Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 755/2022-T
Data da decisão: 2023-12-22  Selo  
Valor do pedido: € 146.468,45
Tema: Imposto de selo; Verba 17.1.4. da TGIS
Versão em PDF

SUMÁRIO: A verba 17.1.4 da T.G.I.S. tributa a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, em que o prazo de utilização seja indeterminado ou indeterminável, à taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30. 

 

***

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designada por “A...” ou “Requerente”, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração da ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa cujos termos correram sob o procedimento n.º ...2022..., Serviço de Finanças de Lisboa ... e da Unidade dos Grandes Contribuintes e a anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo e juros compensatórios relativos ao período de tributação de janeiro a dezembro de 2018, no montante global de € 146.468,45 constantes das liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2021... e, bem assim, das liquidações de juros compensatórios nºs. 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021...e 2021... .

A Requerente pede ainda o reembolso do montante de € 146.468,45 a título de Imposto de Selo pago em excesso no período compreendido entre janeiro e dezembro de 2018 acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios até integral reembolso desde 14-02-2022.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (doravante AT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 12-12- 2022 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

Os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a sua designação.

O tribunal arbitral foi constituído em 20-02- 2023.

A AT apresentou Resposta, em que se defendeu por impugnação.

Por Despacho de 28-03-2023, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

As partes apresentaram alegações escritas, reproduzindo, no essencial as posições apresentadas no PPA e na Resposta.

 

2. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos pelas partes e não impugnados, considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial com sede em Portugal, que desenvolve a sua atividade no sector das telecomunicações.
  2. No âmbito do desenvolvimento da sua atividade, a Requerente contratou com a sociedade B..., S.a.r.l., que integra o mesmo grupo internacional, linhas de abertura de crédito no montante total de € 390.000.000,00 (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
  3. As diversas linhas de abertura de crédito no montante total de € 390.000.000,00 foram encerradas em março de 2019 (cfr. doc. 1 junto com o PPA e capítulo III.3.1, pág. 19/28 do RIT).
  4. As referidas linhas de crédito têm por base os seguintes contratos de abertura de crédito sob a forma de conta-corrente:
  1. Contrato de abertura de crédito que pode ser acionado até ao montante máximo de € 140.000.000,00, celebrado em 22-07-2014 (cfr. docs. n.º 4 e 5.º juntos com o PPA).
  2. Contrato de abertura de crédito que pode ser acionado até ao montante máximo de € 100.000.000,00 (cem milhões de euros), celebrado em 30-09-2015 (cfr. docs. n.º 6 e 7 juntos com o PPA).
  3. Contrato de abertura de crédito que pode ser acionado até ao montante máximo de € 100.000.000,00, celebrado em 29-04-2016 (cfr. Docs. n.º 8 e 9 juntos com o PPA).
  4. Contrato de abertura de crédito que pode ser acionado até ao montante máximo de € 50.000.000,00, celebrado em 13-07-2017 (cfr. Docs. n.º 10 e 11 juntos com o PPA).
  1. Com exceção do contrato celebrado em 13.07.2017, está estabelecido que qualquer montante que tenha sido utilizado e posteriormente reembolsado pode ser objeto de nova utilização de crédito, desde que respeitadas as demais disposições contratuais; (cfr. doc. n.º 10 e respetiva tradução certificada doc. n.º 11 juntos com o PPA); cfr. cláusula 8, (b), (i), pág. 8 do doc. n.º 4 e respetiva tradução certificada na pág. 11 do doc. n.º 5; cláusula 10, (b), (i), pág. 9 do Doc. n.º 6 e respetiva tradução certificada na pág. 12 do doc. n.º 7; cláusula 10, (b), (i), pág. 9 do doc. n.º 8 e respetiva tradução certificada na pág. 12 do doc. n.º 9 juntos com o PPA).
  2. Nos referidos contratos ficou acordado que sempre que a ora Requerente: pretenda proceder ao reembolso (total ou parcial) do empréstimo, poderá fazê-lo no final de cada trimestre, isto é, em 31 de março, em 30 de junho, em 30 de setembro ou em 31 de dezembro, quanto aos contratos celebrados em 22.07.2014, 30.09.2015 e 29.04.2016 e, bem assim, após 12 meses desde a data da utilização do crédito em causa quanto ao contrato celebrado em 13.07.2017, por coincidir com a data de pagamento dos juros devidos”; (cfr. pág. 7 do doc. n.º 4 e respetiva tradução certificada na pág. 10 do doc. n.º 5; pág. 7 do doc. n.º 6 e respetiva tradução certificada na pág. 10 do doc. n.º 7; pág. 7 do doc. n.º 8 e respetiva tradução certificada na pág. 10 do doc. n.º 9);cfr. págs.. 4 e 6 do doc. n.º 10 e respetiva tradução certificada nas págs. 7 e 9 do doc. n.º 11 juntos com o PPA).
  3. Nos mencionados contratos acordaram que: se a Requerente proceder ao reembolso (total ou parcial) do empréstimo em data diferente das datas estabelecidas para o pagamento dos juros, ficará incumbida do dever de pagamento de uma compensação à sociedade mutuante pelo não recebimento dos correspondentes juros, compensação essa denominada contratualmente como “break costs”; (cfr. definição constante da pág. 3 e cláusula 8, b), (iii), na pág. 8 do doc. n.º 4 e respetiva tradução certificada na pág. 11 do doc. n.º 5; definição constante da pág. 4 e cláusula 10, b), (iii), na pág. 9 do doc. n.º 6 e respetiva tradução certificada na pág. 12 do doc. n.º 7; definição constante da pág. 4 e cláusula 10, b), (iii), na pág. 9 do doc. n.º 8 e respetiva tradução certificada na pág. 12 do doc. n.º 9; cláusula 8.3, na pág. 9 do doc. n.º 10 e respetiva tradução certificada na pág. 11 do doc. n.º 11 juntos com o PPA);
  4. Os contratos em causa estabeleceram datas para que a sociedade mutuária (no caso, a Requerente) pagar os juros relativos aos créditos usados.
  5. Os contratos em causa não estabelecem uma data para a mutuária realizar o reembolso; cfr. docs 4 a 11 juntos com o PPA).
  6. Os contratos em causa estabelecem ainda que qualquer montante que tenha sido utilizado e posteriormente reembolsado pode ser objeto de nova utilização de crédito, desde que respeitadas as demais disposições contratuais; (cfr. cláusula 8, (b), (i), pág. 8 do doc. n.º 4 e respetiva tradução certificada na pág. 11 do doc. n.º 5; cláusula 10, (b), (i), pág. 9 do doc. n.º 6 e respetiva tradução certificada na pág. 12 do doc. n.º 7; cláusula 10, (b), (i), pág. 9 do doc. n.º 8 e respetiva tradução certificada na pág. 12 do doc. n.º 9 juntos com o PPA).
  7. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2020..., de 31.12.2020, os Serviços de Inspeção Tributária realizaram uma inspeção externa de âmbito geral ao período de tributação de 2018 da Requerente, com início em 26 de janeiro d 2021; (cfr. doc. 1 junto com o PPA e RIT).
  8. Na sequência dessa inspeção, a AT efetuou as correções constantes do RIT incluindo o apuramento de Imposto de Selo alegadamente em falta no montante de € 129.379,85 acrescido de juros compensatórios, por referência à utilização de crédito no âmbito dos contratos celebrados com a B..., S.a.r.l.; (cfr. pág. 6 do RIT)
  9. As referidas correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária deram origem à liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2021..., no montante de € 129.379,85 e nas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021... no montante de € 17.088,60; (cfr. doc. 2 junto com o PPA.
  10. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação adicional de Imposto do Selo e as referidas liquidações de juros compensatórios, a qual foi indeferida por despacho que foi notificado à Requerente, por meio eletrónico com data de registo em 08.09.2022; (cfr. doc. n.º 3 junto com o PPA).
  11. A Requerente procedeu ao pagamento do valor das liquidações adicionais em 14-02-2022 (cfr. doc. 13 junto com o PPA e não contestado pela Requerida).
  12. Em 07-12-2022, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. informação disponível no sistema informático de gestão processual do CAAD).

 

3.2. Factos não provados

Não há factos não provados com relevância para a decisão.

 

3.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

Quanto à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância das questões de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT).

