Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 591/2023-T
Data da decisão: 2024-04-03  IRS  
Valor do pedido: € 24.988,60
Tema: IRS – Região Autónoma da Madeira – Competência do Tribunal Arbitral.
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            SUMÁRIO:

 

I  -   A vinculação operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apenas abrange aqueles actos cuja competência se manteve e foi exercida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, enquanto sucessora da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (art.º 1.º).

 

II – O elemento decisivo para definir o âmbito da vinculação e da competência é a entidade a quem está cometida a administração do imposto (art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011): o representante fiscal da Requerente reside no Funchal, constituindo, assim, o questionado IRS uma receita fiscal da Região (art.º 112.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira) e sendo a AT-RAM quem tem por missão administrar tal imposto, ainda que a Lei preveja a colaboração da AT nesse procedimento (artºs. 2.º, 3.º, 4.º e 15.º, nº 1, do DRR n.º 14/2015/M, na redacção do DRR n.º3/2019/M, de 19-03-2019).

 

III - O acto de decisão da Reclamação Graciosa que manteve na ordem jurídica a liquidação impugnada foi praticado pela Direcção Regional da AT-RAM, entidade não abrangida pela vinculação, logo também a apreciação da (i)legalidade deste acto não se integra na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

 

            A...– NIF ..., doravante “Requerente”, residente em..., ..., ..., ..., ..., Reino Unido, neste acto representada por B..., Advogado, vem, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 2.º e nºs 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer constituição de tribunal arbitral, para se pronunciar sobre a legalidade do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) com o n.º 2022..., emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “AT”), no montante de € 49.524,90.

            Peticiona a declaração da ilegalidade e a anulação parcial da sobredita liquidação de IRS e a condenação da AT a reembolsá-la do valor do imposto pago em excesso relativamente à liquidação sub judice, no valor de € 24.988,60, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.

            É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

            Em 17 de Agosto de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.

            Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o Árbitro deste Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).

            O Tribunal Arbitral ficou constituído em 24 de Outubro de 2023.

            Em 27 de Novembro de 2023, a Requerida apresentou Resposta e juntou o processo administrativo. 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) defendeu-se por excepção, suscitando a questão da incompetência material deste Tribunal para se pronunciar sobre a questão em apreço e também a de a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não ser competente para representar o Governo Regional da Madeira ou a AT-RAM, concluindo pela sua absolvição, com as legais consequências.

            Por despacho de 11 de Dezembro de 2023, foi a Requerente notificada para exercer o contraditório quanto à matéria de excepção, ao que esta veio responder, por requerimento apresentado em 09 de Janeiro de 2024, no qual se pronunciou pela improcedência das excepções de incompetência do Tribunal e de ilegitimidade da Requerida.

            Por despacho de 22 de Janeiro de 2024, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se a prossecução dos autos com a produção de alegações escritas, por prazo simultâneo de 15 dias, nos termos do art. 120.º do CPPT, ex vi art. 29.º, n.º 1, a), do RJAT.

            Apenas a Requerente ofereceu alegações, nas quais reiterou e desenvolveu o entendimento já anteriormente expresso.

 

            II. SANEAMENTO

 

            As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

            A acção é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

            O processo não enferma de nulidades.

 

            III. DAS EXCEPÇÕES 

 

            Deve apreciar-se, desde já, a matéria atinente às excepções, começando pela da incompetência, que é prioritária, como deriva do artigo 13.º do CPTA, aplicável aos processos arbitrais tributários ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. No caso, a questão da incompetência aparece conexionada com a da legitimidade passiva da AT para intervenção no processo arbitral. Assim, a procedência de qualquer das excepções constituirá um obstáculo ao conhecimento do mérito.

