Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 561/2023-T
Data da decisão: 2024-04-02  IRS  
Valor do pedido: € 998.150,13
Tema: IRS; retenção na fonte; rendimentos de capitais – artigos 5.º, n.º 1 h) e 6.º, n.º 4 do CIRS; ónus da prova.
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SUMÁRIO:

  1. O artigo 6.º, n.º 4, do CIRS, consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
  2. Presunção que é uma presunção legal e não uma presunção simples, apenas natural ou judicial, e como tal, vale a regra constante do artigo 350.º, n.º 2 do CC, própria para as presunções legais, as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.
  3. Comprovados pela AT os lançamentos contabilísticos, é ónus do sujeito passivo a comprovação de qualquer das causas de elisão da mencionada presunção legal.
  4. Não ilidida a presunção, os movimentos constantes dos lançamentos contabilísticos, ficam sujeitos retenção na fonte, à taxa liberatória de 28%, nos termos dos artigos 5.º, n.º 2, h) e 71.º, n.º 1 a), do CIRS.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Regina Monteiro (Presidente), Jesuíno Alcântara Martins e António Alberto Franco (Adjuntos) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

1- Relatório

A..., LDA., NIF..., com sede na ..., n.º ... – ..., em Lisboa requereu a constituição de tribunal arbitral ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), para impugnação das liquidações de IRS respeitante ao ano de 2018, com o n.º 2022 ... de 23/11/2022, e da liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., tudo no montante de € 998.150,13, emitida na sequência do relatório de inspeção tributária determinado pela ordem de serviço nº. OI2022... e do ato de indeferimento da reclamação graciosa no ...2022... notificado em 09-06-2023.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 31-07-2023.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 13-09-2023 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 03-10-2023.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou Resposta e juntou o Processo Administrativo.

As partes apresentaram alegações escritas no prazo legal, pugnando, no essencial, pelas posições inicialmente defendidas.

 

2. Saneamento

O Tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

3. Matéria de Facto

3.1. Factos provados

O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos aos autos pelas partes e não impugnados, considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. A sociedade B..., com sede nas Bahamas, é sócia da Requerente - “A..., Lda.”(cfr. cópia da certidão de registo permanente junta com o PA).
  2. C... e D..., casado à data com E... são sócios da Requerente e da sociedade B...; (cfr. PA).
  3. Em janeiro de 2018 a Requerente emitiu dois cheques, no valor de €1.250.000,00 cada, a favor de C... e para D... e um cheque a favor de E...; (cfr. PA).
  4. A emissão de tais cheques foi registada contabilisticamente nas contas 253202, 253203 e 253205 que foram movimentadas a débito por contrapartida da conta 121; (cfr. PA).
  5. Os montantes contabilizados a crédito nas referidas contas, no valor total de €3.000.000,00, e que permitiram a entrega destes valores às pessoas acima identificadas, tiveram origem em cedências de créditos efetuadas pela sócia da Requerente B..., no ano de 2017; (cfr. PA).
  6.  A conta 253201 –B... apresentava, no ano de 2017, um saldo inicial credor no montante de €4.843.869,41, passando no final do ano a apresentar um saldo de apenas  €1.843.869,49, com base em três contratos de cedência de créditos a partir dos quais foram transferidos em termos contabilísticos (registo contabilístico 1200019 de 31 de dezembro) para a conta 253202 –C..., o montante de €1.250.000,00, para a conta 253203 –D... o montante de €1.250.000,00 e para a conta 253205 – E... o montante de €500.000,00; (cfr. PA).
  7. Nos referidos contratos de cessão de créditos, C... e D... intervierem na qualidade de procuradores da sociedade “B...”; (cfr. PA).
  8. A Requerente, sujeito passivo de IRC, foi alvo de ação inspetiva com a Ordem de Serviço n.º OI2022....
  9. Nessa sequência, foi elaborado o respetivo Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foi proposta a seguinte correção atinente a IRS, com os fundamentos que seguidamente também se enunciam; (cfr. PA):

“V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades V.1. – Retenções na fonte de IRS não efetuadas.

RELATÓRIO OI2022...

Da análise aos extratos das contas “253202 -C...”, “253203 – D...”, “253205 – E...” e “121 –...” e aos respetivos documentos de suporte, verifica-se que em janeiro de 2018 a sociedade “A..., Lda.” emitiu dois cheques, no valor de €1.250.000,00 cada, para C... e para D..., e um outro cheque no valor de €500.000,00 para E... (Ver cópias em anexo 3).

Pela emissão destes cheques, contabilisticamente as contas 253202, 253203 e 253205 foram movimentadas a débito por contrapartida da conta 121 – depósitos à ordem- ..., conforme prints seguintes:

 

 

 

 

Os montantes contabilizados a crédito nas contas referidas, no valor total de €3.000.000,00, e que permitiram a entrega destes valores às pessoas identificadas em cima, tiveram origem em cedências de créditos efetuadas pela sócia “B...”, no ano de 2017. Como consta do print abaixo, a conta “253201 –B...” no ano de 2017 apresentava um saldo inicial credor no montante de €4.843.869,41, passando no final do ano a apresentar um saldo apenas no montante de €1.843.869,49, pelo facto de, com base em três contratos de cedência de créditos terem sido transferidos em termos contabilísticos (registo contabilístico 1200019 de 31 de dezembro) para a conta 253202 –C... o montante de €1.250.000,00, para conta 253203 –D... o montante de €1.250.000,00 e para a conta 253205 – E... o montante de €500.000,00.

 

 

Da análise aos três contratos de cessão de créditos que nos foram apresentados (Ver cópias em anexo 2), verificamos que em todos eles o primeiro outorgante é a entidade “B...”, que como consta dos próprios contratos é uma sociedade constituída sob as leis da Comunidade das Bahamas, com sede social em ..., Bahamas, na cidade do Panamá, Republica do Panamá, aí registada sob o nº ..., pessoa coletiva com o NIPC ..., devidamente representada pelos seus procuradores, D... com C.C nº ... e C... com C.C nº ... .

Segundo consta dos contratos, estes créditos foram sendo constituídos em várias parcelas, que a sociedade “B...” entregou à sociedade “A..., Lda.”, para esta fazer face às suas necessidades financeiras.

(...)

Como já foi referido no ano em análise a sociedade “A..., Lda” efetuou a entrega dos montantes referidos a C..., D... e E.,,, na sequência dos contratos de cessão de créditos que lhe foram comunicados pela sociedade “B...” através de cartas assinadas pelos procuradores da mesma, entregues P.M.P. e de cartas entregues pelos beneficiários P.M.P a solicitar o respetivo pagamento na sequência de terem adquirido créditos sobre a sociedade.

No sentido de comprovar que efetivamente a sociedade “B...” procedeu ao empréstimo dos montantes em causa à sociedade “A..., Lda.” e também que C... e D... emprestaram à sociedade “B...” os montantes que lhes foram cedidos, e que por sua vez, E... emprestou a D..., e que existem os respetivos comprovativos das entradas dos meios financeiros nas contas das sociedades, foram efetuadas várias diligências que se discriminam em seguida.

1 – Elementos solicitados ao contabilista certificado

Numa primeira fase, foi solicitado ao contabilista certificado do sujeito passivo a apresentação dos documentos de suporte comprovativos do crédito no montante de €4.843.869,49 referente ao saldo inicial da conta 253201 –B... no ano de 2017.

No tocante aos créditos da sociedade “B...”, o sujeito passivo respondeu que o saldo no inicio do ano de 2010 já era de €4.831.646,22 e terá sido construído ao longo dos anos, talvez desde os anos 80. Referiu também a cessão de créditos verificada no ano de 2017 e apresentou um documento justificativo no valor de €12.223,27 referente a uma entrega efetuada pela sociedade “B...” no ano de 2010. Relativamente ao crédito no montante de €4.831.646,22 não apresentou qualquer documento suporte e nem comprovativos financeiros da entrega desse montante pela sociedade “ B...” à sociedade “A..., Lda”.

Conforme se verifica do exposto anteriormente, o sujeito passivo não apresentou documentos comprovativos das entregas efetuadas pela sociedade “ B...” que deram origem ao crédito em causa.

2 – Notificações efetuadas à sociedade A..., Lda. e aos sócios C..., D... e  E... em 22-08-2022

Não tendo ficado comprovado a efetividade dos empréstimos contabilizados na conta da sócia “B...”, no dia 22-08-2022 foram enviadas notificações para a sociedade “A..., Lda”, para os seus sócios C... e D... e também para E..., a solicitar elementos e esclarecimentos, conforme se discrimina de seguida:

2.1 – “A..., Lda.”

A sociedade “A..., Lda.” foi notificada por Oficio n.º ... de 22/08/2022 (doc. em anexo 4), para esclarecer/apresentar o que se transcreve em seguida, tendo o seu advogado enviado resposta (Entrada: 2022... de 15-09-2022), conforme documento em anexo 5.

