Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 430/2017-T
Data da decisão: 2017-11-24  IUC  
Valor do pedido: € 4.343,96
Tema: IUC – Incidência Subjectiva.
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Decisão Arbitral

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, doravante Requerente, pessoa colectiva nº…, domiciliada na Rua …, …, em Lisboa, área do … Serviço de Finanças de Lisboa e na Rua …, …, …, em Lisboa veio, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral singular, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT ou Requerida, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação identificados nos autos.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 17 de Março de 2017.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 20 de Setembro de 2017.

 

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

 

Em face do teor da matéria contida nos autos, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais.

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é uma instituição financeira especializada no ramo automóvel, procedendo à compra de viaturas novas aos importadores nacionais B… e C… e realizando habitualmente locações – leasing (locação financeira) ou ALD (aluguer de longa duração) dessas mesmas viaturas a favor de terceiros;

b)      A Requerente foi notificada das notas de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) constantes dos autos, no valor total de €4.343,96;

c)      A Requerente apresentou reclamação graciosa dos referidos actos de liquidação de IUC;

d)      Por despacho datado de 5 de Abril de 2017, a Requerente foi notificada do despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada;

e)      A Requerente pagou as notas de liquidação de IUC identificadas nos autos;

f)       Os veículos correspondentes aos actos de liquidação de IUC identificados nos autos foram objecto de contrato de locação ou de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda.  

 

O Tribunal não considerou provados os seguintes factos:

Os veículos …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… foram transferidos pela Requerente a terceiros.

 

Este tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

As principais questões que se colocam nos presentes autos prendem-se com saber se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do IUC, relativamente aos actos de liquidação de IUC identificados nos autos, nas seguintes situações:

 

a)      Relativamente a veículos abrangidos por contratos de locação financeira ou por contratos de ALD com promessa de compra e venda;

b)      Relativamente aos veículos alienados antes da data de exigibilidade do IUC.

 

A este propósito defende a Requerente, sinteticamente, o seguinte:

 