           

            1. Fundamentação de Facto

 

            Com relevo para a decisão sobre as excpções, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. A Requerente é residente no Reino Unido - Doc. 6 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.
  2. Consta no Processo Administrativo (fls 40) que a Requerente designou Representante Fiscal C..., residente no Funchal, (fls 25 do PA): «Consultada a situação cadastral da reclamante, constata-se que esta registou-se como não residente em Portugal na data de 2011-04-06 (residente no Reino Unido), com representante fiscal desde a mesma data (C..., NIF ...) com efeitos a partir de 2009-01-01.» - PA e aceite por acordo (vide artigo 1.º do “Direito de audição”).
  3. A Requerente adquiriu por herança, em 2021, o imóvel sito no Estoril, Avenida ..., ..., freguesia da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Cascais, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º..., com o valor tributável de € 469.074,98, tendo-o vendido, no mesmo ano, por € 690.000,00  - Docs. 7 e 8 juntos com o PPA, que aqui se dão por reproduzidos.
  4. Em 29/06/2022, a Requerente submeteu a sua declaração de rendimentos, modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2021, nº ... - 2021 - ... -..., com os anexos F e G – Doc. 9 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.
  5. No quadro 4 do anexo G declarou:

- Realização, Ano 2021/10 – 690.000,00€; Aquisição, Ano 2021/10 – 469.074,98€; Despesas e encargos, 42.435,00€ (...-U-..., quota-parte 100,00%) – cit. Doc. 9 junto com o PPA.

  1. Em 14/07/2022, a referida declaração deu origem à liquidação nº 2022... com o montante de 49.524,90€ a pagar, valor que a Requerente pagou, em 29/07/2022 – Docs. 1 e 2 juntos com o PPA, que aqui se dão por reproduzidos.
  2. Inconformada com a liquidação resultante da declaração em causa, apresentou, em 02/12/2022, Reclamação Graciosa, registada sob o nº ...2022..., solicitando a anulação daquela liquidação e a emissão de nova nota de liquidação no montante € 24.536,30, bem assim o reembolso de € 24.988,60, acrescido de juros indemnizatórios - Doc. n.º 2 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.
  3. Pelo ofício ..., de 04-04-2023, foi remetido à Requerente o projeto de decisão da Reclamação Graciosa, com a notificação para, querendo, exercer o Direito de audição – Doc. 3 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.
  4. A Requerente exerceu o direito de audição – Doc. 4 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.
  5. Em 15/05/2023, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa, decidido por despacho de 09/05/2023, da Senhora Diretora da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM) – PA junto pela AT e Doc. 5 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.
  6. O presente PPA foi apresentado em 16-08-2023.

 

            2. Factos não Provados

 

            Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

            3. Motivação da Decisão de Facto

 

            Os factos pertinentes para o julgamento foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

            A convicção do Tribunal fundou-se na análise dos documentos existentes nos autos, nomeadamente o PA junto pela Requerida e os anexados com o PPA, conforme está refectido em relação a cada facto considerado provado. 

            Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.  

 

            IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

            1. Questão da Incompetência

 

            2. Posições das Partes

                                    

            A Requerida suscita a excepção da incompetência material do tribunal arbitral, dizendo em síntese:

            - (...) para que este tribunal possua competência para decidir alguma das matérias previstas no art.º 2º do RJAT é necessária uma Portaria de vinculação prévia, conforme resulta do art.º 4º daquele regime.

            - (...) como se sabe a única Portaria de vinculação que existe assinada pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça (Portaria nº112-A/2011, de 22 de Março), vincula apenas (cfr. art.º 1º) “os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública: a. A Direcção-Geral do Impostos (DGCI); e b. A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)”.

            - Através do Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro foi aprovada a estrutura orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que resulta da fusão da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) e da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA).

            - (...) o único organismo do Ministério das Finanças que está vinculado à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam nos termos do RJAT é a AT, relativamente a litígios cujo objecto sejam IMPOSTOS CUJA ADMINISTRAÇÃO LHES ESTEJA COMETIDA.

            - As Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, nos termos do artigo 6.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), são regiões autónomas dotadas de Estatutos Político-Administrativos próprios e de órgãos de governo próprio, cujos poderes são delimitados pela CRP e pelos seus Estatutos Político-Administrativos, leis ordinárias de valor reforçado, que definem as atribuições regionais, de acordo com o artigo 227.º da CRP.

