Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 249/2017-T
Data da decisão: 2017-12-12  IRC  
Valor do pedido: € 14.453,17
Tema: IRC – Artigo 23.º do Código do IRC - Dedução de Encargos Financeiros.
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Decisão Arbitral

 

 

I - RELATÓRIO

 

Em 07/04/2017, veio A…, S.A., com o NIPC … e sede em Lisboa, solicitar a constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) com o nº 2016…, referente ao exercício de 2012, pedindo a restituição do imposto que em consequência de tal acto satisfez, no montante de € 14.453,17, acrescido de juros indemnizatórios.

Designou como árbitro José Almeida Fernandes.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 10/4/2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) indicou como árbitro José Rodrigo de Castro.

Os árbitros escolheram para presidir ao tribunal arbitral colectivo José Baeta de Queiroz.

Os árbitros aceitaram o encargo, tendo o tribunal arbitral ficado constituído em 14/07/2017.

Notificada para responder em 01/10/2017, a AT fê-lo em 29/019/2017, depois de junto o pertinente processo administrativo.

Em 01/10/2017 foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), por se entender desprovida de utilidade, e as partes convidadas a alegar por escrito, o que a Requerente fez em 13/10/2017 e a AT em 23/10/207.

Em 15/11/2017 o tribunal anunciou a decisão para 13/12/2017.

 

II – SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3.

 

O processo não enferma de nulidades, excepções ou questões prévias que devam apreciar-se e obstem à apreciação e decisão da causa.

 

III – OS FACTOS

III – 1 – Factos provados

a)      A A…, SA, foi constituída em 21/11/1994 sob a denominação B…, SA. .

b)      Mediante fusão por incorporação, em 23/06/2015, das sociedades C…, Ldª (NIPC…) e D…, SGPS, SA, (NIPC…) na sociedade B…, SA, passou esta última a denominar-se de A…, SA.

c)      O capital social da A… ascende a € 6.400.000,00, correspondente a 6.400.00 ações de € 1,00.

d)      A A… encontra-se integrada no Grupo de sociedades E…, sendo o seu capital social detido pela sociedade F…, SA, que detém a 100% a Requerente e esta, por sua vez, detém parcialmente outras sociedades, entre as quais, por relevante para os autos, a G…, SA, esta a 20%.

e)      A atividade da Requerente consiste na gestão de resíduos e, particularmente, na recolha, transporte e tratamento de resíduos sólidos e industriais, incluindo, a construção e exploração de aterros sanitários, e a concepção, construção e manutenção de espaços verdes.

f)       Segundo a classificação das atividades económicas, as efetivamente exercidas são de:

- CAE Principal 38212 – Tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos;

- CAE Secundário 1 38112 – Recolha de outros resíduos não perigosos;

- CAE Secundário 2 38111 – Recolha de resíduos inertes;

- CAE Secundário 3 38211 – Tratamento e eliminação de resíduos inertes.

 

g)      A Requerente encontra-se enquadrada no Regime Geral de IRC, desde 01/01/1994, possuindo contabilidade organizada, informatizada por exigência legal, e para efeitos de IVA, enquadrada no regime normal com periodicidade mensal desde 01/01/2000, por opção.

h)      A G… SA, foi constituída em 31/7/1996 pela Associação de Municípios da Região do …, que engloba os municípios de …, …, … e …, e ainda pelo Consórcio H…, S.A., tendo por objeto a concepção, construção e gestão de estações de tratamento de resíduos sólidos e líquidos e atividades conexas, sendo detida a 20% pela atual A… .

i)       A A… (ex- B… até 2015) prestou durante anos vários serviços da sua especialidade à sua relacionada G…, que atingiram no final de 2012 o valor de € 12.754.032,95, então totalmente em dívida àquela.

j)       Ora, a dívida à então B… (hoje A…) já era de € 6.993.765,98 à data de 31/12/2006 e de 6/9/2007.

k)      Dada a situação económico-financeira débil da G… foi celebrado entre a B…, a G… e a I…, em 6/9/2007, um ACORDO DE RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E PAGAMENTO, segundo o qual a Requerente (então B…) prescindiu dos juros vencidos e vincendos a que teria direito, na condição de a devedora G… cumprir integral e rigorosamente o Plano de 25 Prestações anuais também acordado, no montante de € 279.750,64, a iniciar em 31/03/2008 e a terminar em 31/03/2032, sob pena de exigência dos juros vencidos e vincendos.