  1. No que concerne aos veículos automóveis abrangidos por contratos de locação financeira ou por contratos de ALD com promessa de compra e venda, surgem duas outras características fundamentalmente divergentes dos tradicionais contratos de locação operacional e/ou de aluguer: (a) o locatário financeiro de veículos automóveis é equiparado a proprietário segundo legislação do licenciamento de veículos automóveis e os seus reboques – vide Decreto-Lei n.º 11/84, de 7 de Janeiro; e (b) o Código do IUC, no n.º 2 do seu artigo 3.º, equipara os locatários financeiros a proprietários, bem como os titulares de direitos de opção de compra por força de contratos de locação, para efeitos da incidência subjectiva do IUC;
  2. Atendendo às características elencadas, alcança-se o sentido da equiparação, em sede de incidência subjectiva do IUC, dos locatários financeiros e dos titulares de direitos de opção de compra por força de contratos de locação, a proprietários das viaturas;
  3. Verifica-se que algumas das situações em análise correspondem a viaturas que se encontravam abrangidas por contratos de locação financeira ou por contratos de locação operacional com promessa de compra e venda;
  4. Com efeito, atente-se ao caso da viatura com a matrícula …-…-…, em relação à qual foi celebrado um contrato de locação financeira com D…, com início a 20 de março de 2010 e cujo término ocorreu no dia 19 de março de 2015, tendo a A… sido notificada pela AT para o pagamento do IUC referente ao exercício de 2014;
  5. Ora, de acordo com o nº 2 do artigo 4.º do Código do IUC, o período de tributação do IUC corresponde ao ano em que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E;
  6. Consequentemente, tendo em consideração que a data da matrícula da viatura com a matrícula …-…-… é o dia 2 de Março de 2010, o IUC referente ao período de 2014 era devido na data do seu aniversário, ou seja, no dia 2 de Março de 2014;
  7. Não obstante, no dia 2 de Março de 2014 encontrava-se a vigorar o contrato de locação financeira supra referido, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Código do IUC, o sujeito passivo não era a A…, mas antes o locatário financeiro uma vez que este é equiparado a proprietário do veículo;
  8. Por outro lado, se observarmos a situação da viatura com a matrícula …-…-…, verifica-se que a mesma encontra-se vinculada a um contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda celebrado entre a A… e a E… Lda., tendo o mesmo sido iniciado em 8 de Julho de 2015 e terminado no dia 7 de Julho de 2017;
  9. Tendo em consideração que a data da matrícula desta viatura é o dia 3 de Julho de 2015, o IUC respeitante ao ano de 2016 era devido no dia 3 de Julho de 2016;
  10. No entanto, neste contrato encontrava-se igualmente prevista a promessa de compra por parte da locatária à A…, determinando assim que, nos termos do nº 2 do artigo 3º do CIUC, o sujeito passivo não era a A…, mas antes o titular da opção de compra por força de contrato de locação.;
  11.  Assim sendo, a Requerente jamais se compadece com tais autoliquidações de IUC, na medida em que não era o sujeito passivo deste imposto;
  12. Nessa medida, as referidas autoliquidações de IUC são ilegais, por violação do artigo 1.º e do n.º 2 do artigo 3.º, ambos do Código do IUC, devendo por isso ser anuladas e reembolsado à A… o respectivo IUC indevidamente pago;
  13. Relativamente aos veículos alienados antes da data da exigibilidade do IUC, as transferências de propriedade deram-se por mero efeito dos contratos celebrados, estando as mesmas devidamente suportadas pelas respectivas facturas de venda, as quais fazem parte dos dossiers referente a cada uma das matrículas em questão;
  14. Ora, a este respeito importa salientar que a transmissão da propriedade automóvel pode efectuar-se por mero efeito do contrato, não ficando dependente de qualquer acto posterior para que se constitua ou para que se torne efectiva, legal e juridicamente, tal como a tradição da coisa ou o registo;
  15. Consequentemente, atenta a noção legal de terceiro, e na medida em que não são preenchidos os requisitos legais inscritos nessa noção, a AT não poderá ser qualificada como tal, não podendo, assim, invocar a ausência de registo para justificar a ineficácia dos contratos de compra e venda das viaturas;
  16. Em face do exposto, a AT não poderá alegar a ausência de actualização do registo do direito de propriedade, para exigir o pagamento do imposto ao anterior proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado, sempre que, por um qualquer meio, lhe for apresentada prova da respectiva venda;
  17. Aliás, seria injustificada a imposição de uma espécie de presunção inilidível, uma vez que, sem uma razão aparente, estar-se-ia a impor uma (reconhecimento discutível) verdade formal em detrimento do que realmente podia e teria ficado provado;
  18. Mais ainda, importa salientar que, caso não se permitisse ao vendedor a elisão da presunção constante no artigo 3.º do Código do IUC, estar-se-ia a beneficiar, sem razão plausível, os adquirentes que, na posse de formulários de contratos de aquisição correctamente preenchidos e assinados, e usufruindo das vantagens associadas à sua condição de proprietários, se tentassem eximir, por via de um “formalismo registral”, ao pagamento de imposto ou coimas;
  19. Face ao narrado, a ora A… procedeu à transmissão da propriedade dos veículos para os quais se viu obrigada a liquidar IUC;
  20. Ora, tais transmissões de propriedade encontram-se documentalmente suportadas pelas respectivas facturas de venda, as quais fazem parte do dossier referente a cada uma das matrículas em questão;
  21. Assim, sendo manifesta a abertura que a lei fiscal deu ao contribuinte de fazer prova de que não é titular do direito de propriedade, através das facturas de venda das viaturas em apreço encontra-se, de forma indubitável, ilidida a presunção de titularidade do direito de propriedade por parte da A… sobre aqueles veículos;
  22. Assim sendo, a A… não se conforma com tais autoliquidações de IUC, na medida em que não era o sujeito passivo deste imposto;
  23. Porquanto, as referidas autoliquidações de IUC são ilegais, por violação dos artigos 1.º e do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, devendo por isso ser anuladas e reembolsado à A…, o respectivo IUC indevidamente pago;
  24. Como se constata do referido e da prova documental produzida, todos os veículos em questão não são utilizados pela A…, nem é no seu interesse que os mesmos entram em circulação rodoviária.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. Não assiste razão à Requerente quando alega a ilegalidade das liquidações de IUC (por violação do artigo 3.º, n.º 2 do Código do IUC) referentes aos veículos objecto de contratos de locação financeira celebrados;
  2. Em primeiro lugar, ainda que se concluísse estarmos perante contratos de locação financeira outorgados pela Requerente, sempre cabia a esta última demonstrar ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19.º do Código do IUC;
  3. Neste desiderato, isto é, não tendo a Requerente dado cumprimento àquela obrigação, forçoso é concluir que aquela é o sujeito passivo do imposto;
  4. Alega também a Requerente que os actos tributários sub judice assentam em erro sobre os seus pressupostos, na medida em já não era a proprietária dos veículos automóveis, aqui em causa nos momentos em que se venceu a obrigação de liquidação dos respectivos IUC, apesar do registo automóvel indicar a Requerente como proprietária daqueles;
  5. Neste desiderato decaem os argumentos invocados pela Requerente e, reconheçamos, o que a Requerente apresenta é insuficiente para ilidir uma presunção legal decorrente do registo das viaturas em seu nome nas datas de exigibilidade dos impostos;
  6. Ainda que por hipótese académica e sem conceder o Tribunal Arbitral venha a concluir pela procedência do pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente, importa salientar que o IUC visa tributar o proprietário do automóvel, sendo que a propriedade é revelada através do seu registo;
  7. Ora, não tendo a Requerente cuidado da atualização do registo automóvel, como aliás podia e competia [artigo 5.º/1-a) do Decreto-Lei 54/75, de 12 de fevereiro, e artigo 118.º/4 do Código da Estrada], e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível;
  8. E ao não ter procedido com o zelo que lhe era exigível, levou inexoravelmente a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e, paralelamente, a seguir a informação registral que lhe foi fornecida por quem de direito;
  9. Logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente;
  10. Consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.º/1 do CPC ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT, em linha, aliás, com questão similar decidida no âmbito processo que, sob o n.º 72/2013-T, correu termos neste centro de arbitragem.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