            -  O âmbito dos seus poderes próprios abrange desde 1982, o poder tributário próprio e o poder de dispor, nos termos dos seus Estatutos e da Lei de Finanças Regionais, das receitas tributárias nelas cobradas ou geradas, alínea  i) e j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP.

            - Esse poder tributário próprio encontra-se plasmado nos artigos 56.º e 61.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 02.09, e nos termos do artigo 61.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 02/09, reflecte-se nas "competências administrativas regionais, em matéria fiscal, a exercer pelos governos e administrações regionais, compreende: A capacidade fiscal de as regiões autónomas serem sujeitos activos dos impostos nela cobrados, quer de âmbito regional quer de âmbito nacional".

            - Nos termos do n.º 2 daquele artigo 61º “a capacidade de as regiões autónomas serem sujeitos ativos dos impostos nelas cobrados compreende:

a) O poder de os governos regionais criarem os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de âmbito regional;

b) O poder de regulamentarem as matérias a que se refere o ponto anterior (…);

c) O poder de as regiões autónomas utilizarem os serviços fiscais do Estado nelas sediados, mediante o pagamento de uma compensação, acordada entre o Estado e as Regiões autónomas, relativa ao serviço por aquele prestado, em sua representação legal.” - (até à aprovação do Decreto-Lei n.º 18/2005, a (extinta) Direcção de Finanças do Funchal detinha a qualidade de representante legal da administração regional relativamente aos impostos receita da região).

            - Ora, como muito bem sabe a Requerente, o representante que indicou nos termos do nº 6 do artigo 19º da LGT é residente no Funchal e nessa medida a Entidade competente para decidir a Reclamação Graciosa foi a Sra. Diretora Regional da AT-RAM, conforme se comprova pelo PA junto (artº 75º n.º1 CPPT).

            - O Serviço de Finanças Funchal 1 pertence à Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (anteriormente DRAF), conforme se retira da orgânica desta, que está prevista no Decreto Regulamentar Regional nº 29-A/2005/M.

            - Daquele Decreto Regulamentar resulta que aquela DRAF “é o Departamento da Secretaria Regional do Plano e Finanças” e “que tem por atribuições gerais, em relação às receitas fiscais próprias da Região Autónoma da Madeira, praticar todos os actos necessários à sua administração e gestão dos impostos sobre o rendimento, sobre a despesa e sobre o património e de outros tributos legalmente previstos, bem como executar as políticas e as orientações fiscais definidas pelo Governo Regional em matéria tributária.”

            - Actualmente está em vigor o DRR 14/2015/M, com a redacção dada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 3/2019/M de 19-03-2019, e a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais (abreviadamente DRAF), hoje é designada por Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM (abreviadamente AT-RAM) e que é competente para na Região Autónoma da Madeira, lançar, liquidar e cobrar os impostos cuja receita é imputável à região.

            - (...) a AT-RAM assume na Região Autónoma da Madeira o papel que até 02.02.2005, vinha sendo exercido na RAM pela Direcção Geral de Impostos e pela extinta Direcção de Finanças da RAM....  na Região Autónoma da Madeira, e quanto aos impostos nela cobrados ou gerados, tem capacidade tributária (titularidade do crédito de imposto) e competência tributária, traduzida no lançamento, liquidação e cobrança dos impostos a AT-RAM.

            - Donde, o Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, através da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM (abreviadamente AT-RAM) como se sabe, é o sujeito activo de IRS aqui em causa (...) porque o seu representante nomeado tem residência na freguesia de S. Martinho no Funchal, pelo que, o imposto em questão é receita da Região Autónoma da Madeira.

            - Cita-se neste sentido, a jurisprudência fixada pelo CAAD no processo que nele correu termos sob o nº 89/2012-T e secundada em vários outros, de que são exemplos, os processos números 247/2015-T, 336/2017-T, 63/2018-T e, mais recentemente, 190/2021-T.

            - Pelo que, as decisões dos tribunais arbitrais não vinculam a AT-RAM, nas matérias em que estejam em causa impostos sobre a sua administração, razão pela qual deverá proceder a invocada excepção de incompetência material deste tribunal arbitral para apreciar o presente pedido.