1 - “Apresentar o contrato de constituição da sociedade “A..., Lda.”;

Resposta do advogado: “que a Requerente é uma sociedade cujo registo mais antigo no registo comercial remonta a 1958 (doc. No. 1), não tendo sido possível, no curto prazo concedido, localizar a sua escritura de constituição, pelo que se solicita seja concedido prazo não inferior a quinze dias para se solicitar à Conservatória do registo Comercial a certidão do documento constitutivo solicitado”;

2 – “Indicar as datas em que a sociedade “B...”, com o NIPC: ... e sede social nas Bahamas, efetuou empréstimos à sociedade “A..., Lda.”, que no ano de 2017 totalizavam o montante de €4.343.869,49, conforme registo contabilístico na conta “253201 – B...”, e apresentar também o(s) respetivo(s) contrato(s) de mútuo e/ou outros documentos que evidenciem tais empréstimos, bem como, comprovativos dos meios financeiros (cheques, transferências bancárias, etc.) utilizados nestas operações”.

Resposta do advogado: No tocante a este ponto afirma que “... recordando que a sociedade Requerente foi constituída em 1946, cumpre referir que os empréstimos feitos pela sociedade B... à sociedade Requerente foram essencialmente realizados durante o século passado e nunca foram até aqui colocados em questão pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou por qualquer outra entidade, pública ou privada, pelo que se encontram mais que consolidados na contabilidade desta sociedade”. No tocante a esta questão o advogado do sujeito passivo ainda afirmou que “Tendo, entretanto, sido largamente ultrapassados todos os prazos previstos na lei para a conservação de documentos contabilísticos, a Requerente dispõe apenas da informação expressa na sua contabilidade e aquela que foram, entretanto, fornecidos no âmbito deste mesmo procedimento”.

O sujeito passivo alega para a não apresentação dos elementos para os quais foi notificado, o facto dos empréstimos terem sido realizados no “século passado”, que não demonstrou, e de nunca terem sido questionados pela Autoridade Tributária ou por qualquer outra entidade pelo que se encontram consolidados na contabilidade da sociedade. A antiguidade dos empréstimos alegada pelo sujeito passivo não dispensa a necessidade da sociedade “A..., Lda” no ano de 2018, quando entregou os montantes em causa aos sócios de não ter de demonstrar que esses montantes tinham efetivamente sido emprestados pelos mesmos, assim como também não existe qualquer norma no sentido dos registos contabilísticos das sociedades ficarem validados pelo facto de não terem sido questionados pela AT.

3 – No ponto 3 da notificação foi solicitado a apresentação de todos os documentos que titulam os créditos detidos pela sociedade “B...”, na sociedade “A..., Lda.” e que foram cedidos a C... e D... por conta de créditos que estes detinham na sociedade “B...” e a E... por conta de um crédito que a mesma detinha sobre D... .

Resposta do advogado: “...não obstante a Requerente ter sido regularmente notificada da cessão de créditos nos quais figurou como devedora, não lhe é exigível que conheça e se pronuncie sobre clausulados dos quais não é outorgante, e muito menos disponha de documentos que ao abrigo dos mesmos contratos, uma parte terá aparentemente entregue à outra e ainda que, como o próprio ofício reconhece, se encontram em posse de terceiros”.

Resulta pois que, da argumentação apresentada anteriormente, se verifica que o sujeito passivo continuou a não demonstrar que efetivamente a sociedade “B...”, efetuou os empréstimos em análise à sociedade “A..., Lda”, pois não indicou as datas em que os empréstimos foram efetuados, não apresentou qualquer contrato de mutuo ou outros documentos que evidenciem tais empréstimos e também não apresentou comprovativos dos meios financeiros utilizados nestas operações, justificando a não apresentação com o facto de terem sido realizados no “século passado”, de nunca terem sido questionados pela Autoridade Tributária ou por qualquer outra entidade e por terem sido ultrapassados todos os prazos previstos na lei, o que não colhe aceitação como foi justificado anteriormente.

2.2 –C...

RELATÓRIO OI2022...

C..., NIF. ..., foi notificado por Ofício n.º ... de 22/08/2022 (doc. em anexo 6), para esclarecer/apresentar o que se transcreve em seguida, tendo enviado resposta (Entrada: 2022... de 15-09-2022), conforme documento em anexo 7.

1 – “Apresentar o contrato de constituição e eventuais alterações subsequentes da sociedade “B...” com o NIPC: ... e com sede social nas Bahamas;

2 – Indicar as datas em que efetuou os empréstimos à sociedade “B...”, referidos no ponto 2 da cláusula primeira do contrato de cessão de créditos elaborado em 21-12-2017, e apresentar também o(s) respetivos contrato(s) de mútuo e/ou outros documentos que evidenciem tais empréstimos;

3 – Apresentar comprovativos das entregas que consubstanciam os empréstimos no montante total de €1.250.000,00, efetuados à sociedade “B...”, através de transferências bancárias, cheques, extratos bancários, etc.;

Resposta do próprio: “os documentos solicitados nos pontos 1 e 2 do oficio em resposta encontravam-se no arquivo das instalações da A..., que há vários anos sofreram atos de vandalismo em resultado dos quais foram destruídos ou furtados, eventos que no devido tempo foram reportados às autoridades, não tendo até à data sido possível proceder à sua recuperação”, acrescentando também que “Sobre as datas e cópias dos documentos comprovativos das entregas efetuadas (pontos 2 e 3), informo que devido à sua antiguidade (conforme resulta de elementos entretanto fornecidos, em 2010, o respetivo saldo na contabilidade da A..., Lda., já era no montante de €975.729,18), não disponho, além da informação que resulta da contabilidade da sociedade devedora, atualmente de quaisquer outros comprovativos de tais entregas, dado o lapso de tempo entretanto ocorrido, de cerca de trinta anos”.

4 – “Apresentar todos os documentos que titulam o crédito sobre a sociedade “B...”, que como consta do n.º 1 da cláusula segunda do contrato de cessão de créditos elaborado em 21-12- 2017, que se transcreve “1. A 1ª OUTORGANTE entregou neste acto ao 2º OUTORGANTE todos os documentos que se encontram na sua posse que titulam o crédito ora cedido” foram-lhe entregues no ato”.

Resposta do próprio: “Os documentos a que se refere a disposição contratual transcrita (nº. 1 da cláusula terceira do contrato celebrado em 21/12/2017), não são os que titulariam o crédito que em tempos detive sobre a sociedade B..., mas antes os documentos referentes ao crédito que esta detinha sobre a sociedade A..., documentos relativamente aos quais se referem as respostas dadas nos pontos anteriores”.

5 – Na qualidade de procurador da sociedade “B...”, designado no contrato de cessão de créditos elaborado em 21-12-2017, relativamente aos empréstimos efetuados por esta entidade à sociedade “A..., Lda.” com o NIPC: ... e que deram origem ao crédito sobre a “A..., Lda.” no montante de € 4.343.869,49, indicar/apresentar o seguinte:

5.1 - As datas em que a sociedade “B...”, efetuou os referidos empréstimos à sociedade “A..., Lda.”;

5.2 - O(s) respetivo(s) contrato(s) de mútuo referentes a esses empréstimos e/ou outros documentos que evidenciem tais empréstimos;

5.3 - Comprovativos das entregas que consubstanciam os empréstimos referidos (transferências bancárias, cheques, extratos bancários, etc.).

No documento resposta não foi feita alusão ao ponto 5 da notificação, tendo no entanto terminado da seguinte forma “por último informo que há vários anos deixei de colaborar com a sociedade B..., não dispondo do seu arquivo e não podendo atualmente responder pela mesma, menos ainda quanto a empréstimos essencialmente realizados à sociedade A..., Lda. anteriormente a 2010, não dispondo de qualquer outra informação para além daquela que consta da contabilidade desta última sociedade”.

Como se verifica do exposto anteriormente, o sócio C... não forneceu as informações e nem apresentou os elementos solicitadas pela AT, pois não apresentou o contrato de constituição da sociedade “B..., não indicou as datas em que efetuou os empréstimos, nem apresentou contratos de mútuo ou outros documentos que evidenciem tais empréstimos, alegando que se encontravam no arquivo das instalações da “A...” e que foram destruídos ou furtados na sequência de atos de vandalismo, que no devido tempo foram reportados às autoridades, mas não juntou comprovativo dessa comunicação e nem da relação do que foi destruído ou furtado. No tocante às datas e cópias dos documentos comprovativos das entregas efetuadas à sociedade “B...”, também nada apresentou, justificando-se com a sua antiguidade.

Também não foram apresentados os documentos que titulam o credito sobre a sociedade “B...”

solicitados no ponto 4, alegando que os documentos a que se refere a disposição contratual transcrita não são os que titulariam o crédito que em tempos deteve sobre a sociedade “B...”. De salientar que o que foi solicitado, foi a apresentação dos documentos que lhe foram entregues no ato da celebração do contrato de cessão de créditos pela sociedade “B...”, como consta da cláusula transcrita.

As questões colocadas a C... na qualidade de procurador da sociedade “B...” (ponto 5), não foram respondidas, tendo sido referido no final do documento resposta que deixou de colaborar à vários anos com a sociedade “B...” não dispondo do seu arquivo e não podendo atualmente responder pela mesma. De referir que no ano de 2017, quando da celebração do contrato de cessão de créditos a favor de C... e dos outros sócios, C... representou a sociedade “B...” na qualidade de procurador e as questões colocadas são única e exclusivamente sobre essa cessão de créditos. De acrescentar que C... no ato da escritura de cessão de créditos a seu favor, intervém como procurador da sociedade cedente e como beneficiário e nessa qualidade, conforme n.o1 da cláusula segunda do respetivo contrato de cessão de créditos, a sociedade “B...” entregou-lhe todos os documentos que se encontravam na sua posse e que titulam o crédito cedido, os quais, também não apresentou, alegando que não são os que titulariam o crédito que em tempos deteve sobre a sociedade “B...”.

