclusão da tributação de 50% das mais-valias prevista no artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS, de acordo com os conceitos e critérios que constam do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro. Em concreto, a C... empregava menos de 50 pessoas e tinha um volume de negócios anual ou balanço total anual inferior a 10 milhões de euros. 

Sublinham os Requerentes que mesmo que uma empresa verifique na data de encerramento de contas que superou os limiares de efetivos (colaboradores) ou financeiros estabelecidos, esta circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de “pequena”, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos, em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007. Ou seja, a perda do estatuto de “pequena empresa” apenas se verifica se esta superar os mencionados limites durante dois anos consecutivos.

 

A C... dispõe de certificados emitidos pela Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. (“IAPMEI”) que a certificam como “pequena empresa” (“certificados de PME”), tanto para 2018, como para 2019, o que faz presumir a verificação dos requisitos constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, como a própria AT acolhe e corrobora no ponto 6, alínea a) da Circular n.º 7/2014, de 29 de julho, posição que a vincula nos termos do disposto no artigo 68.º-A, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

A colocação em causa pela Requerida dos certificados de PME da C... fora dos casos previstos no artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 372/2007, esvaziaria o sentido e o propósito do procedimento de certificação e viola os princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança dos contribuintes.

 

Existindo uma presunção a favor dos Requerentes criada pela apresentação dos certificados de PME referidos, recaía sobre a Requerida o ónus de a ilidir (v. artigo 74.º, n.º 1 da LGT), nomeadamente comprovando o não preenchimento dos requisitos do número de efetivos (superior a 50) e de faturação/balanço (superior a 10 milhões de euros) da C... nos dois anos precedentes, i.e., em 2017 e 2018, não o tendo aquela feito. 

 

A AT alegou erradamente que a C... e a D..., S.A. (“D...”) eram “empresas associadas”, nos moldes previstos no artigo 3.º, n.º 3, alínea a) do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, por o seu capital ser detido maioritariamente por 3 sócios comuns, unidos por laços familiares (irmãos), que, no entender daquela, atuavam de forma concertada e, também, por tais sociedades atuarem em mercados contíguos. Assim, a AT não devia ter considerado os trabalhadores da D... para a determinação dos efetivos da C..., resultando na classificação errónea da C... como “média empresa” (v. artigo 6.º, n.º 2 do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007).

 

Na perspetiva dos Requerentes, não se verificou atuação concertada dos sócios comuns, não sendo suficiente, para esse efeito, a mera constatação de relações comuns no capital social das sociedades em causa. Se assim não fosse, a lei não incluiria a expressão “atuação concertada” e remeteria para a detenção do capital social por parte dos seus sócios/acionistas. A Requerida teria de demonstrar que os 3 sócios comuns da C... e da D... se articulavam para exercer influência nas decisões comerciais das aludidas empresas, de forma que estas não pudessem ser consideradas empresas independentes e conduzissem a condições de concorrência não correspondentes às condições normais do mercado em causa, prova que não foi efetuada.

 

Nem releva, no entender dos Requerentes, para o preenchimento do conceito de “atuação concertada” o facto de as participações sociais que os 5 sócios detinham na C... e na D... terem sido alienadas a uma (mesma) terceira entidade, a E..., Lda.. Desde logo, porque o estatuto de pequena empresa deve ser aferido por referência aos períodos de tributação de 2017 e 2018 e em 2017 a E..., Lda. ainda não se encontrava constituída (só o tendo sido em 2018).

 

Por outro lado, a Requerida também não provou que as sociedades C... e D... atuavam no mesmo mercado ou em “mercados contíguos”. As atividades destas sociedades são distintas, a primeira na área imobiliária e a segunda no comércio por grosso de artigos de papelaria, tabacarias e similares, pelo que não desenvolvem atividade no mesmo mercado.

 

Sobre o conceito de “mercado contíguo”, os Requerentes compulsam o artigo 3.º, n.º 3 do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 que estabelece que este compreende “o mercado de um produto ou serviço situado diretamente a montante ou a jusante do mercado relevante”. Entendem que as sociedades em causa exercem atividades distintas e diferenciadas – comercialização de produtos de escritório ou papelaria vs. compra, venda e arrendamento de bens imóveis –, que não se confundem ou sobrepõem entre si, inexistindo qualquer relação quanto às características, preços ou utilização pretendida dos bens/serviços transacionados por cada uma delas.  De igual modo, no plano geográfico, as sociedades D... e C... têm perímetros de atuação distintos e não relacionáveis entre si, a primeira em todo o território nacional e a segunda aos locais onde os imóveis que detém se encontram localizados.

 

Acrescentam que, à data dos factos, a D... não era a única cliente da C..., como esta última também não era a única locadora da primeira, que também arrendava e arrenda imóveis a terceiros. 

 

O facto de as sociedades C... e E..., Lda. exercerem, pelo menos em parte, as suas atividades dentro do mesmo mercado, não releva para os Requerentes, uma vez que essa relação deve ser analisada ao nível da C... e da D..., não se encontrando a E..., Lda. constituída num dos períodos relevantes (2017).

 

Em síntese, consideram os Requerentes que a Requerida não provou que as sociedades C... e D... eram “empresas associadas” e que, na dúvida, o ato tributário deve ser anulado – v. artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.

 

Em relação ao valor de aquisição da C..., os Requerentes arguem que o custo de aquisição correspondente à quota adquirida em 23 de setembro de 1992, no valor de 116.718,71, resultante de um aumento de capital por incorporação de reservas, deve ser considerado, atento o disposto no artigo 48.º, alínea b) do Código do IRS, que determina que este deve corresponder ao “custo documentalmente provado ou, na sua falta, [a]o respetivo valor nominal”.

Posição da Requerida

 

            A Requerida, suportada na fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), alega que a presunção criada com a emissão do certificado pelo IAPMEI foi elidida pela AT, que também logrou demonstrar a classificação da C... como “média empresa” no ano 2019.

 

            No tocante à sociedade E..., Lda., salienta que, apesar de ter sido constituída em 2018 e de só ter começado a emitir faturas em 2019, os únicos clientes que teve foram as outras duas sociedades, a C... e a D..., realçando os indícios constantes do RIT que, em seu entender, militam no sentido da relação articulada entre estas sociedades, qualificando-as como associadas.

 

            Acrescenta que as sociedades C... e D... atuam em mercados contíguos, sendo uma cliente praticamente exclusiva da outra e ambas controladas pelo mesmo grupo de pessoas singulares, com administradores comuns. Considera tal facto confirmado pelo relatório de certificação do IAPMEI em 2020, que classifica a C... como média empresa em 2020 e contém a referência à sua dimensão histórica em 2018 e 2019 também como média. O estatuto de média empresa da C... deriva, deste modo, da sua associação, pelo menos, com a sociedade D..., ultrapassando o limite legal da soma de efetivos (50 unidades).

 

            A Circular.º 7/2014 refere que a existência de certificação emitida pelo IAPMEI faz presumir a verificação dos requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, porém, esta presunção admite prova em contrário, o que se verifica na presente situação.

 

            A Requerida assinala que o guia do utilizador publicado pelo IAPMEI indica que os laços familiares são suficientes para se concluir (positivamente) sobre uma atuação conjunta das sociedades e que as relações verticais numa cadeia de valor devem ser tidas em conta para aferir uma atuação no mesmo mercado ou em mercado contíguo.

            O que seria ilegal, no entender da Requerida, é que a tributação em IRS pudesse assentar numa certificação não consentânea com a realidade factual.

 

            Sobre o tema da consideração do valor de aumento de capital por incorporação de reservas da sociedade C..., a Requerida louva-se na jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte e, mais recentemente, do Supremo Tribunal Administrativo, para reforçar a sua posição de que o mesmo não é de atender para efeitos de determinação do valor de aquisição das participações sociais alienadas, por não existir qualquer dispêndio efetivo por parte dos sócios, nem deslocação do património pessoal para o da sociedade.

 

            Não vislumbrando qualquer erro imputável aos serviços, a Requerida pugna pela improcedência da ação e do pedido dependente de juros indemnizatórios.

 

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IRS e juros compensatórios impugnado, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), i.e., até ao decurso de 90 dias sobre o termo do prazo para pagamento voluntário do ato tributário que, no caso, foi fixado em 10 de abril de 2023, tendo a ação sido proposta em 14 de junho de 2023.

Não foram identificadas questões prévias a apreciar ou nulidades processuais.

 

 

            III.      Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. À data dos factos, A..., aqui Requerente, era detentor de participações sociais/ações nas sociedades de seguida identificadas – cf. Documento 9 junto pelos Requerentes [Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”)]:

 

N.º de ações

Capital Social (€)

Valor Nominal (€)

Percentagem de Capital Social

Valor Capital Social (€)

C...

8.542

213.550,00

5,00

20,00%

42.710

D...

51.280

1.300.000,00

5,00

19,72%

256.400

 

  1. Até 1992, a C..., S.A. (“C...”) denominava-se F..., Lda., passando a designar-se, após a sua transformação em sociedade anónima,  D..., S.A.. Em 2011, no âmbito de uma operação de cisão, passou a deter a atual designação (C...). Dessa operação de cisão resultou também a sociedade D..., S.A. (“D...”) – cf. RIT.
  2. Em 1992, verificou-se o aumento do capital social por incorporação de reservas da sociedade C..., no montante de € 116.718,71 – cf. RIT.
  3. Em 7 de outubro de 2019, o Requerente alienou a totalidade das participações sociais (8.542 ações) que detinha na sociedade C..., pelo preço global de € 404.036,60, correspondendo ao preço de venda unitário por ação de € 47,30 – cf. Documento 3 junto pelos Requerentes.
  4. As mencionadas participações sociais foram vendidas à sociedade E..., Lda., de que são titulares o próprio Requerente e dois irmãos deste, e cujo objeto social principal é a compra e venda e construção de imóveis, e, a título secundário, a prestação de serviços médicos e de saúde, a prestação de serviços de apoio às empresas e outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão – cf. RIT.
  5. Esta sociedade E..., Lda. também havia adquirido, no ano anterior [2018], aos irmãos do Requerente, as participações que estes detinham no capital social da C... e da D...– cf. RIT.
  6. A C... desenvolve a sua atividade na área da compra, venda e/ou arrendamento de bens imóveis, bem como a sua gestão, administração e/ou exploração – cf. RIT.
  7. A D... desenvolve a sua atividade na área do comércio por grosso de artigos de papelaria, comércio de tabacaria, máquinas de escritório, informática, máquinas fotográficas, mobiliário, venda de impressos e formulários, relojoaria, sapataria, instrumentos musicais e drogaria – cf. RIT.
  8. Em 2018, a D... era praticamente a única cliente da C..., sendo residual o valor faturado a outros clientes: € 201,18, no total de € 120.937,98 de faturação, dos quais € 120.736,80 à D.... Em 2019, a D... foi a única cliente da C..., que lhe faturou o mesmo valor de 2018: € 120.736,80 – cf. RIT.
  9. Em relação ao número de efetivos (colaboradores) e ao volume de negócios das sociedades D... e C... em 2019, são os constantes do quadro seguinte:

NIPC

Nome

Efetivos

Volume de negócios

Balanço Total

[…]

D..., SA

115

16 576 907,06

5 593 514,07

[…]

C..., SA

0

108 110,00

1 467 983,50

 

 

115

16 685 017,06

7 061 497,57

 

 

  1. Em 24 de junho de 2020, os Requerentes submeteram a declaração Modelo 3 do IRS relativa a 2019 – cf. Documento 4 junto pelos Requerentes.
  2. No quadro 9 do anexo G da referida declaração de IRS, os Requerentes declararam as alienações onerosas de partes sociais, incluindo as 8.542 ações que detinham na C... nas linhas 9003 e 9004, nos termos infra – cf. Documento 4 junto pelos Requerentes e RIT (negrito nosso):

ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS  (art.º 10.º, n.º 1, al. b), do CIRS)

Titular

NIF de entidade emitente

Código da  operação  

Realização

Aquisição

 

 

Ano

Mês

Dia

Valor

Ano

Mês

Dia

Valor

Despesas e encargos

País da contra- parte

9001

A

[…]

G01

2019

10

7

304.689,00

1992

9

23

221.184,00

0,00

620

9002

A

[…]

G01

2019

10

7

355.797,00

2018

1

15

670.948,00

0,00

620

9003

A

[…]

G01

2019

10

7

183.806,00

1992

9

23

36.334,00

0,00

620

9004

A

[…]

G01

2019

10

7

220.231,00

2018

1

15

63.853,00

0,00

620

9005

B

[…]

G22

2019

2

28

3.999,99

2016

8

4

4.051,65

10,40

372

9006

B

[…]

G22

2019

3

1

1.338,83

2014

3

21

1.270,60

18,72

372

9007

B

[…]

G22

2019

2

22

2.110,04

2014

3

24

2.460,60

36,20

442

9008

A

[…]

G22

2019

1

18

11.156,80

2015

1

23

8.000,00

145,04

442

9009

A

[…]

G22

2019

5

30

4.500,02

2016

5

30

5.000,02

60,40

826

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SOMA   

1.087.628,68

 

