Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 429/2023-T
Data da decisão: 2023-12-14  IRS  
Valor do pedido: € 14.600,34
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS); opção por contabilidade organizada, opção pela tributação de harmonia com o regime de contabilidade organizada.
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SUMÁRIO:

1. As declarações apresentadas pelos contribuintes gozam de presunção de verdade e de boa-fé, quando apresentadas nos termos previstos na lei e relativamente aos elementos que delas constam, pelo que a sua natureza meramente declarativa e não constitutiva apenas se reporta a esses mesmos elementos.

2. Ter, ou optar por ter, contabilidade organizada não induz por si só, no quadro legal atualmente vigente, face ao disposto no artigo 28.º, n.º 4, al. b) do CIRS, o enquadramento no regime de tributação com base na contabilidade.

3. A opção pela tributação com base na contabilidade é distinta da opção por contabilidade organizada e, para produzir efeitos, deve estar expressa no quadro próprio da declaração cadastral, quando apresentada em impresso de modelo oficial e em conformidade com as respetivas instruções de preenchimento, ou, quando apresentada verbalmente, deve constar do "documento tipificado" processado após a confirmação dos dados do declarante, autenticado com a assinatura do funcionário recetor e com aposição da vinheta do técnico oficial de contas que assume a responsabilidade fiscal do sujeito passivo a que a declaração respeita, nos termos do disposto nos n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 112.º do CIRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

O signatário, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 23 de agosto de 2023, decide o seguinte:

 

I – RELATÓRIO

  1. A..., com o NIF ... (adiante abreviadamente designada por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea ), 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL e apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA), tendo em vista a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022 ... e da liquidação de juros n.º 2022 ..., do ano de 2019 e n.º 2022... e da liquidação de juros n.º 2022..., tendo de ambas resultado um valor de imposto e juros a pagar no valor total de € 14 600,34.
  2. A Requerente fundamenta o seu pedido de pronúncia arbitral, em síntese, nos seguintes termos:
    1. Encontra-se coletada para as atividades principais de compra e venda de bens imobiliários e formação, e como atividade secundária arrendamento de bens imobiliários;
    2. Em 10 de janeiro de 2019, o seu contabilista certificado, Dr. B..., dirigiu-se ao Serviço de Finanças de Braga ..., com uma declaração de alterações parcialmente preenchida e já por ela assinada, onde foi atendido pelo funcionário Senhor C...;
    3. Junta como Doc. 3 o que diz ser a declaração parcialmente preenchida e já assinada pela autora;
    4. Nessa declaração, na segunda página, no quadro referente às informações relativas à contabilidade, na questão "Possui Contabilidade?" constava a seguinte inscrição "por opção" e no tipo de contabilidade constava "informatizada";
    5. No quadro a seguir constava a morada de centralização da contabilidade, que era a ..., n.º..., ...... Braga;
    6. E no fundo da terceira página pode-se verificar que o Quadro relativo às "Opções de enquadramento IR" se encontra por preencher, nada constando dos quadros referentes a "IRS - Opção pelo Reg. de Cont. Organizada", IRS - Opção pelo Regime Geral de Tributação" e "IRC/IRS - Opção pelo Regime Simplificado".