2.2 – D...

Relativamente a D..., NIF. ... foram enviadas notificações para duas moradas, tendo sido devolvida a carta endereçada para a morada Rua ..., n.º ..., ...- ... Lisboa, que continha o Ofício n.º ... de 22/08/2022, com a indicação “mudou-se”.

 D..., NIF. ..., foi notificado pelo Ofício n.º ... de 22/08/2022 (doc. em anexo 8), enviado para a morada Av. ...– ... Esq.º....– ... Lisboa, para esclarecer/apresentar as mesmas questões que foram notificadas ao seu irmão C... e que foram transcritas no ponto anterior, diferindo apenas o montante a justificar que neste caso é de mais €500.000,00 resultante do empréstimo que lhe terá sido efetuado por E..., que por sua vez este também terá emprestado à sociedade B... .

D... respondeu (Entrada: 2022... de 04-10-2022), conforme documento em anexo 11 e apesar da resposta se encontrar extemporânea em função do prazo concedido na notificação, procedeu-se à análise da mesma, verificando-se que é de teor idêntico à resposta efetuada por C... (apresentada no ponto anterior), com exceção do saldo à data de 2010, que no caso era de €767.594,69.

2.3 – E...

E..., NIF. ..., foi notificada por Ofício n.º ... de 22/08/2022 (doc. em anexo 9), para esclarecer/apresentar o que se transcreve em seguida, tendo enviado resposta (Entrada: 2022... de 15-09-2022), conforme documento em anexo 10.

1 – “Indicar a data em que efetuou o empréstimo no montante de €500.000,00 ao Sr. D..., referido no ponto 2 da cláusula primeira do contrato de cessão de créditos elaborado em 28-11-2017, e apresentar contrato de mútuo e/ou outros documentos que evidenciem o crédito”;

Resposta da própria: “... o mesmo foi sendo feito em múltiplas entregas feitas entre 1994 e 2005, cujas datas exatas não me é atualmente possível precisar, em virtude de terem, entretanto, passado cerca e vinte a trinta anos sobre a sua realização”.

2 – “Apresentar também comprovativos da entrega efetuada, através de transferências bancárias, cheques, extratos bancários, etc".

Resposta da própria: “também pela mesma razão informo quanto ao ponto 2 do mesmo ofício, não dispor hoje em dia de quaisquer documentos comprovativos dessas entregas”

3 – “Apresentar todos os documentos que titulam o crédito sobre D... e que como consta do n.º 1 da cláusula terceira do contrato de cessão de créditos elaborado em 28- 11-2017, que se transcreve “1. A 1ª OUTORGANTE entregou neste acto à 2ª OUTORGANTE todos os documentos que se encontram na sua posse que titulam o crédito ora cedido” foram-lhe entregues no ato”.

Resposta da própria: “Quanto ao ponto 3 do mesmo requerimento, como se pode verificar por uma leitura atenta da disposição contratual aí transcrita (nº. 1 da cláusula terceira do contrato celebrado em 28-11- 2017), não são os que titulariam o crédito que em tempos detive sobre o meu ex-marido D..., mas antes os documentos referentes ao crédito no montante de €500.000 que a sociedade B... em tempos deteve sobre a sociedade A...”.

4 – “Apresentar o documento autónomo ao contrato de cessão de créditos que é feita referência no

n.º 2 da cláusula segunda do referido contrato”

Resposta da própria: “... quanto ao “documento autónomo” referido no ponto 4 do oficio sob resposta e mencionado no nº. 2 da segunda do dito contrato celebrado em 28/11/2017, informo não ter como o conhecer, já que o mesmo diz única e exclusivamente respeito à cessão de créditos celebrada entre D... e a sociedade B..., sendo-me por isso completamente alheio e relativamente ao qual nunca tive qualquer espécie de conhecimento ou intervenção”.

A linha orientadora da resposta de E... é a mesma que foi invocada por C..., o que é entendível, pois apesar das respostas terem sido assinadas pelos próprios todas elas foram enviadas pelo gabinete de advogados “F... – Sociedade de Advogados”, não tendo sido apresentados os elementos solicitados, e no caso do ponto 3, a resposta foi idêntica à dada por C..., alegando que os documentos a que se refere a disposição contratual transcrita não são os que titulariam o crédito que em tempos deteve sobre a sociedade “B...”. No entanto, o que foi solicitado, foi a apresentação dos documentos que lhe foram entregues no ato da celebração do contrato de cessão de créditos pela sociedade “B...”.

Conclusão:

A sociedade “B...”, com sede nas Bahamas é sócia da sociedade “A..., Lda.” desde a sua constituição (registo mais antigo Conservatória - 1958), conjuntamente com C... e D..., casado à data com E... . Nos contratos de cessão de créditos elaborados, C... e D... intervierem na qualidade de procuradores da sociedade “B...” e também na qualidade de beneficiários dos créditos cedidos, na sequência de empréstimos supostamente efetuados à sociedade “B...”, para esta emprestar à “A..., Lda” verificando-se pois, uma relação de proximidade entre as entidades envolvidas, o que supostamente facilitaria a recolha dos documentos solicitados.

No entanto, como foi explanado ao longo deste ponto, apesar de todas as diligências efetuadas no sentido de recolher a informação/documentação necessária para concluir que efetivamente estamos na presença de suprimentos, tal não foi possível, pois nas respostas recebidas foram alegadas as mais diversas situações para não esclarecerem e não apresentarem os elementos/esclarecimentos solicitados. Tendo sido utilizado argumentos como o fator antiguidade dos emprestimos, documentos destruidos ou furtados, prazos ultrapassados, nunca terem sido colocados em questão pela AT ou por qualquer outra entidade pública ou privada entre as outras situações já referidas.

Os elementos apresentados pelo sujeito passivo mostraram-se insuficientes para o esclarecimento dos factos em análise, pois não foram apresentados comprovativos das entregas financeiras, tais como fotocópias de cheques, extratos bancários, talões de depósitos ou outros elementos que evidenciem de forma clara, objetiva e inequivoca a entrada de meios financeiros nas contas da empresa nos anos em que os empréstimos em causa terão dado entrada na sociedade. Não ficou demonstrado que a sociedade “B...” tenha entregue o montante de €3.000.000,00, a titulo de empréstimos, à sociedade “A..., Lda”. Também não ficou demonstrado que C..., D... e E... tenham entregue qualquer importância à sociedade “B...”, concluindo-se que não ficou demonstrado a existência de qualquer empréstimo que justifique as entregas efetuadas pela “A..., Lda.” no montante de €3.000.000,00, a titulo de reembolso de suprimentos.

De acrescentar também que, nas notificações efetuadas foi mencionado que caso existissem dificuldades na recolha dos comprovativos financeiros, os notificados podiam, nos termos do art.º 9º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, art.º 63.º da Lei Geral Tributária e artigo 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira, conceder autorização à Administração Tributária, (juntou-se minuta para o efeito), para consultar ou solicitar diretamente às Instituições de Crédito, os documentos bancários relacionados com as operações em questão, não tendo no entanto, nas respostas às notificações, sido feita qualquer referência a esta possibilidade.

Como já foi referido, não foi possível confirmar que estamos na presença de empréstimos e que o montante de €3.000.000,00 entregue em 31-01-2018, a C..., D... e a E... (como se discrimina no quadro seguinte), na sequência das cessões de crédito efetuadas pela sociedade “B...”, foi entregue a titulo de reembolso de suprimentos, pelo que, face ao exposto, só podem ser considerados como adiantamentos por conta de lucros, à luz da alínea h), do n.º 2, do art.º 5º do CIRS.

 

O sujeito passivo ao efetuar entregas no valor total de €3.000.000,00, estava obrigado a efetuar a retenção na fonte à taxa liberatória de 28% nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRS, conjugado com o n.º 1 do art.º 98.º e da al. a), do n.º 2 do art.º 101.º do CIRS, no valor de imposto de €840.000,00 (€3.000.000,00 x 28%), mas não o fez, sendo o responsável originário pela importância não retida, e consequentemente, não entregue nos cofres do Estado.

Para efeitos do n.º 2, da al. a), do n.º 3 do artigo 7.º, do CIRS, considerou-se que os rendimentos foram colocados à disposição dos sócios, na data em que foi efetuado o pagamento, janeiro de 2018, momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação.

(...)

X. Direito de Audição

RELATÓRIO OI2022...

O sujeito passivo, na pessoa do seu mandatário, Sr. G... (NIF ...) foi notificado, conforme ofício nº DFLISBOA ... de 11/10/2022, do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, resultante do procedimento inspetivo ao exercício de 2018, nos termos do arto 60º da LGT – Lei Geral Tributária e do RCPITA – Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, para, no prazo de 15 dias, caso quisesse, exercer o direito de audição.

No dia 28/10/2022 (Entrada Geral nº 2022...) o mandatário do sujeito passivo veio a materializar o exercício do direito de audição, enviando petição para o efeito, contendo 21 quesitos (Anexo 12).

