Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 409/2016-T
Data da decisão: 2017-05-05  IRC  
Valor do pedido: € 318.833,54
Tema: IRC - Dedução de prejuízos fiscais - princípio da especialização dos exercícios
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Fernanda Maças (Árbitro Presidente), Nuno Cunha Rodrigues e Artur Maria da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 16 de Julho de 2016, A…, LDA., NIF…, com sede na …, …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), contra a demonstração de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) que fixou os seus prejuízos fiscais relativos ao exercício de 2011, no valor de € 21.561,84.
  2. No dia 18-07-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 29-09-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 19-10-2016.
  6. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

a)      A Requerente dedica-se à exploração comercial do empreendimento de alojamento turístico sito na …, em …, no Algarve, denominado B…;

b)      O empreendimento integra todos os elementos típicos que caracterizam um estabelecimento destinado ao alojamento turístico e os serviços que nele se prestam não se distinguem, quanto à sua natureza, dos serviços prestados num vulgar hotel;

c)      A Requerente presta todos os seus serviços ao público em geral, mas oferece condições mais vantajosas aos designados membros do B…- … (Clube), gerido pela C… (C…), sociedade de direito inglês;

d)      Nos termos constantes no Relatório de Inspeção, a C… detém determinados direitos, incluindo de alojamento no aldeamento, mediante uma contrapartida que paga à Requerente, actualizada anualmente e estabelecida por comum acordo;

e)      A qualidade de membro do B…- … (Clube) depende do pagamento pontual que este faça à C… e que o dispensa do pagamento de qualquer outra contraprestação pelo alojamento numa determinada moradia do aldeamento durante uma determinada semana de cada ano;

f)       Caso o membro falte a qualquer pagamento que lhe é cobrado pela C…, perderá essa qualidade e passará a ser tratado como qualquer outro cliente, podendo apenas ocupar uma moradia disponível mediante o pagamento do preço à Requerente devido por qualquer cliente não membro;

g)      A Requerente factura periodicamente à C… as semanas que vão sendo objecto de uso pelos membros do Clube de acordo com os valores que são para o efeito fixados todos os anos;

h)      Quando um membro do Clube renuncia a essa condição ou quando falte a qualquer pagamento devido à C…, e por isso não exerça ou não possa exercer o seu direito de alojamento, não é, por sua vez, devido qualquer valor pela C…, porquanto não é prestado qualquer serviço pela Requerente;

i)       Assim, os valores que correspondam a alojamento que os membros não puderam ou não quiseram usar, porque não pagaram ou simplesmente porque se desinteressaram, não são – nem poderiam ser – cobrados à C…;

j)       Porém, para controlo recíproco da C… e da Requerente, esses valores são reflectidos – de acordo com o apuramento que anualmente é feito pela primeira e conferido pela segunda – nas facturas emitidas à C…, em regra na última do ano, sob a designação de “reversal of uncoll accom serv fee”;

k)      Tais valores são assim deduzidos em regra na última factura do ano porque só então é possível à C… identificar todas as semanas que não foram ocupadas pelos membros durante esse ano por qualquer uma das referidas razões que conduziram à suspensão ou extinção dos seus direitos de alojamento no aldeamento da Requerente;

l)       No ano de 2011 a Requerente incluiu nas suas facturas nºs …/2011 e …/2011, de 30 de Novembro de 2011 e de 31 de Dezembro de 2011, respectivamente, ambas emitidas à C…, sob a rubrica reversal of uncoll accom serv fee valores negativos de € 57.203,25, € 24.230,08, € 74.623,46 e € 78.551,34, na factura de Novembro e de € 84.225,44 na factura de Dezembro (que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos);

m)   Esses valores têm subjacentes serviços de alojamento que não chegaram a ser prestados aos membros no decurso de 2011;

n)      A Requerente declarou em 2011 um prejuízo fiscal no valor de € 340.395,38, não apurando por isso qualquer matéria colectável;

o)      A administração tributária corrigiu o valor dos prejuízos fiscais, acrescendo-lhe os valores subjacentes aos serviços de alojamento que não chegaram a ser prestados aos membros do Clube no decurso de 2011, incluídos nas facturas nºs …/2011 e …/2011 sob a designação reversal of uncoll accom serv fee, no valor total de € 318.833,54;

p)      A AT corrigiu os prejuízos fiscais apurados no ano de 2011, considerando que o valor de € 318.833,54 corresponderia a um “ganho decorrente dos serviços de alojamento” e que o mesmo concorreria para o lucro tributável do exercício de 2011, com fundamento nos artigos 18.º e 20.º do Código do IRC (cfr. fls. 12 e 13 do Relatório);

q)      A Requerente considera que ao valor total de € 318.833,54 não equivalem quaisquer serviços de alojamento turístico que tenham sido efectivamente prestados pela Requerente no decurso de 2011, uma vez que à designação de «reversal of uncoll accom serv fee» correspondem as moradias/semanas de que os membros perderam, em 2011, o direito de efectivamente as usar;

r)       Pelo que, ao valor total de € 318.833,54 não equivalem quaisquer serviços de alojamento turístico que tenha sido efectivamente prestados pela Requerente no decurso de 2011;

s)      Falecendo o fundamento em que a administração tributária fundou as correcções aos prejuízos fiscais da Requerente;

t)       Consequentemente a administração tributária não os poderia ter feito concorrer para a determinação do resultado fiscal de 2011, ou de qualquer outro exercício porque, pura e simplesmente, não está em causa um rendimento na acepção do artigo 20.º do CIRC, ou tão-pouco um rédito na acepção da NCRF 20;

u)      A Requerente invoca a seu favor as decisões arbitrais tiradas dos processos n.ºs 741/2014-T e 556/2015-T, ambos transitados em julgado;

v)      Assim a Requerente considera que deve ser declarado ilegal e anulado o acto de correcção dos prejuízos fiscais declarados pela Requente no exercício de 2011, no valor corrigido de € 318.833,54, e bem assim a decisão de indeferimento da revisão oficiosa em tempo dele apresentada, que o confirmou, com todas as consequências legais.

