Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 738/2021-T
Data da decisão: 2024-02-25  Selo  
Valor do pedido: € 779.439,83
Tema: Imposto do Selo – isenção artigo 7º nº1 alínea e) do CIS.
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SUMÁRIO:

 

  1. O artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.° 648/2012, devem ser interpretados no sentido de que: uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.
  2. Nesta sequência, tais empresas não beneficiam da isenção consagrada no artigo 7.º , n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs e os licenciados Arlindo José Francisco e Dr. Ricardo Marques Candeias, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD[1] para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua..., n.º ..., ..., ..., ..., ...-
... Lisboa, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de
Lisboa ..., vêm, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro RJAT[2] e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista a pronunciar-se sobre a ilegalidade dos indeferimentos do recurso hierárquico (e do indeferimento do precedente pedido de revisão oficiosa), quer a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, verba 17 da TGIS, respeitante ao período de Junho 2016 a Dezembro de 2016, conforme guias ... e ..., no valor global de € 779 439,83.

As referidas liquidações foram realizadas pelo B..., NIPC..., na qualidade de “Banco Agente” tendo as operações de crédito que as desencadearam sido realizadas pelo
próprio B..., pela C..., NIPC..., pelo D..., NIPC..., pela E..., NIPC ... e pelo F... NIPC ... (cuja denominação foi posteriormente alterada para G..., S.A.)

Contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela requerente contra as identificadas liquidações de Imposto do Selo, nos termos da lei, repercutidas pelas entidades atrás identificadas na requerente, foi apresentado o respetivo recurso hierárquico, tendo a requerente sido legalmente notificada em 2 de Setembro de 2021 do seu indeferimento, por despacho proferido em 13.08.2021 pela Senhora Diretora - Geral da AT por subdelegação de competências, percorrendo assim, sem sucesso, toda via administrativa, submetendo agora à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade dos referidos atos, uma vez que entende estar nas condições a que alude a alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS e por isso, poder beneficiar da isenção aí prevista.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16/11/2021.

Nos termos e para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico foram designados, em 05/01/2022, os árbitros, sendo a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, árbitro Presidente, e os licenciados Arlindo José Francisco e Ricardo Marques Candeias, árbitros auxiliares, que comunicaram no prazo legalmente estipulado a aceitação dos respetivos encargos.

As partes foram notificadas das referidas designações, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de as recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 25/01/2022, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

2.O pedido dirige-se à anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de IS já identificadas, do indeferimento do respetivo recurso hierárquico por, no entender da Requerente, tais atos tributários serem contrários à Lei, por padecerem de vício material de violação de lei.

A Requerente suporta o seu ponto de vista, a título principal, em síntese, no facto de, como já se viu, entender reunir as condições previstas na alínea e) do nº1 do artigo 7º do CIS, sustentando que a própria AT, apenas considera a não verificação da condição de entidade financeira à Requerente à luz dos tipos previstos na legislação comunitária, enumerando vários Acórdãos arbitrais nos quais é reconhecida às Sociedades de Gestoras de Participações Sociais reguladas pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, com sede em Portugal, como é o caso da Requerente, e nessa qualidade, as consideraram abrangidas pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS.

A Requerente cita neste sentido o parecer nº 25/2013 do Centro de Estudo Fiscais e o facto da própria AT, na análise de pedidos de informação vinculativa, ter vindo a concluir pela aplicação da norma da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS aos Fundos de Capital de Risco, sendo por isso, os atos de liquidação praticados ilegais, devendo a AT proceder à sua
anulação, com a consequente devolução do imposto indevidamente pago, acrescido de
juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT.

Por sua vez, a Requerida, também em síntese, entende que não assiste razão à Requerente, na medida em que não reúne as condições para ser considerada instituição financeira quer à luz dos textos dos atos legislativos da União Europeia relevantes, quer ainda dos critérios de interpretação das normas de isenção sufragados pela jurisprudência do STA, conforme procura demonstrar na sua resposta que aqui damos, nessa parte, por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

Considerando assim ser de manter o entendimento de que a Requerente não preenche o elemento subjetivo da isenção previsto para o mutuário no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, por não se subsumir no conceito de “Instituição financeira” utilizado no quadro dos atos legislativos da União Europeia aplicáveis e consequentemente ser o pedido de pronúncia arbitral julgado improcedente

Quanto ao pedido de liquidação de juros indemnizatórios, que eventualmente viessem a ser devidos, refere que, nos termos da alínea c) do nº. 3 artigo 43.º da LGT, apenas serão devidos decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa.