Da argumentação aduzida cumpre proceder, em síntese, ao seu enquadramento e análise:

Ponto 1 – Neste ponto a requerente faz a introdução ao direito de audição que teve por base o projeto de relatório elaborado na sequência da ação inspetiva instaurada com base na OI2022..., de âmbito parcial, respeitante a 2018, que originou uma proposta de correção a titulo de retenções na fonte de IRS no montante total de € 840.000,00.

Ponto 2 – A requerente neste ponto apenas transcreve parte do projeto de relatório onde são mencionados factos verificados, não tecendo qualquer consideração sobre os mesmos.

Pontos 3 a 5 – Nestes pontos a requerente faz o enquadramento histórico da empresa, embora os factos relatados nada acrescentem à justificação dos factos tributários em análise e que originaram as correções propostas.

Pontos 6 – Neste ponto é feita referência ao facto da sociedade “B...” ser sócia da requerente há mais de 30 anos e ter acompanhado as dificuldades sentidas ao longo dos anos, referindo ser normal, na perspetiva do sujeito passivo, que em 2017 a contabilidade apresente um montante de suprimentos prestados e acumulados de valor considerável. No entanto, não apresentou qualquer documento justificativo que comprove a entrega efetiva dos suprimentos em referência, apesar da sociedade e os seus sócios terem sido notificados para tal, nem porque razão considera ser uma situação normal.

Pontos 7 e 8 – Nestes pontos a requerente apenas apresenta o montante dos créditos da “B...” sobre a requerente e o montante e os beneficiários das cedências do crédito efetuadas, tal como descrito no Projeto de Relatório.

Pontos 9 a 15 – Nestes pontos a requerente refere factos, que alguns já mencionou anteriormente e que não trazem nada de novo que contrarie o projeto de relatório notificado à requerente, tais como a sociedade “B...” ser sócia da requerente há pelo menos 30 anos, os créditos em causa terem várias décadas, ter sido comprovado através dos extratos da contabilidade da requerente, que no ano de 2010 já ascendiam a € 4.843.869,49 e mantiveram-se inalterados até ao momento das cessões de créditos. Volta a ser referido que o crédito da sócia “B...”, no montante de €4.843.869,49 existiu e foi parcialmente cedido a C... a D... e a E..., sem contudo, terem sido exibidos mais documentos comprovativos, nomeadamente, cheques, transferências bancárias, do que os referidos no projeto de relatório.

Ponto 16 – Neste ponto a requerente refere que com os pagamentos efetuados os credores da requerente ficaram com uma grande parte dos seus créditos amortizados, não tendo apresentado qualquer documento comprovativo dos factos que originaram esses créditos e que legitimem as importâncias que lhe foram entregues pela requerente, como já referido.

Pontos 17 e 18 – Nestes pontos são feitas referências a algumas normas legislativas, nomeadamente ao facto dos registos contabilísticos dos pagamentos e os respetivos saldos estarem de acordo com as normas do SNC.

A requerente também menciona que “(...) a contabilidade goza, nos termos do artigo 44º do Código Comercial, de um valor probatório especial, sendo que, atenta a publicidade obrigatória dada por força do artigo 71º n.º 1 do CSC e artigo 3º n.º 1 al. n) do CRC, a informação dela contida encontra-se abrangida pela fé pública registral, graças à presunção de verdade dos factos objeto de registo, assim constituindo “presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida (artigo 11º do CRC).” No que concerne ao valor probatório especial a que alude o artigo 44.º do Código Comercial, o mesmo refere-se a factos de comércio entre comerciantes, o que não é o caso. Os restantes artigos mencionados incidem sobre a responsabilidade quanto à constituição das sociedades e dos factos sujeitos a registo referentes aos comerciantes e presunções derivadas do registo, não tendo esta legislação enquadramento objetivo face às correções propostas, nem podendo a sua simples menção permitir comprovar os factos tributários em causa, que carecem de prova documental no momento em que os direitos são exercidos. Refira-se também que, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, conforme preconiza o n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral tributária (LGT).

Ponto 19 – Neste ponto a requerente invoca a presunção de veracidade e boa fé da “...informação da contabilidade, regularmente comunicada à Autoridade Tributária em exercício das obrigações acessórias declarativas apresentadas nos termos previstos na lei, neste caso do regime da Informação Empresarial Simplificada ...” por força do disposto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT.

De referir que a presunção alegada pela requerente não se verifica, em conformidade com a alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, uma vez que o contribuinte não cumpriu com os deveres de esclarecimento da sua situação tributária, pois como consta do projeto de relatório, a Autoridade Tributária notificou a requerente e os seus sócios para apresentarem diversos elementos, nomeadamente os documentos comprovativos de que as importâncias entregues pela “A...” aos sócios foram efetivamente resultantes de empréstimos efetuados pela sociedade “B...” à requerente, que por sua vez também resultaram de empréstimos que os sócios da requerente efetuaram à sociedade “B...”, verificando-se que não foram apresentados quaisquer documentos que demonstrem e atestem o solicitado.

Pontos 20 e 21 – Nestes pontos a requerente finaliza as suas considerações alegando que “(...) não se vê como possa a Autoridade Tributária entender de forma diferente do aqui exposto, que além de resultar da contabilidade da Requerente, encontra-se espelhado em todas as declarações por si apresentadas ao longo dos anos” pedindo ser “(...) tratada em termos consentâneos com o princípio da legalidade e com respeito pelos valores da igualdade, da justiça e da imparcialidade no exercício da atividade administrativa, como manda o artigo 266.º, n.º 2 da CRP(...)”.

A contabilidade do sujeito passivo deve encontrar-se organizada segundo os sãos princípios da lei comercial, contabilística e fiscal, quer na perspetiva formal quer substancial, para que goze da presunção de veracidade. Ora, se do ponto de vista formal, foi efetuada ao longo dos anos a menção de valores ou saldos contabilísticos existentes nas contas da empresa e que transitaram sucessivamente, tal não invalida que em momentos posteriores, onde se concretizem operações de relevância fiscal com eles relacionados, não possa a Autoridade Tributária usar as suas prerrogativas legais, designadamente, previstas na LGT e no RCPITA, de forma a validar os meios de prova necessários para atestar e autenticar tais operações, do ponto de vista substancial, e na procura da verdade material subjacente, à luz dos princípios constitucionais que se invocam.

Face ao exposto, e efetuada uma análise pormenorizada da argumentação apresentada pela requerente na petição que materializou o direito de audição prévia e que está evidenciada nos pontos anteriores, verifica-se que a mesma não altera a fundamentação e as correções propostas e mencionadas no Projeto de Relatório já notificado ao sujeito passivo (na pessoa do seu mandatário, Dr. G...- Céd. Prof. ...L), nomeadamente, porque:

- Não foram apresentados comprovativos das entregas financeiras, tais como fotocópias de cheques, extratos bancários, talões de depósitos ou outros elementos que evidenciem de forma clara, objetiva e inequívoca a entrada de meios financeiros nas contas da empresa nos anos em que os empréstimos em causa terão dado entrada na sociedade.

- Não ficou demonstrado que a sociedade “B...” tenha entregue o montante de €3.000.000,00, a titulo de empréstimos, à sociedade “A..., Lda”.

- Não ficou demonstrado que C..., D... e E... tenham entregue qualquer importância à sociedade “B...”, concluindo-se que não ficou demonstrada a existência de qualquer empréstimo que justifique as entregas efetuadas pela “A..., Lda.” no montante de €3.000.000,00, a titulo de reembolso de suprimentos.

- Apesar de solicitado através de notificação, que fosse concedida autorização à Autoridade Tributária, (juntou- se minuta para o efeito), para consultar ou solicitar diretamente às Instituições de Crédito, os documentos bancários relacionados com as operações em questão, verificou-se também que nas respostas às notificações, não foi feita qualquer referência a esta possibilidade.

Deste modo e conforme também já foi referido anteriormente, não foi possível confirmar que estamos na presença de empréstimos e que o montante de €3.000.000,00 entregue em 31-01-2018, a C..., D... e a E..., na sequência das cessões de crédito efetuadas pela sociedade “B...”, foi entregue a titulo de reembolso de suprimentos, pelo que, face ao exposto, só podem ser considerados como adiantamentos por conta de lucros, à luz da alínea h), do n.º 2, do art.º 5º do CIRS.

  1. A sociedade B... e D..., subscreveram um documento datando-o de 21 de dezembro de 2017 (cfr. doc. junto com o PA):

“CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITOS

B..., sociedade constituída sob as leis da Comunidade das Bahamas, com sede social em ..., Bahamas, ..., ..., 2º andar, no na cidade do ..., Republica do Panamá, aí registada sob o n°..., pessoa colectiva com o NIPC ..., devidamente representada pelos seus Procuradores, com poderes para o acto, D..., casado, titular do C.C n°..., válido até 29/09/2019 e,  C..., solteiro, maior, portador do C.C n° ..., válido até 22/10/2019, ambos residentes na Av. ..., n° ..., em Lisboa, designada por 1ª OUTORGANTE; E

D..., casado, titular do C.C n°..., válido até 29/09/2019 designado por 2° OUTORGANTE;

A 1ª OUTORGANTE é detentora de créditos no valor de €4.343.869,49 (quatro milhões trezentos e quarenta e três mil oitocentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos) sobre a Sociedade denominada A..., LDA., com o número único ... (...) adiante designada para efeitos do presente contrato apenas por: "Sociedade":

Estes créditos foram sendo constituídos em várias parcelas que a 1ª OUTORGANTE entregou à Sociedade para esta fazer face às suas necessidades financeiras.