 

 

1.013.101,87

270,76

 

 

  1. Os Requerentes declararam, ainda, no quadro 9-A, que os valores inscritos nas linhas 9003 e 9004 do quadro 9, relativos à venda das ações da C... se referiam à alienação de partes sociais de micro e pequenas empresas – cf. Documento 4 junto pelos Requerentes e RIT.
  2. Com base no enquadramento da sociedade C... como “pequena empresa”, apenas 50% da mais-valia obtida com a venda das ações foi considerada como rendimento tributável da categoria G de IRS (artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS), tendo os Requerentes optado pela aplicação da taxa especial de 28% prevista no artigo 72.º do mesmo Código, ou seja, pelo seu não englobamento – cf. RIT.
  3. A sociedade D... foi enquadrada pelos Requerentes na declaração de IRS relativa a 2019 como “média empresa” – cf. RIT.
  4. Os Requerentes reportaram nessa declaração um saldo líquido negativo global da categoria G de € -285.954,32, com referência ao ano 2019 – cf. Documento 4 junto pelos Requerentes e RIT.
  5. Os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS referente a 2019, determinada com base na declaração Modelo 3 de IRS, no valor a reembolsar de € 1.105,32 – cf. Documento 2 junto pelos Requerentes.
  6. A Direção de Finanças de Leiria instaurou um procedimento inspetivo aos Requerentes, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022..., para análise e controlo da Declaração Modelo 3 de IRS – mais-valias referentes ao ano 2019, do que estes foram notificados em 27 de julho de 2022 – cf. RIT.
  7. Em 5 de novembro de 2022, os Requerentes foram notificados do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (“PRIT”), emitido pela AT, com proposta de correções, tendo exercido o direito de audição, por não concordarem com a parte das correções do estatuto da C... de “pequena empresa” para “média empresa”, nem com a desconsideração do valor de € 116.718,71, como valor de aquisição por via de aumento de capital por incorporação de reservas da C..., com fundamentos idênticos aos constantes do pedido de pronúncia arbitral – cf. Documentos 5 e 6 juntos pelos Requerentes e RIT.
  8. No direito de audição, os Requerentes apresentaram os certificados de PME, referentes aos anos 2018 e 2019, emitidos pela Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. (“IAPMEI”), que declaram a C... como “pequena empresa” naqueles anos – cf. Documentos 7 e 8 juntos pelos Requerentes.
  9. Em 2 de fevereiro de 2023, os Requerentes foram notificados do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), que manteve as correções propostas, no que ao caso releva, de:
  • Apuramento de uma mais-valia na venda das ações da C... no valor de € 337.099,95 e consequente apuramento de uma mais-valia global relativa à alienação de partes sociais de € 295.460,94; e
  • Imposto (IRS) em falta de € 82.729,06.
  1. Como fundamento das correções mencionadas, refere o RIT o seguinte:

III. Informações complementares

III.1.1. Enquadramento legal e descrição da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo

O SP, A..., era detentor de uma quota-parte de 15% na herança que ficou por óbito do seu pai […], na qual ainda não havia sido realizada a partilha do prédio inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de ..., ..., ... e ... sob o artigo n.º ... .

O SP era ainda detentor de ações representativas de parte do Capital Social da sociedade D..., SA, adiante também designada por D... ou sociedade […].

A sociedade C..., SA […] tinha, inicialmente e até à sua transformação em sociedade anónima, em 1992, a designação de F..., LDA, tendo, nessa altura, passado a designar-se por G..., SA, e só posteriormente, aquando da cisão em 2011, é que passou a designar-se C..., SA.

A sociedade D..., SA […] resultou da cisão, em 2011, da C... […], que, naquela altura se denominava G..., SA […], ou seja, a designação (D...) acompanhou a nova empresa criada e a empresa que já existia mudou de nome para C..., SA.

Nesta cisão, os imóveis permaneceram na sociedade cindida, ou seja, na C..., SA. […], conforme consta do projeto de cisão:

Não se incluem entre os activos a cindir bens imóveis.

 

Estas empresas pertenciam a um grupo familiar constituído pelo pai […], pela mãe […] e pelos 5 filhos […]. Após o óbito do pai, no início de 2018, a doação da mãe, em junho do mesmo ano, e a alienação das participações por parte de 2 dos irmãos, também em junho de 2018, passou a ser um grupo familiar, mas apenas dos restantes 3 irmãos (A..., I... e H...).

O sujeito passivo, A..., alienou as partes sociais, nomeadamente as ações da D..., SA […], e as ações da C..., SA […], através de contratos de venda celebrados em 07-10-2019, em que a adquirente foi a E..., LDA, NIPC: […], conforme cópias que se anexam (anexos 1 e 2).

A E..., LDA, é uma sociedade que foi constituída em 05-06-2018, pelo SP e pelos seus 2 irmãos, H... e I..., e cujo objeto é a: “Compra e venda de imóveis e/ou suas frações e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento de imóveis. Construção civil e obras públicas. Urbanizações e loteamentos. Mediação imobiliária, promoção e intermediação. Prestação de serviços médicos e de saúde. Prestação de serviços de apoio às empresas, incluindo serviços de contabilidade e auditoria, financeiros, administrativos, de gestão de tesouraria, de comunicação e marketing, de recursos humanos e formação, de gestão de arquivo e de economato assim como de consultoria e assessoria”, pelo que se encontra coletada pelas atividades com os CAE (rev. 2): 68100 – Compra e venda de bens imobiliários; 41200 – Construção de edifícios (residenciais e não residenciais); 82990 – Outras atividades de serviços de apoio prestados às empresas, n.e.; 68200 – Arrendamento de bens imobiliários; e 70220 – Outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão.

Estas alienações onerosas estão sujeitas a IRS nos termos do art.º 9.º n.º 1 alínea a) do CIRS:

[…]

E art.º 10.º n.º 1 alíneas a) e b), também do CIRS:

[…]

Ainda, e no que diz respeito às mais-valias, o ganho sujeito a IRS, é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, conforme descrito no art.º 10.º n.º 4 alínea a) do CIRS:

[…]

O art.º 43.º n.º 1 do CIRS indica que o valor de rendimentos qualificados como mais-valias, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas no mesmo ano, apuradas de acordo com, nomeadamente, os artigos 44.º a 52.º do CIRS:

[…]

O coeficiente de desvalorização da moeda é aquele a que se refere o art.º 50.º do CIRS, e, para as alienações de bens e direitos realizadas em 2019 encontra-se previsto na Portaria n.º 362/2019, de 9 de outubro, cujo resumo se apresenta no quadro abaixo:

[…]

É de salientar que o saldo das mais ou menos valias é determinado individualmente para cada sujeito passivo. Numa primeira fase, operação a operação, apurando-se todas as condições que podem influir, positiva ou negativamente na operação em causa. E, numa segunda fase, no que diz respeito aos rendimentos imobiliários, pela junção de todos os saldos, positivos ou negativos, das operações geradoras de rendimentos de mais-valias, cuja soma será depois considerada apenas em 50% para efeitos de apuramento do montante que será obrigatoriamente englobado aos restantes rendimentos sujeitos a tributação (conforme art.º 43.º n.º 2 alínea b) do CIRS, acima transcrito); e no que diz respeito aos rendimentos mobiliários, estes podem ser tributados mediante aplicação de uma taxa especial de 28% nos termos do art.º 72.º n.º 1 alínea c) do CIRS, aplicável ao saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias mobiliárias verificadas no ano em que os rendimentos foram auferidos.

Estes rendimentos mobiliários podem também ser englobados, conforme permite o n.º 12 do art.º 72.º do CIRS:

[…]

Neste caso, o quantitativo do imposto devido será determinado pela aplicação da taxa que vier a resultar das normas constantes do art.º 68.º do CIRS. No caso de eventuais perdas, poderá o titular destes rendimentos deduzir as perdas registadas, nos termos da alínea c) ou d) do n.º 1 do art.º 55.º do CIRS, consoante sejam menos-valias imobiliárias ou mobiliárias, respetivamente, por um período de 5 anos:

[…]

IV. Descrição da análise efetuada

[…]

Analisada a declaração modelo 3 de IRS em vigor, referente a 2019, com a identificação ...-2019-J...-... , entregue pelos sujeitos passivos em 24-06-2020, verifica-se que foi entregue um anexo G – relativo aos rendimentos da categoria G sujeitos – em que foi declarada a alienação onerosa de valores imobiliários (quadro 4) e mobiliários (quadro 9), discriminado da seguinte forma

 

 

4

ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIRETOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS  (artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS)

Linha

Titular

Realização

Aquisição

Despesas e encargos

Freguesia

Tipo

Artigo

Fração / Secção

Quota-parte %

Data

Valor

Data

Valor

4001

A

2019-01

5.033,25

2019-01

5.033,25

100,00

100933

U

5946

 

7,50

 

E, no quadro 9, já com atualização do valor de aquisição:

9

ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS  (artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do CIRS)

Linha

Titular

Entidade emitente

Códi

go

Realização

Aquisição

Despesas e encargos

País

Coef. desv. moeda

V. Aquis. atualizado

Mais-valias atualizadas

Data

Valor

Data

Valor

9001

A

[…]

G01

07/10/2019

304.689,00

23/09/1992

221.184,00

0,00

620

1,87

413.614,08

-108.925,08

9002

A

[…]

G01

07/10/2019

355.797,00

15/01/2018

670.948,00

0,00

620

1,00

670.948,00

-315.151,00

9003

A

[…]

G01

07/10/2019

183.806,00

23/09/1992

36.334,00

0,00

620

1,87

67.944,58

57.930,71*

9004

A

[…]

G01

07/10/2019

220.231,00

15/01/2018

63.853,00

0,00

620

1,00

63.853,00

78.189,00*

9005

B

[…]

G22

28/02/2019

3.999,99

04/08/2016

4.051,65

10,40

372

1,00

4.051,65

-62,06

9006

B

[…]

G22

01/03/2019

1.338,83

21/03/2014

1.270,60

18,72

372

1,00

1.270,60

49,51

9007

B

[…]

G22

22/02/2019

2.110,04

24/03/2014

2.460,60

36,20

442

1,00

2.460,60

-386,76

9008

A

[…]

G22

18/01/2019

11.156,80

23/01/2015

8.000,00

145,04

442

1,00

8.000,00

3.011,76

9009

A

[…]

G22

30/05/2019

4.500,02

30/05/2016

5.000,02

60,40

826

1,00

5.000,02

-560,40

 

1.087.628,68

 

1.013.101,87

270,76

 

Mais-valia apurada

-285.904,32

* Nestas mais-valias está já considerada a aplicação da redução de 50% prevista no art.º 43.º n.º 3 do CIRS

 

O SP declarou no quadro 9-A (alienação onerosa de partes sociais de micro e pequenas empresas) que os valores das alienações declaradas nas linhas 9003 e 9004 (relativas à C..., SA […]) se referiam à alienação de partes sociais de micro e pequenas empresas, erradamente conforme se provará.

O SP declarou ainda no quadro 9-B (alienação onerosa de partes sociais adquiridas no âmbito de operações abrangidas por regimes de neutralidade fiscal) que os valores das alienações declaradas nas linhas 9001 e 9002 (relativas à D..., SA […]) se referiam à alienação de partes sociais adquiridas no âmbito de operações abrangidas por regimes de neutralidade fiscal. Embora sem consequências na liquidação do imposto, confirmar-se-á que só os valores de aquisição da linha 9001 é que se relacionam com partes sociais adquiridas no âmbito de operações abrangidas por regimes de neutralidade fiscal.

Os valores declarados neste anexo não se encontram corretos conforme iremos explicar nos pontos seguintes.

Mas antes de prosseguirmos sempre deveremos dizer que foram verificados indícios muito fortes de que a venda das ações da D..., SA […] e da C..., SA […], foi negociada em conjunto por um preço global (1.064.523,00 €) e que só depois foi distribuído o valor de venda pelas 2 sociedades da forma mais conveniente para o SP (660.486,40 € e 404.036,60 €). E esta distribuição terá tido em consideração, erradamente conforme se verá mais à frente, que estas empresas seriam consideradas PME, a primeira com estatuto de média e a segunda com estatuto de pequena.

Estes indícios começam, desde logo, pelo valor de balanço: a D..., SA […] tinha, respetivamente, em 31-12-2017 e 31-12-2018 valores de balanço, por ação, de 11,98 € e 13,00 €; já a C..., SA […], nas mesmas datas tinha valores de balanço de 18,77 € e 17,98 €. Enquanto o valor da primeira evoluiu positivamente, o da segunda regrediu. No entanto o SP declarou que vendeu as ações das duas sociedades, em 2019, pelo valor unitário de 12,88 € e 47,30 €, ou seja, a D..., SA […] por um valor ligeiramente abaixo do seu valor de balanço e a C..., SA […] por quase 3 vezes mais do que o seu valor de balanço.

