Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 575/2023-T
Data da decisão: 2024-04-03  IRC  
Valor do pedido: € 102.851,95
Tema: IRC – tributação autónoma – encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros – encargos com portagens e estacionamento.
Versão em PDF

 

SUMÁRIO:

Os encargos com portagens e estacionamentos são encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros sujeitos a tributação autónoma nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do Código do IRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Carlos Alberto Monteiro da Silva e Ricardo Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A...- SGPS, S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ...-..., ..., Braga (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa associada ao processo n.º ...2023... e, bem assim, a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial das autoliquidações de IRC relativas aos exercícios de 2020 e 2021 que versaram sobre aquela decisão.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 3 de Agosto de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 22 de Setembro de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 11 de Outubro de 2023.

 

            5. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo aos autos em 14 de Novembro de 2023.

 

            6. Em 27 de Fevereiro de 2024, realizou-se a reunião do artigo 18.º do RJAT.

 

            7. Em 7 e 11 de Março, respectivamente, Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas, onde reiteraram as posições já anteriormente expressas.

 

II. SANEAMENTO

 

8. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido que foi tempestivamente apresentado, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

            9. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima que tem por objecto social a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas;
  2. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades que exercem actividade nos sectores da construção civil, engenharia, imobiliário, manutenção, extracção, fabricação e comércio de materiais de construção e produção e distribuição de energia eléctrica;
  3. Em sede de IRC, a Requerente é tributada ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”);
  4. Para além da Requerente, integravam o perímetro do RETGS nos períodos de tributação de 2020 e 2021, as seguintes sociedades: B..., S.A., NIF...; C..., SGPS, S.A., NIF...; D..., SGPS, S.A., NIF ...; E..., SGPS, S.A., NIF ...; F..., SGPS, S.A., NIF...; G...- Sociedade de Capital de Risco, S.A., NIF...; H..., S.A., NIF ...; I..., SGPS, S.A., NIF ...; J..., S.A. NIF ...; K..., S.A., NIF ...; L..., S.A., NIF...; M..., SGPS, S.A., NIF...; N..., S.A., NIF ...; O..., S.A., NIF...; P..., SGPS, S.A., NIF ...; Q..., S.A., NIF...; R..., S.A., NIF...; S..., FS, S.A., NIF...; T..., S.A., NIF...; U..., S.A., NIF...; V... S.A., NIF...; W..., S.A., NIF ...; X..., SGPS, S.A., NIF ...; Y..., S.A., NIF...; Z..., S.A., NIF ... (apenas no período de tributação de 2021);
  5. A Requerente, enquanto sociedade dominante do Grupo sujeito ao RETGS, procedeu à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC do Grupo, de substituição, com referência ao período de tributação de 2020, com o número de identificação ...;
  6. A Requerente, enquanto sociedade dominante do Grupo sujeito ao RETGS, procedeu à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC do Grupo com referência ao período de tributação de 2021, com o número de identificação ...;
  7. Na declaração de rendimentos de 2020, foi apurado a título de tributação autónoma um montante total de € 392.101,47, correspondendo a quantia de € 45.374,02 à tributação de encargos incorridos com portagens e estacionamentos associados a viaturas ligeiras de passageiros;
  8. Na declaração de rendimentos de 2021, foi apurado a título de tributação autónoma um montante total de € 493.239,17, correspondendo a quantia de € 58.087,50 à tributação de encargos incorridos com portagens e estacionamentos associados a viaturas ligeiras de passageiros;
  9. A Requerente apresentou reclamação graciosa quanto às autoliquidações de IRC dos períodos de tributação de 2020 e 2021 acima referidas;
  10. A Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa;
  11. A Requerente exerceu o direito de audição prévia;
  12. Através do Ofício n.º ...-DJT/2023, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa;
  13. Em 3 de Agosto de 2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que originou os presentes autos.

 

§2 – Factos não provados

 

            10. Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham considerado provados.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

11. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

12. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            13. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pela Requerente e do PA junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

14. Discute-se no presente processo a legalidade da sujeição dos encargos com portagens e estacionamentos referentes a viaturas ligeiras de passageiros a tributação autónoma, nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do Código do IRC.

