Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 379/2017-T
Data da decisão: 2017-11-22  IRC  
Valor do pedido: € 150.866,38
Tema: IRC - Benefício fiscal – SGPS - Dedutibilidade de encargos financeiros.
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Pragal Colaço e Dr. Carlos Alberto Monteiro da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-08-2017, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º … (doravante referida como “Requerente”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende a anulação da liquidação de IRC n.º 2015…, relativa ao exercício de 2011, e da respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, no valor total de € 150.866,38, com restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros lndemn1zatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-06-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-08-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29-08-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defende que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 04-10-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente.

 As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente foi constituída em 21-07-2008, tendo por objecto a produção e comercialização de produtos químicos e plásticos transformados (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

b)     Em 07-06-2011, foi alterado o seu objecto social para gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de atividades económicas, actuando como Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS) (Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c)      A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral do IRC, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil;

d)     Em 11-09-2008, a Requerente constituiu a sua participada, a sociedade B…, S.A. (B…), cujo capital social, no montante de € 50.000, foi totalmente subscrito, ficando a Requerente titular de 50.000 acções no valor de 1 euro cada (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)      Em 19-09-2008, a C…– Fundo de Capital de Risco, que detinha a totalidade do capital da Requerente, concedeu à Requerente, a título de suprimentos, um empréstimo no montante de€ 15.959.424,00 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)       Ainda em 19-09-2008, a C…– Fundo de Capital de Risco concedeu à Requerente, a título de suprimentos, um empréstimo no montante de€ 97.175,56 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)      Em 19-09-2008, a Requerente, na qualidade de accionista única da B…, realizou em relação a ela as seguintes operações, no montante global de € 34.000.000,00:

·         prestações suplementares, no montante de € 4.750.000,00 (documentos n.ºs 5 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         suprimentos, no montante de € 19.200.000,00 (documentos n.ºs 5, 15 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         financiamentos, no montante de € 10.500.000,00 (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

 

h)     Ainda em Setembro de 2008, a B… e veio a adquirir uma sociedade, a D…, S.A. (D…), por € 34.000.000,00 (Relatório da Inspecção Tributária);

i)       Em 19-09-2008, a D…, detida indirectamente pela Requerente, concedeu-lhe um empréstimo no montante de € 10.500.000,00, vencendo juros (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

j)       Em 26-12-2008, a C…– Fundo de Capital de Risco, concedeu à Requerente, a título de suprimentos, um empréstimo no montante de€ 103.520,00 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

k)     Em 22-12-2009, foi registada a fusão por incorporação da B… na D…, passando a Requerente a deter, de forma directa, apenas a sociedade D… (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

l)       No dia 23-12-2009, acordaram compensar os créditos recíprocos que detinham no montante de € 10.000.000,00 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

m)    Em 21-01-2011, os accionistas do C… – Fundo de Capital de Risco deliberaram realizar prestações acessórias segundo o regime de prestações suplementares pelos accionistas, no valor total de € 3.299.274,00 (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

n)     Em 01-09-2011, a Requerente e a D… acordaram o reembolso à Requerente do montante de € 10.000.000,00 (parte do empréstimo de € 19.200.000 dos suprimentos efectuados à B…), acrescido de € 4.487.500,00 de juros vencidos (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

o)       No âmbito da ordem de serviço com o n.º OI 2015…, a Requerente foi objecto de inspeção tributária interna, de âmbito parcial, ao período de tributação de 2011 e ao IRC (Documento 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

p)     A 22-04-2015, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária (“Projeto"), elaborado na sequência da ação de inspeção efetuada pelos SIT, tendo sido notificada para se pronunciar sobre o mesmo, em sede de direito de audição prévia, o que fez;

q)     No referido Projeto, os SIT propunham uma correção à matéria coletável de IRC no montante de € 1.364.493,17, relativa à não aceitação como gasto fiscal de encargos financeiros suportados com a “aquisição - e dotação dos capitais próprios das participações sociais”, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF");

r)      Posteriormente, através de Ofício n.º…, de 03-07-2015, emitido pela Inspeção Tributaria - Departamento A - Equipa de Estudos e Planeamento, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (Relatório), nos termos do qual os argumentos por si apresentados foram parcialmente aceites, permanecendo uma correção à matéria coletável no montante de € 1.087.310,99;

s)      No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais o seguinte:

 

III.2.2. Encargos Financeiros não aceite fiscalmente à luz do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)

III.2.2.1. - Quadro legal do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)

Dispõe o n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação em vigor à data dos factos ora sindicados pela Inspeção Tributária (dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06), que: "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período nunca inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".