l)       A A…, SA, contraiu empréstimos, contratos de leasing, factoring, etc, dos quais resultaram encargos financeiros, para poder desenvolver a sua actividade e gerir a sua tesouraria, no montante total de €875.515.17 em 2012.

m)   Da análise interna efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, resultou uma ação inspetiva, que veio a concluir resumidamente que:

- O perdão de juros de juros vencidos e vincendos concedidos à G… consistiam num “empréstimo encapotado”, visto que ao oferecer vantagens patrimoniais a terceiros, o sujeito passivo suportou encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes dos empréstimos que contraiu, sem que obtivesse qualquer proveito financeiro inerente aos valores que tem a receber das empresas relacionadas”;

- “infere-se assim que se o sujeito passivo não tivesse emprestado o montante em causa, não teria necessidade de ter incorrido nos encargos financeiros, pelo que não se comprova que tais encargos financeiros tenham sido incorridos no interesse da sociedade”

- Os encargos financeiros resultantes dos empréstimos que teve de contrair por esse dito “perdão” não se encontram relacionados com os seus proveitos e, portanto, não podem ser considerados gastos fiscalmente aceites à luz do artigo 23.º do CIRC, por não preencherem os 3 requisitos essenciais daquela norma: (i) a comprovação (justificação), através de prova documental; (ii) a indispensabilidade, quando se conetam com a obtenção do lucro; e (iii) a ligação dos mesmos aos ganhos sujeitos a imposto.

n)      Consta do relatório da inspecção que “quer através do não recebimento de valores faturados, quer a não liquidação de juros inerentes aos valores em dívida, está [a Requerente] na realidade a financiar a referida sociedade [G…], ao mesmo tempo que suporta encargos financeiros de empréstimos contraídos, infere-se assim que se o sujeito passivo não tivesse emprestado o montante em causa, não teria tido necessidade de ter incorrido nos encargos financeiros, pelo que não se comprova que tais encargos financeiros tenham sido incorridos no interesse da sociedade.”

p)      Face a essas conclusões, a AT desconsiderou a quase totalidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2012, mediante a aplicação de um rácio de“empréstimos concedidos /empréstimos obtidos” mês a mês que foi aplicado ao saldo mensal dos encargos suportados pela Requerente [cf. Anexo VII do Relatório de Inspecção].

q)      A AT considerou a totalidade dos montantes em dívida mensalmente pela G… em 2012 pela prestação de serviços efectuados pela Requerente como correspondendo a um “empréstimo concedido a empresa relacionada” que correspondia ao numerador da fracção e os empréstimos obtidos pela Requerente como o denominador.

r)       Na prática, a aplicação daquele rácio empregue pela AT determinou que a totalidade dos encargos incorridos pela Requerente entre os meses de Janeiro e Novembro não tenham sido aceites para efeitos da sua dedução fiscal pela Requerente e quanto aos encargos financeiros suportados em Dezembro se tenha corrigido a dedução fiscal de 63,22% dos mesmos [cf. Anexo VII do Relatório de Inspecção].

s)      Resultou da aplicação do dito rácio mensal ao saldo de encargos mensais determinado pela AT uma correção à matéria tributável do período de tributação de 20121 no montante de € 846.965,16 (de um valor total de encargos financeiros de € 875.515,17 suportados em 2012) [cf. Anexo VII do Relatório de Inspecção];

t)       A correcção determinada pela AT originou o acto tributário de liquidação adicional de IRC aqui impugnado em que se apurou o montante o valor a pagar de €14.453,17 (o que inclui um acerto da liquidação de IRC de €12.704,45 e juros compensatórios no montante de €1.748,69).

u)      A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios em 06/01/2017 [cf. Doc. n.º 8 junto aos Autos a p.i. da Requerente].