- Da Interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC

 

Estabelece o artigo 3.º do Código do IUC o seguinte:

 

“1-São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”

 

Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

 

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.


3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Estabelece-se, assim, que são três os elementos de interpretação da Lei, a saber: o elemento literal, o elemento histórico e racional e o elemento sistemático.

 

Atendendo ao elemento literal da norma aqui em discussão, importará, em primeiro lugar, reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei. Diz-se no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

 

De acordo com a AT, a expressão “considerando-se” não constitui uma presunção legal, sendo intenção do legislador estabelecer expressa e intencionalmente que se consideram como tais (como proprietários) as pessoas em nome das quais os mesmos (veículos) se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

 

Sucede que, do ponto de vista literal, constata-se que a expressão “considerando-se” ou “considera-se” é muitas vezes utilizada com sentido equivalente à expressão “presumindo-se” ou “presume-se”.

 

Assim, a título exemplificativo, veja-se o artigo 191.º, n.º 6, do CPPT, entre outros artigos assinalados nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 14/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T ou 170/2013-T.

 

Deste modo, pode dizer-se que a expressão “considerando-se” tem “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, devendo reconhecer-se a tal vocábulo uma correspondência corrente e normal a esse sentido presuntivo (Vide decisão arbitral proferida, no âmbito do processo n.º 286/2013-T).

 

Não obstante, e tal como é salientado pela AT, o vocábulo “considerando” também é utilizado fora de contextos presuntivos – Vide artigo 18.º da sua resposta.