 

  1. Em resposta, a Requerida Autoridade Tributária (AT) apresentou a sua defesa nos seguintes termos:

A)    Por impugnação:

a)      O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), contra a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) n.º 2014…, que apurou, para o exercício de 2011, um prejuízo fiscal no montante de € 21.561,84;

b)      A liquidação impugnada decorre das conclusões alcançadas pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) no âmbito da acção inspectiva efectuada ao abrigo da ordem de serviço nº OI2012…, da Direcção de Finanças de Faro, cujo relatório se encontra junto ao Processo Administrativo (adiante PA), vindo a Requerente peticionar, a final, que seja «declarado ilegal e anulado o acto de correcção dos prejuízos fiscais declarados pela ora impugnante no exercício de 2011, no valor corrigido de € 318.833,54, e bem assim a decisão de indeferimento da revisão oficiosa em tempo dele apresentada, que o confirmou, com todas as consequências legais»;

c)      A Requerente, constituída sob a forma de sociedade por quotas, iniciou a actividade de “Aldeamentos Turísticos com Restaurante”, CAE 55117, em 01-12-1987, encontrando-se enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de tributação, sendo que o objecto social da Requerente compreende a “Promoção, construção, gestão e exploração de empreendimentos turísticos próprios, compra e venda de imóveis”;

d)      A Requerente é proprietária de um empreendimento turístico, sito na…, denominado “B…”, composto por 77 moradias em banda e 55 apartamentos, onde para além do alojamento são prestados serviços acessórios na área do desporto, lazer, alimentação tendo a Requerente conferido os direitos de ocupação do empreendimento à sociedade denominada C…, com sede na …, Reino Unido, a qual gere o empreendimento através de um clube de membros;

e)      O direito de alojamento no empreendimento pertence aos membros do clube, nos termos contratados entre estes e a C…;

f)       A facturação desse alojamento é efectuada pela Requerente à sociedade C…, com base em valores estipulados no contrato celebrado entre ambas as entidades;

g)      A Requerente explora diretamente os equipamentos e instalações do clube, incluindo as instalações designadas por “…” que abrangem o restaurante, cabeleireiro, lojas e o bar;

h)      A Requerente foi sujeita a uma acção inspectiva de âmbito geral ao exercício de 2011, credenciada pela ordem de serviço nº OI2012…, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria tributável de IRC no montante de € 318.833,54 e correcções em sede de IVA no montante de € 216.156,34, sendo que estas correcções deram origem ao acto de liquidação de IRC n.º 2014…, que fixou os prejuízos fiscais da Requerente, relativos ao exercício de 2011, no valor de € 21.561,84, bem como os actos de liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) respeitantes aos períodos de 1103T, 1106T e 1109T, nos valores de, respectivamente, € 32.625,91, € 35.728,94 e € 26.541,80;

i)       A Requerente deduziu uma acção arbitral que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) sob o processo n.º 741/2014-T, a qual teve como objecto a liquidação de IRC n.º 2014 … que fixou os prejuízos fiscais no valor de € 21.561,84, bem como os actos de liquidação de IVA referidos no ponto precedente, onde a AT invocou a excepção de intempestividade do pedido respeitante à liquidação de IRC n.º 2014…, tendo o Tribunal Arbitral, no Acórdão datado de 5 de Junho de 2015, julgado a excepção procedente;

j)       No dia 18 de Setembro de 2015, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa identificando como objecto do pedido a notificação «da demonstração de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) (...) que fixou os seus prejuízos fiscais, relativos ao exercício de 2011, no valor de € 21.561,84»; 

k)      Ressalvando tudo o que se vier a invocar na Resposta que contrarie a argumentação da Requerente, impugnam-se especificadamente os factos constantes dos artigos 10.º, 14.º, 15.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 32.º, e 35.º do pedido arbitral;

l)       No artigo 10.º do pedido de pronúncia arbitral a Requerente afirma que “Caso o membro falte a qualquer pagamento que lhe é cobrado pela C…, perderá essa qualidade e passará a ser tratado como qualquer outro cliente, podendo apenas ocupar uma moradia disponível mediante o pagamento do preço à ora impugnante devido por qualquer cliente não membro e afirma, no artigo 14.º, “Sendo certo, como vimos, que de acordo com as “condições estabelecidas nos Títulos de Membro” a condição de membro e o seu inerente direito de alojamento se suspende ou se extingue, caso este falte a qualquer pagamento que lhe é cobrado pela C…”, concluindo no artigo 15.º que “os valores que correspondam a alojamento que os membros não puderam ou não quiseram usar, porque não pagaram ou simplesmente porque se desinteressaram, não são – nem poderiam ser – cobrados à C… .”;

