Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 273/2024-T
Data da decisão: 2024-11-27  IRS  
Valor do pedido: € 16.971,98
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias; Reinvestimento; Intempestividade do pedido de pronúncia arbitral;
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Sumário:

I – Estando o pedido da Requerente circunscrito à declaração de ilegalidade e subsequente anulação da liquidação, sem que tenha sido suscitado qualquer sindicância quanto ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico apresentado, o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado dentro dos noventa dias a contar da data-limite de pagamento voluntário do imposto em questão.

DECISÃO ARBITRAL

  1. Relatório

A..., com o número de identificação fiscal ... (“Requerente”), não concordando com a liquidação de IRS n.º 2022 ..., referente ao ano de 2020, veio requerer a apreciação da legalidade da mesma.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

  1. Constituição do Tribunal Arbitral

O pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente tribunal arbitral coletivo em 09-05-2024, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.

  1. História Processual

No pedido de pronúncia arbitral o Requerente pede que seja apreciada a legalidade da liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2020.

Como fundamento da sua pretensão, o Requerente alega que a AT «(...) não considerou a factualidade alegada (...)», factualidade essa que «embora excecional, deveria ter sido tida em conta», designadamente no que concerne à possibilidade de reinvestimento das mais-valias decorrentes da venda do imóvel onde alegadamente vivia, pese embora esse imóvel não correspondesse ao seu domicílio fiscal. O Requerente requer, ainda, expressamente a suspensão imediata da instância executiva.

O pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente não se encontra assinado pelo mandatário, não tendo sido junto com o mesmo qualquer documento, designadamente a respetiva procuração forense.

Em 27-02-2024, o Tribunal Arbitral notificou o Requerente de que o pedido de pronúncia arbitral apresentado não estava assinado e de que não tinha sido junta procuração forense. O Requerente, no mesmo dia, respondeu referindo que «Com referência ao e-mail infra, sou a remeter as peças, conforme solicitado. Solicito seja dada a competente entrada», juntando nova petição inicial assinada e procuração forense.  A peça apresentada não coincide com o pedido de pronúncia arbitral inicialmente apresentado, tendo uma causa de pedir distinta e requerendo agora prova testemunhal.

Em 04-11-2024, foi proferido despacho arbitral tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

A Requerida apresentou resposta, tendo alegado que o Requerente, após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral (não assinado e sem procuração forense), apresentou novo pedido de pronúncia arbitral assinado, acompanhado da respetiva procuração, cuja redação e causa de pedir é totalmente distinta da peça inicialmente apresentada, requerendo prova testemunhal com indicação de duas testemunhas, pelo que, entende a Requerida, deverá ser determinada a nulidade de todo o processado nos termos do disposto no artigo 186.º do Código do Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”). Por outro lado, a Requerida argui que se verifica existir caducidade do direito de ação, nos termos do disposto na alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, por o pedido de pronúncia arbitral ter sido apresentado após o prazo legalmente previsto, devendo o mesmo considerar-se intempestivo. Relativamente ao processo de execução fiscal, a Requerida alega, por um lado, existir uma impropriedade do meio processual utilizado, o que configura uma exceção dilatória inominada, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e por outro lado, a incompetência material deste Tribunal Arbitral para conhecer aquele pedido, o que configura uma exceção dilatória que determina a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Por fim, no que à defesa por impugnação se refere, a Requerida defende que o Requerente não conseguiu provar que o imóvel alienado era a sua habitação própria e permanente, não podendo ser-lhe aplicável a exclusão de tributação prevista no artigo 10.º, n.º 5 e 6, do Código do IRS.

As partes foram notificadas do despacho arbitral, dispensando a reunião do Tribunal com as partes, nos termos do artigo 18.º do RJAT, bem como para, querendo, apresentar alegações finais escritas.

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT, relativamente ao pedido para apreciação da legalidade da liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2020.

Relativamente ao pedido de suspensão do processo de execução fiscal formulado pelo Requerente, importa referir que a competência dos Tribunais Arbitrais encontra-se prevista no artigo 2.º do RJAT, que refere que «[a] competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; 

c) (Revogada.)»