 

15. Para fundamentar a ilegalidade dos actos de autoliquidação, a Requerente invocou os seguintes argumentos:

  • Os encargos com portagens correspondem ao pagamento de uma taxa devida pela utilização de um bem do domínio público e os encargos com estacionamentos correspondem à remuneração de serviços de acesso a uma zona pública ou privada por contrapartida do pagamento de uma tarifa;
  • Para a Requerente, aqueles encargos estão excluídos do âmbito de incidência de tributação autónoma porque não são suportados e não estão relacionados, no sentido de não serem intrínsecos ou inerentes, a viaturas ligeiras de passageiros, tal como sucede no caso dos combustíveis e reparações;
  • O conceito de “encargos relacionados com viaturas” é concretizado no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC no sentido de incluir (i) despesas com o funcionamento, designadamente despesas com combustíveis, manutenções ou reparações, (ii) despesas relacionadas com a titularidade ou posse das viaturas ligeiras de passageiros, nomeadamente despesas com reintegrações, rendas ou alugueres, e (iii) despesas relacionadas com a circulação legal das viaturas ligeiras de passageiros, designadamente seguros e impostos;
  • Os encargos com portagens e estacionamentos não são despesas relacionadas com o funcionamento, com a titularidade ou com a legal circulação das viaturas, não sendo inerentes às mesmas;
  • Se a intenção do legislador fosse sujeitar estes encargos a tributação autónoma, teria incluído a referência às “despesas relacionadas ou derivadas da utilização de viaturas” e não apenas as despesas “relacionados com viaturas”;
  • Não se encontra na letra nem no espírito da lei algum respaldo mínimo que permita sujeitar a tributação autónoma os encargos com portagens e estacionamento;
  • O artigo 88.º do Código do IRC é uma norma de incidência sujeita um grau mínimo de determinabilidade, sob pena de violação dos princípios da legalidade e tipicidade enquanto dimensão formal do princípio da segurança jurídica, que enformam todo o sistema tributário;
  • Para reforçar os argumentos avançados cita os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”), proferidos em 09.03.2017 no proc. n.º 08955/15, em 05.03.2020 no proc. n.º 2863/09.5BCLSB, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte (“TCA Norte), proferidos em 11.03.2021 no proc. n.º 2303/11.0BEPRT, em 08.07.2021 no proc. n.º 01509/05.5BEPRT, em 29.04.2021 no proc. n.º 519/06.3BEPRT, em 17.02.2022 no proc. n.º 2113/08.1BEPRT, em 31.03.2022 no proc. n.º 635/09 e o acórdão do Tribunal Arbitral proferido em 10.10.2022 no proc. n.º 138/2022-T;
  • Referiu ainda que não procede o argumento da AT de que apenas foi feita prova de gastos no montante de € 18.959,12, uma vez que as declarações e os dados inscritos na contabilidade da Requerente beneficiam de uma presunção legal de veracidade e de boa-fé consagrada no artigo 75.º n.º 1 da LGT, para além de que estão em causa gastos que foram (indevidamente) sujeitos a tributação autónoma que a AT não colocou em causa;
  • Alegou por fim a Requerente que a AT pretende afastar a presunção legal de veracidade e de boa-fé apesar de não ter realizado quaisquer diligências tendentes à descoberta da verdade material, violando assim o princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT.

 

            16. Na resposta que apresentou, a Requerida defendeu a legalidade e consequente manutenção na ordem jurídica dos actos de autoliquidação, com base nos seguintes argumentos:

  • O n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC enumera alguns dos encargos que se consideram relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, sendo este um elenco meramente exemplificativo de matérias, conforme resulta da utilização do advérbio “nomeadamente”;
  • Pese embora as portagens e estacionamentos não estejam taxativamente mencionados no n.º 5 do artigo 88.º do Código Do IRC, o facto é que estamos na presença de encargos sujeitos a tributação autónoma quando suportados relativamente às viaturas mencionadas na norma, dada a conexão inequívoca com as mesmas;
  • No entender da Requerida, se não fosse a utilização das viaturas a Requerente não suportava os encargos com portagens e estacionamentos e, consequentemente, não haveria sujeição a tributação autónoma, dando assim cumprimento ao fim último desta tributação que é desencorajar o recurso àquele tipo de despesas;
  • Deste modo, defendeu a Requerida que os encargos aqui em causa estão directa e intrinsecamente relacionados com a utilização de viaturas pois que apenas estas são estacionadas e passam em portagens, pelo que tratando-se de viaturas ligeiras de passageiros expressamente referidas nas alíneas a) a c), do n.º 3, do artigo 88.º do Código do IRC, há sujeição a tributação autónoma;
  • Estes encargos podem não ser específicos de viaturas ligeiras de passageiros, porém, também não são específicos deste tipo de viaturas os encargos com “depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização” que são igualmente sujeitos a tributação autónoma;
  • Referiu também a Requerida que não está em causa o princípio da presunção de veracidade e boa-fé das declarações contabilísticas, contido no artigo 75.º da LGT, mas sim o princípio do ónus da prova contido no artigo 74.º do mesmo código, que a Requerente não logrou cumprir porque foi a própria que reconheceu que se limitou a recolher uma amostragem de elementos referentes aos gastos alegadamente incorridos com portagens e estacionamentos;
  • Por fim, alegou que admitir a prova por amostragem seria consentir com uma violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, da legalidade e da independência e vinculação à legalidade dos tribunais previstos, respectivamente, nos artigos 2.º, 20.º, 104.º, n.º 2 e 203.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);
  • Para reforçar os argumentos avançados cita a Requerida o acórdão do TCA Norte, proferido em 25.02.2021 no proc. n.º 00068/11.4BUPRT e os acórdãos do Tribunal Arbitral proferidos em 25.07.2012 no proc. n.º 31/2012-T, em 25.11.2014 no proc. n.º 92/2013-T e em 2.10.2023 no proc. n.º 51/2023-T.