 

Por isso, importa submeter ao controlo dos demais elementos de interpretação de natureza lógica o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC.

 

Assim, atendendo ao elemento histórico de interpretação, importa considerar que a proposta de lei n.º 118/X, de 7.03.2007, subjacente à Lei n.º 22-A/2007, de 29.06 consagra “como elemento estruturante e unificador (…) o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os Requerentes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária.”

 

Neste contexto, parece-nos claro que o legislador pretendeu tributar o sujeito passivo real e efectivo causador de danos viários e ambientais e não um qualquer detentor de registo automóvel.

 

Tal como já foi por diversas vezes salientado em várias decisões arbitrais, o princípio da equivalência visa internalizar as externalidades ambientais negativas, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, e foi erigido em princípio fundamental da tributação dos veículos automóveis em circulação.

 

Como defende Sérgio Vasques, in Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, Coimbra, 2001, p. 122, “Assim, um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também”, acrescentando que a concretização do dito princípio “(…) dita outras exigências ainda no tocante à incidência subjectiva do imposto (…)”.

 

Tendo em conta os fundamentos subjacentes à criação do actual Código do IUC, em especial, a erupção do princípio da equivalência em princípio estruturante e unificador da tributação dos veículos em circulação, parece-nos que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC não pode ser interpretado como um comando fechado, mas antes como uma presunção ilidível, que tem por base a assunção de que na realidade o agente responsável pelos danos ambientais é, em regra, o proprietário registado do automóvel. Assunção essa que não poderá deixar de ser desconsiderada, caso na realidade seja outro o agente responsável, isto é, o sujeito passivo de IUC.

 

 

Do ponto de vista sistemático, importará reforçar novamente que logo no artigo 1.º do Código do IUC se estabelece que “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os Requerentes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”

 

Como defende A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, in Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Códigos Anotados, pp. pag. 183, “o legislador procura legitimar a tributação dos veículos automóveis com base nas externalidades negativas por eles causadas (na saúde pública, no ambiente, na segurança rodoviária, no congestionamento das vias de comunicação e na paisagem urbana) desmistificando a ideia de que a tributação auto é muito elevada em Portugal.”

 

 

Segundo Batista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 183, o elemento sistemático “compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda ao lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.”

 

Esta é, aliás, a solução mais justa se considerarmos que a unidade do sistema fiscal não pode deixar de ser encontrada no princípio da verdade material e no princípio da proporcionalidade (Vide Saldanha Sanches, in Princípios do Contencioso Tributário, pp. pág. 21, e Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, pp. 147 e seg.).

 

Na verdade, a interpretação aqui defendida é não só aquela que melhor de coaduna com o princípio da verdade material, como também a única que serve os propósitos de justiça fiscal.

 

 

Considerando-se que o direito tributário existe para regular os conflitos de interesses entre as pretensões do Estado de prosseguir o interesse público de obter receitas e as pretensões dos contribuintes de manterem a integridade do seu património, não deverá, em regra, servir como critério interpretativo da norma tributária, a salvaguarda do interesse patrimonial ou financeiro do Estado.

 

Em suma: com base no artigo 9.º do CC, considera-se que todos os elementos de interpretação (literal, histórico e sistemático) apontam no sentido de que o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC, na redacção aplicável à data dos factos tributários, estabelece uma presunção ilidível. Tal significa que os sujeitos passivos de IUC sendo, em princípio, os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas em nome dos quais os mesmos se encontram registados, poderão, afinal, ser outros, se forem efectivamente outros os provocadores dos danos ambientais, enquanto utilizadores dos veículos em circulação.

 

Tendo em conta o exposto supra, entende-se que a disposição em análise estabelece uma presunção de propriedade em favor das pessoas em nome de quem se encontrem registados os veículos.