m)    Tais afirmações são totalmente contraditadas pelo teor das “D…”, das quais resulta que o processo de suspensão não é automático e implica um período de suspensão, sendo que a suspensão de membros ou a renúncia a essa condição não tem como consequência automática que os direitos de ocupação afectos a esses membros não sejam utilizados pelos mesmos ou por outras pessoas, estabelecendo a Regra 12.1 “The club may at any time suspend your Occupancy Rights or your rights as na Associate Club Member: a.If you fail to pay when due any Money payable by you to the Club or any Money due to A… Lda including the management charge and/or the Associate» e a  Regra 12.4 que “The Club may at its discretion attempt to let your occupancy rights if they have been suspended and shall account to you for any amounts received by it less: a.         any sums due from you to the Club; b.  and reasonable commission as decided by the Club on any sums received  (…); and  c.          any reasonable expenses incurred”, ou seja, a falta de pagamento pontual, pelo membro do Clube das taxas de manutenção, não implica a perda da qualidade de membro, mas, antes, uma suspensão, ficando o Clube com o direito de utilizar os direitos de ocupação do membro suspenso e, com a receita obtida, amortizar o montante em dívida;

n)      Por outro lado, a perda da qualidade de membro, nas situações previstas na Regra 13, nomeadamente quando o motivo se prende com falta de pagamento por período superior a 24 meses, o Clube envida esforços para encontrar e nomear um candidato à substituição que, ao tornar-se membro, deve pagar as importâncias em dívida do membro antecessor (cfr. Regra 13.3);

o)      A Requerente menciona no artigo 25.º do pedido arbitral que deduziu uma acção de impugnação arbitral que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), sob o processo n.º 741/2014-T “contra o acto de liquidação adicional de IVA relativo ao período de 1103T, emitido com idêntico fundamento assim vertido no Relatório”. Ora, como acima referimos, o processo n.º 741/2014-T teve como objecto a mesma liquidação de IRC ora impugnada que fixou os prejuízos fiscais, relativos ao exercício de 2011, no valor de € 21.561,84, bem como os actos de liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) respeitantes aos períodos de 1103T, 1106T e 1109T, nos valores de, respectivamente, € 32.625,91, € 35.728,94 e € 26.541,80 e correspondentes juros compensatórios, todos decorrentes das conclusões alcançadas pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) no âmbito da acção inspectiva efectuada ao abrigo da ordem de serviço nº OI2012…;

p)      A AT defendeu-se invocando a excepção peremptória de intempestividade do pedido respeitante ao IRC, tendo o Tribunal Arbitral decidido pela procedência da excepção; 

q)      Ao contrário do que a Requerente pretende fazer crer não foi efectuado qualquer julgamento, de facto ou de direito, sobre as correcções efectuadas pela Inspecção Tributária em sede de IRC, nem o Tribunal decidiu o que quer que fosse sobre a aplicação do disposto nos artigos 18.º, n.º 1 e 20.º do CIRC, dado que se verificou a caducidade do direito da Requerente impugnar a liquidação de IRC em resultado da apresentação intempestiva do pedido. Com efeito, a matéria de facto consignada no Acórdão arbitral apenas sustentou a decisão de procedência parcial do pedido de anulação da liquidação adicional de IVA de 1103T, que incidia sobre descontos efectuados aos alojamentos, concluindo que “Assim, tendo as facturas referidas sido emitidas quando já não havia lugar à redução, esta norma [artigo 16.º, n.º 6, alínea b), do CIVA] dá suporte legal à não consideração do valor da redução, ao valor da transacção”, pelo que, ao contrário do que afirma a Requerente no artigo 32.º do pedido arbitral, não foi proferida pelo Tribunal arbitral nenhuma decisão que considere ilegal a liquidação de IRC relativos ao exercício de 2011, no valor de € 21.561,84, com fundamento em erro imputável aos serviços;

r)       O mesmo se dirá quanto à invocação, nos artigos 28.º e 29.º do pedido arbitral, do Acórdão proferido no processo n.º 556/2015-T, que julgou procedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA de 1112T, 2012 e 2013, e quanto à afirmação de que as liquidações incidem “justamente sobre idêntica situação à que aqui está em causa nos presentes autos”, dado que no processo 556/2015-T não estava em causa qualquer liquidação de IRC, efectuada com fundamento nos artigos 18.º, n.º1 e 20.º do CIRC, mas sim a aplicação dos normativos do Código do IVA que prevêem formalismos específicos em caso de redução do valor tributável das operações e de regularização do IVA, cujo incumprimento implica a nulidade das rectificações, designadamente o artigo 16.º e o artigo 78.º do CIVA. Assim, também nesta acção arbitral, matéria de facto foi determinada em ordem à sua subsunção ao regime de regularizaçãoes vigente em sede de IVA, sendo a mesma relevante para o preenchimento das respectivas previsões normativas, não tendo o Tribunal Arbitral sido chamado a julgar da legalidade duma liquidação de IRC efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 18.º, n.º 1 e 20.º do CIRC;

s)      A Requerente pretende fazer crer (cfr. artigos 76.º, 77.º, 78.º, 79.º 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 100.º, 101.º e 102.º do pedido arbitral) que a legalidade das correcções efectuadas pela AT em sede de IRC já teria sido objecto de pronúncia no âmbito dos processos que correram termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) sob os n.ºs 741/2014-T e 556/2015-T, considerando que se trata de apreciar a mesma questão controvertida, incorrendo num incorre num erro essencial que é o de considerar, sem qualquer fundamento legal, que por ter sido apurada na mesma acção inspectiva factualidade que fundamenta correcções em sede de IVA e em sede de IRC, tal circunstância não encerraria nenhuma especificidade para efeitos de impugnação das liquidações, não obstante o pedido formulado ao tribunal se reportar à anulação de liquidações de diferentes impostos fundamentado em diferente causa de pedir;

t)       Sendo substancialmente diferentes o pedido e a causa de pedir, é forçoso concluir que em cada uma dessas acções existe uma diferente relação material controvertida, pelo que a decisão que determina a anulação da liquidação adicional IVA não comporta eficácia de caso julgado que possa estender-se a uma acção cuja decisão, limitada pelo pedido e pela causa de pedir, determinará a anulação ou a manutenção de liquidação de IRC.