 

            17. Cumpre então aferir se os encargos com portagens e estacionamentos referentes a viaturas ligeiras de passageiros estão sujeitos a tributação autónoma por força do disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do Código do IRC como entende a Requerida ou se, pelo contrário, aquela tributação é ilegal e violadora dos princípios da legalidade e tipicidade enquanto dimensão formal do princípio da segurança jurídica, conforme alega a Requerente. Para o efeito, revela-se antes de mais necessário uma breve contextualização.

 

            18. Apesar de formalmente inseridas no mesmo código, as normas de tributação autónoma são materialmente distintas e não se confundem com as normas de tributação do IRC. Enquanto nestas últimas se visa uma tributação tendencial do rendimento real obtido pelas empresas, na tributação autónoma os factos tributários geradores de imposto são a realização de despesa em si considerada.

 

            19. Apesar de a tributação ser feita em conjunto e de forma agregada, compreendendo em simultâneo matéria colectável baseada no lucro tributável e matéria colectável baseada na realização de despesa, certo é que a tributação autónoma assenta em factos tributários autónomos, de formação instantânea, aos quais é aplicável uma taxa predeterminada e distinta do IRC, que gera uma obrigação de pagamento de carácter avulso face a este último imposto.

 

            20. As normas de tributação autónoma são normas às quais subjaz um propósito legislativo de conformar condutas e desencorajar certos comportamentos que, por se encontrarem numa zona de intersecção da esfera privada e da esfera empresarial, podem lesar o erário público (quanto a este ponto vide J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 407 ou Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, Almedina, 2019, p. 183).

 

            21. Neste mesmo sentido, referiu o Tribunal Constitucional que “(…) a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal”, cfr. acórdão n.º 267/2017, de 31.05.2017, proferido no âmbito do processo n.º 466/16.

 

            22. Apesar de terem esta natureza anti-abusiva ou anti-elisiva, as normas de tributação autónoma são verdadeiras normas de incidência, que não consagram uma qualquer presunção de não empresarialidade das despesas a ela sujeitas, susceptível de ilisão pelo sujeito passivo mediante prova em contrário. Assim o entendeu o Supremo Tribunal Administrativo ao deixar claro que “as disposições legais que estabelecem a tributação autónoma objeto dos n.ºs 3 e 9 do artigo 88.º do Código do IRC constituem normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário”, cfr. acórdão uniformizador de jurisprudência de 24.03.2021, proferido no âmbito do processo n.º 021/20.7BALSB.

 

            23. Vejamos, então, o caso concreto. Ao que aqui importa, dispunha-se o seguinte no artigo 88.º do Código do IRC, na redacção vigente à data dos factos:

Código do IRC

Artigo 88.º

Taxas de tributação autónoma

3 – São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a 27 500 €;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 27 500 € e inferior a 35 000 €;

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35 000.

(...)

5 – Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.”.

 

            24. Resulta, portanto, do n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC a sujeição a tributação autónoma dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, cuja densificação é feita pelo legislador no n.º 5 daquele mesmo artigo através de uma amostra de “tipos” de encargos objecto de tributação. O carácter não taxativo do conjunto de encargos tidos como relacionados com viaturas ligeiras de passageiros resulta da utilização pelo legislador do advérbio “nomeadamente”, que tem precisamente a finalidade de conferir uma natureza meramente exemplificativa aos elementos identificados na norma.

 

            25. Assim sendo, o facto de os encargos com estacionamentos e portagens não estarem expressamente mencionados no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC não obsta a que os mesmos sejam objecto de tributação autónoma na medida da sua inclusão no conceito lato de “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” e, em particular, da sua recondução a alguma das categorias ali tipificadas.