 

Nos termos do artigo 73.º da LGT, “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”

 

Como defendem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, pp. pág. 652, 4.ª Edição, “o que se pretende “sempre” é tributar rendimentos reais e não inexistentes e é por esta razão, de se querer sempre tributar valores reais, que o artigo 73.º da LGT permite “sempre” ilidir presunções.

 

É esta a interpretação que está em sintonia, por um lado, com o princípio enunciado no artigo 11.º, n.º 3, da LGT de que, nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias "deve atender-se à substância económica dos factos tributários” e, por outro lado, com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários e não se compagina com a existência de casos especiais de tributação com base em valores fictícios em situações em que é conhecido ou é apurável o valor real dos factos tributários.

 

- Do caso concreto

 

Em face do exposto, vejamos quem é o sujeito passivo de IUC, nas seguintes situações:

 

a)      Veículos abrangidos por contratos de locação financeira ou por contratos de ALD com promessa de compra e venda:

 

A Requerente juntou aos autos os contratos de locação financeira ou ALD com promessa de compra e venda referentes aos veículos objecto de todos os actos de liquidação de IUC emitidos.

Com base nos documentos juntos, a Requerente defende que no momento da constituição do facto tributário relevante para efeitos de vencimento do respectivo IUC, isto é, nos anos 2014 a 2016, os pressupostos de incidência subjectiva do facto tributário se verificam apenas na esfera dos locatários e somente em relação a estes.

Analisados os documentos juntos, que constituem os contratos de locação financeira ou por contratos de ALD com promessa de compra e venda, verifica o Tribunal que os veículos correspondentes aos contratos referidos, com excepção dos veículos …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, eram à data da verificação do facto tributário, objecto de contratos de locação financeira ou ALD com promessa de compra e venda.

Considerando o Tribunal que tais contratos fazem supor a transferência da propriedade e uso dos veículos em causa, entende-se que a responsabilidade pelo pagamento de IUC é imputável aos locatários desses veículos e não à Requerente, como resulta do disposto no artigo 3.0, n.°2 do Código do IUC, devendo ser anulados os actos de liquidação correspondentes aos veículos identificados.

 

b)      Veículos alienados antes da data de exigibilidade do IUC:

 

A Requerente manteve-se no registo, como proprietária e locadora dos veículos …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, pretendendo, por isso, a AT imputar-lhe a responsabilidade pelo pagamento do IUC, nos termos do artigo 3.°, n.°1, do Código do IUC.

Alega, contudo, a Requerente que, na verdade, os referidos veículos já haviam sido alienados à data da exigibilidade do IUC, juntando para tal as facturas correspondentes às alegadas transmissões dos veículos.

Entende, contudo, a Tribunal que apenas com tais documentos, não ficou demonstrada a transferência de propriedade dos veículos, uma vez que não foram juntos quaisquer comprovativos de pagamento, declarações de venda ou outros documentos demonstrativos da transferência de propriedade.

 Em consequência, com base nos documentos juntos, está o Tribunal convencido que quanto aos actos de liquidação de IUC n.º 2016…, 2014…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016… identificados nos autos, a responsabilidade pelo seu pagamento é imputável à Requerente.

 

IV.             DECISÃO

 

Assim, o Tribunal decide julgar parcialmente procedente a petição arbitral, nos seguintes termos:

 

A)    Julgar improcedente, por não provado o pedido relativamente aos actos de liquidação de IUC n.º 2016…, 2014…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…;

 

B)    Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência declarar ilegal e anular todos os restantes actos de liquidação do Imposto Único de Circulação e de juros compensatórios, no valor total de €3.662,66;

 

C)    Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, conquanto, relativamente aos actos de liquidação ilegais, nada se apurou quer quanto ao registo dos contratos de locação financeira, quer quanto ao cumprimento pela Requerente da obrigação que lhe assistia, por força do artigo 19.º do Código do IUC.

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária o valor do pedido é fixado em €4.343,96.

 

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção de 16% e 84%, respectivamente, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Novembro de 2017

 

A Árbitro

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)