Assim, a competência dos tribunais arbitrais prevista no RJAT é taxativa, razão pela qual é o mesmo competente para decidir questões relacionadas apenas com a ilegalidade de atos acima indicados.

O processo de execução fiscal é o meio previsto na lei para a cobrança coerciva de uma dívida, o qual corre termos no órgão de execução fiscal.

Face ao exposto, conclui-se que o pedido de suspensão do processo de execução fiscal não cabe na competência dos tribunais arbitrais.

Em conclusão, é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido de suspensão do processo de execução fiscal, parte do objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da Requerida, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

A Requerida alega, ainda, que o Requerente, após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral (não assinado e sem procuração forense), apresentou novo pedido de pronúncia arbitral assinado, acompanhado da respetiva procuração, cuja redação e causa de pedir é totalmente distinta da peça inicialmente apresentada, requerendo, agora, prova testemunhal com indicação de duas testemunhas. Na sua resposta a Requerida refere que «(…) constata-se que o Requerente, pese embora nada tenha dito a esse propósito, como lhe competia ao abrigo dos princípios que regem a relação entre este Tribunal e as partes, não só juntou a procuração e assinou o P.P.A, mas também alterou o P.P.A. Designadamente, alterou a própria causa de pedir, como se pode confirmar pela análise dos artigos 1.º de ambas as peças processuais; alterou toda a redação do P.P.A e, ainda, veio requerer prova testemunhal, com a indicação de duas testemunhas que, salvo o devido respeito, não vêm devidamente identificadas. A discrepância assinalada supra, como, naturalmente, não poderá deixar de se assinalar, deixa a dúvida sobre que factos efetivamente incide o P.P.A., se sobre a venda de um imóvel que terá ocorrido em 2019, ou se sobre a venda de um imóvel ocorrida em 2020 e determina a nulidade de todo o processado, nos termos do disposto no artigo 186.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, o que, desde já, se argui

Cumpre decidir.

O RJAT não contém regime próprio em matéria de exceções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no artigo 29, n.º 1, a), c) e e) do RJAT.

A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória cuja verificação conduz à abstenção de conhecimento do mérito da causa e à absolvição do réu da instância (cf. artigo 278.º, n.º 1, alínea b) do CPC). Trata-se de uma exceção de conhecimento oficioso, conforme preceituado no artigo 196.º do CPC e também no artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea b), do CPTA e no artigo 98.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPPT.

De acordo com o artigo 552.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPC, deve o autor, na petição inicial, «expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação» e «formular o pedido». O pedido é a pretensão ou o direito para que solicita ou requer tutela jurisdicional. A causa de pedir integra os atos ou factos jurídicos concretos de onde emerge o direito que o autor invoca ou pretende fazer valer. A petição inicial tem, portanto, de formular um silogismo que estabeleça um nexo lógico entre as suas premissas (as razões de facto e de direito explanadas) e a conclusão (o pedido). Na ausência desta exposição, o objeto do processo é inexistente ou ininteligível, não estando reunidas condições mínimas para o conhecimento do pedido (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 203848/14.2YIPRT.C1, 18-10-2016).

Também o artigo 10, n.º 2, alíneas b), c) e d) do RJAT, versando sobre os requisitos do pedido de constituição do tribunal arbitral, dispõe que de tal pedido consta necessariamente «a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral”, «a identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99 do Código de Procedimento e Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de que direito objeto do referido pedido de pronúncia arbitral» e «os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir» (cf. acórdão do CAAD, processo n.º 693/2020-T, 28-09-2021).

Em coerência, dispõe o artigo 186.º do CPC:

«Artigo 186.º

Ineptidão da petição inicial

1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.

2 - Diz-se inepta a petição:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.

4 - No caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo.

(...)»

A isto acrescem duas notas, com respaldo na lei processual civil, na jurisprudência e na doutrina processualista.