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos, tendo sido selecionada de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT e teve em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

4. Matéria de direito

4.1. Posição da Requerente

A Requerente entende que os contratos que serviram de base à liquidação não definem qualquer prazo para as utilizações do crédito, pelo que essas utilizações têm prazo indeterminado e, por esse facto, se encontram sujeitas à aplicação da Verba 17.1.4 da TGIS, sendo de aplicar a taxa de 0,04% da citada verba, calculada sobre a media mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente durante o mês, divididos por 30, e que incide sobre o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável.

 

4.2. Posição da Requerida (AT)

A AT, por seu turno alega que os contratos de empréstimo celebrados pela Requerente previam um mecanismo para obter diversas linhas de crédito junto da B..., S.A.R.L., tendo sido expressamente clausulada a possibilidade da A... pagar e voltar a utilizar o crédito, prevendo-se igualmente no respetivo clausulado que as datas de reembolso operem trimestralmente (31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro todos os anos).

Sustenta ainda a AT que da análise realizada os serviços de inspeção tributária concluíram que a Requerente estaria indevidamente a aplicar a taxa de 0,04% da verba 17.1.4 prevista na TGIS, calculada sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente durante o mês, divididos por 30, e que incide sobre o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, porquanto o legalmente devido para este tipo de contratos é a aplicação da verba 17.1.1 prevista na TGIS, que obriga à aplicação da mesma taxa de 0,04%, contudo calculada em função da totalidade do crédito utilizado e por cada mês ou fração.

Acrescenta ainda a AT, que está em causa a correta qualificação do contrato de concessão de crédito, importando para tanto interpretar as cláusulas contratuais acordadas pela Requerente e a B..., S.A.R.L., para que se possa qualificar a operação de financiamento em causa e, desse modo, determinar qual a norma de sujeição da TGIS que a prevê, e que analisadas aquelas cláusulas, designadamente a cláusula 1.4 e a cláusula 12, bem se entendeu no RIT que as facilidades de crédito foram concedidas com a estipulação de prazo de reembolso determinado, pois este ficou condicionado ao prazo do pagamento dos juros no final de cada trimestre do ano civil, qualificando-se as operações como sendo o resultado de um contrato de empréstimo com prazo determinado na modalidade de linha corrente, não lhes sendo, por isso, aplicável a verba 17.1.4 da TGIS, mas a verba 17.1.1 da TGIS.

Defende ainda a AT que atento o expressamente disposto naquelas cláusulas não se pode entender, como pretende a Requerente, que se está perante um prazo de utilização que não seja determinado ou determinável, como exige a norma legal por si aplicada.

Alega ainda a AT que durante o período compreendido entre 01.01.2018 e 31.12.2018, na sequência de um conjunto de operações de financiamento, a Requerente recebeu e manteve linhas de crédito de curto prazo junto da sociedade B..., S.A.R.L., sem que se tenha verificado a devida liquidação e entrega do Imposto do Selo nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, conjugado com a verba 17.1.1 da TGIS, no montante de € 129.379,85.

Refere ainda a AT que no caso em apreço:

“(…) embora se esteja perante uma linha de crédito, importa, na linha da prática e usos bancários, destrinçar a tributação em função das modalidades de abertura de crédito em causa.

Assim, tratando-se das chamadas aberturas de crédito simples, em que o prazo de reembolso das respetivas utilizações se encontre determinado ou for determinável, nos termos do respetivo contrato, a tributação opera-se, por regra, de acordo com as verbas 17.1.1 a 17.1.3 da TGIS, consoante o prazo.

Sendo prazo, para o efeito previsto na norma de incidência, o período que medeia entre cada utilização e o reembolso, nos termos contratados, sendo irrelevantes para efeitos de determinação da taxa aplicável quaisquer alterações posteriores, designadamente os reembolsos antecipados.

Se ao invés se trata de aberturas de crédito utilizado sob a forma de conta corrente, o prazo de utilização do crédito não pode ser determinado ou determinável e a utilização do crédito é diferida para um momento ou momentos posteriores à celebração do contrato (não tem um horizonte temporal definido), e a tributação opera sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 (cf. 2.a parte da alínea g) do artigo 5.º do CIS e verba 17.1.4 da TGIS).

Neste conspecto, nota-se ainda que as aberturas de crédito, independentemente da sua natureza jurídica, são consideradas contratos atípicos, no sentido de não se encontrarem expressamente regulados na lei civil ou comercial (embora estejam previstos no artigo 362.º do Código Comercial, constituindo assim um contrato atípico, ainda que nominado, mas socialmente típico), formando-se no âmbito da autonomia privada, numa base puramente consensual, em que as partes fixam livremente o seu conteúdo (artigo 405. º do Código Civil.

