Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 25/2017-T
Data da decisão: 2017-09-05  IMT  
Valor do pedido: € 1.807,23
Tema: Inutilidade superveniente da lide - repartição das custas
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Decisão Arbitral

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 21.03.2017, decide nos termos que se seguem:

 

I.                   Relatório

No dia 05-01-2017, a sociedade “A…, S.A.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-01-2017.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 06-03-2017.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21-03-2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

A Requerente pede ao tribunal que declare a ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) com o n.º 2016…, no valor de € 1.807,23, referente à aquisição de uma fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo …, da união das freguesias de …, … e …, no âmbito do processo de insolvência da sociedade B…, Lda., que correu termos no Tribunal Judicial de Coimbra, … juízo cível, com o n.º …/12… TJCBR, e, consequentemente, que o mesmo seja anulado, com a consequente restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Na Resposta apresentada no dia 27.04.2017, a AT informou o Tribunal de que o ato de liquidação de IMT objeto do presente processo havia sido revogado, por despacho de 2017-03-02 do Diretor de Finanças de Coimbra, do qual enviou cópia. Na informação que antecede o despacho de revogação do ato refere-se que “face às novas orientações veiculadas pela circular 4/2017, que substituem o entendimento constante da circular n.º 10/2015, subjacente à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, afigura-se-nos que as mesmas conduzem à revogação do despacho de indeferimento, nos termos e para os efeitos do artigo 112.º do CPPT.”

 

Assim, por o objeto do pedido de pronúncia arbitral se encontrar revogado, pede a Requerida que seja declarada a inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente conforme artigo 29.º, n.º 1 do Regime da Arbitragem Tributária.

 

Notificada para o efeito, veio a Requerente, em 18.05.2017, apresentar alegações em que deu por reproduzido tudo o que havia sido alegado e peticionado no pedido de pronúncia arbitral, sem nada acrescentar quanto à revogação do ato impugnado.

 

II.                SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III.             DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

 

O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, estabelece que “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

 

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio. A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei. Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

No caso concreto, ao revogar o ato de liquidação de IMT que constituía o objeto deste processo, a AT satisfez essa pretensão formulada pela Requerente nestes autos. Nessa medida, o principal resultado que a Requerente visava com o presente processo arbitral foi já integralmente atingido, sendo apenas necessário que a AT proceda (caso ainda não o tenha feito) à execução dos atos consequentes da revogação do ato de liquidação em causa. Assim, a decisão arbitral que, normalmente, seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, afigura-se destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.

 

Note-se, por fim, que a decisão de revogação do ato de liquidação em questão por parte da AT surge na sequência da adoção de um novo entendimento sobre a situação relevante, ou seja, sobre a isenção de IMT peticionada pela Requerente, por parte da Requerida. Esse novo entendimento surge através da circular 4/2017, do Gabinete do Diretor Geral, datada de 10.02.2017.

 

Sem necessidade de maiores considerações, julga-se, pois, verificada a inutilidade superveniente da lide.

 

IV.             DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS

 

O artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, sob a epígrafe “repartição de custas”, estabelece o seguinte:

 

Artigo 536.º (art.º 450.º CPC 1961)

Repartição das custas

1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.

 2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:

 a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;

 b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;

 c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;

 d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;

 e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.

 3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.

 4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas. 

 

No caso concreto, temos que:

1)      A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral no dia 05/01/2017;

2)      O novo entendimento da AT do qual decorreu a revogação do ato de liquidação foi sancionado por despacho datado de 10/02/2017;

3)      A AT procedeu à revogação do ato de liquidação no dia 02/03/2017, tendo dado disso conhecimento ao tribunal no dia 27/04/2017.

 

De acordo com a própria circular 4/2017, a mesma foi emitida na sequência do Despacho n.º 14/2017-XXI, de 26 de janeiro, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o qual, com fundamento na recente jurisprudência do Supremo tribunal Administrativo (STA), bem como no disposto no n.º 4 do artigo 68.º-A, da Lei Geral Tributária (LGT), que prevê que a administração tributária deve rever as suas posições face à jurisprudência dos tribunais superiores, determinou à AT que procedesse à revisão da interpretação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, expresso no ponto III do anexo à Circular n.º 10/2015, na parte relativa à isenção de IMT na aquisição de imóveis.

 

Assim, é possível concluir que, (i) quando a Requerente deu entrada do pedido de pronúncia arbitral, o ato de liquidação ainda não havia sido revogado; (ii) a revogação do ato teve lugar na sequência de novo entendimento adotado pela AT relativamente à isenção de IMT em discussão; (iii) o novo entendimento da AT surge na sequência de jurisprudência do STA sobre a questão sub judice.

 

Contudo, embora o entendimento da AT sobre a questão se tenha alterado, não é rigoroso dizer-se que o mesmo surge na sequência de uma “reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido”. Com efeito, este novo entendimento da AT apenas reflete aquele que tem sido o entendimento do STA constante de jurisprudência reiterada já com alguns anos (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 968/13, de 18 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 0575/15, de 25 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 866/13, de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 1345/15 e, mais recentemente, o Acórdão de 20 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 01350/15). Já em 18 de Novembro de 2015, no acórdão proferido no processo n.º 0575/15, o STA dizia que “uma interpretação conforme à CRP impõe que se considere que a isenção em causa se aplica também às vendas e permutas dos elementos do ativo de empresas enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, uma vez que é para essa solução que aponta a lei de autorização legislativa que autorizou o Governo a legislar sobre esta matéria, pelo que uma interpretação diversa seria inconstitucional, uma vez que, nesse caso, teria o Governo legislado em desrespeito pelo “sentido e extensão” da autorização legislativa.”

 

Face ao exposto, considera-se ser aplicável in casu o disposto no n.º 4 do artigo 536.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT: “Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.” Não se verificando nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 2 das quais poderia resultar a ausência de responsabilidade da Requerida pela inutilidade superveniente da lide, considera-se, nos termos da referida disposição legal, ser sua obrigação o pagamento integral das mesmas.

 

V.                DECISÃO

 

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a) Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide;

b) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VALOR DO PROCESSO: em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 1.807,23 (mil oitocentos e sete euros e vinte e três cêntimos).

CUSTAS: nos termos do disposto nos artigos 536.º do CPC, 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4 e 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, no n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e respetiva Tabela I, o montante das custas é fixado em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 05 de setembro de 2017

 

A Árbitro