PRIMEIRA

1.. Pelo presente Acordo a 1ª OUTORGANTE cede ao 2° OUTORGANTE, e este aceita a cessão parcial dos créditos acima identificados, no montante exato de €1.250.000,00 (um milhão duzentos e cinquenta mil euros).

2. O preço da cessão é igual a o seu valor nominal e é pago nesta data pelo 2° OUTORGANTE à 1ª OUTORGANTE com a assinatura deste contrato, mediante compensação com o crédito que o 2º OUTORGANTE detém sobre a 1ª OUTORGANTE, por lhe ter emprestado anteriormente para que esta prestasse suprimentos à Sociedade.

SEGUNDA

1. A 1ª OUTORGANTE entregou neste acto ao 2º OUTORGANTE todos os documentos que se encontram na sua posse que titulam o crédito ora cedido.

2. Os créditos cedidos, são-no com todas as garantias acessórias do direito transmitido.

(...)”.

k) A sociedade B... e C..., subscreveram um documento datando-o de 21 de dezembro de 2017, (cfr. doc. junto com o PA):

“B..., sociedade constituída sob as leis da Comunidade das Bahamas, com sede social em ..., Bahamas,  ..., ..., ..., no na cidade do Panamá, Republica do Panamá, aí registada sob o n°..., pessoa colectiva com o NIPC..., devidamente representada pelos seus Procuradores, com poderes para o acto, D..., casado, titular do C.C n°..., válido até 29/09/2019 e,  C..., solteiro, maior, portador do C. n° ..., válido até .22/10/2019, ambos residentes na Av. ..., n°..., em Lisboa, adiante designada por 1ª OUTORGANTE; E

C..., solteiro, maior, natural da freguesia de ..., Concelho de Lisboa, NIF..., portador do cartão de cidadão número ..., válido até 22/10/2019, residente na Av. ...-..., em Lisboa, adiante designado por 2° OUTORGANTE;

A 1ª OUTORGANTE é detentora de créditos no valor de €4.343.869,49 (quatro milhões trezentos e quarenta e três mil oitocentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos) sobre a Sociedade denominada A..., LDA., com o número único ... (...) adiante designada para efeitos do presente contrato apenas por: "Sociedade":

Estes créditos foram sendo constituídos em várias parcelas que a 1ª OUTORGANTE entregou à Sociedade para esta fazer face às suas necessidades financeiras.

PRIMEIRA

1.. Pelo presente Acordo a 1ª OUTORGANTE cede ao 2° OUTORGANTE, e este aceita a cessão parcial dos créditos acima identificados, no montante exato de €1.250.000,00 (um milhão duzentos e cinquenta mil euros).

2. O preço da cessão é igual a o seu valor nominal e é pago nesta data pelo 2° OUTORGANTE à 1ª OUTORGANTE com a assinatura deste contrato, mediante compensação com o crédito que o 2º OUTORGANTE detém sobre a 1ª OUTORGANTE, por lhe ter emprestado anteriormente para que esta prestasse suprimentos à Sociedade.

SEGUNDA

1. A 1ª OUTORGANTE entregou neste acto ao 2º OUTORGANTE todos os documentos que se encontram na sua posse que titulam o crédito ora cedido.

2. Os créditos cedidos, são-no com todas as garantias acessórias do direito transmitido.”

l) A sociedade B... e E... subscreveram um documento datando-o de 28 de novembro de 2017, (cfr. doc. junto com o PA):

“B..., sociedade constituída sob as leis da Comunidade das Bahamas, com sede social em..., Bahamas, ..., ..., ..., no na cidade do Panamá, Republica do Panamá, aí registada sob o n° ... , pessoa colectiva com o NIPC..., devidamente representada pelos seus Procuradores, com poderes para o acto, D..., casado, titular do C.C n°..., válido até 29/09/2019 e, C..., solteiro, maior, portador do C. n° ..., válido até .22/10/2019, ambos residentes na ..., n°..., em Lisboa, adiante designada por 1ª OUTORGANTE; E

E..., natural da Holanda, divorciada, NIF..., titular do Passaporte n° ..., válido até 25/01/2026, emitido pelas entidades competentes da Holanda, residente na Rua..., n° ..., ...-... Lisboa, adiante designada por 2ª OUTORGANTE;

A) A 1ª OUTORGANTE é detentora de créditos no valor de €4.843.869,19 (quatro milhões oitocentos e quarenta e três mil oitocentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos) sobre a Sociedade denominada A..., LDA., com o número único ... de pessoa coletiva e de matrícula na Conservatória do Registo Comercial, com sede na ... ... A, na freguesia dos ..., concelho de Lisboa, com o capital social de dois milhões novecentos e noventa e dois mil setecentos e oitenta e sete euros e quarenta cêntimos, adiante designada para efeitos do presente contrato apenas por: "Sociedade";

B) Estes créditos foram sendo constituídos em várias parcelas que a 1ª OUTORGANTE entregou à Sociedade para esta fazer face às suas necessidades financeiras.

E livre e esclarecidamente ajustado e aceite o presente Contrato, a que as partes mútua e reciprocamente se vinculam nos termos das cláusulas seguintes:

PRIMEIRA

1. Pelo presente Acordo a 1ª OUTORGANTE cede à 2ª OUTORGANTE, e esta aceita a cessão parcial dos créditos acima identificados, no montante de exato de E 500.000,00 (Quinhentos mil euros).

2. O preço da cessão é igual ao seu valor nominal e é pago nesta data pela 2ª OUTORGANTE à 3ª OUTORGANTE com a assinatura deste contrato, mediante compensação com o crédito que a 2ª OUTORGANTE detinha sobre o seu ex-marido D... .

3. Parte dos financiamentos prestados pela 1ª OUTORGANTE à Sociedade foram financiados por meios que a ora 2ª OUTORGANTE emprestou ao então seu marido, D... e que este, por sua vez, emprestou a 3ª OUTORGANTE.

SEGUNDA

1. O signatário D..., por sua vez, efectiva nesta data compensação entre os seus créditos sobre a 1ª OUTORGANTE e o valor da cessão ora efectuada.

2. Os termos da cessão de créditos realizada entre D... e a 1ª OUTORGANTE, constam de documento autónomo.

TERCEIRA

1 A 1ª OUTORGANTE entregou neste acto à 2ª OUTORGANTE todos os documentos que se encontram na sua posse que titulam o crédito ora cedido.

2. Os créditos cedidos, são-no com todas as garantias acessórias do direito transmitido.

(...)

m) A Requerente foi notificada da liquidação adicional de retenção na fonte IRS n.º 2022... .

n) A Requerente apresentou reclamação graciosa relativamente às identificadas liquidações que foi tramitada sob o n.º ...2022..., a qual foi objeto de indeferimento, por despacho de 05-06-2023, notificado à Requerente por ofício expedido, por registo postal, em, 07-06-2023.

 

3.2. Factos não provados

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:

- que a B... é detentora de créditos no valor de €4.843.869,19 (quatro milhões oitocentos e quarenta e rês mil oitocentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos) sobre a Sociedade denominada A..., Lda.,

- que os cheques emitidos pela Requerente, referidos em b) dos factos provados, constituam reembolsos de empréstimos feitos pelos sócios C..., D... e entre este e E..., à sociedade B...;

 

3.3. Fundamentação da matéria de facto

O Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria de facto alegada, mas antes selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada, conforme artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.

Tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, como prevê o artigo 110.º

do CPPT, relativa à prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para

a decisão, os factos supra elencados.

 

4. Matéria de Direito

O objeto do pedido consiste na análise da legalidade da liquidação de retenção de IRS respeitante ao ano de 2018, com o n.º 2022 ... de 23-11-2022, e da liquidação de juros compensatórios n.º 2022 ..., materializada na nota de acerto de contas n.º 2022..., tudo no montante de € 998.150,13 e do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... .

 

a) Quanto à alegada presunção de veracidade de que gozam os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita da sociedade, quando estiverem organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal

A Requerente alega que as “Liquidações aqui impugnadas, que se baseiam na desconsideração de elementos da contabilidade da Requerente, a qual é fundamentada, não em quaisquer factos novos ou em material probatório entretanto extraído do cumprimento do dever que sobre a administração impende de “realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido” (artigo 58º da LGT),

mas antes – como referia o projeto de decisão – na singela constatação de que, não obstante toda a informação ao seu dispor, “não foi possível confirmar que estamos na presença de empréstimos (…) e que o montante de € 3.000.000 entregue em 31-01-2018 (…), foi entregue a título de reembolso de suprimentos, pelo que, face ao exposto, só podem ser considerados como adiantamentos por conta de lucros”.

E como não foi possível confirmar, convenientemente resolve a Autoridade Tributária “entender”, na decisão de indeferimento aqui junta como doc. nº. 1, no sentido da existência de uma putativa “presunção de “falsidade” da contabilidade da reclamante” (doc. 1, página 6) (!).”