                       

            A Requerente, no exercício do direito ao contraditório, contrapõe, em resumo:

            - Conforme refere a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (Decreto Regulamentar Regional n.° 14/2015/M, de 19 de agosto), no seu art. 2.°, ”A AT-RAM é um serviço executivo da VP que tem por missão assegurar e administrar os impostos sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o consumo, sobre o património e de outros tributos legalmente previstos [...], nomeadamente o liquidação e a cobrança dos impostos que constituem receita da Região.

            - No entanto, o n.° 1 do art. 15.º do mesmo diploma prevê o seguinte: ”Até que se encontrem instalados tados os meios logísticos necessdrios no exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.° do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continua a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira”.

            - No caso sub judice, existem normativos que demonstram que a AT é a responsável pela liquidação do IRS, tais como o art. 75.° do Código do IRS — ”A liquidação do IRS compete à Autoridade Tributdria e Aduaneira”.

            - Ademais, como é possível aferir através da visualização da nota de liquidação deste IRS de 2021, consta da mesma o logótipo e identificação da AT, não da AT-RAM, motivo pelo qual se afigura manifesto que o imposto foi liquidado pela AT e não pela AT-RAM... tal facto é suficiente para concluir pela competéncia material do Tribunal Arbitral.

            - Para além disso, este sentido interpretativo é reforçado quando se constata a atenção do legislador no citado art. 15.°, n.° 1 da Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, quando afirma que a AT continuará a realizar os procedimentos em matéria administrativa, até que a AT- RAM disponha de todos os meios necessários ao exercício da totalidade das atribuições e competências previstas no art. 2.-° do mesmo diploma e no qual constam a “liquidação e cobrança dos impostos...sobre o rendimento[...].”

            - Aliás, a conclusão supramencionada é suportada pela jurisprudência do próprio CAAD, nomeadamente no processo n° 464/2020-T, de 29 de novembro de 2021, no qual se entendeu que “A Autoridade Tributária e Aduaneira tem legitimidade para o procedimento tributdrio, uma vez que praticou o ato de liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 75.-°, do CIRS, pelo não pode deixar de ter legitimidade para o processo arbitral tributário”. No mesmo sentido ... foram proferidas decisões nos processos do CAAD n.°s 65/2018-T de 21-12-2018, 426/2017- T de 25-03-2018, 30/2016-T de 04-10-2016 e 90/2014-T de 26-09-2014.

           

            3. Apreciação

 

            A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

            “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

            a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de    retenção na fonte e de pagamento por conta;

            b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

 

            Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

            “Artigo 1.º

            Vinculação ao CAAD

Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção -Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

            Artigo 2.º

            Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

            (...)”

            Por força do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, as referências que se fazem à DGCI e à DGAIEC no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, consideram-se feitas à Autoridade Tributária e Aduaneira.

            Resulta destas normas, com a actualização imposta pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apenas abrange actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração (...) esteja cometida» à Autoridade tributária e Aduaneira.

            Assim, o elemento decisivo para definir o âmbito da vinculação e da competência não é a entidade que praticou o acto cuja declaração de ilegalidade o sujeito passivo pretende, ou o destino da receita obtida com a cobrança do imposto, mas sim a entidade a quem é cometida a administração do imposto: se se concluir que a administração do imposto cuja ilegalidade a Requerente pretende ver declarada é cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira estar-se-á perante uma pretensão que se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

            Na terminologia tributária, considera-se como administração do imposto a actividade de praticar actos tributários primários criando relações jurídicas tributárias e dar-lhes execução, designadamente a liquidação e cobrança, que são as actividades que caracterizam uma entidade administrativa como administração tributária, como decorre do n.º 3 do artigo 1.º da LGT, ao referir as «entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos», e são indicadas no artigo 2.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, como actividades primaciais da Autoridade Tributária e Aduaneira.[1]

            O facto de a liquidação ter sido emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira é irrelevante, só por si, para o efeito de definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pois esta só de verificará se a administração do imposto em causa estiver cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira.