 

            26. Com efeito, há muito que se encontra afastada a ideia de que as normas de incidência reclamam uma predeterminação absoluta e exaustiva de todas as realidades por ela abrangidas, sendo hoje aceite a necessidade de utilização de conceitos indeterminados e tipos fiscais tendencialmente abertos como forma de dotar a lei da flexibilidade e praticabilidade necessárias à sua simplificação e permanente actualização (neste sentido vide Ana Paula Dourado, O Princípio da Legalidade Fiscal - Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Almedina, 2015, reimpressão da edição de 2007 e Carla Castelo Trindade, A Segurança Jurídica na Aplicação do Direito Pelos Tribunais Tributários, Almedina, 2022).

 

            27. Ora, no presente caso não se verifica que os n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do Código do IRC consagrem um âmbito de incidência de tal forma amplo e vago que impossibilite o intérprete‑aplicador do direito de delimitar no caso concreto as realidades qualificáveis como “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros”. Basta para o efeito ter em conta que a concretização normativa feita no n.º 5 daquela norma aponta para uma tipologia assente em encargos intrínsecos à “detenção” e “utilização” de viaturas ligeiras de passageiros.

 

            28. A técnica legislativa empregue na conformação daquelas normas é, assim, conforme aos corolários do princípio da tipicidade, enquanto dimensão material do princípio da legalidade tributária a que se alude no n.º 2 do artigo 103.º da CRP. Sendo igualmente conforme com o princípio da segurança jurídica que resulta do artigo 2.º da CRP, porquanto os elementos essenciais da tributação ali constantes, maxime a incidência objectiva, encontram‑se dotados de uma densidade suficiente a garantir a previsibilidade da sua aplicação.

 

            29. Por conseguinte, improcede o argumento da Requerente de que a tributação dos encargos com estacionamentos e portagens apenas seria possível mediante a expressa inclusão na norma de incidência de uma referência às “despesas relacionadas ou derivadas da utilização de viaturas”. Até porque, como se disse e reitera, a abrangência de despesas decorrentes da utilização é referida na norma e resulta inquestionável da tipificação feita pelo legislador: as depreciações estão associadas a perdas de valor resultantes da utilização das viaturas ou do decurso do tempo; os combustíveis e as despesas de manutenção/conservação resultam da utilização das viaturas; as rendas ou alugueres, os seguros e os impostos resultam da detenção de viaturas, embora tenham naturalmente inerente a sua utilização enquanto fim último associado aos bens em questão.

 

            30. Os encargos com estacionamentos e portagens além de “relacionados com viaturas ligeiras de passageiros”, estão intrinsecamente conexos com a sua “utilização” ou, nas palavras da Requerente, com o “funcionamento” e a “circulação” de viaturas. Acresce que estes são encargos que têm natureza similar ou análoga aos “tipos” mencionados no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC, pelo que se devem subsumir ao conjunto de realidades abrangidas pelo n.º 3 daquele mesmo artigo e, nessa medida, sujeitas a tributação autónoma.

 

            31. O presente Tribunal Arbitral não ignora a jurisprudência recente do TCA Norte que tem decidido em sentido contrário e que deve aqui ser considerada em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniformes do direito expresso no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil. Por todos, decidiu o TCA Norte, no acórdão de 11.03.2021, proc. n.º 2303/11.0BEPRT, citado no acórdão de 31.03.2022, proc. n.º 00635/09.6BEPRT, o seguinte:

A recorrente sustenta que só devem ser tributadas as despesas realmente não incorridas para os fins da empresa, o que decorre, até, da natureza forfetária da tributação.

Porém, o desígnio legislativo desta anomalia que sempre é tributar uma despesa num imposto sobre o rendimento, e, ainda mais, uma despesa aceite como custo, reside precisamente numa deliberada cegueira do Legislador relativamente ao fim concreto e real de cada despesa, de modo a que todas sejam tributadas, dissuadindo, assim, o excesso de custos formalmente imputados aos fins da empresa mas susceptíveis de aproveitamento individual ou também individual.

Portanto são irrelevantes os fins concretos (da empresa ou, na realidade, particulares) das despesas desconsideradas pela Impugnante mas consideradas pela AT para tributação autónoma, desde que abrangidas pelos nºs 3 e 5 do artigo 81º (Actual 88º) do CIRC.

Admitimos a natureza exemplificativa do nº 5 do artigo 81º (actual 88º) do CIRC, porém, com as cautelas metodológicas recomendadas pelo princípio da legalidade em direito fiscal, analisado, aqui, na necessidade da previsão em lei, das realidades objecto da incidência tributária (cf. artigos 8º nº 1 da LGT e 103º nº 2 da Constituição).

Tomados de tais cautelas, julgamos que, se é certo que as menções expressas no citado normativo não esgotam as espécies de objectos de despesa tributáveis, também o é que, em homenagem ao princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, as outras realidades assimiláveis ao nº 3 do artigo 81º mediante a exemplificação do nº 5 hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no nº 5.