B) Por excepção

B)1.Da excepção do caso julgado

a)      A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral, que correu termos no CAAD, sob o processo n.º 741/2014-T, a qual teve por objecto a mesma liquidação de IRC n.º 2014… ora impugnada, que fixou os prejuízos fiscais no valor de €21 561,84;

b)      Em abono da sua pretensão, a Requerente invocou os mesmos fundamentos de facto e de direito aduzidos na presente acção, onde peticionou, tal como na presente acção arbitral, a anulação do acto de correcção dos prejuízos fiscais declarados no exercício de 2011, no valor corrigido de €318.833,54;

c)      Na acção arbitral n.º 741/2014-T, a AT invocou a excepção peremptória de intempestividade do pedido respeitante à liquidação de IRC n.º 2014…, tendo o Tribunal Arbitral julgado procedente a excepção considerando que «o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado intempestivamente, quanto à liquidação de IRC relativa ao ano de 2011»;

d)      Constitui jurisprudência do STA que a extemporaneidade da petição inicial obsta à produção do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor e determina a caducidade do direito de impugnação, possuindo a sentença que julgue a caducidade do direito de acção força de caso julgado material quanto a essa questão, nos termos do disposto nos artigos 619.º, n.º1 e 621.º do CPC (cfr. Acórdão do STA, de 17/6/2015, proc n.º 0194/15);

e)      Assim sendo, a questão da caducidade do direito de impugnar a liquidação de IRC do exercício de 2011, ficou definitivamente decidida na acção arbitral n.º 741/2014-T, tendo a decisão aí proferida força obrigatória de caso julgado.

 

B)2. Da Incompetência do Tribunal Arbitral Colectivo em razão do valor

a)      Tendo o presente pedido arbitral como objecto, mediato, a liquidação de IRC n.º 2014…, que apurou, para o exercício de 2011, um prejuízo fiscal no montante de €21. 561,84, deverá ser este o montante a considerar como valor da causa, nos termos do disposto n.º1, alínea a), do artigo 97.º-A, CPPT, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT;

Assim, de acordo com o artigo 5.º, n.º2, alínea a), do RJAT, o Tribunal arbitral deveria ter sido constituído com árbitro singular e não colectivo.

 

8.      No dia 24 de Fevereiro, realizou-se, em consonância com o contemplado no artigo 18.º do RJAT, audiência de julgamento, tendo nesta sido produzida a prova testemunhal requerida, em conformidade com a respectiva ATA. O Tribunal designou o dia 3 de Abril de 2017 como data limite de prolação da Decisão Arbitral. Esta data foi prorrogada para o dia 3 de Junho de 2017, por despacho do Tribunal de 3 de Abril. 

  1. A Requerente, em exercício do contraditório, sustentou a improcedência das excepções de caso julgado e da incompetência em razão do valor invocadas pela Requerida.
  2. Ambas as partes ofereceram alegações escritas.

 

II. SANEAMENTO

 

11.Análise da matéria de excepção

11.1. Da excepção do caso julgado:

Como ficou dito, invoca a Requerida a excepção de caso julgado, requerendo, em consequência, a sua absolvição da instância.

Alega, no essencial, que a presente acção constitui acção igual à que foi intentada, pela mesma Requerente, no Processo n.º 741/2014-T, que correu os seus termos também sob a égide do CAAD.

Ouvida a Requerente sobre tal matéria, pronunciou-se esta, no sentido de que tal excepção deve improceder.

Cumpre apreciar.

Verificam-se os pressupostos de procedência da excepção de caso julgado quando, após o trânsito em julgado de uma determinada acção, é proposta acção igual, sendo que tal identidade de acções se verifica se forem iguais os sujeitos, pedidos e causa de pedir.

Nas palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a excepção de caso julgado “consiste na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário”(cfr. Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 307).

Não se afigura, porém, que tais requisitos se encontrem reunidos no presente caso.

Na verdade, e em primeiro lugar, a decisão a que houve lugar no primeiro processo não foi uma decisão de mérito, antes uma decisão de forma, tendo, em matéria de IRC, havido lugar a absolvição da instância com base em intempestividade.

Tal circunstância obsta, por si só, à procedência da excepção alegada na presente instância.

Por outro lado, e não obstante a coincidência de partes, não se afiguram, no que diz respeito ao objecto do processo, sobreponíveis as duas acções em causa.

Com efeito, a causa de pedir deve ser compreendida como conjunto de factos juridicamente conformado pelo Autor (aqui Requerente), sendo que, para efeitos de avaliação de tal conformação jurídica, não pode deixar de ser tida em consideração a natureza do meio jurídico-processual a que a parte recorra.

Ora, a conformação jurídica da factualidade, a que a Requerente procede, numa e noutra acções, não é coincidente, como resulta do próprio facto de a mesma Requerente recorrer a meios processuais distintos (impugnação da liquidação, na primeira acção, e revisão oficiosa, no presente processo), concebidos e destinados a situações juridicamente distintas.