    7. Pela análise desta declaração, que foi entregue ao contabilista pelo funcionário da AT, se pode concluir que optou pelo regime de contabilidade organizada para efeitos de IRS, conforme opções declaradas no quadro referente às informações relativas à contabilidade;
    8. Com a entrega da declaração ficou claro para o contabilista e para a Requerente que esta ficou enquadrada, por opção, no regime da contabilidade organizada, até porque no atendimento o contabilista comunicou a intenção da Requerente ficar enquadrada no regime da contabilidade organizada, para efeitos de tributação em sede de IRS, além de nunca ter verbalizado a intenção de ficar enquadrada no regime simplificado de tributação;
    9. Só veio a verificar que assim não era porque quando apresentou a declaração de IRS, mod. 3, relativa ao ano de 2019, o sistema de receção das declarações da AT notificou a existência de uma incompatibilidade entre o anexo e a opção em cadastro, e, posteriormente, foi expressamente informada por mensagem de correio eletrónico de que a declaração está em erro central porque o contribuinte encontra-se no regime simplificado de IRS e está com anexo C.
    10. Em consequência foi tributada pelo regime simplificado quanto aos anos de 2019 e 2020.
  3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
  4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 14-06-2023.
  5. A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 14-06-2023.
  6. O signatário foi designado como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a), e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.
  7. Em 02-08-2023 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  8. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 23-08-2023.
  9. Em 24-08-2023 foi a Requerida notificada para apresentar Resposta e o Processo Administrativo.
  10. A Requerida, após prorrogação do prazo, apresentou a sua Resposta em 24-10-2023, na qual deduz defesa por impugnação, juntando em 25-10-2023 aos autos o Processo Administrativo, alegando, em síntese, que a declaração de alterações apresentada pela Requerente em  19-01-2019, e que juntou no PA, apenas tinha, para além das assinaturas devidas, preenchidos os campos 04 e 16, pelo que, não se mostrando preenchido o campo 19, aquela não tinha efetivamente optado pela sua tributação segundo o regime de contabilidade organizada, pelo que tal regime não poderia ter sido inscrito no cadastro de contribuinte e nada havia a apontar à atuação dos Serviços da AT.
  11. A Requerida concluiu pela manutenção do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações que dela foram objeto.
  12. No dia 23-11-2023 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com produção da prova testemunhal apresentada pela Requerente, tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas. As partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas finais, em simultâneo, de alteração ao valor do processo, que, no entanto, não produzia qualquer alteração no montante da taxa de justiça e da suscetibilidade de exercerem, no prazo das alegações, contraditório sobre essa alteração, e, por fim, o Tribunal indicou a data previsível para a prolação da decisão arbitral, advertindo Requerente da necessidade de efetuar o pagamento da Taxa de Justiça subsequente até essa data (cfr. ata da Reunião que se dá como reproduzida e, bem assim, a gravação áudio disponível no SGP do CAAD).
  13. Tanto a Requerente como a Requerida apresentaram, em 05-12-2023, as respetivas Alegações, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos correspondentes articulados.
  14. Em 6-12-2023 a Requerente veio juntar aos autos, para conhecimento do Tribunal, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 416/2023-T, em 4-12-2023, sobre caso similar, mas ainda não transitada em julgado.