(…)

Já as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, essas, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às subjacentes às espécies de despesas enunciadas no nº 5 do artigo 81º do CIRC (redacção em 2008). Na verdade, estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.

Aliás, precisamente porque se reportam a factos concretos situados no tempo e no espaço, as despesas com portagens e estacionamentos são susceptíveis de uma apreciação, caso a caso, sobre se foram efectivamente feitas para fins da empresa ou não, o que dá sentido material à sua exclusão dessa tributação cega em que consiste a tributação autónoma sub judicio, do ponto de vista da pertença ou não, das despesas, aos fins da empresa.

À conclusão hermenêutica aqui perfilhada quanto aos nºs 3 e 5 do artigo 81º do CIRS conduz‑nos, também, uma interpretação histórica:

Antes do recurso, pelo legislador, à tributação autónoma ora sub juditio, o tellos da dissuasão do abuso do registo de despesas quejandas com automóveis ligeiros, só formalmente imputadas aos fins empresariais, era prosseguido mediante a aplicação de um limite percentual à dedutibilidade dessas despesas. Assim, o artigo 41º nº 4 do CIRC, na redacção dada pela lei nº 39-B/94 de 27 de Dezembro, limitava a 20% a dedutibilidade das despesas “com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível”. Quando optou por prosseguir o mesmo fim mediante a tributação autónoma das despesas (artigo 81º nºs 3 e 5 da actual redacção do CIRC), o legislador aproveitou para deixar claro o que queria entender por veículo ligeiro de passageiros (incluindo, desta feita expressamente, automóveis ligeiros mistos e motociclos), mas manteve (nº 5) praticamente a mesma exemplificação de despesas, continuando, assim, a não incluir despesas como as de portagens e estacionamentos, que havia todo o motivo para incluir expressamente, atenta a sua recorrência, se fosse sua intenção tributá-las autonomamente.

Também este elemento histórico aponta para a exclusão das despesas sub juditio, da tributação autónoma prevista no artigo 81º nºs 3 e 5 do CIRC.

Como assim, não se sufraga, nesta instância, a sentença recorrida, na parte em que julgou ter a AT andado bem quando relevou para tributação autónoma nos termos do artigo 81º nº 3 do CIRC as despesas registadas pela Impugnante e ou suas agrupadas, com estacionamentos, parques de estacionamento e portagens de veículos, pelo que, apenas nesta parte, o recurso procede quanto a esta questão.”.

                                                                                                

            32. Salvo o devido respeito, que é muito, não se acompanha o entendimento daquele douto Tribunal.

 

            33. Em primeiro lugar, porque o TCA Norte defende a não sujeição a tributação autónoma dos encargos com estacionamentos e portagens com base na possibilidade de aferir, caso a caso, a empresarialidade das despesas, ao contrário do que aconteceria com os exemplos constantes do n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC. Porém, tal como acima se referiu, não cumpre na tributação autónoma tecer juízos sobre a empresarialidade ou não das despesas como forma de afastar o âmbito de sujeição a tributação, já que essa é uma lógica subjacente à ilisão de presunções, que não se encontram nas normas de incidência de tributação autónoma. O que aquele Tribunal não deixa de reconhecer em parte ao afirmar simultaneamente que para efeitos de tributação autónoma é irrelevante o concreto fim empresarial ou particular do encargo porque, na verdade, o pretendido pelo legislador foi uma tributação “cega” da despesa em si considerada.

 

            34. Em segundo lugar, porque ao contrário do ali decidido, entende este Tribunal Arbitral existir uma ligação entre as “despesas com estacionamentos e portagens” e os “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” de natureza idêntica ou análoga às espécies de despesas mencionadas no n.º 5 do actual artigo 88.º do Código do IRC. As taxas de portagem, enquanto contrapartida decorrente da utilização de um bem público, têm uma natureza idêntica ou análoga aos “impostos incidentes sobre a (…) utilização” a que alude a norma, sendo apenas diversa a natureza do tributo. Já as despesas com estacionamentos não diferem das despesas com manutenção/conservação e combustíveis no que à ligação funcional com os “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” diz respeito, porquanto é a concreta utilização de viaturas que está na sua origem.

 

            35. Em terceiro lugar, porque o elemento histórico da interpretação não permite extrair a conclusão a que o TCA Norte chegou. Se é certo que nas várias alterações legislativas ao regime de tributação autónoma sobre “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” nunca foi incluída expressamente a referência às “despesas com estacionamentos e portagens”, é igualmente certo que nessas mesmas alterações nunca foi eliminado o carácter meramente enunciativo do elenco de encargos abrangidos pela norma resultante da utilização do advérbio “nomeadamente”.