Não existe, pois, identidade de acções, nem, em consequência, a repetição de uma acção (pressuposto essencial para que se possa concluir ser procedente, no caso em presença, a invocação de excepção de caso julgado).

De salientar, por outro lado, e em consequência do que acaba de se expor, que também não se afigura verificada, no caso concreto, a razão de ser da figura do caso julgado.

Com efeito, este visa evitar que os tribunais se vejam confrontados com a possibilidade de serem proferidas decisões diferentes, na mesma acção, quanto a um mesmo tema.

Ora, os termos em que o problema da tempestividade é juridicamente tratado no âmbito da impugnação da liquidação – onde existe o prazo de 120 dias para recurso a juízo – é completamente distinto dos termos em que a mesma questão é juridicamente resolvida no âmbito da revisão oficiosa – onde releva o prazo geral de 4 anos. Razão que bem igualmente confirma que, ainda que a primeira decisão tivesse sido uma decisão de mérito, não estão em causa acções iguais, não sendo de proceder a excepção de caso julgado, porque não cumpridos os requisitos de verificação da mesma.

Nestes termos, julga-se improcedente a invocada excepção de caso julgado e, em consequência, igualmente improcedente o pedido de absolvição da Ré da instância com base nesse fundamento.

 

11.2. Quanto à incompetência do Tribunal Arbitral colectivo em Razão do Valor

            Como acima se explicitou, a Requerida invocou, em sede de contestação, que, tendo o presente pedido arbitral como objecto, mediato, a liquidação de IRC n.º 2014…, que apurou, para o exercício de 2011, um prejuízo fiscal no montante de €21.561,84, seria este o valor da causa, pelo que o Tribunal arbitral deveria ter sido constituído com árbitro singular e não colectivo.

            Em réplica, a Requerente pugnou pela improcedência da invocação da mencionada excepção.

Nos termos do previsto no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT (aplicável por força do disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), quando é impugnada uma liquidação o valor da causa corresponde à “importância cuja anulação se pretende”.

            No presente processo está em causa a correcção, realizada pela AT aos prejuízos fiscais, em sede de IRC, relativos ao exercício de 2011. Tendo a Requerente declarado como prejuízos fiscais o valor de €340.395,38, a AT corrigiu esse montante, reduzindo-o para €21.561,84.

            O valor da causa coincide, assim, com a utilidade económica decorrente da anulação, sendo que esta corresponde à diferença entre os valores acima indicados (€340.395,38 e €21.561,84) ou seja, a €318.833,54.

            Nestes termos, e como decorre do previsto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) do RJAT, o Tribunal arbitral deve assumir natureza colectiva.

            Improcede, em consequência, a excepção de incompetência invocada pela Requerida.

 

12.O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

13.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

14.O processo não enferma de nulidades.

15.Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos provados

 

1.         A Requerente, constituída sob a forma de sociedade por quotas, iniciou a actividade de “Aldeamentos Turísticos com Restaurante”, CAE 55117, em 01-12-1987, encontrando-se enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de tributação (cfr. relatório da acção de inspecção, adiante RIT);

2.         O objecto social da Requerente compreende a “Promoção, construção, gestão e exploração de empreendimentos turísticos próprios, compra e venda de imóveis” (cfr. fls. 5 do RIT);

3.         A Requerente é proprietária de um empreendimento turístico, sito na …, denominado B…, composto por 77 moradias em banda e 55 apartamentos, onde para além do alojamento são prestados serviços acessórios na área do desporto, lazer, alimentação (cfr. fls. 6 do RIT e contrato junto ao PA);

4.         A Requerente conferiu os direitos de ocupação do empreendimento à sociedade denominada C…, com sede na …, Reino Unido, a qual gere o empreendimento através de um clube de membros (cfr. fls. 6 do RIT e contrato junto ao PA);

5.         O capital social da Requerente é detido em 50% pela C… (cfr. contrato junto ao PA);

6.         O direito de alojamento no empreendimento pertence aos membros do Clube, nos termos contratados entre estes e a C… (cfr. fls. 6 do RIT, contrato junto ao PA e depoimento das testemunhas);

7.         Os direitos de ocupação nas semanas 1-12 e 44-52 beneficiavam de um desconto adicional, a título de maior intensidade de renovações/remodelações (cfr. Relatório dos Preços de Transferência 2011, junto ao PA);

8.         O desconto é atribuído segundo duas modalidades: (i) titulares antigos, apenas parte do desconto é considerado na taxa de manutenção; (ii) titulares recentes, o desconto é integralmente concedido na taxa de manutenção (cfr. Relatório dos Preços de Transferência 2011, junto ao PA);

9.         A definição do montante da taxa de manutenção paga pelos membros do Clube (“management charge”) depende dos custos estimados do Clube para determinado período, de défices de anos anteriores e do valor das reservas a constituir (cfr. ponto 4 do D…);

10.       A taxa de manutenção paga pelos membros do Clube não se destina apenas a fazer face a despesas com a utilização do imóvel (cfr. ponto 4 do D…);

11.       A facturação do alojamento é efectuada pela Requerente à sociedade C…, com base em valores estipulados no contrato celebrado entre ambas as entidades (cfr. contrato junto ao PA e depoimento das testemunhas);

12.       O único documento de suporte dos registos contabilísticos das operações que permite conferir as reduções dos valores que constam das facturas nos termos resultantes do ponto 26 do presente elenco de factos provados, é o mapa de apuramento elaborado pela C…, junto aos autos como doc. n.º 8 (cfr. RIT e depoimento das testemunhas);