Com este preceito o legislador quis consagrar a regra geral da exclusão da tributação das mais-valias realizadas na transmissão onerosa de partes sociais detidas pelas SGPS (independentemente do negócio jurídico que lhe deu causa: se adquiriu as acções por compra ou por subscrição, se o seu valor aquisitivo foi ou não objecto de valorização, por incorporação de outros activos, nomeadamente fusão...), por período igual ou superior a um ano, qualquer que seja o título por que a mesma se opere, e concomitantemente, entendeu o legislador que, não concorrendo as mais-valias para o lucro tributável, deixassem de concorrer os encargos financeiros suportados seja com a aquisição, reforço, ou manutenção (empréstimos de capital) dos capitais próprios das participações detidas.

Em cumprimento do legalmente disposto na Lei Geral Tributária - LGT, mormente no artigo 68º A, e assente na necessidade de auxiliar o aplicador da norma, e de uniformizar procedimentos técnico -aritméticos resultantes da aplicação prática da norma acima referida, a Administração Fiscal, através da Instrução n.º 7/2004 de 30/03/2004 da Direcção de Serviços do IRC vem esclarecer que:

- O novo regime, relativamente aos encargos financeiros, é aplicável "nos períodos iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data" (ponto 5).

- O exercício em que os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, "dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para aplicação do regime especial de tributação das mais-valias ..." (ponto 6).

- No que diz respeito ao método de cálculo e imputação a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais, dispõe o ponto 7, que "dada a extrema dificuldade de utilização ... de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula, que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos as empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente, participações sociais, proporcionalmente ao respectivo casto de aquisição".

A desconsideração dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável consagrada no n.º 2 do artigo 32.º do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto e, do qual resulta que "(...) se determinadas custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto não são fiscalmente dedutíveis (...)", princípio estabelecido no disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, no qual se estabelece que se consideram "(...) gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (...)".

Da densificação de alguns conceitos ínsitos na previsão da norma.

Relativamente ao conceito valor de aquisição das partes de capital

A Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e a Despesa, pronunciou-se, através de informação de 2008.06, referindo que na aferição do valor de aquisição das partes de capital dever-se-á considerar, sempre, o das existentes no Balanço à data de 31 de Dezembro de cada exercício em que os encargos financeiros são desconsiderados para efeitos de determinação do lucro tributável;

Que ocorrendo, em síntese, relativamente a participações já detidas, uma operação de entrada de activos, a sociedade beneficiária assistirá a uma valorização, mesmo que a transferência tenha sido efectuada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, devendo concomitantemente concorrer para a determinação do cálculo dos encargos financeiros o 'novo" valor da participação, na medida em que este será, em caso de alienação, o que servirá de base para cálculo da mais-valia.

III.2.2.2. Análise dos encargos financeiros suportados

A factualidade decorrente da análise efectuada aos elementos remetidos pelo SP, seja via CTT seja inseridos no Portal Internet da AT (ex. declaração IES), em cumprimento das suas obrigações declarativas, implica que, se objetive que no exercício em causa, foram incorridos encargos financeiros.

Estes encontram-se englobados no total dos encargos financeiros considerados como custo fiscal na respectiva declaração de rendimento. A obrigação legal de alcançar a quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis em função do estabelecido pela concatenação do disposto no artigo 23º do CIRC com o artigo 32º do EBF e efetuar a sua desconsideração no âmbito do apuramento do lucro tributável (na DRM22 - quadro 7 com recurso ao método do acréscimo) aquando do preenchimento da declaração anual onde efectua a autoliquidação do IRC a pagar, pertence ao SP.

No que concerne à origem e ao quantum dos encargos financeiros

Relevados no balancete analítico antes do apuramento de resultados do exercício de 2011, o SP relevou contabilisticamente os seguintes gastos/perdas, infra melhor discriminados na tabela, que integram para os efeitos supra referidos, o conceito de encargos financeiros. Perfazendo o montante global de € 2 950 557,14.

Valores, materialmente coincidentes com os indicados na pág. 22 da IES, e bem assim na pág. 15 do Relatório de Gestão.

No que concerne à origem e ao quantum dos empréstimos obtidos remunerados

Os supra encargos financeiros, suportados pelo SP, decorrem dos empréstimos obtidos, os quais constam elencados na seguinte tabela, elaborada a partir dos elementos (contabilísticos e fiscais) por estes remetidos.

 

Valor (conta 26) coincidente com o declarado na 1ES p, 22 e bem assim na p. 10 do Relatório de Gestão.

 

No que concerne à origem e ao quantum dos Empréstimos Concedidos Remunerados

 Discriminados na tabela infra, elaborada a partir dos elementos (contabilísticos e fiscais) apresentados pelo SP.

No que concerne ao apuramento e determinação do concreto valor de aquisição das participações sociais, expurgado do efeito do MEP

No trilhar do caminho correspondente à determinação do valor dos encargos financeiros não fiscalmente dedutíveis, em função do estabelecido pela concatenação do disposto no artigo 23º do CIRC com o artigo 32º do EBF, utilizou-se o "modelo auxiliar de cálculo" relevado na instrução supra referida, dado o caráter de fungibilidade da moeda.