 

            36. De resto, a falta de menção expressa de um tipo ou conjunto de despesas nunca poderia por si só servir de argumento para a sua exclusão do âmbito de incidência da norma, quando a mesma está precisamente construída com recurso a tipos abertos e a conceitos indeterminados, de teor meramente exemplificativo, que carecem de uma posterior concretização normativa no âmbito da aplicação do direito. Significa isto que só perante o casuísmo do caso concreto será aferido se as despesas em causa estão ou não “relacionadas” com viaturas ligeiras de passageiros e, nessa medida, incluídas ou excluídas do âmbito de incidência previsto no n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC, tendo para o efeito em consideração o auxílio interpretativo conferido pelo conjunto de exemplos constantes no n.º 5 daquele mesmo artigo.

 

            37. Este foi, também, o entendimento defendido pelo Tribunal Arbitral no acórdão de 02.10.2023, proferido no âmbito do proc. n.º 51/2023-T, no qual se referiu o seguinte:

 

“(…) ditam as regras da experiência que os encargos com portagens e estacionamentos sejam despesas tipicamente relacionadas com a utilização comum de viaturas ligeiras de passageiros – são típicas da utilização desses veículos, embora, evidentemente, não sejam exclusivas desses veículos, tal como o não são as despesas expressamente enumeradas no art. 88º, 5 do CIRC.

Não se afigura razoável, assim, que, no vigor da argumentação, se pretenda:

a) que as portagens e os estacionamentos não são uma realidade comum, constante, e incindível da utilização corrente de viaturas ligeiras de passageiros;

b) que uma norma que está expressa e indubitavelmente formulada em termos de enumeração aberta, exemplificativa, incluindo um “nomeadamente” inserido antes de uma exemplificação, seja lida como uma tipificação fechada, um “numerus clausus”.

É verdade que, como se argumenta na fundamentação da decisão arbitral no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, essa exemplificação foi perdurando nas sucessivas versões que antecederam aquela que vigorava no período de referência como art. 88º, 5 do CIRC, e nunca se incluiu expressamente a alusão a portagens e estacionamentos – mas o argumento é, se atentarmos bem nele, reversível:

a) nas sucessivas versões também nunca se aboliu o “nomeadamente”, retirando o carácter ostensivamente exemplificativo da norma – quando essa abolição poderia ter acontecido;

b) jamais é conclusivo qualquer argumento de inclusão ou exclusão, não-inclusão ou não‑exclusão, de um item numa lista aberta e meramente exemplificativa.

Também é verdade que, como se argumenta na fundamentação da aludida decisão no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, a exemplificação dentro de uma enumeração aberta serve para delimitar a analogia entre o expresso e o implícito – mas também aqui se impõe reconhecer que as despesas com portagens e estacionamentos são tanto ou mais inerentes à utilização de viaturas ligeiras de passageiros como as despesas que servem de exemplos na enumeração do art. 88º, 5 – e que se impõe como evidência às regras de experiência que ditam a convicção deste tribunal e presidem à sua apreciação dos factos.

Dizer o contrário é pretender desconhecer o que é a utilização corrente, comum, desses viaturas – tão corrente e tão comum que, só no ano de 2019, representou um total de €505.291,69 de despesas para o grupo da Requerente.”.

 

            38. Em face do exposto, julga-se improcedente a ilegalidade invocada pela Requerente, já que os encargos com portagens e estacionamentos estavam efectivamente sujeitos a tributação autónoma ao abrigo do disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do Código do IRC na redacção vigente à data dos factos. Por conseguinte, fica prejudicada, porque inútil, a apreciação das demais questões suscitadas nos autos.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, absolver a Requerida do pedido;
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 102.851,95.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a suportar pela Requerente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de Abril de 2024

 

 

A Árbitra Presidente,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

Carlos Alberto Monteiro da Silva

 

O Árbitro Adjunto,

 

Ricardo Rodrigues Pereira

(vencido, conforme declaração em anexo)

 

 

Voto de Vencido

            Salvo o devido respeito pela posição maioritariamente sufragada, votei vencido a decisão por entender que os encargos em apreço atinentes a portagens e estacionamentos não estão sujeitos a tributação autónoma, nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do Código do IRC – porquanto, tais encargos, apesar de relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, não têm uma ligação a estas que permita afirmar uma natureza idêntica ou análoga às espécies de despesas mencionadas no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC – e, nessa exata medida, considero que os atos tributários controvertidos são ilegais.