 

3.Por despacho de 15 de Março de 2022, o Tribunal dispensou a produção de prova testemunhal e de alegações. Mais foi designado o dia 25 de Julho como prazo limite para prolação da Decisão Arbitral.

 

4. Em 4 de Abril de 2022, foi emitido o seguinte despacho:  

No processo n.º 559/2020-T, em que se discute questão de direito idêntica à dos presentes autos, a saber se «a Requerente, enquanto sociedade gestora de participações sociais, é considerada instituição financeira para efeito do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que estabelece, nos termos aí previstos, a isenção de imposto», o Tribunal foi notificado de despacho do STA, segundo o qual, por acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do STA de 23.03.2022, proferido no processo nº 118/20.3BALSB, em que a questão fundamental de direito era exactamente a mesma decidiu suscitar o reenvio prejudicial, com suspensão da instância .

Decidiu o STA, em cumprimento do disposto nos artigos 19.º, n.º 3, alínea b) do Tratado da União e 267.º, al. b) do TFUE, proceder ao reenvio prejudicial do caso em apreço para o TJUE, para que esclareça a seguinte questão:

Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objecto a gestão de participações sociais doutras sociedades que não integram o sector dos seguros, subsume se ao conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013?

Tendo em vista a boa e uniforme aplicação do direito entende este Tribunal suscitar a título oficioso a suspensão da presente instância até à decisão daquele pedido de reenvio.

Ficam as partes notificadas para exercer, querendo, contraditório, no prazo de dez dias.

Deste despacho notifiquem-se ambas as partes.

 

5.Em 2 de Maio de 2022 o Tribunal emitiu despacho de suspensão da instância, nos termos que se dão por reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.

 

6. Em 1 de Janeiro de 2024, foi emitido o seguinte despacho:

Ao abrigo do princípio da colaboração e para os efeitos tidos por convenientes, o Tribunal foi informado pela Secretaria do CAAD, que foi proferido Acórdão pelo Tribunal de Justiça no âmbito dos Processos prejudiciais apensos C-207/22, C-267/22 e C-290/22, no seguimento dos reenvios prejudiciais apresentado pelos Tribunal Arbitrais nos Processos n.os 565/2020-T e 764/2021-T e no Processo 0118/20.3BALSB  que corre termos no Supremo Tribunal Administrativo. 

O Acórdão pode ser consultado na Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, disponível no portal https://curia.europa.eu/.

Notifiquem-se as partes para se pronunciarem querendo, no prazo de dez dias, sobre a sua aplicação ao caso dos autos .  

Determina-se a suspensão do despacho de 2/5/2022 . 

Deste despacho notifiquem-se as partes.

 

7. As partes não se pronunciaram.

       

 

II - SANEAMENTO

 

 O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º nº1 e artigo 5.º nº. 1, 2 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4º e 10º nº 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1- Questões a dirimir 

  1. Apreciar e decidir se os atos de indeferimento do Recurso hierárquico e do precedente pedido de revisão oficiosa são ou não ilegais.
  2. Apreciar e decidir se as autoliquidações do IS, relativas às operações de crédito de junho e dezembro de 2016, com o B..., C..., D..., E... e o F..., no montante de € 779 439,83, contra as quais os referidos atos se dirigiram, padecem ou não de ilegalidade e consequentemente deverão ou não ser anuladas.
  3. Se, em caso de anulação, o reembolso do aludido montante, deverá ou não ser acompanhado de juros indemnizatórios.

 

 2 – Matéria de facto provada e não provada e fundamentação

 

A matéria de facto que considerámos relevante para a decisão é a seguinte:

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), domiciliada em Portugal, prevista e regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro que, como tal, exerce uma atividade económica de forma apenas indireta.
  2. No âmbito da sua atividade celebrou em 1 de Julho de 2015 contrato de mútuo com as instituições de crédito B..., a C..., o D..., a E... e o F..., (atualmente, G..., S.A.), também domiciliadas em Portugal.
  3. O B... na qualidade de Banco Agente liquidou e entregou ao Estado o IS da operação financeira, nos termos da verba 17 da TGIS e repercutiu, em seu nome e em nome das demais instituições de crédito intervenientes no referido contrato de mútuo, o encargo do referido IS na esfera da A... SGPS – enquanto utilizadora do crédito em causa (mutuária).
  4. A Requerente mutuário utilizador do crédito suportou o IS respeitante aos meses de Junho 2016 de € 394.816,26, valor apago em 20/07/2016, e dezembro 2016 de € 384.623,57, valor pago em 20/01/2017, o que perfaz o montante global de IS suportado de € 779.439,83.
  5. Com o fundamento de beneficiar da isenção do IS nos termos do artigo 7º nº 1 alínea e) do CIS, a Requerente apresentou, contra as referidas autoliquidações, pedido de revisão oficiosa nº ...2019... junto da Direção de Finanças de Lisboa que veio a ser indeferido, apresentando contra este ato de indeferimento o recurso hierárquico nº ...2019... que igualmente veio a ser indeferido.