Ao compararmos os Resultados Líquidos de uma empresa com o seu Capital Social temos a rendibilidade dos capitais investidos pelos acionistas (ou sócios) da empresa sob a forma de uma taxa, ou seja, é a taxa de rendimento do Capital Social da empresa. Entre 2016 e 2019 a D..., SA […] teve sempre uma taxa superior a 20% (28,5%, 30,0%, 20,5% e 33,9%), já a C..., SA […] teve, para o mesmo período, taxas inferiores a 11% (3,4%, 10,4%, 4,0% e 6,3%).

Outro indício será o preço de venda das ações das mesmas sociedades, no ano anterior, realizada pelos irmãos do SP e adquiridas também pela mesma adquirente,  E..., LDA, NIPC: […], e cujos valores unitários foram de, respetivamente, 12,68 € e 11,71 €, ou seja, embora o valor de venda da D..., SA […], tenha sido ligeiramente inferior ao valor praticado pelo SP (12,88 €), já em relação à C..., SA […] o valor é completamente diferente (47,30 €), não havendo alterações substanciais na empresa que justifiquem esta diferença.

No entanto não será esta a linha que iremos prosseguir, nomeadamente porque não pomos em dúvida o valor global do negócio e, tendo em conta que as 2 sociedades são consideradas médias empresas, não interessa, para este efeito, a forma como foi distribuído o valor da venda.

  1. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

Da realidade tributária verificada, detetaram-se os factos seguidamente identificados e sistematizados, dos quais resultam alterações à matéria coletável dos SP no ano de 2019.

V.1.     IRS de 2019 – Categoria G

[…]

V.1.2.  Alienação onerosa de partes sociais – D..., SA

            V.1.2.1.           Data e valor de alienação – D..., SA

Os sujeitos passivos eram detentores das seguintes ações na sociedade (valor nominal e percentagens do Capital Social):

NIF do titular

Valor nominal das ações

N.º de ações

Valor em Capital Social

Percentagem do Capital Social

...

5,00 €

51.280

256.400,00 €

19,72%

Total

5,00 €

260.000

1.300.000,00 €

100,00%

 

[…]

O sujeito passivo declarou que alienou as referidas ações pelo seguinte preço:

NIF do titular

Valor nominal das ações

N.º de ações

Valor em Capital Social

Preço de venda das ações

Preço de venda unitário

...

5,00 €

51.280

256.400,00 €

660.486,40 €

12,88 €

 

            V.1.2.2.           Data e valor de aquisição – D..., SA

O valor de aquisição, dado estarmos perante ações, será o custo documentalmente provado ou o respetivo valor nominal, conforme indica o art.º 48.º alínea b) do CIRS:

[…]

Conforme já foi referido acima, esta empresa surgiu da cisão da C... […], em 12-102011, pelo que, e nos termos do art.º 43.º n.º 6 alíneas a) e d) do CIRS, as datas e os valores de aquisição a considerar serão, em primeiro lugar, os da aquisição das ações provenientes da empresa cindida, e só depois as datas e os valores do próprio capital da sociedade alienada, caso tenha havido, posteriormente, aumentos de Capital Social.

[…]

Ou seja, a C... […] tinha, antes da cisão, um Capital Social de 1.513.550,00 € (100%). Com a cisão, aquela empresa ficou com um Capital Social de 213.550,00 € (14,11%) e a nova empresa (D..., SA […]) ficou com um Capital Social de 1.300.000,00 € (85,89%).

Recorde-se que a C... […] até 1992 denominava-se F..., LDA, com a transformação em sociedade anónima passou a designar-se G..., SA e, em 2011, com a cisão, passou a ter, então, a sua designação atual: C..., SA.

Pela consulta da escritura de “divisões e cessões de quotas, aumento de capital e transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima”, celebrada em 23-09-1992, que se junta como anexo 5, verifica-se que naquela data foram adquiridas, pelo SP, duas quotas no valor total de 17.956,72 € (2.800.000$ + 800.000$), por valor igual ao seu valor nominal. Verifica-se também que, depois de unificada, a quota foi, ainda nessa data, aumentada, por incorporação de reservas, no valor de 116.718,71 € (23.400.000$) para 134.675,43 € (27.000.000$). Na transformação da sociedade em anónima o SP passou a deter 27.000 ações desta sociedade.

A informação acima, relativa à C... […], é importante porque foi da divisão do Capital Social desta que foi constituído o Capital Social da nova sociedade,  D..., SA […], ocorrida em 24-10-2011, e da qual o SP passou a deter 23.656 ações, com o valor nominal de 5,00 € cada, no total de 118.280,00 €, pelo que, e no cumprimento da alínea d) do n.º 6 do art.º 43.º do CIRS, transcrito acima, do aumento de capital por incorporação de reservas ocorrido em 1992 na sociedade cindida, passa para a nova sociedade, na cisão, o valor de 100.323,28 € (que somados aos 17.956,72 € que já possuía, conforme consta do parágrafo anterior, resulta no valor de 118.280,00 valor nominal das ações em nome do SP).

Esta cisão foi realizada nos termos do regime especial previsto no art.º 74.º do CIRC, vulgarmente designado por regime de neutralidade fiscal, conforme consta do projeto de cisão:

O destaque e transmissão dos activos e passivos enunciados, detidos pela sociedade a cindir, G..., S.A., será efectuado pelo seu valor líquido contabilístico, nos termos dos artigos 73.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.

 

 

 

 

Pelo que está corretamente declarada no quadro 9-B da declaração modelo 3 de IRS.

No anexo 6 constam a declaração modelo 1 de imposto do selo por óbito do pai, K..., e a respetiva liquidação, onde se pode verificar o valor atribuído para efeitos de IS às ações da sociedade (Verbas 15 e 16), ou seja, 24,29 € cada ((1.251.699,80 € + 469.388,95 €)/(103.069 ações x ½ + 38.651 ações x ½) = 24,28858 € cada) e, no anexo 7, consta a escritura de partilha das ações da sociedade, onde se confirma que o SP recebeu 10.629 ações, avaliadas para efeitos de imposto do selo em 258.163,31 €.

No anexo 8 constam a declaração modelo 1 de imposto do selo por doação da mãe, Laura de Jesus Santos de Sousa, e a respetiva liquidação, onde se pode verificar o valor atribuído às ações da sociedade (verba 3), ou seja, 24,29 € cada (412.784,40 €/16.995 = 24,28858 € cada) e, no anexo 9, consta a respetiva escritura de doações das ações da sociedade, onde se confirma que o SP recebeu 16.995 ações, por doação da sua mãe, avaliadas para efeitos de imposto do selo em 412.784,40 €.

Tanto a aquisição das ações por sucessão como a aquisição das ações por doação foram posteriores à cisão das sociedades, pelo que não deverão ser declaradas no quadro 9-B da declaração modelo 3 de IRS.

Em resumo, as datas e os valores de aquisição, pelo SP, das partes de capital da D..., SA […], são conforme o quadro seguinte:

Data de aquisição

Valor Nominal da Participação

Valor de Aquisição da Participação

Descrição

23/11/1992

17 956,72

17 956,72

Aquisição de quotas da C... aos pais (K... e L...)

23/11/1992

100 323,28

0,00

Aumento de capital por incorporação de reservas de reavaliação e transf em SA

05/01/2018

53 145,00

258 163,31

Aquisição de ações por óbito de K...

19/06/2018

84 975,00

412 784,40

Aquisição de ações por doação de L...

Total

256 400,00

688 904,43

 

 

            V.1.2.3.           Valor de realização –D..., SA

Os valores de realização das ações alienadas foram os valores das respetivas contraprestações, conforme descrito no contrato, ou seja:

NIF do titular

Valor nominal das ações

N.º de ações

Valor em Capital Social

Valor de realização

Valor unitário de venda

...

5,00 €

51.280

256.400,00 €

660.486,40 €

12,88 €

 

Analisando o último Balanço anterior à transmissão da D..., SA […], em 31 de dezembro de 2018 (anexo 4), verificamos que o valor do Capital Próprio, ou seja, do Balanço, era de 3.379.405,63 €, sendo o Capital Social da sociedade de 1.300.000,00 €, pelo que o valor de balanço de cada ação seria de 12,9977 €.

Verifica-se, assim, que o valor de realização declarado nesta venda é ligeiramente inferior ao seu valor de balanço.

            V.1.2.4.           Correção monetária e despesas e encargos– D..., SA

O art.º 50.º do CIRS estabelece que o valor de aquisição está sujeito a atualização pela aplicação de coeficientes sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre as datas de aquisição e de alienação.

[…]

O art.º 51.º do CIRS estabelece, em relação aos valores de despesas e encargos, que ao valor de aquisição acrescem as despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e à alienação.

[…]

Assim, o Valor de Aquisição atualizado sujeito a IRS, das ações alienadas da D..., SA […] é o seguinte:

Valor nominal

Aquisição

Despesas e encargos

Coef.

desv.

moeda

V. Aquis. atualizado

Data

Valor

118.280,00

23/09/1992

17.956,72

0,00

1,87

33.579,07

138.120,00

05/01/2018

670.947,72

0,00

1,00

670.947,72

256.400,00

 

688 904,44

0,00

 

704 526,79

 

Chama-se a atenção de que, por simplificação e porque não tem outras implicações, mantiveram-se os valores declarados pelo SP na segunda linha acima, que, em bom rigor, reúnem os valores adquiridos por sucessão do pai, em 05-01-2018, e por doação da mãe, em 19-06-2018.

            V.1.2.5.           Verificação de PME – D..., SA

O SP declarou no anexo G da declaração modelo 3 de IRS do ano 2019 que a D..., SA […] era considerada uma média empresa.

Conforme se verifica no quadro seguinte, vista a empresa, mesmo que isoladamente, conclui-se que, efetivamente, se trata de uma PME com estatuto de média, uma vez que ultrapassa os 50 efetivos:

NIPC

Nome

Efetivos

Volume de negócios

Balanço Total

[…]

D..., SA

115

16 576 907,06

5 593 514,07

 

V.1.2.6.           Resumo –D..., SA

Pelo que, as mais-valias a considerar pelas alienações destas ações são as seguintes:

Entidade emitente

Códi

go

Realização

Aquisição

Despesas e encargos

Coef. desv. moeda

V. Aquis. atualizado

Mais-valias atualizadas

Data

Valor

Data

Valor

[…]

G01

07/10/2019

304.689,28

23/09/1992

17.956,72

0,00

1,87

33.579,07

271 110,21

[…]

G01

07/10/2019

355.797,12

15/01/2018

670.947,72

0,00

1,00

670.947,72

-315 150,60

 

 

 

660 486,40

 

688.904,44

0,00

 

704.526,79

-44 040,39

 

O valor de realização foi imputado proporcionalmente aos valores nominais alienados.

V.1.3.  Alienação onerosa de partes sociais –C..., SA

            V.1.3.1.           Data e valor de alienação –C..., SA

Os sujeitos passivos eram detentores das seguintes ações na sociedade (valor nominal e percentagens do Capital Social):

NIF do titular

Valor nominal das ações

N.º de ações

Valor em Capital Social

Percentagem do Capital Social

...

5,00 €

8542

42.710,00 €

20,00%

Total

5,00 €

42.710

213.550,00 €

100,00%

 

[…]

O sujeito passivo declarou que alienou as referidas ações pelo seguinte preço:

NIF do titular

Valor nominal das ações

N.º de ações

Valor em Capital Social

Preço de venda das ações

Preço de venda unitário

...

5,00 €

8542

42.710,00 €

404.036,60 €

47,30 €

 

            V.1.3.2.           Data e valor de aquisição – C..., SA

O valor de aquisição, dado estarmos perante ações, será o custo documentalmente provado ou o respetivo valor nominal, conforme indica o art.º 48.º alínea b) do CIRS:

[…]

Conforme foi referido no ponto V.1.2.2, o SP adquiriu aos seus pais, em 23-09-1992, duas quotas no valor total de 17.956,72 €, pelo respetivo valor nominal, e, na mesma data, na sequência do aumento de Capital Social por incorporação de reservas, adquiriu outra quota no valor de 116.718,71 €, cujo custo de aquisição foi zero, por ter resultado de um aumento de capital por incorporação de reservas. Na transformação da sociedade em anónima o SP passou a deter 27.000 ações desta sociedade, com o valor nominal unitário de 4,98797897 € (5000$00).

Em 05-09-2001 , conforme ata 45 da então G..., SA (atual C..., SA […]) no anexo 11, o Capital Social da sociedade foi convertido em euros, tendo sido aumentado o valor nominal das ações para 4,99 €, por incorporação de reservas (reservas livres), pelo que o SP teve um aumento na participação no Capital Social no valor de 54,57 €, com custo nulo.

Em 05-03-2007, conforme ata conjunta, anexo 12, foi realizada a fusão da sociedade com a J..., LDA, NIPC: […], por transferência global do património desta. O SP detinha 20% desta sociedade, pelo que lhe foram atribuídas 542 novas ações da C..., SA […], com o valor nominal unitário de 4,99 €, no total de 2704,58 €.

Em 04-10-2011, conforme publicação de ato societário, anexo 13, foi realizado um aumento de capital por incorporação de reservas legais, no total de 3027,10 €, por aumento do valor nominal de cada ação de 4,99 € para 5,00 €, pelo que se manteve o número de ações. Ao SP correspondeu um aumento de 275,42 €, com custo nulo.