            O entendimento aqui propugnado encontra respaldo naquela que tem sido a posição maioritariamente adotada pela jurisprudência pátria, sendo disso exemplo, para além dos acórdãos do TCA Norte citados no ponto 31. da decisão, os arestos a seguir enunciados, cuja fundamentação, data venia, aqui se adota e reitera:

  1. Tribunal Central Administrativo Sul:
  1. Acórdão proferido em 09.03.2017, no processo n.º 08955/15:

Sendo manifesto que a norma transcrita não faz qualquer referência expressa a despesas relativas a estacionamentos e/ou portagens, isto é, que a letra da lei não aponta de forma absolutamente inequívoca quanto à sua inclusão no regime que encerra, a decisão a tomar passa pela densificação que deva ser dada ao termo “designadamente” aí aposto, ou seja, ao que porventura venha a entender-se como interpretação extensiva legalmente admissível desta norma, assumindo, naturalmente, neste contexto, importância fulcral o apuramento do pensamento do legislador na elaboração da norma, (…).

Resulta, assim, do que já vimos expondo, que para nós a questão fulcral, distintamente do que parece decorrer da posição em recurso assumida pela recorrente, não passa pela conexão da viatura com a actividade, questão que julgamos ultrapassada pela própria natureza da correcção efectuada – recorde-se que é no artigo 23° do CIRC que está fixado o critério para efeitos de determinação dos encargos contabilísticos que podem ser qualificados como custo fiscal e que o artigo 41.º apenas disciplina ou consagra as limitações à dedutibilidade de certos custos já previamente admitidos pelo artigo 23° do CIRC, (…).

Ora, quanto à primeira questão – traduzida na consideração de que a norma abrange todo o tipo de despesas relacionadas com as viaturas -, entendemos que a resposta só pode ser negativa. Efectivamente, tendo presente que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei e que o legislador consagrou a solução mais acertada, mas também não esquecendo a incontornável presunção de que a solução consagrada o foi nos termos mais adequados àquilo que era a sua vontade (artigo 9.º, do Código Civil), a única conclusão possível é a de que se fosse sua intenção fosse abarcar todo o tipo de despesas se teria limitado a afirmar que, mesmo que contabilizados como custos ou perdas de exercício, e salvo as excepções aí consagradas, não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável 20% de todos os encargos relacionados com viaturas ligeiras, qualquer que fosse a sua natureza.

Não foi, porém, essa a sua opção, pelo que, a solução que haja de ser dada ao problema interpretativo que se nos coloca, perante a opção do legislador por uma regulamentação exemplificativa, haverá de ser encontrada na resposta que dermos à questão de saber se os encargos relativos a portagens e estacionamento são por natureza semelhantes aos encargos aí contemplados e, consequentemente, fazem parte do núcleo de despesas que o legislador pretendeu que fossem entendidos como englobados pelo termo “designadamente” aí aposto.

Adiantamos, desde já, que a nossa resposta a esta questão é igualmente negativa por entendermos que a semelhança entre a natureza dos encargos previstos na norma e os demais encargos comprovados e que se ofereçam como susceptíveis de ser fiscalmente relevantes para efeitos de aplicação do regime consagrado no n.º 4, do artigo 41.º do CIR só pode radicar no nexo de causalidade necessário e directo entre a viatura enquanto bem da empresa e o encargo suportado. É, se bem vemos, para esse elemento primário, para essa ligação directa, necessária, intrínseca e física - através do bem em si mesmo considerado ou através do contrato que subjaz ao encargo – que os exemplos adiantados pelo legislador no n.º 4 do preceito nos remetem (reparações, amortizações, seguros, rendas, alugueres e combustível) e esse nexo físico ou contratual não é encontrado nos encargos de estacionamento e de portagens.

É verdade que, podemos dizê-lo, nos encargos cuja dedução de 20% vem questionada nos autos também existe esse nexo de causalidade, uma vez que os valores de portagens ou de estacionamentos só são devidos porque há uma viatura, há um bem sem o qual não haveria cobrança de portagens nem custos com estacionamentos. Ou seja, pode afirmar-se, seguramente, que tais encargos (portagens e estacionamentos), tal como as reparações, as rendas ou alugueres, só existem porque esse mesmo bem existe. Acontece porém que, distintamente do que ocorre com os encargos-tipo ou exemplos enumerados na lei, que existem independentemente da utilização do bem na actividade, aquelas portagens ou estacionamento, já admitidas como custos para efeitos do artigo 23.º do CIRC, mais do que estarem relacionadas com a viatura, estão directamente relacionadas com a actividade empresarial, sendo este o marco, insiste-se, se bem vemos, relevante para efeitos do regime fiscal consagrado. Aliás, (…), bem pode acontecer que tais encargos ocorram independentemente de serem utilizadas viaturas ligeiras de passageiros, designadamente através da utilização na actividade empresarial de viaturas mistas ou motociclos, ambos sujeitos a cobrança de portagens e de estacionamento e sem que de qualquer forma se possa afirmar (porque não existe qualquer possibilidade de ser encontrado um mínimo razoável de correspondência literal na norma – artigo 9.º do Código Civil) que a redução de 20% prevista na lei é aplicável a esse tipo de viaturas.