Tendo presente os elementos remetidos pelo SP, elaborou-se a seguinte tabela:

 

Prosseguindo na determinação do valor dos encargos financeiros a desconsiderar no apuramento do lucro tributável, (na linha 779 do Q7 da DRM22.) vem :

(...)

De onde resulta que, apesar de competir ao sujeito passivo, com referência ao período de tributação, a determinação do lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efetivo, devia este ter efectuado o acréscimo tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, os encargos financeiros suportados com sua aquisição - e dotação dos capitais próprios das participações sociais, na importância de € 1 364 493,17.

 

Analisando o 07 da DRM22 cp. 779 (antes 752), verifica-se que o SP não efetuou qualquer acréscimo ao resultado líquido do exercício contabilista, por forma a não fazer concorrer o valor supra para a determinação do Lucro Tributável.

Aqui chegados, e perante a ausência de manifestação de vontade do SP, plasmada na referida DRM22 -07, a AT é conduzida a efectuar as necessárias correcções, no sentido de, em cumprimento com o estatuído no artigo 32º do EBF, expurgar do resultado líquido do exercício (contabilístico) os custos financeiros suportados, que não concorrem para a determinação do lucro tributável. Neste sentido acresce-se no Q7 da DRM22 cp 779, a importância de € 1 364 493,17.

(...)

DIREITO DE AUDIÇÃO

(...)

Nestes pontos, desenvolve um conjunto de matéria factual que perpassa pela descrição do seu objecto social (pontos 9 e 10), pela referência ao facto, de ter contraído junto dos seus acionistas, um empréstimo de euro 19 401 896, tendo utilizado a quase totalidade deste, para conceder suprimentos remunerados à sua participada sociedade D… .

Refira-se que, a posição do SP, salvo quanto ao valor dos "outros activos", converge (com os que a Inspeção Tributária exarou no ponto III.2.2.2) em termos de importâncias globais a considerar, na fórmula de cálculo adstrita à desconsideração dos encargos financeiros, à luz da parte final do disposto no n.º 2 do artigo 32º do EBF. Neste sentido inexiste, até aqui, qualquer divergência quantitativa; Não comungando, contudo, do resultado final apurado, fruto, como a seguir se desenvolve, da divergência de critério (anual/mensal) a utilizar.

Prosseguindo

Refere, pontos 12 a 14, que, dos € 19 200 000,00 de suprimentos concedidos à Sociedade D…, o montante de € 10 000 000,00 foi convertido em prestações acessórias, no mesmo sentido procedeu relativamente aos juros a receber, no montante de € 4 487 400,00. Perfazendo, no final do período de tributação de 2011, as prestações acessórias o montante de € 14 487 500,00

E, como bem expressa, (pontos 15 e 16) durante o procedimento, a exponente quando questionada, porque não procedeu à desconsideração dos encargos financeiros, à luz preceituado na parte final do artigo 32.º n.º 2 do EBF, elucidou que tinha utilizado o método de imputação direta. Olvidando contudo, da informação, que à data lhe foi prestada, este método, não é, pela AT, considerado, tendo presente a ratio legis da preceituada norma.

 

Quanto à segunda parte - Dos fundamentos

Refere a sociedade que, ponto 19, não pode concordar com o montante apresentado em "outros ativos", nem tão pouco com a utilização de um critério que assenta num "método" do cálculo anual. Prosseguindo, pontos 20 a 24, que a AT considerou o montante de passivos remunerados de € 9 200 000,00 e a importância de € 4 727 305,49 a título de "outros ativos". Entendendo a exponente, que o montante de "outros ativos" a considerar no cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis, ao abrigo do artigo 32º do EBF deveria ascender a € 14 727 305,49 e não aos € 4 727 305.49. Expondo a sua posição argumentativa.

Sobre o argumentado, em abono da posição da AT, acrescente-se que nos cálculos dos Encargos Financeiros a desconsiderar, apresentados pelo SP, este comunga da mesma interpretação e quantificação do montante dos empréstimos ativos remunerados, e não como por lapso indicado pelo SP (passivos remunerados), com reporte ao final do exercício, na importância de € 9 200 ooo.00. No que concerne, ao montante dos "outros ativos", ponderada a exposição e elucidação do SP, e em função dos elementos carreados ao procedimento pelo SP, registamos que, ao contrário da primeira interpretação extraída da leitura do balancete, não ocorreu, como antes julgado, por parte da Sociedade D… o pagamento de uma parte do empréstimo de € 19 200 000,00, obtido junto da sociedade (mãe) A… SGPS SA, mas, antes, a conversão, parcial, deste (na importância de € 10 000 000,00) em prestações acessórias.