A primeira passa por não confundir a ineptidão da petição inicial, geradora de nulidade de todo o processo, com a insuficiência ou imprecisão da petição inicial, à qual o julgador pode e deve obviar através de um despacho convite ao aperfeiçoamento (artigos 590.º, n.º 4 do CPC). Cumpre notar, porém, que só deve haver lugar a tal convite quando estejam em causa insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correções, ou seja, «anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito, mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz» (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 203848/14.2YIPRT.C1, 18-10-2016; e acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 4138/18.0T8MTS-A.P1, 21-10-2019).

A segunda tem que ver com o disposto no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, na parte em que aí se dispõe que, ainda que os factos essenciais alegados sejam insuficientes, se a ré contestar, decorrendo da contestação que interpretou convenientemente a petição inicial e os pedidos, impugnando expressamente o que foi alegado pelo Autor e, em consequência, requerendo a sua absolvição daqueles, não procede a arguição de ineptidão da petição inicial que eventualmente seja arguida.

Neste sentido, apesar de a Requerida arguir a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, verifica-se que aquela apresentou na sua defesa por impugnação a matéria de direito que subjaz à questão em discussão, respeitante aos requisitos relativos à exclusão de tributação prevista no artigo 10.º, n.º 5 e 6, do Código do IRS.

Ou seja, a Requerida revelou-se capaz de interpretar convenientemente a petição inicial e os pedidos e de impugnar expressamente o que foi alegado pelo Requerente, pelo que se julga improcedente a exceção dilatória alegada pela Requerida relativamente à ineptidão da petição inicial.

Assim, entende este Tribunal Arbitral que a nulidade do processo por alegada ineptidão da petição inicial não procede, porquanto decorre da resposta apresentada pela Requerida que esta interpretou convenientemente a petição inicial e os pedidos, impugnando expressamente o que foi alegado pelo Requerente e, em consequência, requerendo a sua absolvição daqueles.

Face ao anteriormente exposto, é forçoso concluir que o pedido de pronúncia arbitral não é inepto e, em conformidade, que o processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria de Facto
  1.  Matéria de Facto Provada

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. Em 20-12-2020, o Requerente alienou o prédio inscrito sob o artigo..., sito na ..., da união de freguesias de ... e ..., do concelho de Vila Nova de Gaia e distrito do Porto (“Imóvel”), pelo valor de € 390.000,00;
  2. Em 30-06-2021, o Requerente submeteu a declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2020, com número ...-2020-...-...;
  3. No campo 5005 do quadro 5A da referida declaração, o Requerente indicou o valor em dívida do empréstimo à data da alienação do Imóvel de € 131.338,39;
  4. No campo 5006 do quadro 5 – valor de realização que pretende reinvestir – o Requerente indicou o valor de € 135.000,00;
  5. A AT procedeu à correção oficiosa da liquidação de IRS n.º 2022..., respeitante ao ano de 2020, no montante de € 8.588,25 e apurado o imposto adicional, incluídos juros compensatórios, tudo no montante global de € 16.671,88 e com data-limite de pagamento de 28-12-2022;
  6. A referida correção teve como fundamento a informação detida pela AT de que o Imóvel não era habitação permanente do Requerente desde 16-03-2018;
  7. Em 13-02-2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação n.º 2022...;
  8. Em 15-03-2023, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior;
  9. Em 11-04-2023, o Requerente apresentou recurso hierárquico do despacho que indeferiu a referida reclamação graciosa apresentada;
  10. Em 24-11-2023, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado;
  11. Em 28-02-2024, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD.
  1. Matéria de Facto Não Provada

Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.

  1. Matéria de direito

Face ao disposto no artigo 608.º, n.º 1 do CPC, ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT «(...) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua procedência lógica», estabelecendo o n.º 2 do mesmo normativo que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (...)».

Assim sendo, tendo em consideração a circunstância já assinalada, de a Requerida na sua resposta ter suscitado a exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral com implicações na instância, impor-se-á a sua prévia apreciação e decisão uma vez que esta poderá condicionar ou prejudicar o conhecimento das questões de direito suscitadas pelas partes.