Com a cisão da sociedade, e a criação da nova empresa D..., SA […], a participação do SP na C..., SA […] passou a ser de 3886 ações, com o valor nominal de 19.430,00 €.

Por óbito do pai, K..., ocorrido em 05-01-2018, e em resultado da declaração modelo 1 de imposto de selo respetiva e da escritura de partilhas das sociedades (anexos 6 e 7) o SP adquiriu, por sucessão, 1746 ações da sociedade (verbas 17 e 18), com o valor nominal total de 8730,00 €, cujo valor de aquisição, determinado segundo as regras do art.º 45.º n.º 1 alínea a) do CIRS, foi de 23.945,03 € (116.097,73 € + 43.535,79 €)/(16.931 ações x ½ + 6349 ações x ½) = 13,71422 € cada).

[…]

Em 19-06-2018, a mãe do SP, L..., doou ao SP […], 2910 ações da sociedade, com o valor nominal total de 14.550,00 €, cujo valor de aquisição, determinado segundo as regras do art.º 45.º n.º 1 alínea a) do CIRS, foi de 39.908,38 €.

Em resumo, as datas e os valores de aquisição, pelo SP, das partes de capital da C..., SA […], são conforme o quadro seguinte:

Data de aquisição

Valor Nominal da Participação

Valor de Aquisição da Participação

Descrição

23/11/1992

17.956,72

17.956,72

Aquisição de quotas aos pais (H... e L...)

23/11/1992

116.718,71

0,00

Aumento de capital por incorporação de reservas de reavaliação e transf em SA

05/09/2001

54,57

0,00

Conversão eu euros

05/03/2007

2.704,58

2.704,58

Aumento de capital por fusão com J..., Lda (+542 ações)

04/10/2011

275,42

0,00

Aumento de capital por incorporação de reservas legais

24/10/2011

-118.280,00

-17.956,72

Cisão com D..., SA

05/01/2018

8.730,00

23.945,03

Aquisição de ações por óbito de K...

19/06/2018

14.550,00

39.908,38

Aquisição de ações por doação de L...

Total

42.710,00

66.557,99

 

 

Assim, o valor nominal de 42.710,00 €, relativos às 8542 ações vendidas em 07-10-2019, foi constituído da forma que se descreve no quadro seguinte:

 

 

 

Data

V. Nominal adquirido

Alienação por Cisão 24/10/2011

V. Nominal restante

V N ações acumulado

Aquisição de quotas aos pais (H... e L...)

23/11/1992

17.956,72

-17.956,72

0,00

0,00

Aum. de capital por incorp.Res. reavaliação e transf em SA (300 000x1000$)

23/11/1992

116.718,71

-100.323,28

16.395,43

16.395,43

Conversão eu euros

05/09/2001

54,57

0,00

54,57

16.450,00

Aumento de capital por fusão com J..., Lda (+542 ações)

05/03/2007

2.704,58

0,00

2.704,58

19.154,58

Aumento de capital por incorporação de reservas legais

04/10/2011

275,42

0,00

275,42

19.430,00

 

Sub-total

137.710,00

-118.280,00

19.430,00

 

Aquisição de ações por óbito de K...

05/01/2018

8.730,00

0,00

8.730,00

28.160,00

Aquisição de ações por doação de L...

19/06/2018

14.550,00

0,00

14.550,00

42.710,00

 

Total:

160.990,00

-118.280,00

42.710,00

 

 

Pelo que as datas e os valores nominais e de aquisição a considerar são os seguintes:

Data de aquisição

Valor Nominal

Valor de Aquisição

23/11/1992

16.395,43

0,00

05/09/2001

54,57

0,00

05/03/2007

2.704,58

2.704,58

04/10/2011

275,42

0,00

05/01/2018

8.730,00

23.945,03

19/06/2018

14.550,00

39.908,38

Total

42.710,00

66.557,99

 

 

            V.1.3.3.           Valor de realização – C..., SA

Os valores de realização das ações alienadas foram os valores das respetivas contraprestações, conforme descrito no contrato, ou seja:

NIF do titular

Valor nominal das ações

N.º de ações

Valor em Capital Social

Valor de realização

Valor unitário de venda

...

5,00 €

8542

42.710,00 €

404.036,60 €

47,30 €

 

Analisando o último Balanço anterior à transmissão da C..., SA […], em 31 de dezembro de 2018 (anexo 10), verificamos que o valor do Capital Próprio, ou seja, do Balanço, era de 767.841,98 €, sendo o Capital Social da sociedade de 213.550,00 €, pelo que o valor de balanço de cada ação seria de 17,978 €.

Verifica-se, assim, que o valor de realização declarado nesta venda é 2,6 vezes superior ao seu valor de balanço.

            V.1.3.4.           Correção monetária e despesas e encargos–C..., SA

O art.º 50.º do CIRS estabelece que o valor de aquisição está sujeito a atualização pela aplicação de coeficientes sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre as datas de aquisição e de alienação.

[…]

O art.º 51.º do CIRS estabelece, em relação aos valores de despesas e encargos, que ao valor de aquisição acrescem as despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e à alienação.

[…]

Assim, o Valor de Aquisição atualizado sujeito a IRS, das ações da C...,  SA […] é o seguinte:

Valor nominal

Aquisição

Despesas e encargos

Coef.

desv.

moeda

V. Aquis. atualizado

Data

Valor

16.395,43

23/09/1992

0,00

0,00

1,87

0,00

54,57

05/09/2001

0,00

0,00

1,33

0,00

2.704,58

05/03/2007

2.704,58

0,00

1,14

3.083,22

275,42

04/10/2011

0,00

0,00

1,06

0,00

8.730,00

05/01/2018

23.945,03

0,00

1,00

23.945,03

14.550,00

19/06/2018

39.908,38

0,00

1,00

39.908,38

42.710,00

 

66.557,99

 

 

 

 

            V.1.3.5.           Verificação de PME – C..., SA

O SP declarou no anexo G da declaração modelo 3 de IRS do ano 2019, erradamente conforme se concluirá mais adiante, que a C..., SA […] era considerada uma micro ou pequena empresa, nos termos e para efeitos do art.º 43.º do CIRS, e, como tal, tinha direito ao abatimento de 50% da mais-valia, conforme previsto neste artigo.

[…]

O art.º 43.º n.º 4 do CIRS, remete o enquadramento como micro ou pequena empresa para o que se encontra definido nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

Conforme iremos ver mais à frente, a C..., SA […] e a D..., SA […], eram detidas em cerca de 40% cada uma pela C..., LDA […] e todas eram detidas maioritariamente por um grupo de 3 pessoas, irmãos, entre os quais se encontra o SP, que atuam concertadamente.

A C..., SA […] e a D..., SA […], juntamente com a E..., LDA […], cumprem os requisitos previstos art.º 3.º n.º 3 alínea a) do anexo ao DL 372/2007, para serem consideradas empresas associadas, designadamente o requisito relacionamento relevante e o requisito mercado, que transcrevemos:

ARTIGO 3.º

Tipos de empresas tomadas em consideração no que se refere ao cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros

(…)

2 - Entende-se por «empresas parceiras» todas as empresas que não são qualificadas como empresas associadas na aceção do n.º 3, e entre as quais existe a seguinte relação: uma empresa (empresa a montante) detém, sozinha ou em conjunto com uma ou várias empresas associadas na aceção do n.º 3, 25 % ou mais do capital ou dos direitos de voto de outra empresa (empresa a jusante).

No entanto, uma empresa pode ser qualificada como autónoma, não tendo, portanto, empresas parceiras, ainda que o limiar de 25 % seja atingido ou ultrapassado, quando se estiver em presença dos seguintes investidores, desde que estes não estejam, a título individual ou em conjunto, associados, na aceção do n.º 3, à empresa em causa:

a) Sociedades públicas de participação, sociedades de capital de risco, pessoas singulares ou grupos de pessoas singulares que tenham uma atividade regular de investimento em capital de risco (business angels) e que invistam fundos próprios em empresas não cotadas na bolsa, desde que o total do investimento dos ditos business angels numa mesma empresa não exceda (euro) 1.250.000;

b) Universidades ou centros de investigação sem fins lucrativos;

c) Investidores institucionais, incluindo fundos de desenvolvimento regional;

d) Autoridades locais e autónomas com um orçamento anual inferior a 10 milhões de euros e com menos de 5000 habitantes.

3 - Entende-se por «empresas associadas» as empresas que mantêm entre si uma das seguintes relações:

a) Uma empresa detém a maioria dos direitos de voto dos acionistas ou sócios de outra empresa;

b) Uma empresa tem o direito de nomear ou exonerar a maioria dos membros do órgão de administração, de direção ou de controlo de outra empresa;

c) Uma empresa tem o direito de exercer influência dominante sobre outra empresa por força de um contrato com ela celebrado ou por força de uma cláusula dos estatutos desta última empresa;

d) Uma empresa acionista ou associada de outra empresa controla sozinha, por força de um acordo celebrado com outros acionistas ou sócios dessa outra empresa, a maioria dos direitos de voto dos acionistas ou sócios desta última.

Presume-se que não há influência dominante no caso de os investidores indicados no segundo parágrafo do n.º 2 não se imiscuírem direta ou indiretamente na gestão da empresa em causa, sem prejuízo dos direitos que detêm na qualidade de acionistas ou sócios.

As empresas que mantenham uma das relações referidas no primeiro parágrafo por intermédio de uma ou várias outras empresas, ou com os investidores visados no n.º 2, são igualmente consideradas associadas.

As empresas que mantenham uma das relações acima descritas por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares que atuem concertadamente são igualmente consideradas empresas associadas desde que essas empresas exerçam as suas atividades, ou parte delas, no mesmo mercado ou em mercados contíguos.

Entende-se por mercado contíguo o mercado de um produto ou serviço situado diretamente a montante ou a jusante do mercado relevante.

(…)

(sublinhados e negritos da nossa autoria)

 

 

Nos termos deste n.º 3, serão associadas as empresas que mantenham uma das relações descritas no referido artigo, por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares que atuem concertadamente, desde que as empresas exerçam as suas atividades, ou parte delas, no mesmo mercado ou em mercados contíguos.

A estrutura societária da D... SA […], antes da venda das ações, era conforme o quadro seguinte:

Titular

N.º de ações

Valor

Nominal

Percentagem

de Capital

Social

E..., Lda

102 560

512 800,00

39,45%

A...

51 280

256 400,00

19,72%

H...

51 280

256 400,00

19,72%

I...

51 280

256 400,00

19,72%

Grupo de 71 pessoas

3 600

18 000,00

1,38%

Total de participações

260 000

1 300 000,00

100,00%

 

 

Esta empresa tem como atividades: “Comércio por grosso de artigos de papelaria” (CAE: 46491), “Fabricação de artigos de papel para papelaria” (CAE: 17230), “Comércio a retalho de jornais, revistas e artigos de papelaria, em estabelecimento especializado” (CAE: 47620) e “Comércio a retalho de livros, em estabelecimento especializado” (CAE: 47610).

A estrutura societária da C..., SA […], antes da venda das ações, era conforme o quadro seguinte:

Titular

N.º de ações

Valor

Nominal

Percentagem

de Capital

Social

Valor E..., Lda

17 084

85 420,00

40,00%

A...

8 542

42 710,00

20,00%

H...

8 542

42 710,00

20,00%

I...

8 542

42 710,00

20,00%

Total de participações

42 710

213 550,00

100,00%

 

 

Esta empresa tem como atividades o Arrendamento de bens imobiliários (CAE: 68200) e a Compra e venda de bens imobiliários (CAE: 68100).

A estrutura societária da E..., LDA […], antes da venda das ações, era conforme o quadro seguinte:

Titular

Quotas

Valor

Nominal

Percentagem

de Capital

Social

A...

1

70 000,00

33,33%

H...

1

70 000,00

33,33%

I...

1

70 000,00

33,33%

Total de participações

3

210 000,00

100,00%

 

 

Esta empresa tem como atividade a Compra e venda de bens imobiliários (CAE: 68100).

Um mesmo mercado abrange “todos os produtos elou serviços considerados permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida”.

Tendo em conta que as duas últimas sociedades têm um CAE em comum, a compra e venda de bens imobiliários (68100), não há dúvidas de que exercem, pelo menos em parte, as suas atividades dentro do mesmo mercado.

Os mercados contíguos podem ser, pelo menos, de dois tipos: horizontais ou verticais. No primeiro tipo trata-se de mercados em que os produtos ou serviços são complementares entre si ou em que pertencem a uma gama de produtos que é geralmente adquirida pelo mesmo grupo de clientes para a mesma utilização final; já no que diz respeito ao segundo tipo, tem a ver com as relações verticais numa cadeia de valor, ou seja, enquanto fornecedores ou clientes.