 

III – 2 – Fundamentação do julgamento sobre os factos provados

 

Os factos dados como provados resultam da convicção do tribunal, assente no exame crítico dos documentos juntos ao processo e no relatório da inspecção, o que tudo aqui se dá por reproduzido

 

III – 3 – Factos não provados

 

Com relevância para a decisão de mérito, ficou por provar qual o montante dos encargos financeiros diretamente relacionados com os financiamentos que a Requerente contraiu em 2012 em razão de a G… não ter pago prontamente as dívidas resultantes das prestações de serviços efetuados pela Requerente no âmbito da sua atividade.

 

IV – DO DIREITO

 

No que se refere ao direito aplicável que possa fundamentar a liquidação adicional de IRC de 2012, no valor total de € 14.453,17 de IRC e juros compensatórios, destacam-se os seguintes argumentos das partes.

 

A AT fundamenta em sede de Inspecção Tributária a correcção determinada e a não aceitação fiscal da quase totalidade dos encargos financeiros suportados em 2012 unicamente no não cumprimento dos requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC porque no seu entender a Requerente contraiu empréstimos e suportou os respetivos encargos, mas simultaneamente concede um “empréstimo encapotado” (i.e, o montantes em dívida mensalmente pela G… em 2012 pela prestação de serviços efectuados pela Requerente) que não é remunerado em virtude de um “perdão” de juros vencidos e vincendos nos termos de um acordo celebrado com a G… em 06/09/2007.

 

Donde, em conclusão sua, a AT retira em sede de inspecção, que se a Requerente “não tivesse “emprestado” o montante em causa, não teria necessidade de ter incorrido nos encargos financeiros, pelo que não se comprova que tais encargos financeiros tenham sido incorridos no interesse da sociedade” e, por isso, “os encargos financeiros em causa não constituem custos para efeitos fiscais”.

 

Na Reposta e Alegações da Requerida não são trazidos argumentos ou fundamentos novos, nem diferente Jurisprudência.

 

Do ponto de vista da Requerente, a intenção de qualificar como “empréstimo” o Acordo de Reconhecimento de Dívida e de Pagamento (no qual se outorga um perdão de juros vincendos) apenas podia estar habilitado à luz da cláusula geral antiabuso e não da aplicação do artigo 23.º do Código do IRC. Ora, segundo a Requerente, este tipo de acordos constituem uma situação comum de “praxis” comercial, sempre que os devedores se encontram em situação económico-financeira débil – o que sucedia com a G… .

 

Igualmente, para a Requerente, “não são expostos factos concretos ou sequer indícios minimamente credíveis na relação entre os financiamentos a montante e o (ficcionado) “empréstimo encapotado” à G…” e que a “tentativa da AT de estabelecer um nexo directo entre o montante dos encargos financeiros suportado (€846.965,16) e o saldo da conta do cliente G… em finais de 2012 (€12.754.032,95) não é apta a demonstrar a dispensabilidade dos gastos”.

 

Apreciando agora este Tribunal, à luz dos factos e do direito aplicável, importa referir primeiro que não se deu como provado qual o montante concreto, da totalidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2012 se encontram relacionados com financiamentos a que a Requerente foi forçada a contrair em razão de a G… não ter pago prontamente as dívidas resultantes das prestações de serviços efetuados pela Requerente no âmbito da sua atividade ou, concretizando ainda melhor, quais desses encargos financeiros resultariam do facto da Requerente “não debitar quaisquer juros por falta de pagamento” pela G… .

 

O Tribunal admite (e compreende) que a AT pretenda acautelar que entidades relacionadas possam decidir livremente quais as sociedades em concreto que devem ou não suportar encargos financeiros dedutíveis para efeitos fiscais (e, aliás, o ordenamento jurídico-fiscal prevê, para além do artigo 23.º do Código do IRC, normas expressas que permitem correcções à AT expressamente nestes casos, como o disposto no artigo 63.º do Código do IRC ou mesmo, caso necessário, com recurso ao disposto no artigo 38.º, n.º 2 da LGT, as quais são normas que não foram invocadas pela AT em sede de inspecção tributária para fundamentar o seu acto de correcção).

 

Contudo, a AT não provou sequer quais os encargos financeiros suportados pela Requerente que concretamente decorriam da falta de pagamento de serviços por si prestados à G… ou da falta de débito de juros por essa falta de pagamento.