 

 

II - SANEAMENTO

  1.  O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar a legalidade dos atos impugnados, tanto o que constitui o objeto imediato (decisão proferida na reclamação graciosa), como os que constituem o objeto mediato (liquidações oficiosas de IRS relativas aos anos de 2019 e 2020), nos termos previstos no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
  3. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados da data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que, sem oposição, foi fixada em 13-03-2023.
  4. O processo não enferma de nulidades.
  5. Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito, pelo que dele cumpre conhecer.

 

 

III – FACTOS RELEVANTES

§1.       Factos provados

  1. Dão-se como provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
    1. A Requerente apresentou, em 10 de janeiro de 2019, no Serviço de Finanças de Braga ..., tendo para o efeito mandatado o seu Contabilista Certificado (CC), uma Declaração de Alterações, de modelo oficial, aprovada pela Portaria n.º 290/2013, de 23 de setembro, publicada no DR, I Série, n.º 138, da mesma data (Documento junto com o PA pela Requerida);
    2. Para além das assinaturas legalmente exigíveis naquela declaração, apenas se mostram preenchidos os quadros 4 - NOME COMPLETO DO SUJEITO PASSIVO, SEDE OU DIREÇÃO EFETIVA, LOCAL OU ESTABELECIMENTO e 16 - ALTERAÇÕES RELATIVAS À CONTABILIDADE;
    3. A letra utilizada manualmente para preenchimento do quadro 16 não é igual à letra utilizada manualmente para preenchimento do Quadro 4;
    4. O Quadro 19 - OPÇÃO PELO REGIME DE CONTABILIDADE ORGANIZADA/SIMPLIFICADO não se mostra preenchido;
    5. A declaração apresentada como "declaração de alterações" pela Requerente sob o Doc. 3, mostra-se formalmente denominada como "Confirmação de Dados de Actividade - Alteração de Actividade, com o n.º ...", é uma impressão tirada do sistema informático após a recolha da declaração parcial e manualmente preenchida, como a Requerente reconhece, apresentada para o efeito no Serviço de Finanças de Braga ..., estando assinada pelo funcionário recetor;
    6. O documento apresentado pela Requerente e antes identificado, quem tem a natureza de documento comprovativo do cumprimento de uma obrigação fiscal, não coincide, em sede de campos preenchidos, com a declaração preenchida manualmente, pois, além dos quadros correspondentes aos que nesta se mostram preenchidos, está também preenchido o quadro equivalente ao quadro 08 - ACTIVIDADES EFETIVAMENTE EXERCIDAS.
    7. Foi com a apresentação, em 2020, da declaração anual de IRS mod. 3, com anexo C (Categoria B com contabilidade organizada) que a Requerente tomou conhecimento de que se mantinha enquadrada, para efeitos de tributação em IRS, no "regime simplificado".
    8. A Requerente apresentou, então, um pedido de correção do cadastro, que foi indeferido;
    9. Do indeferimento do pedido de correção interpôs a Requerente um recurso hierárquico que, no entanto, foi extinto por apensação ao processo contencioso judicial n.º .../22...BERBRG, uma ação administrativa especial apresentada em 7-02-2022 junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga onde se discutia a decisão de enquadramento no regime simplificado, que foi indeferida por intempestiva, não se tento, pois, pronunciado sobre o mérito;
    10. A Requerente apresentou, em tempo e com legitimidade, reclamação graciosa das liquidações de IRS relativas a 2019 e 2020, que lhe foram efetuadas oficiosamente pela Requerida e que constituem o objeto mediato deste processo;
    11. Notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente apresentou audição prévia por escrito e, posteriormente, foi notificada da decisão final de indeferimento;
    12. A Requerente não impugnou a matéria coletável que serviu de base a qualquer das liquidações oficiosas já identificadas;
    13. Em 04-06-2023, a Requerente submeteu ao CAAD o pedido de constituição de tribunal arbitral, que viria a dar origem aos presentes autos.

 

§2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não se dão como provados os seguintes factos:
    1. A autoria do preenchimento manual do quadro 16 da Declaração de Alterações;
    2. A comunicação ao funcionário recetor da declaração de alterações no Serviço de Finanças de Braga ... de que a Requerente pretendia passar a ser tributada pelo regime de contabilidade organizada;
    3. A apresentação de uma declaração de alterações na modalidade de "declaração verbal".
  2. Não existem outros factos relevantes que se deem como não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
  2. Os factos pertinentes para a decisão são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito [cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
  3. Consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, a prova testemunhal produzida e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

  1. A questão de fundo colocada neste processo, e a cuja procedência ou improcedência está necessariamente subordinada a própria decisão arbitral sobre a anulação ou não da decisão sobre a reclamação graciosa (objeto imediato) e das liquidações oficiosamente efetuadas (objeto mediato) , é a de saber se, com a apresentação da declaração de alterações, nos termos em que o foi (parcialmente preenchida), foi ou não expressa a opção da Requerente pela tributação segundo o regime de contabilidade organizada, uma vez que não reunia, em 31-12-2018 os pressupostos legais (volume de negócios) para ser automática e oficiosamente enquadrada na tributação segundo o mesmo regime. Relevante, para o efeito, é também conhecer do sentido e alcance do preenchimento do quadro 16 da declaração de alterações, tendo em vista se dele se pode deduzir, sem margem para dúvidas, de que é irrelevante o preenchimento do quadro 19 da mesma declaração para se considerar expressa a opção exigida por lei pela tributação segundo o regime de contabilidade organizada.

 