Atento ao suso exposto, somos a entender que devem os cálculos ser alterados de conformidade, considerando que os "Outros activos", na fórmula de cálculo supra apresentada no ponto III.2.2.2. Análise dos encargos financeiros suportados, perfazem a importância de € 14 727 305,49.

Da sub parte do apuramento dos encargos financeiros

Argumenta a sociedade A…, pontos 25 e 26, que nos cálculos de apuramento dos encargos financeiros, a desconsiderar na concatenação do preceituado no artigo 32º n.º 2 do EBF, a AT somente teve em consideração os valores de Balanço à data do fecho de contas. Entendendo a exponente que esta ponderação, não reflete a natural variação dos valores do ativo, que vão ocorrendo ao longo de todo ciclo económico, in casu, o anual.

Prosseguindo, nos pontos seguintes, que a circular 7/2004 de 30 de março de 2004, permite "Graus de Liberdade" relativamente à metodologia a adoptar pelos contribuintes, mormente, (ponto 30 e 31) que seja, pela Exponente, utilizado o critério mensal, o qual não contraria a supra Circular.

Neste sentido, ponto 32, a Exponente refez os seus cálculos, diga-se recorrendo aos mesmos valores que os determinados pela Inspeção Tributária, à excepção do valor dos outros ativos, mas para os quais já aderimos à posição do SP, utilizando contudo, na sua metodologia o critério mensal, ao invés do anual. Dos cálculos da Exponente resultam € 380 442,47 a desconsiderar para efeitos de apuramento do lucro tributável (anexo 2).

Da posição da AT

O n.º 2 do artigo 32º do EBF, na redação à data, impõe a aplicação as SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, concretizável, no seu cálculo, por via da interpretação consentida na Circular n.º 7/2004, de 30 de março. Refira-se, como salienta a jurisprudência, que as orientações genéricas em matéria de impostos tem, comparativamente com as prescrições contidas em lei, um espaço de livre conformação muito mais redigido. As suas prescrições nos modernos sistemas fiscais, incluindo o nosso, dirigem-se ao exterior, para fora do serviço criador (e com competência legal para tal) e emitente da Circular: os seus primeiros e naturais destinatários estão no exterior (os contribuintes, na qualidade de primeiros aplicadores, por determinação legal, nos modernos sistemas fiscais, das normas fiscais, em geral, e em especial no caso do imposto – IRC - em causa na prescrição geral e abstrata da AT que aqui se discute): são publicadas (por determinação legal)».

Como emerge das alegações apresentadas, para o SP decorre da interpretação da Circular que é possível aceitar "Graus de Liberdade" dos quais deriva que na determinação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital seja efetuada com recurso a uma metodologia de cálculo, aplicação de fórmula pró rata, assente numa periodicidade específica, a saber a mensal, ao invés do critério anual.

Como emana da Jurisprudência, (op cit), a interpretatio juris constante da Circular n.º 7/2004, está conforme à letra da lei, na medida em que mais não faz do que empreender a descoberta do seu mais preciso significado, em respeito, aliás, pela teoria geral da interpretação da lei e quadro normativo que a conforma. Neste sentido não é passível, na sua aplicação, de interpretação extensiva, que permita, como refere o SP 'Graus de Liberdade", in concreto, na objetivação do uso de um critério mensal no cálculo dos encargos financeiros a desconsiderar.

Neste mesmo sentido, em comunhão com o entendimento do Centro de Estudos Fiscais, a DSIRC" tem, reiteradamente, sustentado a posição que quanto à possibilidade de utilização de valores médios mensais de empréstimos obtidos remunerados, a circular indicia que a situação patrimonial a atender deverá ser a expressa à data do Balanço e não a valores mensais de determinado exercício.

Neste ponto, não aderimos à posição do SP.

Concluindo

Compulsados os elementos carreados e ponderada a argumentação aduzida somos a entender, na senda do supra mencionado, ser de:

a) Proceder quanto à alteração do valor dos "outros activos" a ponderar na fórmula de cálculo suso referida, considerando-se o valor de € 14 727 305,49,

b) Improceder quanto à utilização de uma metodologia assente num critério mensal na determinação do valor dos encargos financeiros a desconsiderar.

Por tudo o exposto, refazemos os cálculos

Na determinação do valor dos encargos financeiros a desconsiderar no apuramento do lucro tributável, (na linha 779 do Q7 da DRM22.) vem:

 

 

De onde resulta, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efetivo, o acréscimo, tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais, ascende à importância de € 1 087 310,99 e não o valor pretendido, parte III do direito de audição, pelo SP, no montante de € 380 442,47. (anexo 2).