Nos termos do artigo 10º do RJAT, sob a epígrafe "pedido de constituição de tribunal arbitral", determina sob a alínea b) do n.º 2, que no mesmo deve proceder-se à «identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral".

Relativamente a este segmento e revisitado o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente, é clara a pretensão desta, que desde logo refere no introito que «(…) não concordando com o a liquidação de IRS para o ano de 2020, vem requerer que a mesma seja apreciada em sede de arbitragem, porquanto a mesma é ilegal e carece de ser apurada a sua legalidade, o que desde já se requer, (…)».

Por seu turno, no pedido de pronúncia arbitral o Requerente «(…) requer a reapreciação da matéria já alegada em sede própria, e a final a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e a substituição por outra que acautele a verdade dos factos e os direitos e interesses do contribuinte.»

É este o pedido formulado pela Requerente, que baliza os poderes cognitivos e decisórios do tribunal, face ao disposto nos aplicáveis artigos 608.º e 609.º do CPC.

Verifica-se nos presentes autos que no objeto do pedido, expressamente delimitado pelo Requerente, é claramente referido que o objeto (único) do pedido de pronúncia arbitral é o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., respeitante ao ano de 2020, peticionando a sua «(…) substituição por outra que acautele a verdade dos factos e os direitos e interesses do contribuinte», não sendo pedida qualquer sindicância ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico apresentado.

Por outro lado, e atento o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado «no prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim como, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico».

Os factos constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT para onde remete o referido normativo do RJAT são os seguintes: «a) termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte" e "b) notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação

Como refere Jorge Lopes de Sousa, em Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, Coord: Nuno Villa -Lobos e Mónica Brito Vieira, «Uma primeira conclusão segura que  se retira da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT é a de que à declaração de ilegalidade de todos os atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, indicados na alínea a) do artigo 2º deste diploma de aplica o prazo  de 90 dias, previsto na alínea a), pois a alínea b) daquele nº 1 do artigo 10º é apenas a atos enquadráveis nas alíneas b) e c) daquele artigo 2º.»

Continuando: «Fixou-se o prazo de 90 dias, idêntico ao previsto no artigo 102ºdo CPPT para impugnação judicial, contados dos termos iniciais aí previstos(...)»

O pedido da Requerente está circunscrito à declaração de ilegalidade e subsequente anulação à ilegalidade da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., respeitante ao ano de 2020, não tendo esta suscitado qualquer sindicância quanto ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico apresentado, pelo que a apresentação do pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD deveria ter-se verificado dentro dos noventa dias a contar da data-limite de pagamento voluntário do imposto em questão (28-12-2022), ou seja, até 28-03-2023 o que não se verificou.

Refira-se, ainda, que, uma vez ter sido apresentado recurso hierárquico em 11-04-2023 e o Requerente ter sido notificado do seu indeferimento em 24-11-2023, o prazo-limite para apresentação de um eventual pedido de pronúncia arbitral, tendo como objeto o respetivo despacho de indeferimento, fixar-se-ia em 22-02-2024, o que também não ocorreu.

Considerando que o pedido de pronúncia arbitral ter sido apresentado em 28-02-2024, conforme decorre dos factos provados supra, verifica-se, assim, a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, procedendo, assim, a exceção de caducidade do direito de ação, a qual constitui uma exceção dilatória nos termos previstos no artigo 89.º n.º 2 e n.º 4 alínea k) do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea c) do RJAT.

Consequentemente, absolve-se a Requerida da instância, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões levantadas quer pelo Requerente, quer pela Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 89.º n.º 2 do CPTA.

  1. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória alegada pela Requerida relativamente à ineptidão da petição inicial;
  2. Julgar o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido de suspensão do processo de execução fiscal;
  3. Julgar procedente exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada;
  4. Absolver a Requerida da instância relativamente aos dois pedidos formulados;
  5. Condenar a Requerida nas custas processuais.
  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 16.971,98, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 1.224,00, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 27 de novembro de 2024

 

O Tribunal Arbitral,

 

Sérgio Santos Pereira