§1. - Posição das partes

  1. A Requerente, em síntese, fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
  1. Entregou a declaração de alterações de atividade e que nela optou pelo enquadramento no regime da contabilidade organizada, conforme consta do quadro relativo às "informações relativas à contabilidade" - artigo 55.º da p.i.;
  2. Não tendo alterado a sua opção feita em 2019 pela tributação de acordo com as regras da contabilidade organizada, apenas poderia ter sido enquadrada no regime simplificado se se tivesse verificado algum facto para o qual a lei previsse esta consequência, nomeadamente a entrega de declaração de alterações, o que também não se verificou.
  3. As características presuntivas do regime simplificado afastam a tributação do seu objetivo de tributar o rendimento real, expressão mais perfeita da capacidade contributiva, e por isso deve ser sempre privilegiada a tributação com base na contabilidade organizada, ou pelo menos dar-se aos contribuintes o direito de por ela optar.
  4. Foi esse o direito exercido em 2019 e que, até que a mesmo o exerça de um modo diferente, deve ser respeitado por todos os atos de liquidação sob pena de serem inválidos.
  5. Dito de outro modo, se a permanência no regime simplificado implica que os sujeitos passivos, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000, não há qualquer requisito específico quanto ao valor dos rendimentos auferidos para que os mesmos possam permanecer no regime da contabilidade organizada (neste sentido, Acórdão do STA, processo n.o 01536/15, de 11/05/2016).
  6. Assim, a AT não podia ter-se substituído à Requerente nessa opção porque apenas os sujeitos passivos podem optar por diverso regime, exceto quando estando enquadrados no regime simplificado excederem o montante de €200.000,00.
  7. Pelo que, as liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral que sujeitaram a Requerente a tributação de acordo com o regime simplificado de tributação, são ilegais, devendo, por isso, serem anuladas.
  1. Invoca, ainda, os vícios de violação do princípio da tributação do lucro real e de [falta de] fundamentação.
  2. A Requerida, por seu turno, defende a legalidade, e consequente manutenção, das liquidações oficiosamente efetuadas e, bem assim, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que contra elas foi deduzida, com o fundamento de que, no registo do cadastro dos contribuintes a Requerente se encontrava enquadrada, quando ao ano de 2019 e quanto ao ano de 2020, no regime simplificado de tributação.

 

§2. Da lei aplicável

  1. São duas as normas do CIRS que se convocam para delimitar juridicamente a questão colocada: o artigo 112.º, sobre Declaração de início de atividade, de alteração e de cessação, e o artigo 28.º relativo às formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais.
  2. O artigo 112.º prescreve o seguinte:

           

Artigo 112.º
Declaração de início de atividade, de alterações e de cessação

 

1 - Antes de iniciar alguma atividade suscetível de produzir rendimentos da categoria B, deve o sujeito passivo apresentar a respetiva declaração de início num serviço de finanças, em impresso de modelo oficial.

2 - Sempre que se verifiquem alterações de qualquer dos elementos constantes da declaração de início de atividade, deve o sujeito passivo entregar em qualquer serviço de finanças, no prazo de 15 dias a contar da alteração, se outro prazo não for previsto neste Código, a respetiva declaração de alterações, em impresso de modelo oficial.

3 - No caso de cessação de atividade, deve o sujeito passivo, no prazo de 30 dias a contar da data da cessação, entregar a respetiva declaração num serviço de finanças, em impresso de modelo oficial.

4 - Quando o serviço de finanças recetor disponha dos meios informáticos adequados, as declarações referidas nos números anteriores podem ser substituídas pela declaração verbal, efetuada pelo sujeito passivo, de todos os elementos necessários ao registo e início de atividade, à alteração de dados constantes daquele registo e à cessação de atividade, sendo estes imediatamente introduzidos no sistema informático e confirmados pelo declarante, após a sua impressão em documento tipificado.

5 - O documento tipificado nas condições referidas no número anterior substitui, para todos os efeitos legais, as declarações referidas nos n.ºs 1 a 3.

6 - O documento comprovativo do início de atividade, das alterações ou da cessação é o documento tipificado, consoante os casos, processado após a confirmação dos dados do declarante, autenticado com a assinatura do funcionário recetor e com aposição de vinheta do técnico oficial de contas que assume a responsabilidade fiscal do sujeito passivo a que respeitam as declarações, quando seja adotada contabilidade organizada.

7 - As declarações referidas nos n.ºs 1 a 3 podem ser enviadas por transmissão eletrónica de dados.

8 - Estão dispensados de apresentação da declaração de início de atividade os sujeitos passivos que apenas aufiram, na categoria B, subsídios ou subvenções no âmbito da PAC de montante anual inferior a quatro vezes o valor do IAS.

 

  1. O artigo 28.º do Código do IRS (CIRS), na parte com relevo para o caso aqui em julgamento, prevê o seguinte:

1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;

b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000.