            O imposto a que se reporta a liquidação impugnada é IRS. A liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, que consubstancia «administração» do tributo, está cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro. Porém, a decisão da Reclamação Graciosa não foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas sim pela Senhora Directora da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM) – vide Facto provado J.

            Por isso, há que apreciar a questão da competência com base nestes pressupostos.

 

            O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, e revisto pela Lei 130/99, de 21 de Agosto, com as alterações previstas na Lei 12/2000, de 21 de Junho, no seu artigo 69.º prevê, no que aqui releva, o seguinte:

«Compete ao Governo Regional

(...)

aa) Administrar, nos termos deste Estatuto e da lei, as receitas fiscais cobradas ou geradas na Região, bem como a participação nas receitas tributárias do Estado, e outras receitas que lhe sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas;»

            Nos termos do artigo 107.º, n.º 3, do mesmo Estatuto, «a Região dispõe, nos termos do Estatuto e da lei, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhe sejam atribuídas e afecta-as às suas despesas».

            Por sua vez, o artigo 112.º do mesmo Estatuto refere que

            «1. são receitas fiscais da Região, nos termos da lei, as relativas ou que resultem, nomeadamente, dos seguintes impostos:

            a) Do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares; (...) e

            2. Constituem ainda receitas da Região:

            (...) b) «os juros de mora e os juros compensatórios liquidados sobre os impostos que constituam receitas próprias».

 

            Por outro lado, o artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de Janeiro, transferiu

expressamente para o Governo Regional da Região Autónoma da Madeira a competência para «exercer a plenitude das competências previstas na Constituição e na lei em relação às receitas fiscais próprias, praticando todos os actos necessários à sua administração e gestão» e o n.º 3 do mesmo artigo extingue a Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e os serviços locais dela dependentes.

            No entanto, este regime não foi imediatamente implementado, pois o artigo 2.º do mesmo

Decreto-Lei n.º 18/2005 estabeleceu que «por decreto regulamentar regional será criado um organismo com vista à prossecução na Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências cometidas à Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira, extinta pelo presente diploma nos termos do n.º 3 do artigo anterior» e o artigo 4.º estabeleceu que «enquanto não for criado o novo organismo de âmbito regional, manter-se-ão as estruturas organizacionais da Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira, ficando o respectivo pessoal afecto funcionalmente à Secretaria Regional do Plano e Finanças».

            Posteriormente, o Decreto Regulamentar Regional n.º 29-A/2005/M, de 31 de Agosto, aprovou a estrutura orgânica da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, dispondo, no n.º 1 do seu artigo 1.º, que «a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, abreviadamente designada por DRAF, é o departamento da Secretaria Regional do Plano e Finanças que tem por atribuições gerais, em relação às receitas fiscais próprias da Região Autónoma da Madeira, praticar todos os actos necessários à sua administração e gestão dos impostos sobre o rendimento, sobre a despesa e sobre o património e de outros tributos legalmente previstos, bem como executar as políticas e as orientações fiscais definidas pelo Governo Regional em matéria tributária». Mas, o artigo 46.º do mesmo diploma estabeleceu que «até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das competências e atribuições previstas nos artigos 1.º e 2.º deste diploma, a DGCI, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira».

            Mais tarde, o Decreto Regulamentar Regional nº 2/2013/M, de 1 de Fevereiro, que aprovou a Orgânica da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais atribuiu-lhe, no seu artigo 3.º, a competência para assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, relativamente às receitas fiscais próprias, no seu artigo 12.º, n.º 1, estabeleceu que «até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM.».

            Actualmente está em vigor o DRR 14/2015/M, de 19 de Agosto, com a redacção dada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 3/2019/M, de 19-03-2019, sendo a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais (abreviadamente DRAF), hoje designada por Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM (abreviadamente AT-RAM), a entidade competente para, na Região Autónoma da Madeira, lançar, liquidar e cobrar os impostos cuja receita é imputável à região.