Ora, conforme se poderá verificar nos quadros seguintes, não só a D..., SA […]

era cliente da C..., SA […], como era a sua quase única cliente, tanto em 2018:

Clientes da V. C... SA em 2018

NIPC

Valor base

IVA

Total

Percentagem

D..., SA

[…]

98 160,00

22 576,80

120 736,80

99,80%

Outros

 

201,18

0,00

201,18

0,20%

Total

98 361,18

22 576,80

120 937,98

100,00%

 

 

Como em 2019:

Clientes da V. C... SA em 2019

NIPC

Valor base

IVA

Total

Percentagem

D..., SA

[…]

98 160,00

22 576,80

120 736,80

100,00%

Total

98 160,00

22 576,80

120 736,80

100,00%

 

Também em relação à E..., LDA […], que, embora tenha sido constituída em 2018, só começou a emitir faturas em 2019, verifica-se que os únicos clientes que teve foram precisamente as outras 2 sociedades:

Clientes da V. E... Lda em 2019

NIPC

Valor base

IVA

Total

Percentagem

D..., SA

[…]

517 360,12

118 992,83

636 352,95

99,44%

C..., SA

[…]

2 801,51

644,32

3 445,83

0,54%

E..., LDA

[…]

120,07

0,00

120,07

0,02%

Total

520 281,70

119 637,15

639 918,85

100,00%

 

 

Em complemento ao que foi dito há ainda a referir que as 3 sociedades têm sede no mesmo local, na rua ...– ...-... Leiria, mais, a D..., SA […] e a C..., SA […] partilham o mesmo Apartado (...) nos CTT […].

Também é importante referir que, embora a relação entre a D..., SA […] e a C..., SA […], fosse de cliente (a primeira) e fornecedora (a segunda), conforme se retira da análise ao relatório e contas de 2018 da D..., SA […], no final deste ano era a segunda que era devedora de valores avultados à primeira:

[…]

Entidade

Saldo credor # 22

Fornecedores

Saldo devedor # 27

Contas a receber

C..., S.A.

(€ 50.307,00)

652.528,48 €

E..., Lda.

- €

5.000,00 €

 

Pelo que, fica demonstrado que a C..., SA […] e a D..., SA […], tendo esta tido origem na cisão daquela, continuam a estar muito ligadas — e a dependência da C..., SA […] é de tal forma que desde que ocorreu a cisão, em 2011, tem demonstrado que não teria capacidade de sobrevivência sem a D..., SA […] – e porque se encontram cumpridos também os requisitos das pessoas singulares que atuam em conjunto, conforme se verá de seguida, deverão ser consideradas empresas associadas.

Os laços familiares são considerados suficientes para concluir que as pessoas singulares atuam em conjunto, contudo, poderemos ainda reforçar que dos 5 irmãos que eram praticamente os únicos acionistas da D..., SA […] e da C..., SA […], após a doação da mãe em 19-06-2018, dois (L... e M...) venderam, em 27-06-2018, todas as suas ações à E.., LDA […], empresa que foi constituída nesse mesmo mês de junho de 2018 e cujos sócios eram os restantes 3 irmãos (A..., H... e I...). Ou seja, agiram concertadamente e criaram uma nova empresa que comprou as ações dos irmãos e que, em 2019, veio a adquirir, também, as ações destes, ficando detentora de 98,62% do Capital Social da D..., SA […] e de 100% do da C..., SA […].

Fica assim demonstrado que as duas sociedades atuam em mercado contíguo (uma é cliente praticamente exclusiva da outra); bem como fica comprovado que o controlo maioritário das duas sociedades é pertença de um grupo de pessoas singulares (os 3 irmãos A..., H... e I...), com administradores/gerentes em comum, bem como a sua atuação concertada na gestão ou administração das mesmas.

Aliás tal facto é confirmado pelo relatório de certificação de PME emitido pelo IAPMEI, relativo a 2020, da C..., SA […], que se junta como anexo 14, e de onde se retira o quadro seguinte:

- Dimensão Histórica

Ano

2019

2018

Dimensão

Média

Média

 

- Conclusão:

A entidade é PME com o estatuto Média.

 

Que confirma que esta empresa teve a classificação de PME, com o estatuto de média, em 2018 e 2019.

Assim, confirma-se que pelo menos estas 2 sociedades deverão ser consideradas associadas, pelo que se conclui que a C..., SA […] é uma PME com estatuto de média, uma vez que a soma de efetivos ultrapassa as 50 unidades, conforme quadro seguinte:

 

NIPC

Nome

Efetivos

Volume de negócios

Balanço Total

[…]

D..., SA

115

16 576 907,06

5 593 514,07

[…]

C..., SA

0

108 110,00

1 467 983,50

 

 

115

16 685 017,06

7 061 497,57

 

 

V.1.3.6.           Resumo –C..., SA

Pelo que, as mais-valias a considerar pelas alienações destas ações são as seguintes:

Entidade emitente

Códi

go

Realização

Aquisição

Despesas e encargos

Coef. desv. moeda

V. Aquis. atualizado

Mais-valias atualizadas

Data

Valor

Data

Valor

[…]

G01

07/10/2019

155.100,77

23/09/1992

0,00

0,00

1,87

0,00

155.100,77

[…]

G01

07/10/2019

516,23

05/09/2001

0,00

0,00

1,33

0,00

516,23

[…]

G01

07/10/2019

25.585,33

05/03/2007

2.704,58

0,00

1,14

3.083,22

22.502,11

[…]

G01

07/10/2019

2.605,47

04/10/2011

0,00

0,00

1,06

0,00

2.605,47

[…]

G01

07/10/2019

82.585,80

05/01/2018

23.945,03

0,00

1,00

23.945,03

58.640,77

[…]

G01

07/10/2019

137.643,00

19/06/2018

39.908,38

0,00

1,00

39.908,38

97.734,62

 

 

 

404.036,60

 

66.557,99

 

 

66.936,63

337.099,97

 

 

O valor de realização foi imputado proporcionalmente aos valores nominais alienados.

V.1.4.  Cálculo da Mais-valia final

Tendo em conta as conclusões obtidas nos pontos anteriores, apresentamos em seguida os valores totais que deverão constar do anexo G. Assim, o quadro 4 deverá ser preenchido da seguinte forma:

4

ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIRETOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS  (artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS)

Linha

Titular

Realização

Aquisição

Despesas e encargos

Freguesia

Tipo

Artigo

Fração / Secção

Quota-parte %

Data

Valor

Data

Valor

4001

A

2019-01

5.033,25

2019-01

1.576,50

100,00

100933

U

5946

 

7,50

 

E, no quadro 9 (onde constam nas últimas 3 colunas os valores atualizados e nas 2 últimas linhas dividido por sujeito passivo):

Lin

ha

Titular

Entidade emitente

Códi

go

Realização

Aquisição

Despesas e encargos

Coef. desv. moeda

V. Aquis. atualizado

Mais-valias atualizadas

Data

Valor

Data

Valor

1

A

[…]

G01

07/10/2019

304 689,28

23/09/1992

17 956,72

0,00

1,87

33 579,07

271 110,21

2

A

[…]

G01

07/10/2019

355 797,12

15/01/2018

670 947,72

0,00

1,00

670 947,72

-315 150,60

3

A

[…]

G01

07/10/2019

155 100,77

23/09/1992

0,00

0,00

1,87

0,00

155 100,77

4

A

[…]

G01

07/10/2019

516,23

05/09/2001

0,00

0,00

1,33

0,00

516,23

5

A

[…]

G01

07/10/2019

25 585,33

05/03/2007

2 704,58

0,00

1,14

3 083,22

22 502,11

6

A

[…]

G01

07/10/2019

2 605,47

04/10/2011

0,00

0,00

1,06

0,00

2 605,47

7

A

[…]

G01

07/10/2019

82 585,80

05/01/2018

23 945,03

0,00

1,00

23 945,03

58 640,77

8

A

[…]

G01

07/10/2019

137 643,00

19/06/2018

39 908,03

0,00

1,00

39 908,03

97 734,62

9

B

[…]

G22

28/02/2019

3 999,99

04/08/2016

4 051,65

10,40

1,00

4 051,65

-62,06

10

B

[…]

G22

01/03/2019

1 338,83

21/03/2014

1 270,60

18,72

1,00

1 270,60

49,51

11

B

[…]

G22

22/02/2019

2 110,04

24/03/2014

2 460,60

36,20

1,00

2 460,60

- 386,76

 

12

A

[…]

G22

18/01/2019

11 156,80

23/01/2015

8 000,00

145,04

1,00

8 000,00

3 011,76

 

13

A

[…]

G22

30/05/2019

4 500,02

30/05/2016

5 000,02

60,40

1,00

5 000,02

- 560,40

 

Total   

1 087 628,68

 

776 245,30

270,76

 

792 246,29

295 111,63

 

Total SP A

1 080 179,82

 

768 462,45

205,44

 

784 463,44

295 510,94

 

Total SP B   

7 448,86

 

7 782,85

65,32

 

7 782,85

- 399,31

                           
 

 

V.2.     Cálculo das correções

Assim, teremos as seguintes correções ao rendimento líquido da categoria G:

Descrição

S.P. A

S.P. B

Valores

Rendimento líquido da categoria G declarado

-285.555,01 €

-399,31 €

-285.954,32 €

Correção ao rendimento líquido de valores imobiliários da  categoria G (Cap. V.1.1)

1.728,38 €

0,00 €

1.728,38 €

Correção ao rendimento líquido de valores mobiliários da  categoria G (Cap. V.1.2 e V. 1.3)

581.015,95 €

0,00 €

581.015,95 €

Correção ao rendimento líquido da categoria G (soma)

582.744,33 €

0,00 €

582.744,33 €

Rendimento líquido da categoria G corrigido

297.189,32 €

-399,31 €

296.790,01 €

 

Como as mais-valias imobiliárias são de englobamento obrigatório, conforme já referido, teremos a seguinte correção ao rendimento coletável:

 

 

Descrição

S.P. A

S.P. B

Valores

Rendimento coletável declarado

83.880,00 €

22.362,25 €

106.242,25 €

Prejuízo Categoria G – imóveis declarado

-50,00 €

0,00 €

-50,00 €

Correção ao rendimento coletável (Cap. V.1.1)

1.728,38 €

0,00 €

1.728,38 €

Rendimento coletável corrigido

85.558,38 €

22.362,25 €

107.920,63 €

 

Uma vez que o SP optou pelo não englobamento do valor respeitante às alienações das partes sociais, teremos que apurar o respetivo IRS em falta, respeitante a taxas especiais, no âmbito do art.º 72.º n.º 1 alínea c) do CIRS, que é de 28% para o ano de 2019:

Descrição

Mais-valias

S.P. A

Mais-valias

S.P. B

Soma das Mais-valias

(1)

Taxa especial

(2)

IRS liquidado

(3) = (1) x (2)

Valor declarado

- 285.555,01 €

-399,31 €

0,00 €

28%

0,00 €

Valor corrigido

295.460,94 €

-399,31 €

295.460,94 €

28%

82.729,06 €

Imposto em falta . . . . . .

82.729,06 €

 

Pelo que deverão ser efetuadas estas correções nos quadros 4 e 9 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS ano de 2019.

[…]

 

X. Direito de Audição

[…]

O SP informou não contestar, neste direito de audição, as correções constantes dos pontos V.1.1 e V.1.2, relativas às alienações do imóvel e das ações da D..., SA, respetivamente.  

[…]

O SP vem, nesta parte do direito de audição, referir que a C..., SA solicitou ao IAPMEI a emissão do certificado de PME, que o SP junta ao direito de audição, a qual atesta que em 2019 esta sociedade preenchia os requisitos e as condições para o estatuto de pequena empresa.

Recorre ainda, o SP, à Circular n.º 7/2014, de 29-07-2014, para corroborar a sua conclusão de que a existência de certificação emitida pelo IAPMEI faz presumir a verificação dos requisitos materiais constantes do anexo ao DL 372/2007, de 6 de novembro, pelo que releva como prova bastante.

Acrescentando ainda que os serviços estão vinculados às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, pelo que, havendo um certificado válido, o SP poderia beneficiar da exclusão de tributação de 50% da mais-valia apurada.

Ora, antes de mais, importa realçar que o n.º 4 do artigo 43.º do CIRS remete para o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, e não para o Decreto-lei em si mesmo.

Assim, face à letra da lei, a existência do certificado emitido pelo IAPMEI não comprova a qualidade das sociedades, uma vez que o CIRS remete, como referido pelo próprio SP, para as definições do anexo e não para as declarações apresentadas no âmbito do processo de certificação e que deram origem aos certificados apresentados.

Daí que, caso não exista a referida certificação, possa uma sociedade ser considerada micro ou pequena empresa, desde que cumpra as condições previstas no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

Em relação à Circular n.º 7/2014, da Direção de Serviços o IRS, de facto, a mesma diz, no seu ponto 6 a), o seguinte:

  1. A existência de Certificação emitida pelo IAPMEI, válida até à data da alienação das partes sociais, faz presumir a verificação dos requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, pelo que releva como prova bastante do estatuto de micro ou pequena empresa para efeitos do regime previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS.

 

Ora, estamos em face de uma presunção, conforme o próprio SP também referiu, que, como todas as presunções, admite prova em contrário.