3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.

4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos:

a) Na declaração de início de atividade;

b) Até ao fim do mês de março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.

5 - A opção referida no n.º 3 mantém-se válida até que o sujeito passivo proceda à entrega de declaração de alterações, a qual produz efeitos a partir do próprio ano em que é entregue, desde que seja efetuada até ao final do mês de março.

(6) ...

(7) ...

(8) ...

(9) ...

(10) ...

(11) ...

(12) ...

(13) ...

(14) ...

 

  1. O primeiro ponto a clarificar decorre do disposto no n.º 2 do artigo 112.º, ou seja, da obrigatoriedade de ser apresentada a declaração de alterações pelo sujeito passivo "sempre que se verifiquem alterações de qualquer dos elementos constantes da declaração de início de atividade".
  2.  Ora, se a Reclamante tinha, na sua declaração de início de atividade, a indicação de que não possuía contabilidade organizada, impunha-lhe a lei que, passando a ter contabilidade organizada, comunicasse esse facto - uma vez que não estava obrigada a possuir contabilidade organizada - na medida em que dele decorria a alteração de um elemento constante da declaração de início de atividade - o enquadramento no regime de tributação.
  3. Este é um dever acessório específico e que não implica, por si só, a opção pela tributação segundo o regime de contabilidade organizada, uma vez que esse é um outro dado ou elemento da declaração de início de atividade, a qual fundamentou, nos termos legais, o enquadramento no da Requerente no regime simplificado.
  4. Prevê o artigo 112.º que as alterações sejam feitas por entrega de “impresso de modelo oficial", nos termos do último segmento do n.º 2  ou então, se o serviço de finanças recetor dispuser dos meios informáticos adequados, por declaração verbal, "sendo estes imediatamente introduzidos no sistema informático e confirmados pelo declarante, após a sua impressão em documento tipificado (n.º 4), substituindo, para todos os efeitos a declaração em impresso de modelo oficial (n.º 5)".
  5. No entanto, a declaração verbal é, naturalmente, objeto de especial cuidado do legislador, para evitar abusos e fraudes. Por isso a disposição do n.º 6 do artigo 112.º, ou seja: o documento comprovativo das alterações efetuadas mediante declaração verbal, é o documento tipificado, processado após a confirmação dos dados, autenticado com a assinatura do funcionário recetor e com a aposição de vinheta do técnico oficial de contas (atualmente Contabilista Certificado) que assume a responsabilidade fiscal do sujeito passivo a que respeita a declaração, quando seja adotada a contabilidade organizada.
  6. A situação sob análise evidencia uma notória falta de conhecimento desta disposição, seja por parte do Contabilista Certificado, como, aliás, resultou linear e abundantemente da prova testemunhal produzida, que, com poderes dados paro o efeito pela Reclamante, foi ao serviço de finanças de Braga ... apresentar a declaração de alterações que, tal como resulta do PA, não contestado, se mostra com a seguinte configuração nos campos preenchidos:

 

No campo 04

 

No campo 16

 

No campo 19

 

No campo 30

 

 

  1. Por outro lado, o "documento tipificado", apresentado pela Reclamante juntamente com o Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral sob o Doc. 3, apresenta a seguinte configuração nos campos que se mostram impressos com conteúdo (não se reproduzem os que estão em branco, exceto o que corresponde ao quadro 19 da declaração em impresso do modelo oficial):

 

 

Quadros equivalentes ao quadro 04

 

Campo não preenchido no impresso do modelo oficial

 

Correspondente ao campo 16

 

 

Correspondente ao campo 19

 

Correspondente ao campo 30

 