            Do artigo 1.º deste DRR n.º 14/2015, na redacção actualmente em vigor, resulta que “A Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, abreviadamente designada por AT-RAM, é o serviço da administração directa da Região Autónoma da Madeira, integrado na Vice-Presidência do Governo, referida no presente diploma por VP, a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 7/2018/M, de 14 de maio”.

            Os n.ºs 1 e 2 do art.º 2.º do mesmo diploma preceituam que “A AT-RAM é um serviço executivo da VP que tem por missão assegurar e administrar os impostos sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o consumo, sobre o património e de outros tributos legalmente previstos, bem como executar as políticas e as orientações fiscais definidas pelo Governo Regional da Madeira, em matéria tributária a exercer no âmbito da Região Autónoma da Madeira, de acordo com os artigos 140.º e 141.º da Lei n.º 130/99, de 1 de Agosto, nomeadamente a liquidação e a cobrança dos impostos que constituem receita da Região”, e ainda que “A AT-RAM dispõe, para além de uma unidade orgânica central, de unidades orgânicas desconcentradas de âmbito local, designadas por serviços de finanças”.

            Da leitura da alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do focado Decreto Regulamentar Regional emerge que incumbe em especial à AT-RAM e relativamente às receitas fiscais próprias da Região Autónoma da Madeira, “Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas da Região ou de pessoas colectivas de direito público.”

            Segundo a previsão do artigo 15.º , nº 1, deste DRR n.º 14/2015/M: “Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continua a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira.”

            Como se vê, a atribuição de competências à Autoridade Tributária e Aduaneira que se fez no artigo 12.º, n.º 1, do DRR n.º 2/2013/M e que se mantém, agora no artigo 15.º , nº 1, do  DRR n.º 14/2015/M não é total, abrangendo apenas «a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM».

            Aliás, nem se compreenderia que a manutenção das competências da Autoridade Tributária e Aduaneira fosse total, pois foram criados por aquele diploma órgãos regionais da administração tributária, designadamente o Director Regional dos Assuntos Fiscais que, naturalmente, não poderia deixar de desempenhar, pelo menos, algumas das funções das inseridas nas suas competências.

            Na verdade, os artigos 2.º e 4.º daquele Decreto Regulamentar Regional estabelecem que Direcção Regional dos Assuntos Fiscais é o serviço central da administração directa da Região Autónoma da Madeira que é dirigido pelo Director Regional da Autoridade Tributária e dos Assuntos Fiscais, o qual é, assim, o dirigente máximo do serviço.

            Entre as competências do Director Regional da ATAF incluem-se, nos termos do artigo 4.º, n.º 3, daquele diploma, as «que, por força da aplicação dos códigos e demais legislação tributária, lhe forem cometidas, ou as que nele forem delegadas pelo Vice Presidente», em que se inclui a de apreciação e decisão de reclamações graciosas (artigo 75.º, n.º 1, do CPPT).

            Por outro lado, para além de o texto daquele artigo 15.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M, ao referir expressamente apenas a liquidação e cobrança, apontar no sentido de esta atribuição de competências abranger actos primários, conclui-se do n.º 2 do mesmo artigo esta não abrangerá actos do Director Regional dos Assuntos Fiscais, pois estabelece-se aqui que «os actos praticados nos termos do número anterior serão passíveis de recurso hierárquico, a interpor, consoante o procedimento aplicável, perante o Vice-Presidente ou o Director Regional». Na verdade, não sendo concebível que o recurso hierárquico seja decidido pelo próprio autor do acto recorrido, é forçoso concluir que entre os actos para que é competente a Autoridade Tributária e Aduaneira estadual a que se reporta aquele n.º 1 não se inclui a competência para decidir reclamações graciosas, a qual, à face do referido artigo 4.º, n.º 3, cabe ao Director Regional dos Assuntos Fiscais.

            Aliás, o caso em apreço evidencia aplicação deste regime, pois a reclamação graciosa de uma liquidação emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira foi apreciada e decidida pela Senhora Diretora da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM).