Na mesma circular é referido o seguinte:

 

 

  1. Assim, a qualificação de micro ou pequena empresa para efeitos de aplicação dos n.ºs 3 e 4 artigo 43.º do CIRS, deve assentar na realidade material das entidades cujas partes sociais foram objeto de transmissão onerosa, com base na verificação dos requisitos materiais vertidos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, à data da alienação, impendendo sobre os sujeitos passivos o respetivo ónus da prova, nos termos do n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária.

 

Ou seja, apesar da existência dos certificados, é possível comprovar, como foi comprovado no relatório, que a sociedade não deve ser considerada micro ou pequena empresa.

Importa ainda salientar que, nos termos do DL n.º 372/2007, os dados introduzidos para a obtenção do referido certificado, são da responsabilidade dos interessados, sendo a certificação disponibilizada imediatamente após a conclusão do preenchimento integral do formulário e subsequente submissão.

E importa referir que não cabe à AT alterar a classificação indicada pelo IAPMEI. Dado que o CIRS apenas refere o anexo ao DL n.º 372/2007 para classificação das sociedades. Apenas cabe à AT comprovar que as condições aqui estabelecidas não classificam a sociedade como pequena, conforme foi efetuado.

Pelo que não são de acolher os argumentos apresentados pelo SP.

[…]

Nesta parte do direito de audição o SP vem alegar que o relatório para certificação de PME não se pode confundir com a própria certificação de PME, uma vez que o n.º 2 do art.º 4.º do anexo ao DL 372/2007 permite que se uma empresa verificar, na data de encerramento das contas, que superou ou ficou aquém, numa base anual, do limiar de efetivos ou dos limiares financeiros, essa circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante 2 exercícios consecutivos.

Por esta razão, o SP mostra-se contra o facto de ter sido invocado o relatório de certificação de PME respeitante ao ano de 2020, alegando que a dimensão histórica da empresa não releva para efeitos do art.º 43.º do CIRS.

Reforçando ainda que, quer em 2018, quer em 2019, a empresa manteve o estatuto de pequena empresa.

Ora, as ações da empresa foram vendidas em 07-10-2019, pelo que os dados que relevam para a determinação do estatuto de PME, tanto a nível do limiar de efetivos como a nível dos limiares financeiros são os do exercício de 2018.

A C..., SA […], não teve, porque não solicitou, certificação de PME entre 14-08-2013 e 28-10-2018, sendo que a última certificação de PME que tinha tido, que caducou em 14-08-2013, já depois da cisão, tinha sido com atribuição do estatuto de média.

Em 29-10-2018 submeteu o formulário para certificação de PME, tendo resultado no estatuto de pequena.

No entanto, já nesta data se verificavam as condições descritas no ponto V. 1.3.5 do relatório, que concluiu pela atribuição do estatuto de média empresa à C..., SA […]. Ou seja, conforme se poderá verificar no relatório de certificação de PME submetido em 29-10-2018, que se junta como anexo 16, os sócios já eram aqueles; mais, a D..., SA […] era a única cliente da C..., SA […]; e os dados de efetivos e financeiros das empresas eram similares:

NIPC

Nome

Efetivos

Volume de negócios

Balanço Total

[…]

D..., SA

101

16 129 208,94

5 528 689,61

[…]

C..., SA

0

98 160,00

1 524 720,71

 

 

101

16.227.368,94

7.053.410,32

 

Se a C..., SA […] não teve certificação nos anos de 2016 e 2017, e em 2018 cumpre as condições para ser considerada PME com estatuto de média, não pode a mesma vir agora lançar mão do n.º 2 do art.º 4.º do anexo ao DL 372/2007 para se manter com o estatuto de pequena, uma vez que, também em 2018 cumpria os critérios para ser considerada PME com estatuto de média.

Pelo que não são de acolher os argumentos apresentados pelo SP, mantendo-se as conclusões do projeto.

[…]”.

  1. Subsequentemente, os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS n.º 2023..., que resultou no valor total a pagar de € 91.641,30, que inclui a liquidação de juros compensatórios (de € 8.125,85), com data-limite de pagamento fixada em 10 de abril de 2023 – cf. Documentos 1 (ato de liquidação) e 2 (demonstração de acerto de contas) juntos pelos Requerentes.
  2. Os Requerentes efetuaram o pagamento da quantia de € 91.641,30, em 27 de março de 2023 – cf. Documento 10 junto pelos Requerentes.
  3. Inconformados com o ato tributário de liquidação de IRS e juros compensatórios referentes ao ano 2019, na parte que provém da correção das mais-valias auferidas com a venda de partes sociais, na importância de € 84.417,41, por não aceitação do estatuto de pequena empresa da C... e pela desconsideração do valor de aquisição da participação social adquirida por via de aumento de capital por incorporação de reservas no montante de € 116.718,71), os Requerentes apresentaram no CAAD, em 14 de junho de 2023, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

            2.         Factos não Provados

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

            3.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais e na análise crítica da prova documental junta aos autos, supra referenciada em relação a cada facto julgado assente.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

            IV.      Direito

 

            1.     Questões a Decidir

 

São submetidas à apreciação deste Tribunal Arbitral essencialmente duas questões:

 

  • A primeira refere-se à qualificação da sociedade C... como “pequena empresa”, para efeitos de aplicação do disposto no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, por remissão do artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS, que, em caso afirmativo, determina a exclusão de tributação de 50% do saldo das mais-valias apuradas na alienação de partes sociais;
  • A segunda consiste em saber se, para efeitos de determinação do valor das mais-valias resultantes de partes sociais, deve considerar-se como “valor de aquisição” o montante do aumento de capital social efetivado por incorporação de reservas (v. artigo 10.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 e artigo 48.º, alínea b), ambos do Código do IRS).

 

            2.     Enquadramento da C... no Conceito de Pequena Empresa

 

           2.1. Estatuto de Pequena Empresa e Empresas Associadas - Regime

 

O primeiro ponto de controvérsia prende-se com a não aceitação, por parte da Requerida, do estatuto de “pequena empresa” da sociedade C..., cuja participação de 20% foi alienada pelo Requerente, em 2019, por € 404.036,60. O ato tributário impugnado resulta, assim, em parte, da não aplicação do regime previsto no artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS, que exclui de tributação 50% do saldo positivo apurado com a alienação de partes sociais, desde que estas sejam representativas do capital social de “micro” e “pequenas empresas” não cotadas, condição que a AT considerou não verificada.

 

           Convém começar por referir que a delimitação do conceito de “pequena empresa” é efetuada por remissão do n.º 4 do artigo 43.º do Código do IRS para o “anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro” (“Anexo ao Decreto-Lei”). Este diploma cria a certificação por via eletrónica de micro, pequenas e médias empresas, designadas em conjunto pelo acrónimo “PME”, e estabelece, no seu artigo 2.º, que a definição de PME e os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respetivo estatuto correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio e, implicitamente, do anexo que desta faz parte integrante (anexo à Recomendação), o qual contém a definição de micro, pequenas e médias empresas adotada pela Comissão Europeia. Sublinha-se que a qualificação de PME tem diversas implicações que transpõem o domínio fiscal, sendo condição de acesso a diversos regimes de apoio e incentivos previstos para essa categoria de empresas[1].

 

           Em relação à subcategoria de “pequena empresa”, esta é recortada como “uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros” – v. artigo 2.º, n.º 2, quer do anexo ao Decreto-Lei, quer do anexo à Recomendação que constitui a fonte (de direito da União Europeu) do regime nacional.

 

           Os dados a considerar para o cálculo do número de efetivos e dos limiares financeiros do período (anual) de referência são os do último exercício contabilístico encerrado, o que, na situação em apreço, significa que se reportam ao exercício de 2018, que precedeu o da alienação das ações [2019]. No entanto, “se uma empresa verificar na data de encerramento das contas, que superou ou ficou aquém, numa base anual, do limiar de efectivos ou dos limiares financeiros indicados no artigo 2.º, esta circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos” – v. artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do anexo ao Decreto-Lei e, bem assim, nesses exatos termos, do anexo à Recomendação.

 

           Desta forma, uma vez adquirido o estatuto de pequena empresa, este só deixa de vigorar se, durante dois anos consecutivos, for ultrapassado algum dos limites – de colaboradores ou financeiros – legalmente estabelecidos. 

 

           O cômputo do número de efetivos e dos limiares financeiros deve ter em conta, além dos dados da empresa cuja qualificação se pretende, os dados de empresas àquela direta ou indiretamente associadas – v. artigo 6.º do anexo ao Decreto-Lei e do anexo à Recomendação.

 

Deste modo, é fundamental, como passo prévio, saber qual o universo relevante dos dados a considerar. Se a empresa for autónoma, apenas são de atender os dados que lhe respeitam, com base nas suas contas individuais. Se for associada, “devem juntar-se 100% dos dados das eventuais empresas directa ou indirectamente associadas à empresa considerada”, conforme estes resultem das respetivas contas.

 

           São consideradas associadas as empresas que mantêm entre si alguma das seguintes relações, que denotam ou implicam uma posição de controlo – v. artigo 3.º, n.º 3 do anexo ao Decreto-Lei e do anexo à Recomendação e considerando 9 desta última:

  1. Detenção da maioria dos direitos de voto dos acionistas ou sócios de outra empresa;
  2. Direito de nomear ou exonerar a maioria dos membros dos órgãos de administração, direção ou controlo de outra empresa;
  3. Direito de exercer influência dominante sobre outra empresa por força de um contrato com ela celebrado ou por força de uma cláusula dos estatutos desta última empresa;
  4. Controlo por uma empresa acionista ou associada de outra empresa, por força de um acordo celebrado com outros acionistas ou sócios dessa outra empresa, da maioria dos direitos de voto dos acionistas ou sócios desta última.

 

São igualmente associadas as empresas que mantenham uma das relações referidas nas alíneas anteriores por intermédio de uma ou várias outras empresas, ou por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares que atuem concertadamente, neste último caso, desde que essas empresas [associadas] exerçam as suas atividades, ou parte delas, no mesmo mercado ou em mercados contíguos. “Entende-se por mercado contíguo o mercado de um produto ou serviço situado diretamente a montante ou a jusante do mercado relevante” – v. artigo 3.º, n.º 3 do anexo ao Decreto-Lei e do anexo à Recomendação.

 

Para fazer face a eventuais dificuldades interpretativas e de aplicação, a Comissão Europeia publicou um “Guia do Utilizador relativo à definição de PME”, fornecendo dados e explicações sobre a definição de PME constante da Recomendação n.º 2003/361/CE[2]. Apesar de não ter caráter vinculativo, não deixa de ser um elemento interpretativo relevante, reforçado pela receção, operada pelo legislador nacional, através do artigo 2.º Decreto-Lei n.º 372/2007, dos conceitos e critérios previstos na Recomendação interpretanda.

 

Sobre a definição da categoria de “empresa associada” o Guia destaca a noção de controlo, tanto jurídico como de facto, direto ou indireto, de uma empresa sobre outra, razão que justifica a equiparação de relações similares quando o controlo ocorre por intermédio de uma ou mais pessoas singulares (que atuem concertadamente), se exercerem as suas atividades (ou uma parte destas) no mesmo mercado ou em mercados contíguos.

 

Consideram-se contíguos os mercados vizinhos estreitamente relacionados “em que os produtos ou serviços são complementares entre si ou em que pertencem a uma gama de produtos que é geralmente adquirida pelo mesmo grupo de clientes para a mesma utilização final. As relações verticais numa cadeia de valor devem igualmente ser tidas em conta” – v. Guia pp. 36 e 37.

 

No tocante à atuação concertada das pessoas individuais o Guia refere que “[n]o contexto das relações por intermédio de pessoas singulares ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do anexo da Recomendação relativa às PME, os laços familiares foram considerados suficientes para concluir que as pessoas singulares atuam em conjunto.” – v. Guia p. 37. É, de igual modo, realçada a perspetiva de as empresas deverem ser, para serem consideradas autónomas, economicamente independentes umas das outras, o que fica comprometido se as pessoas singulares trabalharem em conjunto para influenciar as decisões comerciais das empresas em causa.

 

Ainda a propósito do conceito de atuação concertada, a Comunicação de 14 de janeiro de 2011 da Comissão Europeia que consagra Orientações sobre a aplicação do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) aos acordos de cooperação horizontal preconiza que “[e]m conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a noção de prática concertada refere-se a uma forma de coordenação entre empresas que, sem se ter desenvolvido até ao estádio da celebração de uma convenção propriamente dita, substitui cientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre elas. Os critérios de coordenação e de cooperação constitutivos de uma prática concertada, longe de exigirem a elaboração de um verdadeiro plano, devem ser entendidos à luz da concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado interno e as condições que deseja aplicar à sua clientela.

61. Se é verdade que esta exigência de autonomia não exclui o direito dos operadores económicos de se adaptarem inteligentemente ao comportamento conhecido ou previsto dos seus concorrentes, opõe-se todavia rigorosamente a qualquer estabelecimento de contactos directos ou indirectos entre tais operadores, que tenha por objectivo ou efeito conduzir a condições de concorrência que não correspondam às condições normais do mercado em causa, atendendo à natureza dos produtos ou das prestações fornecidas, à importância e ao número das empresas e ao volume do referido mercado.