 Também o(s) contrato(s) de abertura de crédito em causa nos autos e respetivos aditamentos assumem a referida natureza, havendo, por isso, que analisar e interpretar as suas cláusulas, de modo a enquadrar qual a verba da TGIS em que deve ocorrer a tributação.

(...)

“E, nas cláusulas do contrato supra estão previstas “datas e pagamento”, bem como o pagamento dos juros devidos até ao términus do respetivo trimestre, independentemente de a Requerente reembolsar antecipadamente, os juros são pagos na totalidade até ao fim do trimestre.

De facto, repita-se, uma vez mais, verifica-se pela cláusula 12 dos contratos em análise que os empréstimos foram concedidos com a estipulação de prazo de reembolso, pois os mesmos estão condicionados ao prazo do pagamento dos juros; prova de que esses financiamentos tiveram prazo determinado porquanto a obrigação de pagamento do juro no final do trimestre oferece a possibilidade de determinação da sua duração previsível.

Assim, ainda que ocorra o reembolso no 1º dia do mês, os juros têm de ser pagos até ao final do trimestre, pelo que, ficando demonstrado que o prazo de utilização dos empréstimos estava previamente definido, não pode ser aplicada a tributação defendida pela Requerente, que depende de «o prazo de utilização não seja determinado ou determinável».

A AT entende que os referidos contratos de abertura de crédito celebrados pela Requerente são contratos de financiamento por prazo determinado, por preverem um mecanismo para obter diversas linhas de crédito junto da B..., S.A.R.L., tendo sido expressamente clausulada a possibilidade da A... pagar e voltar a utilizar o crédito, prevendo-se igualmente no respetivo clausulado que as datas de reembolso operem trimestralmente (31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro todos os anos), tratando-se deste modo de contratos subsumíveis na previsão legal da verba 17.1.1 prevista na TGIS, que obriga à aplicação da taxa de 0,04%, calculada em função da totalidade do crédito utilizado e por cada mês ou fração.

 

4.3. A legislação

Código do IS

Capítulo I

Incidência

Artigo 1.º

Incidência objectiva

1 – O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

Artigo 5.º

Nascimento da obrigação tributária

1 - A obrigação tributária considera-se constituída:

(...)

g) Nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês;

Tabela Geral do Imposto do Selo

Verba 17 Operações financeiras:     

17.1. Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:

17.1.1 - Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fração _____ 0,04%

17.1.2 - Crédito de prazo igual ou superior a um ano __________________ 0,50%

17.1.3 - Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos________________ 0,60%

17.1.4 - Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30__ 0,04%”

 

4.4. Questão decidenda

Está em causa nos presentes autos, como questão principal a decidir, determinar a eventual ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o n.º ...2022... e a consequente declaração de ilegalidade daquele ato de liquidação adicional de IS e juros compensatórios, importando assim determinar a qualificação do contrato de concessão de crédito em causa e interpretar as respetivas cláusulas contratuais acordadas pela Requerente e a B..., S.a.r.l., para que se possa qualificar a operação de financiamento em causa e, desse modo, determinar qual a norma de sujeição da TGIS que a prevê.

 

Vejamos pois.

 

Estão em causa nos presentes autos, juros pagos no âmbito de contratos de abertura de linhas de crédito, que são subsumíveis no conceito de contrato de conta corrente.

O imposto de Selo é regulado por dois códigos interdependentes: o Código do Imposto do Selo (CIS) e a Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a qual contém as respetivas taxas e concretiza, por ordem alfabética, os factos tributários, como refere Saldanha Sanches in Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., 2007, pág. 436.

O Imposto de Selo é um imposto que incide sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza, como é caraterizado no Acórdão do STA de 08-11-2023 proferido no Processo 0684/19.6BEPRT: “(...) o Imposto do Selo pode definir-se como um imposto que incide sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, qualquer que seja a forma do respectivo pagamento. Sendo, em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podia configurar-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. O Prof. Teixeira Ribeiro defendia que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta. O mesmo incidia, nos termos do artigo 1.º, do respectivo Regulamento, sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo. Por último, refira-se que em muitos casos, o imposto de selo se configurava, conforme mencionado, como uma verdadeira taxa, como era o caso do selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág. 272 e segs. e Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 1977, pág. 349).