            Ora, nos casos em que o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida em processo arbitral

foi praticado pelo Director AT-RAM não pode deixar de se concluir estar-se perante matéria que não é abrangida pela vinculação efectuada pela Portaria n.º 112-A/2011. Desde logo, esta Portaria vincula à jurisdição arbitral «serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública» (artigo 1.º), o que não é o caso da Direcção Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira.

            Na verdade, a administração tributária regional não está na dependência do Governo da República, mas sim do Governo Regional, que é o órgão superior da administração pública regional e têm competência para tutelar e dirigir os serviços e a actividade da administração regional [artigos 55.º, 69.º, alínea e), e 140.º. n.º 1, alínea c), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, e alterado pelas Leis n.ºs 130/99, de 21 de Agosto, e n.º 12/2000, de 21 de Junho].

            Por isso, não pode o Governo da República, através de acto regulamentar, impor a um dirigente máximo de um serviço integrado na Administração Regional a intervenção no processo arbitral inerente ao regime previsto no RJAT (designadamente, para prática dos actos previstos nos artigos 13.º, n.ºs 1 e 2, 17.º e 20.º, n.º 2). Aliás, o próprio regime do RJAT, que pressupõe uma intervenção liminar do dirigente máximo do serviço para eventual «revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada» (Artigo 13.º, n.º 1), afasta a possibilidade de intervenção do dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira nos casos em que o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida foi praticado por entidade não integrada na Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente o Director Regional da AT-RAM.

            Com efeito, à revogação, ratificação, reforma e conversão dos actos tributários aplicam-se as regras da revogação [artigo 137.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e artigo 164.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015, aplicáveis por força do disposto nos artigos 2.º, alínea c), e 79.º da LGT], pelo que aqueles actos apenas podem ser praticados pelo seu autor ou por um superior hierárquico (artigos 142.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 169.º, n. 2, do Código do Procedimento Administrativo de 2015) e não há relação de hierarquia entre o Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e o Director Regional da AT-RAM, pois este é o dirigente máximo do respectivo serviço.

            Sendo assim, a vinculação operada pela Portaria n.º 112-A/2011 apenas poderá abranger

aqueles actos primários cuja competência se manteve e foi exercida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (designadamente de liquidação, mas também actos de fixação da matéria tributável ou colectável ou de valores patrimoniais), pois apenas esta entidade (como sucessora da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo) é abrangida pelo seu artigo 1.º que refere expressamente que ela abrange esses «serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública».

            No caso em análise, o acto de decisão da Reclamação Graciosa, que manteve na ordem jurídica a liquidação impugnada, foi praticado por uma entidade que não está abrangida pela vinculação. Donde, se conclui que a apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade deste acto não se inclui na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.[2]

 

            4. Questões de Conhecimento Prejudicado

 

            Procedendo a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, impõe-se a sua absolvição da instância [artigo 278.º, n.º 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], pelo que fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas neste processo.

                       

 

            V. DECISÃO

 

            Pelo exposto, decide este Tribunal Arbitral: 

            I -        Julgar procedente a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral;

            II -       Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância;

            III -      Condenar a Requerente nas custas do processo.

             

            VI. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € € 24.988,60, (vinte e quatro mil, novecentos e oitenta e oito euros e sessenta cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

            VII. CUSTAS

 

            Custas no montante de 1.530,00 €, a cargo da Requerente, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

           

Notifique-se.

Lisboa, 03 de Abril de 2024

O Árbitro,

 

(A. Sérgio de Matos)

 



[1] Segue-se a  linha expositiva que pautou a Decisão Arbitral no P. 247/2015-T, em Tribunal Colectivo presididido pelo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, também integrado pelo subscritor.

[2] No mesmo sentido vide a Decisão Arbitral proferida no P. 190/2021-T, de 07-02-2022, na qual se cita, em harmonia, o acórdão do STA, de 28-04-2021, exarado no P. n.º 0266/20.0BEFUN; e ainda as DA`s prolatadas nos P. 89/2012-T, P. 336/2017-T e 63/2018-T.