Acresce que, um outro elemento interpretativo, que perpassa já do que vimos expondo e que inquestionavelmente tem que ser relvado, é o do objectivo prosseguido pelo legislador com a instituição desta concreta restrição à dedução e que foi, como é por demais sabido, “compensar/anular” os abusos, muitas vezes cometidos, decorrentes de aquisições de viaturas, sobretudo do tipo “ligeiros” utilizados para transporte de passageiros, através de sociedades - beneficiando do regime fiscal então associado a essa aquisição associado – mas para serem utilizados de forma exclusiva ou preponderante por particulares e para fins particulares. Foram, pois, no mínimo primacialmente, as viaturas em si (a sua aquisição) que estiveram na mira do legislador e não as despesas de portagens e estacionamentos a ela associados, cuja relação com a actividade é objecto de controlo ao nível do artigo 23.º do CIRC.

  1. Acórdão proferido em 05.03.2020, no processo n.º 2863/09.5BCLSB: reitera, com a mesma fundamentação, a posição firmada no anterior aresto.
  2. Acórdão proferido em 05.11.2020, no processo n.º 1811/06.9BELSB: reitera, com a mesma fundamentação, a posição firmada no acórdão prolatado no processo n.º 08955/15.
  1. Tribunal Central Administrativo Norte:
  1. Acórdão proferido em 25.02.2021, no processo n.º 00068/11.4BUPRT: reitera, com a mesma fundamentação, a posição firmada no acórdão do TCA Sul, prolatado no processo n.º 08955/15.
  2. Acórdão proferido em 08.07.2021, no processo n.º 01509/05.5BEPRT: reitera, com a mesma fundamentação, a posição firmada no acórdão do TCA Sul, prolatado no processo n.º 08955/15, acrescentando, em conclusão, que estas despesas com estacionamento e portagens (…) não são sujeitas a tributação autónoma, pois que este tipo de encargos não se subsumem aos encargos-tipo a que faz alusão o n.º 4 do art. 81.º do CIRC, aliás, se o legislador entendesse fazer, teria feito aquando da alteração introduzida com a Lei n.º 30-G/2000, de 29/12 e pelo DL n.º 198/2001 de 3/7, passou a art. 81.º.”

Adotando igual entendimento, o Tribunal Arbitral decidiu o seguinte no processo n.º 138/2022-T:

“Do ponto de vista histórico, (…), antes do recurso, pelo legislador, à tributação autónoma, o tellos da dissuasão do registo de despesas com automóveis ligeiros, só formalmente imputadas aos fins empresariais, era prosseguido mediante a aplicação de um limite percentual à dedutibilidade dessas despesas. Assim, o artigo 41.º n.º 4 do Código do IRC, na redacção dada pela lei nº 39-B/94 de 27 de Dezembro, limitava a 20% a dedutibilidade das despesas com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível”.

Quando o legislador optou por prosseguir o mesmo fim mediante a tributação autónoma das despesas (artigo 81º nºs 3 e 5 Redação da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro do Código do IRC), o legislador aproveitou para deixar claro o que queria entender por veículo ligeiro de passageiros (incluindo, desta feita expressamente, automóveis ligeiros mistos e motociclos), mas manteve (n.º 5) praticamente a mesma exemplificação de despesas, continuando, assim, a não incluir despesas como as de portagens e estacionamentos, que havia todo o motivo para incluir expressamente, atenta a sua recorrência, se fosse sua intenção tributá-las autonomamente.

Do ponto de vista literal e teleológico, entende-se que considerando o princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, não obstante o carácter aberto da norma prevista no n.º 5 do artigo 88.º, a exemplificação dos encargos serve para limitar a consideração dos encargos tributáveis à mesma ou análoga natureza dos encargos exemplificados.

Na verdade, como ensina José Casalta Nabais, in O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, pag. 622, perante a tipificação qualitativa dos encargos objecto de tributação autónoma (n.º 5 do artigo 88.º) o legislador (…) põe o acento tónico, não no número de casos, mas antes nas qualidades reconhecidas como típicas, as quais, por serem específicas de dada situação, a diferenciam das outras situações e nos fornecem uma tipificação assente sobre uma particularidade significativa ou uma configuração especial”.

Considerando os exemplos de encargos previstos no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC, constata-se que o legislador estabeleceu que os encargos objecto de tributação autónoma deverão ser aqueles que relevam de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no n.º 5.

Ora, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às espécies de despesas enunciadas no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC. Na verdade, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.”

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)