 

O Acórdão do Tribunal de Justiça, de 27 de fevereiro de 2014, processo C‑110/13, declara em sintonia que o “requisito da atuação concertada de um grupo de pessoas singulares é preenchido quando essas pessoas se coordenam para exercer influência nas decisões comerciais das empresas em causa, o que exclui que estas empresas possam ser consideradas economicamente independentes uma da outra. A verificação deste requisito depende das circunstâncias do processo e não está necessariamente subordinada à existência de relações contratuais entre essas pessoas”.

          

Atento o quadro regulatório acabado de descrever, importa apreciar.

 

           2.2. Análise Concreta

 

            Os dados quantitativos da sociedade C..., isoladamente considerada, quer em 2018, quer em 2019, correspondem à classificação de “pequena empresa”. O ponto que se suscita é o de saber se esta entidade pode ser analisada de forma isolada ou se, distintamente, constitui uma empresa associada da D..., sociedade que recebeu a classificação de “média empresa” nesses anos, circunstância em que a primeiramente referida deve também passar a ser considerada como “média empresa”. 

 

Para a Requerida, a determinação dos limiares quantitativos – de efetivos e financeiros –, da sociedade C... não pode assentar nos seus dados individuais, devendo, antes, ser somados aos da sociedade D..., por ambas serem empresas associadas, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º 3 e 6.º n.ºs 2 e 3 do anexo ao Decreto-Lei, preenchendo os dois pressupostos legalmente exigidos para o efeito: a atuação concertada de três pessoas singulares (o Requerente e 2 irmãos), que controlam ambas as sociedades, e o exercício de atividade, por parte dessas sociedades, em mercados contíguos, dependendo a C..., do ponto de vista financeiro e económico, da D... .

De notar que ambas as Partes reconhecem que a D... configura uma “média empresa”, por dispor de mais de 50 efetivos, tanto em 2018, como em 2019.

 

Constitui, deste modo, ponto central da apreciação de mérito concluir sobre a verificação das condições necessárias à qualificação das duas sociedades como “empresas associadas”, na aceção do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.

 

a) Atuação Concertada

 

Em 2019, as sociedades C... e D... eram detidas em 100% e 98,62%, respetivamente, pelo Requerente e por dois irmãos deste, de forma direta e indireta (nesta última hipótese, através da E..., Lda.[3]), verificando-se, de forma inequívoca, uma situação de controlo total, garantindo e superando os requisitos mínimos relativos à maioria dos direitos de voto e ao direito de exercer uma influência dominante.

 

As sociedades C... e D...  pertenciam ao grupo familiar liderado pelo pai do Requerente, que integrava todos os irmãos (cinco), incluindo o Requerente, e, bem assim, a sua mãe. Com o falecimento do pai do Requerente, em 2018, três irmãos, nos quais se inclui o Requerente, constituíram a E..., Lda., sociedade que adquiriu, ainda nesse ano 2018, as partes sociais dos outros dois irmãos e da mãe (neste último caso, por doação).

 

Desta forma, o grupo de três irmãos, em que se inclui o Requerente, a partir de 2018, ficou, direta ou indiretamente, na titularidade integral do capital social das três sociedades – C..., D... e E..., Lda. – com a única ressalva da D..., em que uma pequeníssima percentagem do capital, de 1,38%, pertence a terceiros.

 

É, pois, notório o controlo das sociedades por pessoas pertencentes à mesma família. Até 2018, com a liderança do pai. A partir daí, por via dos três irmãos (incluindo o Requerente), que através da E..., Lda., sociedade recém-criada, adquiriram as partes sociais da C... e D... que estavam na titularidade dos outros dois irmãos e da sua mãe.

 

Esta articulação do grupo de três irmãos (que, como se disse, inclui o Requerente) afigura-se manifesta. Desde logo, com a estratégia conjunta de pronta criação, ainda em 2018 (ano de falecimento do líder familiar), da sociedade E..., Lda., de que os ditos três irmãos são os únicos sócios, e que logo adquiriu e concentrou as partes sociais dos outros membros da família. De seguida, em 2019, os três irmãos titulares da E..., Lda. venderam a esta sociedade as suas próprias partes sociais na C... e na D..., concentrando-as num único veículo societário, de cúpula. Tais movimentações indiciam um planeamento e gestão conjunta da vida das sociedades, coadjuvados pela partilha de administradores comuns e de sedes sociais.

 

Não estamos, assim, perante um quadro factual equiparável ou análogo ao que foi apreciado na decisão arbitral n.º 290/2021-T, de 24 de junho de 2022, citada pelos Requerentes. Não se verifica a mera existência de posições acionistas comuns, nem uma venda pura e simples de participações sociais com a cessação da qualidade de sócio. Diversamente, divisa-se o planeamento, por parte dos três irmãos, de uma estratégia de grupo que integra as duas sociedades visadas, a C... e a D..., tendo em vista uma continuidade de gestão a três (irmãos), através de uma terceira sociedade veículo por aqueles criada (a E..., Lda.), com os demais indícios atrás assinalados.

 

Neste âmbito, é ainda de enfatizar que, para serem consideradas autónomas, as empresas devem ser economicamente independentes, condição que, na situação vertente, não se pode dar por preenchida, a que não é alheio o facto de serem as mesmas pessoas a influenciar as decisões, quer da C..., quer da D... . De notar, a este respeito, que nos anos 2018 e 2019, os rendimentos que a C... obteve são provenientes da D..., com uma pequena exceção em 2018, no valor negligenciável de € 201,18, correspondente a 0,17% da faturação da C... nesse ano (no total de € 120.937,98). Acresce que a C... tem uma dívida expressiva à D..., na importância de € 652.528,48, superior a cinco vezes a faturação anual da primeira, o que é, de igual modo, indicativo da sua dependência económica e financeira em relação D... .

 

Nestes termos, além de, para a Comissão Europeia, no âmbito da definição de “PME”, os laços familiares serem considerados suficientes para concluir que as pessoas singulares atuam em conjunto, mesmo que não se siga esta orientação, a atuação descrita configura a tomada conjunta de decisões, planeamento estratégico e articulação de vontades no âmbito da detenção e gestão das sociedades em causa, pelo que não pode deixar de ser considerada uma atuação concertada dirigida à relação entre as sociedades C... e D..., por intermédio das pessoas singulares detentoras do capital da E..., Lda., sociedade que, por seu turno, detém (e concentra) as antes referidas.  

 

b) Mercado Contíguo

 

Acerca do requisito mercado, este implica que as empresas associadas operem no mesmo mercado ou em mercados contíguos. Os objetos sociais da C... e da D...  são distintos, a primeira com atividade na área imobiliária e a segunda no comércio de artigos de papelaria, pelo que não se enquadram no mesmo mercado.

 

Em relação ao conceito de mercado contíguo, este caracteriza-se por alguma indeterminação, podendo abranger realidades díspares, nomeadamente de produtos ou serviços complementares entre si, bem como de relações verticais na cadeia de valor (v. esclarecimentos do Guia da Comissão Europeia, p. 36 e 37). Este último segmento afigura-se pertinente na análise do caso, pois a C... é fornecedora da D..., sendo a esta última sua cliente (quase) exclusiva, constatando-se, assim, a existência de relações verticais passíveis de configurar mercados contíguos, nesta aceção[4]. Relações estas intensificadas com a dependência económica e financeira que une a C... à D..., dada a substancial posição devedora da primeira à segunda e o facto de a D... ser a única cliente relevante da C... no período em questão.

 

No plano geográfico, ao contrário do que alegam os Requerentes, os perímetros de atuação não são distintos, pois ambas as sociedades operam no território nacional, podendo realizar as suas operações em qualquer parte do mesmo.

 

Nestes termos, julgam-se verificados os pressupostos materiais necessários –  quanto ao relacionamento relevante e ao requisito mercado – para a qualificação da C... e da D... como empresas associadas, seja no ano 2018, seja no ano 2019, artigo 3.º, n.º 3, alínea a) e § 3 e 4 do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 e do anexo à Recomendação. 

 

c) Certificação do IAPMEI - presunção

 

Resulta da prova efetuada nos autos que, quer em 2019 (data do facto tributário – realização da mais-valia), quer no ano precedente, 2018, a sociedade cujas participações foram alienadas pelo Requerente (a C...) foi certificada como “pequena empresa” pelo IAPMEI, entidade com competência para este efeito. Esta certificação não tinha sido efetuada nos dois anos imediatamente anteriores (2016 e 2017). 

 

           A existência de certificação válida emitida pelo IAPMEI referente à data de alienação das partes sociais, faz presumir a verificação dos requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, como a própria AT acolhe no ponto 6, alínea a) da Circular n.º 7/2014, da Direção de Serviços do IRS, de 29 de julho de 2014, onde se afirma que “releva como prova bastante do estatuto de micro ou pequena empresa para efeitos do regime previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS”.

Não obstante, esta presunção é ilidível, podendo a AT fazer a demonstração do contrário.

 

De notar que a certificação do IAPMEI não é constitutiva do estatuto de “pequena empresa”, revestindo apenas natureza declarativa. Aquele estatuto existe em função do preenchimento do pressupostos quantitativos legalmente estabelecidos e acima assinalados (de número de efetivos e indicadores financeiros). Deste modo, uma empresa que não disponha do certificado do IAPMEI, mas que cumpra os requisitos para ser qualificada como micro ou pequena empresa, é elegível para o benefício de exclusão parcial de tributação das mais-valias geradas com a venda das suas partes sociais, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS. Assim como, na situação inversa, se uma empresa dispuser de certificado do IAPMEI, mas ficar demonstrado erro nos pressupostos na sua emissão, ou seja, se se provar que não estão reunidas as condições materiais para que seja qualificada como “pequena empresa”, não pode ser aplicado o regime fiscal mais favorável das normas citadas[5], por falta de enquadramento.

 

Não se trata aqui da sobreposição de competências entre a AT e o IAPMEI, mas da faculdade de aquela [AT] poder – face a um certificado de natureza meramente declarativa – afastar a aplicação de um benefício fiscal se se demonstrar que as condições exigidas para o efeito não estão satisfeitas, aplicando o regime fiscal de acordo com o princípio da legalidade. No caso, os n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do Código do IRS não exigem o certificado de “pequena empresa” como requisito de aplicação do benefício aí previsto. Não é, portanto, o certificado o atributo necessário convocado pela norma. O que a norma reclama é a definição (material) de “pequena empresa”, por remissão para o anexo que prevê os seus limiares quantitativos.

 

Relativamente à posição dos Requerentes de que a liquidação da AT viola o artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT, por existir um certificado de “pequena empresa” emitido pelo IAPMEI com referência ao período relevante, alegadamente desrespeitando o entendimento vertido no ponto 6, alínea a) da Circular n.º 7/2014, de 29 de julho da DSIRS, a mesma é improcedente. O que a Circular diz é que a existência de certificação “faz presumir a verificação dos requisitos materiais”, não afastando a possibilidade de elisão da presunção, regime-regra do direito tributário (v. artigo 73.º da LGT). Nestes termos, a demonstração de que o facto desconhecido (presumido) não corresponde ao descrito na certificação (“pequena empresa”) não colide com o afirmado na Circular, nem se vê como pode consubstanciar a violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança, cuja suscitação pelos Requerentes não foi, sequer, especificamente concretizada.  

 

De igual modo, não procede a invocação de que a rejeição dos certificados de “pequena empresa” da C... fora dos casos do artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 372/2007 viola os princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança. Este artigo 9.º, n.º 2 rege os casos de revogação da certificação, situação que não se suscita nestes autos, pois a Requerida não procedeu a tal revogação, nem para isso dispunha de competência. Limitou-se a desaplicar o regime fiscal do artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS por não se verificar a situação material pressuposta de acordo com a previsão legal.

 

Acresce, quanto às inconstitucionalidades apontadas, que a Requerente não cumpriu o ónus da sua suscitação adequada, nomeadamente no que se refere à “precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios actos jurídicos que são objeto de impugnação judicial” – v. decisão arbitral no processo n.º 14/2021-T.

 

d) Aplicação Temporal – 2 anos consecutivos

 

Resulta do exposto que a sociedade C... e a sociedade D... devem ser consideradas empresas associadas nos anos 2018 e 2019 o que lhes confere a categoria de “média empresa”, uma vez que, tendo em conta os dados de ambas as entidades, o limiar de efetivos excede amplamente o patamar de 50 (em qualquer dos anos é superior a 100) dentro do qual têm de se conter as “pequenas empresas”, ficando impedida a aplicação do disposto no artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS.

 

Convém salientar que os dados do ano 2019 não são relevantes para o enquadramento no regime nesse ano, pois este reporta-se sempre à data de encerramento do ano anterior, neste caso 2018. Efetivamente, no próprio ano só podem ser atendidos os dados do “último exercício contabilístico encerrado” – v. artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do citado anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007. 