 

E, por isso, não se pode concluir, como a AT faz, que “se o sujeito passivo não tivesse emprestado o montante em causa, não teria necessidade de ter incorrido nos encargos financeiros” para depois concluir imediatamente que então não podem a quase totalidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2012 ser considerados gastos fiscalmente aceites à luz do artigo 23.º do CIRC

 

Mais, não se pode considerar minimamente feita essa prova mediante o recurso a um critério de apuramento forfetariamente de encargos financeiros supostamente imputáveis à G… pelo atraso no pagamento das suas dívidas, através de um rácio empírico e determinado ad hoc pela AT do qual resulta afinal que praticamente a totalidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2012 não seriam dedutíveis para efeitos fiscais.

 

Ora, a jurisprudência, relativamente ao princípio da indispensabilidade dos gastos financeiros e, por consequência, dos gastos fiscalmente relevantes nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, afirma que:“ A Administração Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do Código – cf. Art.º 23.º, n.º 1 do CIRC), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica”[cf. Acórdão proferido pelo TCA - Sul em 16/10/2014, Proc. 06754/13].

 

Mais, poderá dizer-se que a Requerente ao não imputar a correspondente parte dos encargos financeiros à G… pela atraso ou dilação no tempo, do pagamento das suas dívidas relacionadas com a sua atividade, terá praticado um ato de gestão que lhe virá a permitir obtê-lo ao longo de 24 anos e, assim sendo, só poderá concluir-se que os encargos financeiros que suportou, pelo menos os que se pudessem se dizer directamente relacionados com a dívida da G…, mostram-se ainda relacionados com a obtenção dos seus proveitos, que embora já faturados e considerados como tal, só vêm a considerar-se verdadeiramente concretizados no momento do seu recebimento.

 

Nestes termos e atenta a jurisprudência firmada pelos Tribunais superiores, o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC não permite à AT considerar, por si só e imediatamente, por um lado, que a dívida da G…, sem exigência de juros, constituía um “empréstimo encapotado”, dado que essa dívida resulta afinal da actividade de prestação de serviços da Requerente, e, por outro, a AT não provou que os encargos financeiros suportados em 2012 pela Requerente estavam relacionados com esta mesma dívida da G… .

 

Logo, demonstrado foi que tudo se passou no âmbito da atividade da empresa e isso, à luz da jurisprudência, é fundamento suficiente para se considerar da indispensabilidade dos encargos financeiros suportados e, por isso, para que sejam os mesmos aceites como gastos ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, o que determina a ilegalidade da correcção determinada pela AT em sede de inspecção tributária e consequentemente do acto de liquidação adicional aqui impugnado.

 

V - JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente pede ainda o reembolso da quantia paga em excesso da liquidação adicional objecto da presente acção arbitral com juros indemnizatórios desde a data do seu pagamento (06/01/2017) até ao integral reembolso do referido montante.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Nos casos de pagamento indevido de imposto, o contribuinte tem direito a ser reembolsado, como decorre do preceituado nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 – São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 – A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 – No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

No caso dos autos, há pagamento de imposto indevido quanto à liquidação adicional em que o pedido de pronúncia arbitral procede.

 

Por outro lado, é inquestionável que os erros que afectam essa liquidação adicional são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira que efectuou a liquidação de IRC e juros compensatórios por sua iniciativa.

 

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), relativamente à liquidação adicional que é anulada, desde a data em que foi efectuado o pagamento do imposto respectivo (06/01/2017).

 

VI – DECISÃO

 

Pelo que, em consequência, este Tribunal decide:

a)      Julgar procedente a ação de impugnação arbitral;

b)      Anular a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios ao exercício de 2012, no valor total de € 14.453, 17, com o n.º 2016…;

c)      Determinar o reembolso à Requerente do IRC e juros compensatórios indevidamente pagos; e

d)      Condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios calculados sobre aquela quantia, desde a data do respectivo pagamento até ao reembolso, face ao disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 43.º da LGT.

 

VIII – VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 14.453,17.

 

 

 

IX – CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 22.º n.º 4 do RJAT e 5º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não há que fixar o montante das custas nem a sua repartição.

 

Lisboa, 12 de dezembro de 2017.

 

Os Árbitros,

 

 (José Baeta de Queiroz)

 

 (José Almeida Fernandes)

 

 (José Rodrigo de Castro)