Face a todo o exposto, a correção no quadro 7 da declaração modelo 22 de IRC - campo 779 -comportará a importância de € 1087 310,99.

t)       A correcção em causa originou a liquidação adicional de IRC n.º 2015 …, no valor de € 150.966,00, a liquidação de Juros Compensatórios n.º 2015…, no montante de € 14.900,38, e a demonstração de acerto de contas n.º 2015…, da qual resultou imposto a pagar no valor de € 150.866,38 (documento n.º2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

u)     Em 09-10-2015, a Requerente pagou a quantia liquidada (documento 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

v)      A Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação;

w)    Por ofício de 22-03-2017, da Direção de Finanças de Lisboa, a ora Requerente foi notificada do Despacho do Senhor Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 21-03-2017, que indeferiu a reclamação graciosa;

x)      A decisão da reclamação graciosa manifesta concordância com uma informação, que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III-ANÁLISE DO PEDIDO

1 - A reclamante tem legitimidade (art° 9 do Código de Procedimento e Processo Tributário) e o pedido é legal (art° 68° do CPPT) e foi apresentado em tempo, dentro do prazo de 120 dias a que se refere o n° 1 do art° 70° do CPPT (data limite de pagamento do valor liquidado, 12-10-2015, fl. 88; reclamação apresentada em 27-11-2015, fl. 1).

Para efeitos do disposto no n° 3 do art° 111° do CPPT, verificou-se, por consulta ao Sistema Informático, que até à presente data não foi apresentada impugnação judicial com o objeto da reclamação em análise.

2 - A reclamante alega que não existiu uma compra direta da participação na D…, S.A., que devesse ser financiada.

No entanto, as operações que descreve levam a concluir que se tratou de uma aquisição onerosa, via B…, S.A.

3 - A reclamante discorda da metodologia imposta pela circular n° 7/2004 na determinação do montante dos encargos financeiros que não concorrem para o cálculo do lucro tributável, com base no n° 2 do art° 32° do EBF (na redação vigente em 2011), alegando que essa metodologia não é exata e que seria mais adequado um método de afetação direta, juntando um quadro (fl. 4-verso) em que faz corresponder contratos de obtenção a contratos de concessão de fundos.

No entanto, quer porque a administração tributária está vinculada às orientações constantes de circulares, conforme disposto no n° 1 do art° 68°-A da LGT, quer pela dificuldade, invocada na circular, de efetuar a imputação direta dos encargos financeiros às aquisições de participações sociais, parece correta a utilização pela Inspeção Tributária da metodologia preconizada pela circular.

4 - A reclamante alega, ainda, que, por se terem verificado variações nos valores ao longo do ano, a imputação segundo o método previsto na circular n° 7/2004 deve ser efetuada tomando como base os valores mensais dos empréstimos concedidos remunerados e dos outros ativos, no lugar dos valores do balanço (quadro na fl. 80).

Essa argumentação já foi apresentada na fase de audição prévia das conclusões do relatório (cf. ponto ll-2-d acima), informando-se no relatório que é entendimento do Centro de Estudos Fiscais que a situação patrimonial a atender deverá ser a expressa à data do Balanço e não numa base mensal.

5 - Quanto ao montante dos "Outros ativos" a considerar nos cálculos de acordo com os pontos 7 e 8 da Circular n" 7/2004, a reclamante alega que nessa rubrica devem ser consideradas as prestações suplementares atribuídas à D… e que o valor dos "outros ativos" considerado nesses cálculos inclui apenas uma parte das prestações suplementares, € 10.000.000, quando o valor total atribuído foi de € 22.537.500.

Consultado o relatório, verifica-se que nos "Outros ativos" foi inicialmente considerado o montante de € 4.727.305,49 (fl. 100), correspondente ao valor do Ativo Corrente do balanço (fl. 113-verso) e que na fase de audição prévia foi adicionado a esse valor o de € 10.000.000 correspondente ao valor de suprimentos reembolsados pela D… à reclamante e por esta convertidos em prestações acessórias a essa sociedade.

No entanto, não se conclui que o valor de € 10.000.000 tenha sido incluído nos "Outros ativos" por se ter considerado que, como regra, as prestações suplementares devam ser incluídas nessa rubrica, visto que não foi incluído o valor total das prestações suplementares (por exemplo, ainda no ponto IX-Audição Prévia do relatório, é mencionado um valor superior de prestações suplementares, € 14.487.500 - fl. 102).

Consultado o ponto III.2.3.1 do relatório da ação de inspeção relativa ao IRC/2012 (ordem de serviço n° 012015… - fls, 117 e 118), em que há uma correção aos encargos financeiros com fundamentos semelhantes aos da correção aqui em análise, refere-se no mesmo que, de acordo com as normas contabilísticas, as prestações suplementares são de integrar os capitais próprios da entidade beneficiária (e não os "Outros ativos").