Com a Lei nº 150/99, de 11-09, e posterior reforma do património (D.L. nº 287/2003, de 12/11), o tributo em análise mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza (Preâmbulo do D.L. nº 287/2003, de 12-11, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág. 359).

Com efeito, a partir do momento em que se toma em consideração a substância dos negócios, secundarizando-se a realidade formal, a justificação ou a “causa” da tributação reassumem uma dimensão fundamental, pois que a tributação de uma realidade económica substantivamente delimitada implica uma prévia justificação dessa pretensão e que deve necessariamente exceder o simples escopo redíticio”.

Resulta do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do CIS, que o Imposto de Selo incide sobre as situações jurídicas previstas na TGIS e, por sua vez, da verba 17.1.4 desta tabela que serão tributáveis à taxa de 0,04% as operações financeiras pela utilização de crédito em virtude da sua concessão a qualquer título “sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal da dívida obtida através da soma dos saldos apurados diariamente, durante o mês, divididos pelos dias em que se verificam”.

Assim, por aplicação desta verba 17.1.4 da TGIS são tributadas as operações de concessão de crédito sob a forma de conta corrente.

Por seu lado, a verba 17.1. da TGIS é aplicável a quando da “utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo”.

E, a verba 17.1.4 da TGIS - Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 - taxa 0,04%.

Designa-se por “conta corrente” o contrato pelo qual as partes se obrigam a lançar a crédito e a débito os valores que entregam reciprocamente no âmbito de uma relação de negócios, exigindo apenas o respectivo saldo final apurado na data do seu encerramento, artigo 344.º do Código Comercial.

Da análise dos contratos de abertura de crédito celebrados entre a Requerente e a B..., S.a.r.l, conclui este Tribunal Arbitral que estes contratos estabeleceram prazos para o pagamento de juros, não para o reembolso dos valores do crédito concedidos.

 

Face ao exposto, declara-se a ilegalidade das correções de  IS e juros compensatórios, com a anulando-se o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022...,  ilegal por violação de lei, com a consequente anulação do ato tributário de liquidação de IS e de juros compensatórios relativos ao período de tributação de 2018, por vício de violação de lei.

 

5. Do pedido de reembolso

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto.

Ficou provado que a Requerente em 14-02-2022, procedeu ao pagamento do montante de € 146.468,45 de IS e juros compensatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação das liquidações adicionais de IS e de juros compensatórios, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 146.468,45.

 

6. Dos juros indemnizatórios

Relativamente aos juros indemnizatórios determina o artigo 43.º da LGT, n.º 1, que serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Considerando o teor da norma constante do artigo 24.º do RJAT, n.º 5, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral e esse direito pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal pagamento indevido derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

O artigo 24.º, b) do RJAT determina que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o disposto no artigo 100.º da LGT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) do RJAT: “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

As normas do artigo 2.º, n.º 1 a) e b) do RJAT utilizam a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, e apesar de não se referirem a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos Tribunais Tributários, sendo essa a interpretação que está de acordo com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, e tem como primeira diretriz: “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

Nos presentes autos, os atos de liquidação do Imposto do Selo e juros compensatórios foram da praticados pela AT na sequência da mencionada ação de inspeção tributária e posteriormente objeto de reclamação graciosa em que a AT teve a possibilidade sanar os erros cometidos.

Deste modo, nos termos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, a AT deve proceder ao pagamento à Requerente de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto e juros compensatórios em excesso até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

7. Decisão

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa;

c) Anular o ato tributário da liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2021... e, as liquidações de juros compensatórios nºs. 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021..., no montante global de € 146.468,45;

d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do imposto indevidamente pago no valor de € 146.468,45, acrescido de juros indemnizatórios desde 14-02-2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito;

d) Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

8. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor do processo em € 146.468,45.

 

9. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Notifique-se

 

Lisboa, 22 de dezembro de 2023

 

 

 

Os Árbitros

 

 

____________________________

 

(Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro - Presidente, relatora),

 

 

__________________

(Dr. Francisco Carvalho Furtado - Adjunto)

 

 

 

_____________________________________

(Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz - Adjunta)