 

 Neste ponto, os Requerentes opõem que, nos termos do disposto no artigo 4.º do anexo ao Decreto-Lei (que reproduz o artigo 4.º do anexo à Recomendação), se uma empresa verificar, na data de encerramento das contas, que superou ou ficou aquém, numa base anual, do limiar de efetivos ou dos limiares financeiros indicados no artigo 2.º, esta circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos (precedentes do ano em causa). Aliás, embora não releve para o ano em causa, o IAPMEI na certificação da C... em 2020, qualifica esta sociedade como “média empresa”, precisamente porque nos dois anos antecedentes (2018 e 2019) a sua dimensão material já superava os limiares da “pequena empresa”[6]

 

Assim, a superação daqueles limiares requer a verificação reiterada por 2 anos, o que no caso em apreço, referente ao ano 2019, implica que teria que se chegar à conclusão de que aquelas empresas eram associadas nos anos 2017 e 2018 (os dois anos precedentes).

 

Este “trato sucessivo” supõe que a qualidade de “pequena empresa” tenha sido anteriormente adquirida nos anos relevantes, que são os dois precedentes (2017 e 2018). Todavia, em relação a 2017, os Requerentes não apresentaram (não existindo) certificação do IAPMEI, sendo inaplicável a presunção de que em 2017 a C... era uma, ou tinha adquirido o estatuto de, “pequena empresa”, constituindo os Requerentes no ónus de demonstrar este facto, o que estes não lograram fazer. Pelo contrário, o que resulta dos autos é que as duas sociedades (C... e D...) em 2017 tinham as mesmas características que em 2018 e 2019 e pertenciam ao mesmo grupo familiar, nessa configuração, desde 2011, pelo que as razões que militam para que sejam consideradas associadas em 2018 e 2019, também se verificavam em 2017. O falecimento, em 2018, do progenitor do Requerente não altera esta conclusão, dadas as relações acima descritas que se mantiveram entre os três irmãos atualmente titulares.

 

Assim, como refere o RIT: “Se a C..., SA […] não teve certificação nos anos de 2016 e 2017, e em 2018 cumpre as condições para ser considerada PME com estatuto de média, não pode a mesma vir agora lançar mão do n.º 2 do art.º 4.º do anexo ao DL 372/2007 para se manter com o estatuto de pequena, uma vez que, também em 2018 cumpria os critérios para ser considerada PME com estatuto de média.

 

Nestes termos, ficou provado que, do ponto de vista material, em 2018, a C... já era qualificável como “média empresa”[7] e que essa caracterização se mantém no ano 2019, não tendo existido certificação, nem sido demonstrado pelos Requerentes a aquisição do estatuto de “pequena empresa” nos anos antecedentes, como era seu ónus (v. artigo 74.º da LGT), por forma a poder prevalecer-se do disposto no artigo 4.º do anexo ao Decreto-Lei (manutenção do estatuto de “pequena empresa” por dois anos consecutivos).

 

À face do exposto, improcede, nesta parte, a ação arbitral, por se ter concluído que as empresas a C... e D...  são associadas e enquadráveis na categoria de “média empresa” à data do facto tributário [2019], aferida pelo anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, para o qual remete o Código do IRS. Deste modo, não podem as mais-valias respeitantes à C... ser beneficiárias da exclusão de tributação parcial prevista no artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS, pelo que, nesta matéria, a liquidação não padece de ilegalidade substantiva.

 

            Em relação à suscitada invalidade do ato tributário com fundamento no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, a mesma não colhe, pois não estamos perante uma situação em que existam dúvidas sobre a existência ou a quantificação do facto tributário. Só em situações em que não haja a certeza se existe ou não o facto é de aplicar esta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus, situação que, como referido, não ocorre nos presentes autos.

 

3.    Valor de Aquisição de Partes Sociais – Aumento de Capital por Incorporação de Reservas

 

Defendem ainda os Requerentes a ilegalidade substantiva ato tributário impugnado, na parte em que não foi considerada, como valor de aquisição das partes sociais da C..., a importância de € 116.718,71, respeitante a um aumento de capital por incorporação de reservas daquela sociedade.

 

A questão que aqui se suscita não é a da incidência de IRS sobre os ganhos provenientes da operação de alienação das partes sociais da C..., que ambas as Partes no litígio subsumem à categoria G, como mais-valias sujeitas a imposto (v. artigos 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código do IRS)[8].

 

De relembrar, a este respeito, que, em geral, a mais-valia é um ganho acidental ou fortuito (windfall gain)[9], que se materializa na diferença entre o valor por que um ativo entrou no património individual e o valor por que dele saiu por força de um ato de disposição ou outro facto que, segundo a lei, constitua a realização da mais-valia, tendo o legislador português optado pelo princípio da realização. Assim, só ocorre tributação quando ocorre a realização[10] e não pela valorização dos ativos, enquanto estes permanecerem na esfera jurídica do seu titular (i.e., enquanto não forem alienados).

 

No caso, a controvérsia está na fórmula de quantificação e reside em saber como determinar o valor a ter em conta num dos termos de cálculo da matéria coletável – o subtraendo valor de aquisição –, na situação específica em que ocorre um aumento de capital por incorporação de reservas.

 

O artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS estabelece que o ganho tributável é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição[11], podendo, ou não, ser reduzido a metade, por força do regime atrás descrito, aplicável às “pequenas empresas” (v. artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS[12]).

 

Quanto ao valor de realização, o mesmo é consensual e corresponde ao valor da respetiva contraprestação, conforme estipula o artigo 44.º, n.º 1, alínea f) do Código do IRS.

 

No que respeita à aferição do valor de aquisição, sobre o qual recai a divergência das Partes, o artigo 48.º, alínea b) do mesmo Código determina que aquele deve corresponder ao “custo documentalmente provado ou, na sua falta, [a]o respetivo valor nominal”

 

Porém, no caso de um aumento de capital por incorporação de reservas, não existe um verdadeiro incremento patrimonial, nem qualquer dispêndio ou custo incorrido (com tradução pecuniária) por parte do sócio. Este adquire os bens (novas participações ou incremento do valor nominal das participações já detidas) em virtude de uma “situação de que já era titular anteriormente[13], sem pagar qualquer contrapartida, nem ter qualquer encargo para esse efeito. Em tal circunstância, afigura-se não existir qualquer montante a deduzir ao valor de realização, conforme a tese preconizada pela Requerida, para efeitos de cálculo do ganho a sujeitar a tributação.

 

Neste sentido também se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de maio de 2022, proferido no processo n.º 0295/17.0BELRA, que, partindo da análise conjugada das normas supra citadas conclui que, na situação de aumento de capital por incorporação de reservas, “não há qualquer deslocação patrimonial do património pessoal para o da sociedade, uma vez que tendo sido o resultado líquido obtido […] convertido em reservas legais nunca chegou a sair do património da sociedade”. As reservas não são constituídas “com entradas dos sócios, mas com proveitos gerados da própria atividade da sociedade” .

 

Para esta conclusão milita ainda o disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º do Código do IRS, que estipula como “data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, […] a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”.

 

Daqui se retira que, na situação vertente, as mais-valias mobiliárias devem ser apuradas desconsiderando-se o valor das partes sociais [ações] decorrente do aumento de capital ocorrido por incorporação de reservas, como afirma, em caso análogo, o Acórdão do Tribunal Supremo acima referido (processo n.º 0295/17.0BELRA), tendo em conta o diferencial entre:

  • por um lado, o preço de transmissão das ações da C... (valor de realização), o que não vem questionado, e,
  • por outro lado, o respetivo valor de aquisição, correspondente in casu ao valor pelo qual as partes sociais[14] foram adquiridas pelo Requerente, em 23 de setembro de 1992, e que coincidiu com o seu valor nominal, sem ter em conta o valor de € 116.718,71 do aumento de capital por incorporação de reservas.

 

 De notar, por fim, que a questão em análise é distinta daquela sobre a qual se tem pronunciado diversa jurisprudência, reportada ao ponto temporal em que se deve considerar que as partes de capital foram adquiridas[15] (data de aquisição), quando ocorra, nomeadamente um aumento de capital por incorporação de reservas. A matéria aqui problematizada circunscreve-se à delimitação do quantum, na parte relativa ao parâmetro do valor de aquisição.

 

À face do exposto, conclui-se, em linha com a Requerida, que o aumento de capital por incorporação de reservas efetuado na sociedade C... em 1992, no valor de € 116 718,71, não deve concorrer para o apuramento das mais-valias obtidas pelo Requerente, pelo que, também neste segmento, a não tomada em consideração, pela AT, do valor nominal das ações resultante do aumento de capital acima mencionado não padece de ilegalidade, mantendo-se válido o ato de liquidação de IRS praticado, referente a 2019, bem como os inerentes juros compensatórios.

 

Em síntese, o ato tributário de liquidação de IRS e de juros compensatórios referente ao ano 2019 não padece das ilegalidades invocadas pelos Requerentes, pelo que deve manter-se.

* * *

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nomeadamente a apreciação da questão relativa à violação do disposto no artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT – v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Juros Indemnizatórios

 

O direito a juros indemnizatórios depende da ocorrência de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (v. artigo 43.º, n.º 1 da LGT), circunstância que não se verifica na situação vertente.

 

Com efeito, a liquidação de IRS controvertida e os juros compensatórios inerentes não enfermam das ilegalidades que lhes foram imputadas pelos Requerentes e mantêm a sua validade, pelo que, na ausência dos pressupostos constitutivos do dever de pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT (i.e., o erro imputável aos serviços e o pagamento indevido da prestação tributária), o pedido dos Requerentes também é, quanto a esta matéria, improcedente.

 

 Não são, desta forma, devidos juros indemnizatórios, por não estarem preenchidos os pressupostos da previsão do artigo 43.º, n.º 1 da LGT.

 

 

V.        Decisão

 

            De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação improcedente, mantendo-se o ato impugnado, de liquidação de IRS e juros compensatórios relativamente ao ano 2019. Em consequência, não há lugar a juros indemnizatórios. 

 

VI.      Valor do Processo

 

Fixa-se ao processo o valor de € 84.417,41 correspondente ao valor da liquidação de IRS que foi impugnado, incluindo juros compensatórios – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de € 2.754,00, a cargo dos Requerentes, em razão do decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de novembro de 2023

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

Rodrigo Rabeca Domingues

 

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho

 

 



[1] Que, por sua vez, se subdivide em 3 subcategorias, como atrás assinalado: micro empresas, pequenas empresas e médias empresas.

[2] Publicado no Luxemburgo: Serviço das Publicações da União Europeia, 2020 © União Europeia, 2020.

[3] Sociedade criada pelos três irmãos e cujo capital social lhes pertence inteiramente, na proporção respetiva de 33,33%.

[4] Que não tem de ser inteiramente coincidente com a do direito da concorrência, dadas as distintas finalidades dos regimes em causa.

[5] Com entendimento diferente, quanto a este ponto, v. decisão arbitral proferida no CAAD, no processo n.º 689/2019-T.

[6] Esta certificação do IAPMEI é pertinente para o ano 2020, que não está em discussão nestes autos. No entanto, valida os pressupostos materiais que foram dados como provados em relação ao ano 2018, pois atesta que nesse ano a dimensão história da C... já era de média empresa.

[7] Como consta do relatório do IAPMEI em 2020.

[8] Dispõe esta norma que: “1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não , não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) […]

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários […].

Sobre a determinação destes rendimentos da categoria G rege o artigo 43.º do Código do IRS: “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

[9] V. José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 379 e segs. (em particular, p. 395).

[10] V. José Guilherme Xavier de Basto, op. cit. p. 386, que salienta que este sistema cria um incentivo a não vender os ativos patrimoniais (lock-in effect).

[11] Segundo o artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS, na versão em vigor à data dos factos:

4 – O ganho sujeito a IRS é constituído:

  1. Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1; […]”.

[12] E tributando-se o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (v. artigo 43.º, n.º 1 do Código do IRS).

[13] V. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, p. 312.

[14] Duas quotas no valor total de € 17.956,72 que foram, de seguida, “transformadas” em ações.

[15] Nomeadamente para aplicação do regime transitório de não tributação previsto quando da aprovação do Código do IRS (v. artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro). Essa questão, que não faz parte da causa de pedir desta ação, nem constitui fundamento da liquidação de IRS aqui impugnada, é versada em diversa jurisprudência, referindo-se, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de março de 2018, processo n.º 0149/17; do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28 de setembro de 2017, processo n.º 01264/09.0BEVIS (com posição divergente), além de múltiplas decisões arbitrais, como as proferidas nos processos n.ºs 65/2022-T, 55/2022-T, 562/2021-T, 335/2021-T, 526/2020-T, 394/2020-T e 689/2019-T. De notar que a decisão do processo arbitral n.º 594/2019-T, de 27 de novembro de 2020, sobre questão semelhante à apreciada nestes autos, decidida em sentido divergente, parece assentar no equívoco de que esta jurisprudência trata da mesma questão, o que, como acima se disse, não é o caso. Aqui está em causa a determinação do valor de aquisição, ou seja, estamos perante um problema de quantificação, naquela jurisprudência a questão controvertida refere-se ao momento temporal, à data a que se deve atender como data de aquisição das partes sociais.