Com efeito, verifica-se pela IES/2011 da D… que o valor de € 22.537.500 mencionado pela reclamante integrou os capitais próprios dessa sociedade (fl. 116-verso).

Parece, assim, que o conceito de partes de capital, o qual deriva do de capital de uma sociedade, é expresso, em termos contabilísticos, pelos capitais próprios.

Quanto ao conceito de aquisição do capital, para efeitos da aplicação do n° 2 do art" 32° do EBF, o relatório relativo ao IRC/2012 também dá resposta a essa questão, nomeadamente no ponto 111.2.3.1, onde se refere que "ocorrendo [...] uma operação de entrada de ativos, a sociedade beneficiária assistirá à sua valorização, [...] devendo por consequência, ser este o valor a concorrer para a determinação do cálculo dos encargos financeiros, na medida em que este será, em caso de alienação, o que servirá de base para cálculo da mais-valia ou menos-valia."

Não parece, assim, justificável a alegação de que as prestações suplementares em questão deveriam ser consideradas como "Outros ativos".

6 - Quanto à liquidação de juros compensatórios, a reclamante alega que no relatório não foram demonstrados os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios.

A liquidação de juros compensatórios decorre do disposto no art° 35° da LGT, cujo n° 1 refere que são devidos juros compensatórios nos casos em que há retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, por facto imputável ao sujeito passivo.

Dado que a correção ao IRC/2011 foi efetuada pela Inspeção Tributária ao resultado para efeitos fiscais declarado pela reclamante e ao imposto autoliquidado, parece evidente que se trata de facto imputável à reclamante.

7 - Dado que, conforme exposto nos pontos anteriores não assiste razão à reclamante, propõe-se o indeferimento do pedido, mantendo-se a liquidação objeto de reclamação.

Acrescenta-se que por não se verificarem in casu os pressupostos do n° 1 do art° 43° da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios.

 

y)      Em 20-06-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

 

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, estabelece o seguinte:

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

A Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do IRC, estabelece no seu n.º 7 o seguinte:

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

 

O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].

Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [1] ), depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC ( [2] ) anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por outro lado, como se vê por esta explicação do alcance desta parte final do n.º 2, trata-se de uma medida legislativa autónoma em relação à parte em que se estabelece que as mais-valias e as menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável, pois é óbvio que o não concurso de mais-valias para a formação do lucro tributável não alarga a base tributável, antes a diminui e, por isso, não vale aquela razão de ser.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais. ( [3] )

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

            Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).

Para além disso, a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».

Este princípio da legalidade é reafirmado e ampliado pela LGT, no seu artigo 8.º.

É, assim, claro que as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efectiva oneração para os contribuintes. ( [4] )

O ponto 7 da Circular n.º 7/2004, a ser aplicado pela Administração Tributária, com eficácia externa, de forma a afastar a dedutibilidade de encargos que se comprove não estarem conexionados com a aquisição de participações sociais, consubstanciará uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC, criando situações de indedutibilidade de encargos financeiros não previstas na lei (aquelas em que não haja relação entre encargos desse tipo e a aquisição de participações sociais), pelo que será inválida por violação do princípio da legalidade.

Mas, nada impede que a Autoridade Tributária e Aduaneira emita uma circular de que consta o seu entendimento sobre aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, para ser aplicável nos casos em que não seja viável uma determinação directa dos encargos derivados de financiamento utilizados na aquisição de participações sociais, pois tal possibilidade de emissão de orientações genéricas vinculativas para os seus serviços está prevista no artigo 68.º-A da LGT.

Como resulta do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT e tem sido pacificamente entendido, as circulares apenas têm eficácia vinculativa para a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo efeitos externos apenas de natureza informativa para os contribuintes, que podem saber antecipadamente qual o entendimento que será por aquela adoptado.

Nesta linha, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 09-01-2014, proferido no processo n.º 564/12, na esteira de Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, página 201, em que se refere:

Trata-se «de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.

Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).

É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.

Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.

 

Não sendo ilegal a emissão de circulares que interpretem diplomas legislativos com eficácia interna, a ilegalidade de actos em matéria tributária que apliquem os entendimentos nelas perfilhados não pode derivar da sua aplicação, em si mesma, mas, apenas, da ilegalidade desse entendimento em face do regime legal aplicável previsto no diploma legislativo interpretado.

Não se pode afirmar a ilegalidade abstracta do método previsto no ponto 7. da referida Circular, se entendido como apenas sendo aplicável subsidiariamente, como método indirecto, nos casos em que não for viável a determinação directa do montante dos encargos conexionados com financiamentos utilizados na aquisição de participações sociais, como permitem os artigos 85.º, n.º 1, e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT.