 

A Requerida afirma que: “De acordo com o ponto “X. Direito de Audição” do RIT, a “(...) presunção alegada pela requerente não se verifica, em conformidade com a alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo (75º LGT), uma vez que o contribuinte não cumpriu com os deveres de esclarecimento da sua situação tributária, (...)”.

O método regra para apuramento da matéria tributável/situação tributária do sujeito passivo assenta nas declarações entregues voluntariamente pelos contribuintes, nos termos do n.º 1 do art.º 75.º da LGT, presumindo-se a sua boa-fé, no entanto, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, esta presunção não se verifica quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Ora, as correções em causa foram apuradas com base nos dados inscritos na contabilidade da reclamante, nomeadamente, aos extratos das contas “253202”, “253203”, “253205” e “121” e dos respetivos documentos de suporte, que gozam de uma presunção de veracidade, pelo que, não se verifica uma situação de fundada dúvida sobre o facto tributário, conforme alega”.

 

Vejamos

 

A contabilidade dos sujeitos passivos, desde que se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, goza da presunção de veracidade.

Nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), o contribuinte beneficia da presunção de veracidade das suas declarações fiscais e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

Dispõe o artigo 75.º, n.º 2 LGT:

Declaração e outros elementos dos contribuintes

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

Como resulta do RIT, ficou provado que a AT pediu esclarecimentos à Requerente, aos sócios e a E..., e estes não deram esclarecimentos suficientes a provar os empréstimos à sociedade B... .

A prova da existência dos empréstimos feitos à sociedade competia à Requerente, o que permitiria a não sujeição dos pagamentos efetuados às retenções na fonte, à taxa liberatória de 28%, prevista no artigo 71.º, n.º 1, a), do CIRS, ilidindo, deste modo, a presunção, prevista no artigo 6.º, n.º 4, do CIRS, de que tais pagamentos correspondiam a lucros ou adiantamento por conta dos lucros.

Os contratos de cessão de créditos são válidos, dado que o n.º 1 do artigo 577.º do Código Civil preceitua apenas que “o credor pode ceder a terceiro, uma parte ou a totalidade do seu crédito independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita pela determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”, porém não logram fazer a prova da existência de quaisquer contratos de mútuo a eles subjacentes.

 

Pelo exposto, não assiste razão à Requerente.

 

b) Do dever de investigar para o apuramento da verdade material.

A Requerente defende, em síntese, que os SIT não cumpriram o dever de investigar para o apuramento da verdade material.

“66. Assim, mesmo que a Requerente se tenha disponibilizado para fornecer todos os documentos de que dispõe para esclarecer a situação, a verdade é que a Autoridade Tributária não só desconsiderou qualquer um desses meios de prova,

67. como prescindiu da vasta panóplia de poderes de investigação de que dispõe (artigo 63º-B e 88º da LGT) – para os quais pode lançar mão no exercício dos seus poderes de autoridade – assim violando o princípio do inquisitório e o dever de investigação com vista à descoberta da verdade material, ambos previstos no atrás citado artigo 58º da LGT.

68. Com efeito, cumpre sublinhar que “Os actos a adoptar no procedimento serão os adequados aos objectivos a atingir” (artigo 46º do CPPT),

69. sendo certo também que “No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares” (artigo 50º do CPPT).

70. Pelo que no caso em apreço, não se podia, por um lado, considerar não ter sido possível confirmar factos que a lei manda presumir e de outro, prescindir de procurar a prova de outros

71. e ainda se abster de juntar ao processo administrativo evidencia de ter sido realizada qualquer diligência para a recolha de elementos de prova que contrariassem essa presunção.

72. Naturalmente que as consequências resultantes da falta de cumprimento do dever de investigação com vista à descoberta da verdade material que o legislador coloca a cargo da administração fiscal (artigo 58º da LGT) devem correr por conta desta e não por conta do contribuinte Requerente,

73. que in casu tinha os saldos suprimentos em causa regularmente registados na sua contabilidade, os quais além antigos sempre estiveram durante décadas e seguramente há mais de dez anos reiteradamente presentes nas demonstrações financeiras anuais apresentadas pela Requerente,

74. e também repetidamente presentes tanto nas suas prestações de contas registadas como nas declarações de Informação Empresarial Simplificada ao longo dos anos comunicadas nos termos da lei à Autoridade Tributária.

75. Saldos esses que – sublinhe-se – à medida em que a Requerente foi amortizando a divida através dos pagamentos devidos aos sócios credores (que a AT em nenhum momento coloca em causa), foram regularmente e nessa exata medida reduzidos nos montantes correspondentes.

76. Por isso, não tendo a Administração Tributária realizado qualquer diligência para averiguar se o invocado pela Requerente correspondia à realidade, e não tendo sequer juntado qualquer elemento de prova suscetível de contrariar a veracidade dos elementos da contabilidade, verifica-se a manifesta violação do acima enunciado princípio do inquisitório, violação essa que justifica a anulação da liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 163º, n.º 1 do CPA, o que aqui se requer.

(...)

82. Termos em que não se vê como se possa entender de forma diferente do aqui exposto, que além de resultar da contabilidade da Requerente, encontra-se espelhado em todas as declarações por si apresentadas ao longo dos anos e nas contas por si levadas a registo comercial.”

 

Na Resposta a Requerida alega que o princípio da verdade material é um dos princípios norteadores dos serviços de inspeção tributária e previsto no artigo 6.º do RCPITA, art.º 266º da CRP e inscrito em várias normas que regem a atividade administrativa (13º do CPPT, e 55º, 59º, 63º nº 1 e 99º da LGT bem como os artigos 58º, 115º e segs. do CPA), em que “o procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo”.

De referir que a citada norma é uma regra de conduta imperativa que deve nortear a atuação da equipa de inspeção tributária, devendo, estes serviços, realizar todas diligências necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar poderem ser contrários aos interesses patrimoniais que à Administração Tributária cabe defender.

A qual se manifesta sobretudo através do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, que faz impender sobre a AT o efetivo dever de averiguar todos os factos no âmbito do procedimento tributário.

Contudo, não se deve confundir o princípio do inquisitório com o ónus da prova, dado que o dever de a administração tributária descobrir, por si própria, a verdade factual no âmbito do procedimento tributário, não se sobrepõe ao ónus de prova dos factos que cabem aos contribuintes.
Com efeito, decorre do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, e nos termos do n.º 2 do artigo 48.º do CPPT, “o contribuinte cooperará de boa-fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso.”

Ora, no caso aqui em concreto, os SIT verificaram na contabilidade da Reclamante que (Cfr. Ponto V do RIT):

- Foram “contabilizados a crédito nas contas (253202, 253203 e 253205), no valor total de €3.000.000,00;

- Estes “créditos” que tiveram origem em três contratos de cedência de créditos efetuadas pela sócia “B...”, em 2017, permitiram a entrega dos referidos valores às pessoas antes identificadas; - Em termos contabilísticos, os referidos créditos, foram transferidos (registo contabilístico 1200019 de 31 de dezembro) para a conta 253202 –C..., o montante de €1.250.000,00, para conta 253203 –D..., o montante de €1.250.000,00 e para a conta 253205 –E..., o montante de €500.000,00.”

E, “não ficou demonstrada a existência de qualquer empréstimo que justificasse as entregas efetuadas pela “A..., Lda.” no montante de €3.000.000,00, a título de reembolso de suprimentos, uma vez que apesar de solicitado através de notificação:(Cfr. Ponto X do RIT)
i) que fosse concedida autorização à Autoridade Tributária, (juntou-se minuta para o efeito), para consultar ou solicitar diretamente às Instituições de Crédito, os documentos bancários relacionados com as operações em questão, verificou-se também que nas respostas às notificações, não foi feita qualquer referência a esta possibilidade;

ii) não foram apresentados comprovativos das entregas financeiras, tais como fotocópias de cheques, extratos bancários, talões de depósitos ou outros elementos que evidenciassem de forma clara, objetiva e inequívoca a entrada de meios financeiros nas contas da empresa nos anos em que os empréstimos em causa terão dado entrada na sociedade.

Conforme o exposto, foram solicitados esclarecimentos no sentido de trazer prova adicional aos autos, a fim de confirmar ou revogar os factos constatados, no entanto, a reclamante, não facultou qualquer documento de suporte ou resposta ao solicitado de forma a abalar e afastar a versão dos SIT, ónus que lhe cabia. Assim, não o tendo feito, ficou por demonstrar que a correção efetuada pelos SIT viola os princípios da verdade material e da certeza jurídica”.

 

Vejamos

 

Da análise do RIT, temos de concluir que os SIT solicitaram à Requerente e aos outorgantes dos contratos de cessão de créditos a entrega dos documentos comprovativos dos empréstimos, que não foram apresentados.

A AT realizou as diligências probatórias “necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material”, de modo exaustivo, como se percebe através do excerto do RIT acima transcrito, pelo que observou o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58.º da LGT.

No caso, a Requerente não cumpriu o dever de colaboração ao longo de todo o procedimento inspetivo e, além de alegar factos não os provou quer em sede do procedimento de Inspeção Tributária quer neste Processo Arbitral, pelo que não lhe assiste razão.