  1. Face à clareza das disposições legais aplicáveis, a pergunta que desde logo ressalta à evidência é esta: o CC foi ao serviço de finanças competente apresentar uma declaração em impresso do modelo oficial ou foi apresentar uma declaração verbal?
  2. Tendo em conta que, ao contrário do que sucede com o impresso de modelo oficial, aprovado, juntamente com as instruções de preenchimento, pela Portaria n.º 290/2013, de 23 de setembro e que a Requerida juntou com o PA, o "impresso tipificado" apresentado pela Requerente não contém, enquanto elementos essenciais suscetíveis de garantirem a integridade, a autenticidade e a veracidade dos dados que dele constam, a assinatura do CC e a aposição de vinheta própria dos técnicos oficiais de contas.
  3. Tem, assim, de concluir-se que o que foi apresentado no Serviço de Finanças de Braga ... em 10-01-2019, foi uma declaração de alterações em impresso de modelo oficial, parcialmente preenchida e que não tinha preenchido o quadro que, tanto o CC, como a Requerente, quereriam ter preenchido, que era o quadro 19 relativo à opção pela tributação segundo o regime da contabilidade organizada. É também do senso comum que uma declaração apresentada em impresso de modelo oficial, tem de ser apresentada devidamente preenchida de acordo com as instruções oficialmente também aprovadas, sem prejuízo de o funcionário recetor poder apoiar o seu preenchimento e esclarecer dúvidas que a esse propósito se suscitem, o que, aliás, neste caso e considerando a qualidade profissional de contabilista certificado de quem a apresentou, nem sequer seria curial. Em nenhum caso se pode imputar ao funcionário recetor de uma declaração a falta de preenchimento de quadros e campos que deveriam estar preenchidos.
  4. As afirmações neste domínio efetuadas na prova testemunhal produzida, para além de, como já se referiu, evidenciarem o desconhecimento do regime legal aplicável e se basearem em convicções próprias, não podem relevar, uma vez que são contrárias à lei. O que foi ou não transmitido ao funcionário é despiciendo, porque o que foi apresentado não foi uma declaração de alterações verbal, mas uma declaração de alterações em impresso de modelo oficial, a qual devia estar previamente preenchida nos campos relativos às alterações que se pretendia efetuar.
  5. Não existe, atualmente, e por isso não pode aproveitar à Requerente, uma relação direta ou imediata, ou, noutros termos, uma relação "causa-efeito", entre o preenchimento do quadro 16 da declaração de alterações e a opção que tem de ser feita no seu quadro 19. Isso foi assim, mas antes da reforma do IRS levada a cabo pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro. Com efeito, o inovador nesta reforma foi o modelo de regime simplificado instituído: o modelo de determinação indireta da matéria coletável, mediante coeficientes de rendibilidade, o que se traduz em presunção de despesas, em situação não patológica. Anteriormente, quer a categoria B, no artigo 27.º, quer as categorias C e D, no artigo 37.º, consagravam regimes simplificados de determinação da matéria coletável, tendo por base os livros de registo que os artigos 108.º, 112.º e 113.º então impunham (e continuam, com outra numeração, a impor - ver atual artigo 116.º), partindo, para o efeito, dos dados registados, fazendo a dedução das despesas incorridas, ainda que pudessem ser limitadas a valores máximos e impedindo outras, como, por exemplo, a remuneração auto atribuída. E, então sim, tanto o artigo 27.º, para a categoria B, como o artigo 37.º, para as categorias C, impunham a obrigatoriedade da tributação segundo o regime de contabilidade organizada, bastando, para tanto, que os sujeitos passivos possuíssem contabilidade organizada, acrescendo as situações em que "fossem obrigados a possuí-la". Com a reforma de 2000, essa relação "causa-efeito" entre contabilidade e regime de tributação, no IRS, veio a extinguir-se e até em IRC, onde, por natureza, as entidades com atividade principal de natureza comercial, industrial ou de prestação de serviços, são obrigadas a possuir contabilidade organizada, podem, em determinadas circunstâncias optar pelo regime simplificado - cfr. artigo 86.º-A do CIRC, aditado pela Reforma de 2014.
  6. Não se quer com isto dizer que a opção por contabilidade organizada, por um sujeito passivo de IRS que não é obrigado a possuí-la, seja totalmente inócua do ponto de vista das obrigações fiscais. Conferindo-lhe o direito de ser tributado segundo o regime de contabilidade organizada, desde que por ele expressamente opte, tem outras consequências, passa, por exemplo, a estar obrigado a efetuar as retenções na fonte nos termos do disposto no artigo 101.º do CIRS e a cumprir todos os deveres acessórios que tenham como pressuposto a existência de contabilidade organizada.
  7. De resto, a contabilidade, enquanto tal, é, antes do mais, uma ferramenta de gestão, que tem como finalidade fornecer informações relevantes sobre o património da empresa e a atividade económica desenvolvida. Os empresários, gestores, gerentes e decisores, têm assim nas mãos, um conhecimento realista sobre a situação económica e financeira da empresa, permitindo-lhes tomar decisões de gestão com base em dados objetivos, minimizando as falhas e erros de gestão.  Ou seja, a sua finalidade originária ou principal não é ser base da tributação empresarial, embora, nomeadamente em IRC, venha a ser, em última análise, uma consequência necessária. E com cobertura constitucional, na medida em que unanimemente se considera que a contabilidade organizada ainda é o melhor método para a aproximação ao desiderato de tributar o "rendimento real ou efetivo".
  8. O artigo 28.º do CIRS, embora já objeto de muita e diversa jurisprudência, seja dos tribunais tributários seja do CAAD, neste específico aspeto parece claro, embora se admita que, principalmente na declaração de início de atividade, área onde o enquadramento nos regimes de tributação tem sido mais problemático e gerado mais litígios entre os contribuintes e a AT, tanto o desenho, como as próprias instruções de preenchimento, devessem ser mais claros.
  9. Como lapidarmente escreve XAVIER DE BASTO[1] sobre o disposto no artigo 28.º, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro,