Neste contexto, é de notar que apenas há dois tipos de métodos de avaliação da matéria tributável previstos na lei: os directos e os indirectos. A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação; a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (artigos 81.º, n.º 1, e 83.º da LGT). Por isso, carece de suporte legal um método de «avaliação directa» não baseado no apuramento da real afectação dos encargos financeiros à aquisição de participações sociais, mas, antes, numa fórmula de cálculo que terá subjacente que a afectação acontece nos termos nela pressupostos e não comprovados.

Por outro lado, a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que com a avaliação indirecta «se visa a determinação da matéria colectável de um dado imposto apenas nas situações de inexistência ou anomalias da contabilidade que inviabilizem totalmente o apuramento da matéria tributável» também não tem suporte legal, pois a avaliação indirecta é permitida sempre que há «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT. A «extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica» que se invoca no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, como razão a utilização do método indirecto, não é, à face da regra da subsidiariedade da avaliação indirecta em relação à directa que impõe o artigo 85.º, n.º s 1 e 2, da LGT, fundamento para a utilização de um método indirecto. 

Para além disso, a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que com o n.º 2 do artigo 32.º- do EBF se pretendeu atingir a «neutralidade entre rendimentos e gastos visado pelo referido benefício fiscal» também não tem correspondência no texto desta norma, pois a irrelevância para a formação do lucro tributável não se restringe aos casos de realização de mais-valias, ocorrendo também nos casos em que ocorrem menos-valias, em que é indetectável qualquer hipotética «neutralidade entre rendimentos e gastos»: nestes casos, o contribuinte é duplamente penalizado pela aplicação do «benefício fiscal», em relação ao que resultaria da aplicação do regime geral, pois nem vê reconhecida a relevância negativa para a formação do lucro tributável das menos-valias, nem dos encargos financeiros suportados, o que lhe seria possível com a aplicação do regime geral previsto no artigo 23.º, n.º 1, alíneas c) e l), e 45.º, n.º 3, do CIRC.

Pela mesma razão, não pode entender-se o artigo 32.º, n. 2, do EBF como um afloramento da regra da indispensabilidade dos gastos como condição da sua relevância para a formação do lucro tributável, que consta do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, pois a existência ou não de rendimentos (mais-valias) é absolutamente indiferente para a irrelevância dos gastos com financiamentos obtidos para a aquisição de partes de capital.

Por outro lado, mesmo que se entendesse (como estará subjacente ao ponto 7 da Circular n.º 7/2004, mas também sem apoio no texto da lei) que aquele artigo 32.º, n.º 2, do EBF tem ínsita uma presunção de que há associação entre encargos financeiros e a aquisição de participações sociais, essa hipotética presunção sempre admitiria prova em contrário, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, que se reporta a normas de incidência em sentido lato, que abrange todas as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria tributável ou colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ( [5] )

            Por isso, uma conclusão no sentido da indedutibilidade dos encargos financeiros referidos pela Requerente só poderia ser alcançada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência da apreciação da prova apresentada pela ora Requerente, relativa à forma como foram adquiridas as participações sociais que indicou.

            Por isso, no caso em apreço, para concluir que os encargos financeiros referidos pela Requerente na declaração modelo 22 não deveriam ser deduzidos ao lucro tributável por força da parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar que esses encargos foram suportados com a aquisição das participações sociais referidas pela Requerente. Ou, pelo menos, só poderia utilizar o método indirecto previsto no n.º 7. da Circular n.º 7/2004, se se demonstrasse a inviabilidade da utilização do método directo e na estrita medida em que não fosse aplicável método directo, como impõem as regras da subsidiariedade da avaliação indirecta em relação à avaliação directa, que constam dos n.ºs 1 e 2 do artigo 85.º da LGT.

            No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira, perante a explicação dada pela Requerente no procedimento de inspecção de que havia utilizado o método da imputação directa, não esboçou sequer apreciar se tal imputação directa estava ou não correcta, limitando-se a afastar essa possibilidade, por entender que tal resultava da referida Circular, como patenteia este excerto o Relatório da Inspecção Tributária:

E, como bem expressa, (pontos 15 e 16) durante o procedimento, a exponente quando questionada, porque não procedeu à desconsideração dos encargos financeiros, à luz preceituado na parte final do artigo 32.º n.º 2 do EBF, elucidou que tinha utilizado o método de imputação direta. Olvidando contudo, da informação, que à data lhe foi prestada, este método, não é, pela AT, considerado, tendo presente a ratio legis da preceituada norma.

 

Por isso, à face da fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer admitiu a possibilidade de ser utilizado um método directo para apurar a afectação dos encargos financeiros aos financiamentos obtidos, por, em seu entendimento, a tal obstar a ratio legis do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

Assim, tem de se concluir que a correcção efectuada enferma de erro de interpretação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

É certo que no presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira veio defender que se prova que «os fundos obtidos, entre 2008 e 2012, se destinaram à aquisição de partes de capital da sociedade da D…» (artigos 24.º e 27.º da Resposta e 14.º das alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira), o que, a ser exacto, até demonstrará que, afinal, sempre era possível apurar por método directo se houve afectação dos financiamentos à aquisição de partes de capital.