13.       A Requerente só pode alojar terceiros nos casos e nas condições especialmente previstos e autorizados pela C… (cfr. contrato junto ao PA);

14.       A qualidade de membro do Clube só é atribuída a quem adquire direitos de ocupação de semanas no empreendimento B… (cfr.D…);

15.       A falta de pagamento das taxas de manutenção não implica que os membros do Clube percam automaticamente essa qualidade (cfr. regra 12.1 do D…);

16.       Em caso de falta de pagamento das taxas de manutenção, os membros do Clube ficam com a sua inscrição suspensa durante um período de 24 meses (cfr.D…);

17.       A Requerente factura periodicamente à C… as semanas que foram estabelecidas previamente para serem ocupadas pelos membros do Clube de acordo com os valores que são para o efeito fixados todos os anos (cfr. depoimento das testemunhas);

18.       Quando um membro do Clube renuncia a essa condição ou quando falte a qualquer pagamento devido à C…, e por isso não exerça ou não possa exercer o seu direito de alojamento, não é, por sua vez, devido qualquer valor pela C…, porquanto não é prestado qualquer serviço pela Requerente (cfr. depoimento das testemunhas);

19.       Para controlo recíproco da C… e da Requerente, esses valores são reflectidos – de acordo com o apuramento que anualmente é feito pela primeira e conferido pela segunda – nas facturas emitidas à C…, em regra na última do ano, sob a designação de reversal of uncoll accom serv fee (cfr. depoimento das testemunhas);

20.       De acordo com as “condições estabelecidas nos Títulos de Membro” a condição de membro e o seu inerente direito de alojamento suspende-se ou extingue-se, caso este falte a qualquer pagamento que lhe é cobrado pela C… (cfr. depoimento das testemunhas);

21.       Porém, para controlo recíproco da C… e da Requerente os valores que correspondam a alojamento que os membros não puderam ou não quiseram usar, porque não pagaram ou simplesmente porque se desinteressaram, não são cobrados à C… e são reflectidos – de acordo com o apuramento que anualmente é feito pela primeira e conferido pela segunda – nas facturas emitidas à C…, em regra na última do ano, sob a designação de reversal of uncoll accom serv fee (cfr. depoimento das testemunhas).

22.       A designação de “Reversal Of Uncoll Acoom Serv Fee” corresponde a abatimentos relativos a Serviços de Alojamento (Accomodation Services Fees). Esta redução aos Serviços de Alojamento ocorre, comummente, por se verificar a suspensão dos membros, como consequência da existência de valores não liquidados, bem como a abatimentos relativos a Serviços de Alojamento (Accomodation Services Fees), como consequência da resignação dos membros. Os valores dos Serviços de Alojamento, cobrados para o exercício são assim revertidos na medida em que não seriam devidos, por se ter verificado a suspensão ou resignação anteriormente (cfr. depoimento das testemunhas);

23.       À designação de ‘reversal of uncoll accom serv fee’ correspondem as moradias/semanas que os membros não usaram, pois perderam ou renunciaram, em 2011, o direito de efectivamente as usar (cfr. depoimento das testemunhas);

24.       Nas situações em que os valores deduzidos se referem a suspensões e resignações dos membros, que o SP designa por "Reversal Of Uncoll Acoom Serv Fee", entende-se que essa dedução aos ganhos não cabe ao SP, porquanto o cliente do SP é a empresa de direito inglês C… e não os sócios do clube de membros, que usufruem dos serviços de alojamento e serviços complementares prestados pelo SP e que celebraram um contrato com a C… (cfr. depoimento das testemunhas);

25.       Tais valores são assim deduzidos em regra na última factura do ano porque só então é possível à C… identificar todas as semanas que não foram ocupadas pelos membros durante esse ano por qualquer uma das referidas razões que conduziram à suspensão ou extinção dos seus direitos de alojamento no aldeamento da Requerente (cfr. depoimento das testemunhas);

26.       No ano de 2011, a Requerente incluiu nas suas facturas nºs …/2011 e …/2011, de 30 de Novembro de 2011 e de 31 de Dezembro de 2011, respectivamente, ambas emitidas à C…, sob a rubrica reversal of uncoll accom serv fee valores negativos de € 57.203,25, € 24.230,08, € 74.623,46 e € 78.551,34, na factura de Novembro e de € 84.225,44 na factura de Dezembro (cfr. documentos anexos aos autos);

27.       Esses valores têm subjacentes serviços de alojamento que não chegaram a ser prestados aos membros no decurso de 2011, discriminado nos mapas de apuramento da C…(cfr. depoimento das testemunhas).

 

A.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

O Tribunal tem o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, foi tido em consideração a posição assumida pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, os depoimentos prestados na audiência de 24 de Fevereiro de 2017 e o aproveitamento da prova produzida em audiência de 09 de Abril de 2015 do processo n.º 741/2014-T, sendo que as testemunhas inquiridas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos sobre que se pronunciaram.

 

B. DO DIREITO

Constitui jurisprudência firme do Supremo Tribunal Administrativo que “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação (…) que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário” (Acórdão do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11). No caso em apreço, a aferição da legalidade do acto praticado pela Requerida far-se-á, assim, considerando exclusivamente a fundamentação dele constante.

A questão central em análise nos presentes autos consiste em apurar se a liquidação a que a Requerida procedeu (na sequência da redução dos prejuízos fiscais de €€340.395,38 para €21.561,84), com o fundamento em que o fez, se revela ou não em conformidade com o regime legal.