 

c) Da obrigação de manter, para além do limite temporal legal, os documentos de suporte à contabilidade

 

A Requerente alega que:

  1. a “B...” é sócia da Requerente há mais de trinta anos, detendo desde algures nos anos noventa mas com toda a certeza desde antes de 2010 suprimentos no montante de € 4.831.646,22 (doc. nº. 2), montante esse que em 2017 essencialmente ainda detinha (doc. nº. 3); de igual modo, os restantes sócios: C... deteve desde antes de 2010 suprimentos no montante de € 975.729,18 (doc. nº. 4), montante esse que em 2017 essencialmente ainda detinha (doc. nº. 3); D... deteve desde antes de 2010 suprimentos no montante de € 767.594,69 (doc. nº. 5), montante esse que em 2017 essencialmente ainda detinha (doc. nº. 3);
  2. como resulta dos contratos anexos ao relatório de inspeção, em 2017 a sócia “B...”, detendo créditos sobre a Requerente, regularmente refletivos na sua contabilidade, no montante de €4.843.869,41 (doc. nº. 3), procedeu a três cedências de parte de tal crédito: uma parte, no montante de €1.250.000,00, cedeu a C..., montante que acresceu ao seu total de suprimentos (doc. nº. 6); outra, no montante de € 1.250.000,00, cedeu a D..., montante que acresceu ao seu total de suprimentos (doc. nº. 6); e outra, no montante de €500.000,00, cedeu a E..., que por via dessa cedência ficou com igual montante de suprimentos (doc. nº. 6);
  3. as entregas feitas em 2017 (doc. nº. 6) e – para o que aqui interessa – as entregas feitas em 2018 aos titulares de suprimentos foram realizadas a título de reembolso de suprimentos, motivo porque no final desse ano, os sócios detinham os seguintes saldos das suas contas de suprimentos: “B...”, o montante de € 1.343.869,49 (doc. nº. 7); C..., o montante de € 0 (doc. nº. 7); D..., o montante de € 19.390,21 (doc. nº. 7);  E... o montante de € 0 (doc. nº. 7).

E sabemo-lo porque além dos contratos assinados, conhecemos os fluxos financeiros através do sucedido na contabilidade da Requerente, onde esses fluxos ficaram espelhados de acordo com as normas aplicáveis do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei nº. 158/2009 de 13 de julho e respetivos instrumentos de implementação.

Donde, como resulta da contabilidade da Requerente, o crédito da sócia “B...” no montante de €4.843.869,49 existiu, esse crédito foi parcialmente objeto de cessão a C..., a D... e a E..., e mediante os pagamentos feitos pela Requerente a estes credores se amortizaram na exata medida os respetivos créditos, que assim diminuíram em montante equivalente, com o registo contabilístico desses pagamentos feito e os saldos respetivos atualizados em conformidade de acordo com as normas aplicáveis do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei nº. 158/2009 de 13 de julho e respetivos instrumentos de implementação.”

 

4.2. Posição da Requerida

Alega a Requerida que:

“Sobre a factualidade objecto de pedidos de esclarecimento por parte da Inspeção Tributária, a mesma não foi esclarecida nos moldes que se entende serem os exigíveis em face das circunstâncias alegadas, salientando-se das respostas dadas o facto de as mesmas não concretizarem minimamente os montantes que sucessivamente teriam sido emprestados a título de suprimentos e as respectivas datas, por forma a justificar o montante total em causa, nem o contexto em que esses empréstimos/suprimentos foram ocorrendo, não se afigurando razoável, em face dos montantes envolvidos e do decurso do tempo que é invocado, que os sócios não tenham qualquer documento justificativo das sucessivas entregas efectuadas ao longo de tantos anos por forma a acautelar o seu direito à restituição das mesmas, fosse troca de correspondência, deliberações sociais, cheques, extractos bancários ou qualquer outro suporte, ainda que como simples auxiliar de memória, tal como resulta do que a seguir se transcreve do Relatório Final:

A sociedade “B...”, com sede nas Bahamas é sócia da sociedade “A..., Lda.” desde a sua constituição (registo mais antigo Conservatória - 1958), conjuntamente com C... e D..., casado à data com E... . Nos contratos de cessão de créditos elaborados, C... e  D... intervierem na qualidade de procuradores da sociedade “B...” e também na qualidade de beneficiários dos créditos cedidos, na sequência de empréstimos supostamente efetuados à sociedade “B...”, para esta emprestar à “A..., Lda” verificando-se pois, uma relação de proximidade entre as entidades envolvidas, o que supostamente facilitaria a recolha dos documentos solicitados.

No entanto, como foi explanado ao longo deste ponto, apesar de todas as diligências efetuadas no sentido de recolher a informação/documentação necessária para concluir que efetivamente estamos na presença de suprimentos, tal não foi possível, pois nas respostas recebidas foram alegadas as mais diversas situações para não esclarecerem e não apresentarem os elementos/esclarecimentos solicitados. Tendo sido utilizado argumentos como o fator antiguidade dos empréstimos, documentos destruídos ou furtados, prazos ultrapassados, nunca terem sido colocados em questão pela AT ou por qualquer outra entidade pública ou privada entre as outras situações já referidas. Os elementos apresentados pelo sujeito passivo mostraram-se insuficientes para o esclarecimento dos factos em análise, pois não foram apresentados comprovativos das entregas financeiras, tais como fotocópias de cheques, extratos bancários, talões de depósitos ou outros elementos que evidenciem de forma clara, objetiva e inequivoca a entrada de meios financeiros nas contas da empresa nos anos em que os empréstimos em causa terão dado entrada na sociedade. Não ficou demonstrado que a sociedade “B...” tenha entregue o montante de €3.000.000,00, a titulo de empréstimos, à sociedade “A..., Lda”. Também não ficou demonstrado que C..., D... e E... tenham entregue qualquer importância à sociedade “B...”, concluindo-se que não ficou demonstrado a existência de qualquer empréstimo que justifique as entregas efetuadas pela “A..., Lda.” no montante de €3.000.000,00, a titulo de reembolso de suprimentos.

De acrescentar também que, nas notificações efetuadas foi mencionado que caso existissem dificuldades na recolha dos comprovativos financeiros, os notificados podiam, nos termos do art.º 9º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, art.º 63.º da Lei Geral Tributária e artigo 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira, conceder autorização à Administração Tributária, (juntou-se minuta para o efeito), para consultar ou solicitar diretamente às Instituições de Crédito, os documentos bancários relacionados com as operações em questão, não tendo no entanto, nas respostas às notificações, sido feita qualquer referência a esta possibilidade.

 

Vejamos

 

O artigo 123.º, n.º 2 do CIRC, determina que todos os lançamentos contabilísticos devem de estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário.

O artigo 130.º do CIRC, dispõe que “Os sujeitos passivos de IRC, com exceção dos isentos nos termos do artigo 9.º, são obrigados a manter em boa ordem, durante o prazo de 10 anos, um processo de documentação fiscal relativo a cada período de tributação, ..., com os elementos contabilísticos e fiscais a definir por portaria do membro do Governo ...”

Concordamos com a Requerida quando afirma que, “está em causa um facto tributário ocorrido no período de tributação de 2018 e o dever de fazer prova do mesmo, ónus que lhe cabia, este não poderia prescindir dos documentos que estariam na base de possíveis reembolsos de suprimentos efetuados e dos demais documentos que serviram de suporte aos lançamentos contabilísticos, por forma a avaliar e validar os requisitos legais da sua pretensão diante da Administração Fiscal.

Assim, o decurso do prazo estabelecido na lei para conservação dos arquivos contabilísticos, não deve ser um fator desonerador da atividade probatória do contribuinte, na medida em que a omissão de apresentação da documentação relativa aos factos contabilísticos abrangidos por este prazo não impede o reconhecimento do carácter fundamentado e comprovado desses factos.

Quer isto dizer que, apesar de os valores terem sido entregues pelos sócios há mais dos alegados 30 anos, muito para além dos prazos antes referidos, os documentos de suporte à constituição desses “financiamentos”, deveriam constar no dossier fiscal por se afigurarem relevantes para fazer prova do pretendido.

Nesta sequência, não tendo a reclamante demostrado junto dos serviços da AT, quer em sede de procedimento inspetivo, quer agora em sede de reclamação graciosa, que as entregas aos sócios teriam sido a título de reembolso de suprimentos, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, afigura-se-nos ser de manter a liquidação adicional originada pelas correções efetuadas pelos SIT, referentes ao exercício de 2018.

 

Pelo exposto não assiste razão à Requerente, uma vez que não apresenta quaisquer documentos que justificam o facto tributário ocorrido no período de tributação de 2018.

 

d) Do enquadramento jurídico-tributário de movimentos financeiros efetuados a favor dos sócios da Requerente, no montante total de € 3.000.000,00, - a presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS

No Relatório de Inspeção Tributária consta que:

“Da análise aos extratos das contas “253202 -C...”, “253203 –D...”, “253205 – E...” e “121 –...” e aos respetivos documentos de suporte, verifica-se que em janeiro de 2018 a sociedade “A..., Lda.” emitiu dois cheques, no valor de €1.250.000,00 cada, para C... e para D..., e um outro cheque no valor de €500.000,00 para E...”;

- (...) não foi possível confirmar que estamos na presença de empréstimos e que o montante de €3.000.000,00 entregue em 31-01-2018, a C..., D... e a E..., na sequência das cessões de crédito efetuadas pela sociedade “B...”, foi entregue a titulo de reembolso de suprimentos, pelo que, face ao exposto, só podem ser considerados como adiantamentos por conta de lucros, à luz da alínea h), do n.º 2, do art.º 5º do CIRS, e

Em suma, está em causa nos autos o enquadramento jurídico-tributário de movimentos financeiros efectuados a favor dos sócios da Requerente, no montante total de € 3.000.000,00, movimentos estes que, de acordo com o disposto no art. 6º, nº 4. do CIRS, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, excepto se a presunção for ilidida por prova em contrário.