Mas, este hipotético fundamento para a correcção efectuada não foi invocado no Relatório da Inspecção Tributária, pelo que a sua invocação consubstancia fundamentação a posteriori que não tem relevância num meio contencioso de mera anulação, como é o processo arbitral tributário. Na verdade, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [6] )

Conclui-se, assim, que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por ter assentado numa errada interpretação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

Essencialmente neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08-03-2017, proferido no processo n.º 0227/16: «o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal».

Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

A decisão de indeferimento da reclamação graciosa enferma do mesmo vício, já que mantém a liquidação, com os fundamentos que constam do Relatório da Inspecção Tributária.

Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que a liquidação de juros compensatórios é afectada pelo vício que afecta a liquidação de IRC, devendo também ser anulada.

 

3.1. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação e do indeferimento da reclamação graciosa, por erro de interpretação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, estes actos têm de ser anulados, pelo que fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões de legalidade invocadas, como resulta do artigo 130.º subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

4. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante a restituir.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de juros indemnizatórios.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Em 09-10-2015, a Requerente pagou a quantia liquidada.

O erro da liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a efectuou por sua iniciativa.

Consequentemente, a Requerente tem à restituição da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde a data do pagamento indevido (09-10-2015), até ser reembolsada.

 Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data do pagamento até ao integral reembolso.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRC n.º 2015…, relativa ao exercício de 2011, e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2015…;

b)      Julgar procedentes os pedidos de restituição da quantia paga e de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente a quantia de € 150.866,38, acrescida de juros indemnizatórios calculados sobre aquela quantia, à taxa legal supletiva, desde 09-10-2015 até integral reembolso.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 150.866,38.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 22-11-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(António Pragal Colaço)

 

 

 

 

(Carlos Alberto Monteiro da Silva)

 

 

 



[2]                                    Refere-se no Relatório do Orçamento do Estado para 2003, página 51:

                «a execução orçamental de 2002 indicia uma quebra de receita resultante da redução dos resultados apresentados por algumas das maiores empresas em 2001, sendo previsível que esta tendência se venha a agravar para 2002, o que determinará nova quebra na receita de 2003. Esta tendência será agravada pelo impacto da descida da taxa nominal de IRC de 32% para 30% com efeitos a partir de 01/01/2002, que poderá ser parcialmente compensada pelo incremento dos valores do pagamento especial por conta».

[3]                     À face da referida explicação que constam do Relatório do Orçamento para 2003, é duvidoso, pelo menos, que a indedutibilidade de encargos com financiamentos que se prevê na parte final do artigo 32.º, n.º 1 (anteriormente, o artigo 31.º), se reporta apenas aos conexionados com participações detidas por mais de um ano (interpretação que faz a Autoridade Tributária e Aduaneira na referida Circular) ou se se refere a todos os encargos financeiros derivados da aquisição de participações sociais, mesmo que as participações sociais não venham a ser detidas por mais de um ano.

             Na verdade, para além de a letra da lei ser compatível com esta interpretação, é a ela que conduz directamente a explicação dada para a introdução desta medida: «estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS», sem se referir qualquer limitação a esta desconsideração.

             No entanto, as Partes não manifestam discordância quanto ao entendimento de que a indedutibilidade de encargos se reporta apenas aos relativos a financiamentos relacionados com a aquisição de participações sociais que venham a ser detidas por mais de um ano (tese que está ínsita na Circular n.º 7/2004).

[4]                                    Neste sentido, defendendo que deve distinguir-se, para efeitos de aplicação do princípio da legalidade, «entre normas que constituem uma efectiva oneração do contribuinte – sujeitas a reserva de lei – e deveres de cooperação de menor monta que daquela podem ser dispensados (tudo resultando do grau de sacrifício que implicarem e da legitimidade da sua exigência em termos de proporcionalidade) e normas organizatórias da cobrança e liquidação, que não faz sentido sujeitar ao princípio da legalidade», pode ver-se SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, páginas 121-122).

[5]                                           SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126.

                Em sentido idêntico, pode ver-se NUNO SA GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56.

                Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-11-2009, processo n.º 0553/09, em que se entendeu que «a regra estabelecida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária vale não apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também em relação a outras normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação), pois que o advérbio "sempre" aí utilizado inculca a ideia de tratar-se de um princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, assente no princípio da capacidade contributiva

[6]                     Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso: de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 032702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207; de 19-06-2002, processo n.º 047787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289; de 09-10-2002, processo n.º 0600/02; de 12-03-2003, processo n.º 01661/02.

                                Em sentido idêntico, podem ver-se:

     – MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".

     – MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".