O valor correspondente à referida liquidação resultou do acréscimo (pela Requerida) dos montantes que foram incluídos na fatura n.º…/2011, de 30.11 (com os valores de 57.203,25€; 24.230,08€; 74.623,46€; 78.551,34€ num total de 234.608,13€) e na fatura n.º …/2011, de 31.12 (com o valor de 84.225,41€), num total de 318.833,54€, e sob a designação comum de “reversal of uncoll accom serv fee”.

Para tanto, invocou a Requerida a violação do disposto nos artigos 18.º e 20.º do Código do IRC.

Vejamos.

No que diz respeito aos mencionados artigos 18.º, n.º 1 e 20.º do Código do IRC, cabe explicitar que, nos termos do primeiro:

“Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.

Em conformidade com o segundo:

“1— Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:  

a) Os relativos a vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens;

b) Rendimentos de imóveis;

c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) Rendimentos da propriedade industrial ou outros análogos;

e) Prestações de serviços de carácter científico ou técnico;

f)(*) Ganhos por aumentos de justo valor em instrumentos financeiros; (Red. da Dec.Retificação n.º 18/2014, de 13 de março)

g)(*) Ganhos por aumentos de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais; (Red. da Dec.Retificação n.º 18/2014, de 13 de março)

h)  mais-valias realizadas;

i) Indemnizações auferidas, seja a que título for;

j) Subsídios à exploração.  

2 — É ainda considerado como rendimento o valor correspondente aos produtos entregues a título de pagamento do imposto sobre a produção do petróleo que for devido nos termos da legislação aplicável.

3 — Não concorre para a formação do lucro tributável do associante, na associação à quota, o rendimento auferido da sua participação social correspondente ao valor da prestação por si devida ao associado.

4 - É ainda considerada como rendimento a diferença positiva entre o montante entregue aos sócios em resultado da redução do capital social e o valor de aquisição das respetivas partes de capital”.

No que diz respeito à segunda norma transcrita, releva, para o presente efeito, a al. a) do seu n.º 1: ““1— Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:  

a) Os relativos a vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens”.

 

Importa, assim, apurar se a Requerente infringiu ou não tais normativos legais e, em consequência, se a correcção efectuada pela Requerida com base em tais normas se revela ou não juridicamente correcta.

Para tanto, cumpre começar por analisar o regime jurídico contratual vigente entre a Requerente e a C… - … .

Como decorre da factualidade provada, na sequência de contrato celebrado entre ambas, a Requerente factura periodicamente à C… as semanas que foram estabelecidas previamente para serem ocupadas pelos membros do Clube de acordo com os valores que são, para o efeito, fixados todos os anos.

Porém, para controlo recíproco da C… e da Requerente os valores que correspondam a alojamento que os membros não puderam ou não quiseram usar, porque não pagaram ou simplesmente porque se desinteressaram, não são cobrados à C… e são reflectidos – de acordo com o apuramento que anualmente é feito pela primeira e conferido pela segunda – nas facturas emitidas à C…, em regra na última do ano, sob a designação de reversal of uncoll accom serv fee.

Ou seja, as partes procedem, no fim do ano, a um acerto de contas entre ambas, no sentido de aquela primeira só pagar à Requerente o valor correspondente aos serviços efectivamente prestados.

A previsão, contratualmente estabelecida pelas partes, no sentido de que os pagamentos ocorram, num primeiro momento, de acordo com uma estimativa quanto ao que venha a ser a taxa de ocupação ao longo do ano e que, posteriormente, tais valores sejam acertados de acordo com as prestações de serviços efectivamente proporcionados, corresponde a regime que juridicamente se encontra ao alcance das partes fixar, com base no princípio da autonomia privada na dimensão de liberdade de fixação do conteúdo dos negócios jurídicos (artigo 405.º do Código Civil).

O que está em causa é uma prática contabilística da Requerente de harmonia com a qual esta factura periodicamente à C… as semanas que vão sendo objecto de uso pelos membros do Clube, de acordo com os valores que são, para o efeito, fixados todos os anos.

Tal prática não se revela contrária ao princípio da periodização dos exercícios prevista no referido art. 18.º, n.º 1, do CIRC.

Com efeito, de acordo com esta última norma, os rendimentos devem ser imputados ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

Critério acolhido também na NCRF 20, segundo a qual o rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados.

No caso, o rédito da Requerente resulta da ocupação efectiva do empreendimento, por membros da C…, devendo a Requerente reconhecer nas suas demonstrações financeiras e reflectir no seu resultado fiscal os serviços que efectivamente presta à C…, pelo valor que recebe desta ou tem a receber, em conformidade com o acordado pelas partes.

Como ficou provado, quando um membro do Clube renuncia a essa condição ou quando falte a qualquer pagamento devido à C…, e por isso não exerça ou não possa exercer o seu direito de alojamento, não é, por sua vez, devido qualquer valor pela C…, porquanto não é prestado qualquer serviço pela Requerente.

Consequentemente, os valores que correspondam a alojamento que os membros não puderam ou não quiseram usar, porque não pagaram ou simplesmente porque se desinteressaram, não são cobrados à C… . Tais valores apenas são reflectidos nas facturas emitidas à C…, em regra na última do ano, porque só então é possível à C… identificar todas as semanas que não foram ocupadas pelos membros durante esse ano, sob a designação de “reversal of uncoll accom serv fee”.