Em face do alegado pela Requerente, e de acordo com o ónus probatório que sobre ela impende, cabe- lhe fazer a demonstração de que esses movimentos financeiros correspondem a reembolsos de suprimentos, demonstração esta que a Requerida entende não foi minimamente realizada.

A presunção legal contida naquele normativo pressupõe a demonstração pela AT dos movimentos financeiros a favor dos sócios, realidade que consta devidamente demonstrada na contabilidade da Requerente e que esta não impugnou, constituindo, por conseguinte, matéria de facto assente nos autos.

Efectuada esta prova pela AT, cabe à Requerente a demonstração, conforme por ela alegado, de que as referidas importâncias foram creditadas aos sócios a título de restituição de suprimentos.

O princípio do inquisitório, orientado para a descoberta da verdade material, é moldado pelo legislador em conformidade com as situações objecto de verificação, não sendo exigível à AT que demonstre uma factualidade cujo conhecimento e documentação comprovativa se encontra na esfera da Requerente,

E sobretudo quando é sobre a Requerente que impende o ónus de comprovar o alegado em face da presunção legal contida no nº 4 do art. 6º do CIRS.

Contrariamente à generalidade das situações em que a fundada dúvida quanto ao facto tributário opera a favor do contribuinte, nos termos do art. 100º do CPPT, na situação dos autos estamos perante uma presunção legal que determina, em caso de dúvida, que se conclua a desfavor do contribuinte.”

 

Vejamos

 

Face à inexistência de documentos de suporte da contabilidade existem dúvidas sobre a realidade dos factos alegados e cuja prova pertencia à Requerente com vista à elisão da presunção do artigo 6.º n.º 4 do CIRS que determina: “os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros”.

Está em causa a aplicação de uma presunção, que é definida no 349.º do Código Civil: “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

A presunção em análise determina que os “lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais (…), presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros” – artigo 6.º, n.º 4 do CIRS.

Nos presentes autos, a Requerente invoca no sentido da não aplicação da presunção que os lançamentos em contas dos seus sócios derivavam de empréstimos realizados pela sociedade B..., que cedeu parte dos seus créditos às pessoas identificadas.

Considerando a presunção estabelecida no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, compete à Autoridade Tributária provar a existência da base da presunção: no caso, os lançamentos a débito dos sócios escriturados pela Requerente. Não compete à AT, designadamente, “demonstrar a existência dos factos que levem à presunção de que os lançamentos a débito do sócio constituem adiantamento de lucros”. É que, se a demonstração a fazer pela AT fosse já dirigida a que os referidos lançamentos a débito fossem considerados adiantamento de lucros, não seria necessária a citada presunção.

Por outro lado, a Requerente não provou a existência de qualquer contrato de empréstimo (suprimento) entre si e a sociedade B..., e não foram registados quaisquer juros pelos alegados empréstimos concedidos.

Assim, por efeito da referida regra de direito probatório material, cabe à Administração Tributária a prova da base da presunção, isto é, a prova da existência dos lançamentos, ao passo que ao sujeito passivo (a Requerente) cabe a prova dos factos que ilidam essa presunção, e, portanto, a demonstração de que os lançamentos resultam (no caso) de empréstimos, não obstante a alegação do tempo decorrido desde a data em que os empréstimos foram realizados.

Há que concluir pela inexistência, por falta de prova, de contratos de empréstimo (suprimentos e/ou mútuo) celebrados entre a Requerente e a B... e entre esta e os seus sócios mencionados e entre o sócio D... e sua ex-mulher E..., o que significa que aos lançamentos feitos por aquela nas contas correntes dos seus sócios e de E..., terá de aplicar-se a presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, pelo que o valor de €3.000 000 deve ser tributável em IRS, em virtude dos artigos 5.º n.º 1 e 2 alínea h) e 6.º n.º 4, atendendo aos contratos de cessão de créditos mencionados.

O sujeito passivo ao emitir cheques no valor total de €3.000.000,00, a favor dos sócios C... e de E..., tendo por base esses contratos de cessão de créditos para compensar o empréstimo realizado pela sua sócia, sociedade B..., estava obrigado a efetuar a retenção na fonte à taxa liberatória de 28% nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, conjugado com o n.º 1 do art.º 98.º e da al. a), do n.º 2 do art.º 101.º do CIRS, no valor de imposto de €840.000,00 (€3.000.000,00 x 28%).

A Requerente, ao não ter realizado esta retenção na fonte de IRS, é a responsável originária pela importância não retida, e consequentemente, pela não entregue nos cofres do Estado.

 

Pelo exposto este Tribunal Arbitral tem de concluir dada a falta de prova, pela não existência de contratos de empréstimo celebrados entre ela e a sociedade B... e entre esta e os seus sócios C... e D... e entre este e a sua ex-mulher E..., o que significa que aos lançamentos feitos pela Requerente nas contas correntes dos seus sócios e de E..., que alegadamente se fundam nos contratos de cessão de créditos supra mencionados, terá de aplicar-se a presunção do já referido do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, daí as importâncias em causa serem tributáveis em IRS, em virtude dos artigos 5.º n.º 1 e 2 alínea h) e 6.º n.º 4, e objeto de retenção na fonte, nos termos dos artigos 71.º n.º 1 alínea c) e 98.º do mesmo Código e, atento o disposto no artigo 7.º n.º 3 alínea a) e n.º 2 do mesmo Código - que, no aspeto temporal do pressuposto objetivo, estabelece a colocação à disposição como momento relevante para a sujeição a tributação - as datas para a tributação, no caso sub judice, são as datas em que foram feitos os lançamentos dos quantitativos nas contas do sócio gerente, e com as taxas então vigentes.

Os documentos particulares que titulam as cessões de créditos não provam a existência e validade dos alegados contratos de empréstimo.

A análise dos cheques juntos com o PA, emitidos pela Requerente em 2018, não permitem só por si, estabelecer uma relação contratual e concluir que se trata de devoluções de quantias recebidas pela sociedade e objeto de cessão de créditos, em 2017, dado que inexiste a prova da celebração de contratos de mútuo, designadamente, fotocópias de cheques, extratos bancários, talões de depósitos ou outros elementos que evidenciem de forma clara, objetiva e inequivoca a entrada de meios financeiros nas contas da empresa nos anos em que os empréstimos em causa terão dado entrada na sociedade.

Assim, incumbindo à Requerente o ónus da elisão da identificada presunção não produziu prova capaz de demonstrar a ilegalidade das liquidações efetuadas pela AT.

De referir que o artigo 6º, n.º 4 do CIRS prevê um ónus especial da prova ao contribuinte, afastando a aplicação da regra geral prevista no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.

É de referir ainda o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT que determina: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque CPPT. No Código Civil, quanto a ónus da prova, determina o artigo 342.º, n.º 1 que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Em coerência, dispõe o artigo 414.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29, n.º 1, al. e) do RJAT, sob a epígrafe “Princípio a observar em casos de dúvida”, que “A dúvida sobre a realidade de um facto (...) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”.

 

De referir ainda que nas notificações efetuadas foi mencionado que caso existissem dificuldades na recolha dos comprovativos financeiros, a Requerente e os notificados podiam, nos termos do artigo 9.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, art.º 63.º da Lei Geral Tributária e artigo 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira, conceder autorização à Administração Tributária, tendo os SIT juntado minuta para o efeito, para consultar ou solicitar diretamente às Instituições de Crédito, os documentos bancários relacionados com as operações em questão, não tendo no entanto, nas respostas às notificações, sido feita qualquer referência a esta possibilidade.

 

d) Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

A liquidação de juros compensatórios tem como fundamento a falta de retenção na fonte do imposto IRS que é considerado devido pelo tribunal pelo que é de manter a sua exigência pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Em face de tudo o exposto conclui-se pela legalidade da atuação da AT, das liquidações de IRS e de juros compensatórios e pela legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... e, em consequência, pela improcedência do pedido arbitral.

 

5. Decisão

Em face do exposto o Tribunal decide o seguinte:

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral mantendo, em consequência, na ordem jurídica as liquidações de IRS respeitante ao ano de 2018, com o nº. 2022 ... de 23-11-2022, e da liquidação de juros compensatórios nº. 2022..., tudo no montante de € 998.150,13 e o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022...;

a) Absolver a Requerida do pedido;

b) Condenar a Requerente nas custas do Processo.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do RCPAT, fixa-se ao processo o valor de € 998.150,13, por ser esse o indicado pela Requerente e não contestado.

 

7. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €. 13.770,00, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, que ficam a cargo Requerente.

Notifique-se

 

Lisboa, 2 abril de 2024

 

Os Árbitros

 

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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente, Relatora)

 

 

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(Jesuíno Alcântara Martins, Adjunto)

 

 

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(António Alberto Franco, Adjunto)