O CIRS estabeleceu um regime de opção pela contabilidade organizada e não inversamente uma opção pelo regime simplificado, ou seja, para os sujeitos passivos que tenham volumes de negócios que não excedam os limites, o regime regra é o regime simplificado e o regime da contabilidade organizada só se aplicará se houver declaração expressa de opção do sujeito passivo.

...

A opção é exercida nos termos previstos no n.º 4 do artigo 28.º, ou seja, na declaração de início de atividade ou até ao fim do mês de março do ano em que o sujeito passivo pretenda que os seus rendimentos sejam determinados com base na contabilidade.

 

  1. Sublinha-se, pois, que são atualmente elementos estruturantes da tributação segundo o regime de contabilidade organizada: em primeiro lugar o volume de negócios; em segundo lugar, caso o volume de negócios não ultrapasse os limiares que determinam a obrigatoriedade da adoção do regime de contabilidade organizada, a opção pelo regime fiscal (da contabilidade) e não pelo método (contabilístico ou da contabilidade) de obtenção de informação patrimonial e financeira sobre a atividade exercida. Esclarecendo-se, ainda, que o código do IRS consagra o método dos "livros de registo", no artigo 116.º, remetendo para os registos a efetuar nos termos do Código do IVA,  em substituição da contabilidade organizada nos termos do Sistema Nacional de Normalização Contabilística atualmente em vigor, após a revogação do POC aprovado em 1977.
  2. E, como já se demonstrou, a declaração validada e relevante para efeitos da presente decisão não contém qualquer opção sobre o regime de tributação pretendido, pelo que, estando a Requerente enquadrada no regime simplificado, nele se manteve após a sua apresentação e transmissão para o sistema de registo do cadastro de contribuintes, de harmonia com o disposto no artigo 28.º, estando vedado, de facto, à administração fiscal alterar-lhe, por sua iniciativa, esse mesmo enquadramento.
  3. Não se ignora que as declarações de cadastro contribuinte são de natureza meramente declarativa e não constitutiva. São-no, no entanto, quando apresentadas dentro dos prazos legais e quanto aos elementos nelas declarados. É a decorrência lógica das presunções de verdade e boa-fé de que beneficiam quando "apresentadas nos termos previstos na lei". Ora, desde logo, a declaração aqui em causa revela uma omissão fundamental - omite a opção expressa pela tributação segundo o regime de contabilidade organizada - que lhe não permite beneficiar daquelas presunções e, consequentemente, não pode produzir os efeitos que a Requerente pretende.
  4. Termos em que o pedido não pode ser considerado procedente.

 

V – DECISÃO

Decide este Tribunal julgar improcedente o pedido, mantendo-se o enquadramento da tributação pelo regime simplificado nos anos de 2019 e 2020 e, em consequência, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, as liquidações cuja anulação vinha pedida.

 

V- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 14.600,34

 

VI – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de dezembro de 2023

O árbitro singular,

 

Manuel Faustino

 

 

 



[1] IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 178.