Esta realidade factual foi apreciada, de forma rigorosamente idêntica, e considerada provada, como vimos, nos processos n.ºs 741/2014-T e n.º 556/2015-T, julgados no CAAD e anteriormente referidos, já entretanto transitados em julgado, ainda que, nesses dois casos, estivesse em causa a apreciação dos mesmos factos à luz do Código do IVA.

Assim sendo, da prática convencionada e desenvolvida entre a Requerente e a C…, de nenhum modo resulta que a Requerente não tenha respeitado tal periodização económica, pelo que não se revela infringida a normatividade referida.

Acresce que este princípio deve ser compreendido e aplicado em conjugação com outro princípio jurídico-fiscalmente relevante – o princípio da substanciação económica -, nos termos do qual as operações devem ser consideradas atendendo à sua substância e à realidade financeira e não apenas à sua forma legal. Este princípio está, por sua vez, associado ao princípio da tributação segundo o rendimento real.

Nestes termos, se, por força do primeiro princípio, a Requerente tem o dever de imputar os rendimentos ao período em que os direitos correspondentes a esses rendimentos tenham surgido, por força do segundo assiste-lhe também a garantia de só ser tributada pelos direitos que efectivamente tenham surgido na sua esfera jurídica.

Ora, o primeiro dever não se mostrou infringido no caso em análise.

Sem prejuízo de, como ficou dito, o Tribunal se ter de ater, na apreciação da legalidade do acto tributário em causa, aos fundamentos, quer de facto, quer de direito, externados naquele, sempre se dirá que era sobre a Requerida que recairia o ónus de fazer prova de que a Requerente efectivamente prestou tais serviços e, assim, de que se teriam constituído, em benefício daquela, direitos de crédito cuja facturação houvesse sido omitida.

Na verdade, e como resulta do previsto no artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que era sobre a Requerida que impenderia o dever de fazer prova do facto constitutivo do direito a corrigir a liquidação, acrescendo a tal cálculo os novos valores que alega corresponderem a rendimentos auferidos pela Requerente.

À circunstância de tanto resultar da referida norma legal, acresce o facto (conquanto não decisivo) de que a mencionada distribuição do ónus se revelaria, nesta hipótese, a mais adequada, sob pena de se fazer incidir sobre a Requerente a prova – sobremaneira difícil – de um facto negativo (de não constituição dos direitos de créditos aos rendimentos que a Requerida lhe imputa). Consequentemente, em situação de dúvida, sempre se deveria decidir em sentido favorável à Requerente, ou seja, contra a parte sobre quem incidiria o ónus da prova.

Por outro lado, na presente situação, a posição da Requerente sempre se encontraria reforçada pela presunção legal de que o teor da contabilidade organizada pelo contribuinte corresponde à verdade (cfr. artigo 75.º, n.º 1, da LGT), sendo que a Requerida não logrou fazer prova do contrário.

Em suma, o comportamento da Requerente revela-se admissível porquanto contratualmente definido e fiscalmente permitido.

Entendimento que se reflecte também no preconizado no Proc. n.º 556/2015-T, onde se decidiu que “mesmo tendo em conta o procedimento da Requerente, de facturar valores provisórios mensalmente, e acertar, no fim do ano o valor da prestação global que lhe é devida, ou de descontos, por “disturbance allowance”, não havendo, como é o caso, indícios de que se trata de uma situação fraudulenta ou visando a erosão da base tributável, haverá sempre que concluir que se trata de um procedimento contratual e, consequentemente, fiscalmente permitido, no âmbito da faculdade que é reconhecida às partes de conformar as respectivas relações económicas do modo que, do seu ponto de vista, se lhes afigura mais prático ou adequado, não havendo qualquer justificação material para impor, como pretende a Autoridade Tributária, um procedimento distinto”.

Mais adiante, na mesma Decisão arbitral, sobre a legitimidade do comportamento da Requerente, o Tribunal ponderou que “(…) não obstante a relação dos membros do clube, suspensos ou exonerados, ser com a C (… ), nada obsta a que, como acontece, sendo esse o acordo das partes, o preço dos serviços a prestar pela Requerente à C…, seja ajustado em função das suspensões e exonerações que, em cada momento, se verifiquem”.

Não se podendo, assim, concluir que tenha havido lugar, pela Requerente, da violação da normatividade invocada pela AT como base para a correcção da liquidação a que procedeu, revela-se esta juridicamente insustentável, devendo ser anulada.

Termos em que, como decorrência do exposto, haverá que concluir pela ocorrência de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, que implica a anulabilidade da liquidação adicional, na parte referente à correcção dos prejuízos fiscais, determinada pela AT, quando lhes acresceu os valores subjacentes aos serviços de alojamento incluídos nas facturas nºs …/2011 e …/2011 sob a designação reversal of uncoll accom serv fee, no valor total de € 318.833,54.

 

C. DECISÃO

 

Termos em que o Tribunal decide:

a)      Julgar improcedentes as excepções invocadas pela Requerida AT;

b)      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que reduziu os prejuízos fiscais da Requerente, relativos ao exercício de 2011, para  € 21.561,84, por correcção dos prejuízos fiscais reportados, do mesmo período,  no valor  de € 318.833,54, com a consequente anulação e, nessa sequência,

c)      Anular o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;

d)      Condenar a Requerida AT nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 318.833,54, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.508,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

                                                    Lisboa, 5 de Maio de 2017.

 

O Árbitro Presidente

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal

 

(Artur Maria da Silva)