 

Estes são os factos que o Tribunal considerou provados com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, cuja realidade não foi por elas posta em causa e, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre tudo o que por elas foi alegado, selecionou os factos que entendeu relevantes para a decisão e discrimina a matéria provada da não provada, conforme artigo 123º nº 2 do CPPT[3] e artigo 607º, nº3 do CPC[4], aplicável ex vi artigo 29º nº 1 alíneas a) e e) do RJAT.

 

Com interesse e relevo para a decisão da causa considera-se como não provado que a Requerente direta ou indiretamente exerça a atividade bancária ou financeira ou sequer detenha a gestão de participações nestes setores.  

 

 

3- Matéria de Direito

 

A questão central a decidir gira em torno de saber se «a Requerente, enquanto sociedade gestora de participações sociais, é considerada instituição financeira para efeito do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que estabelece, nos termos aí previstos, a isenção de imposto».

Como vimos, a questão ficou resolvida por Acórdão pelo Tribunal de Justiça, de 26 de Outubro,  no âmbito dos Processos prejudiciais apensos C-207/22, C-267/22 e C-290/22, no seguimento dos reenvios prejudiciais apresentado pelos Tribunal Arbitrais nos Processos n.os 565/2020-T e 764/2021-T e no Processo 0118/20.3BALSB do Supremo Tribunal Administrativo. 

No mencionado Acórdão pode ler-se:

“52 Com as questões submetidas, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

53 Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto desta disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 2023, M. Ya. M. (Repúdio da sucessão por um co-herdeiro), C-651/21, EU:C:2023:277, n.° 41 e jurisprudência referida].

54 Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013.

55 O artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.°, n.° 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende-se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas.

56 Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável 15 Acórdão de 26. 10.2023 — Processos apensos C-207/22, C-267/22 e C-290/22 às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

57 A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.°, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C-290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.

58 Além disso, embora a redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.° 575/2013.

59 Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.

60 Ora, por um lado, o artigo 4.°, n.° 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.

61 Por outro lado, resulta do artigo 4.°, n.° 1, ponto 21, do Regulamento n.° 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.°, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa-mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro.

 62 Afigura-se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.

63 Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.

64 No entanto, como a advogada-geral salientou no n.°41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.

65 Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.

66 Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado-Membro.

67 Com efeito, o artigo 34.° desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado-Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito.

68 Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.°, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.

69 Em seguida, o Regulamento n.° 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».

70 Mais precisamente, resulta do artigo 18.°, n.° 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira-mãe ou da companhia financeira mista-mãe.

71 Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.

72 Além disso, decorre do artigo 4.°, n.° 1, ponto 27, do Regulamento n.° 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.

73 Ora, resulta do artigo 36.°, n.° 1, alíneas g) a i), do artigo 56.°, alíneas c) e d), e do artigo 66.°, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.

74 As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.°, n.° 1, alínea k), e nos artigos 89.° e 90.° do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa.

75 Decorre do exposto que o Regulamento n.° 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.

76 Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.

77 Por último, o artigo 5.° da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições  de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.

78 Do mesmo modo, o artigo 117.°, n.° 1, e o artigo 118.° desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados-Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.

79 Em terceiro lugar, resulta do artigo l.° da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.° do Regulamento n.° 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.

80 Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013.

81 Por conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento. (…)

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara: O artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.° 648/2012, devem ser interpretados no sentido de que: uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.”

 

Esta jurisprudência é plenamente transponível para o caso dos autos, uma vez que não ficou provado que a Requerente seja uma empresa que detenha participações em sociedades que exerçam atividades no setor financeiro.

Atento o exposto é de concluir pela improcedência do pedido principal, bem como o relativo aos juros indemnizatórios. 

 

 

IV- DECISÃO

 

Termos em que se decide neste tribunal coletivo:

  1. Julgar improcedente o pedido arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica dos atos tributários impugnados;
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas.

 

 

V- VALOR DA CAUSA

Fixa-se o valor do processo em € 779.439,83 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

VI- CUSTAS

Custas no montante de € 11 322,00 a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

 

Fernanda Maçãs (Árbitro presidente)

 

 

 

Arlindo José Francisco

 

 

 

Ricardo Marques Candeias

 



[1] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[2] Acrónimo de Regime Jurídico de Arbitragem em matéria Tributária

[3] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[4] Acrónimo de Código de Processo Civil