Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 224/2023-T
Data da decisão: 2024-02-28  IVA  
Valor do pedido: € 100.885,80
Tema: Direito à dedução do IVA - Prestação de serviços a participadas – Gestão ativa de participações sociais.
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SUMÁRIO:

  1. O facto de uma empresa ter um objeto social operacional não é impeditivo de que ela funcione apenas como holding de outras sociedades de um grupo, essas sim operacionais.
  2. Há duas maneiras de justificar dedução de IVA numa sociedade que funciona como holding de um grupo empresarial: 

i. serem esses montantes gerados no pagamento de inputs necessários a um output ii. fazerem parte dos seus custos gerais.

  1. Em qualquer caso, redebitados tais custos às participadas, eles deixam de poder ser considerados custos gerais seus.            

 

Os árbitros, Prof. Dr. Victor Calvete (Presidente), Dr. A. Sérgio de Matos (vogal) e Dr. Paulo Lourenço (Relator) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído no dia 6 de junho de 2023, acordam no seguinte:

 

 

Relatório

A..., SA, pessoa coletiva  nº..., com sede social na ..., nº ..., ...-... Lisboa, de ora em diante designada por Requerente, veio, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, tendo em vista declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação graciosa, com a consequente anulação das liquidações adicionais do IVA a que correspondem os números..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., bem como respetivas liquidações de juros compensatórios correspondentes e o pagamento dos juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira no dia 30 de março de 2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. No dia 19 de maio de 2023 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos 2 artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído no dia 6 de junho de 2023. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu no dia 10 de julho de 2023, defendendo a improcedência dos pedidos.

No dia 21 de julho de 2023, a Requerente apresentou um requerimento no qual solicitou o indeferimento da prova testemunhal apresentada pela Requerida, por não se compreender a respetiva utilidade prática.

No dia 7 de setembro de 2023, o tribunal arbitral solicitou à Requerida a concreta identificação dos factos que pretende submeter a produção de prova testemunhal e, no dia 18 de setembro do mesmo ano, a Requerida veio indicar os artigos da resposta que devem ser sujeitos a tal prova.

No dia 6 de novembro de 2023, o tribunal designou o dia 19 de dezembro para a reunião do artigo 18º do RJAT e para a inquirição da testemunha arrolada e, no dia 22 de novembro de 2023, decidiu prorrogar por 2 meses a decisão.

No dia 2 de fevereiro de 2024, para garantir os acertos finais no texto e a recolha de assinaturas, o tribunal voltou a prorrogar por dois meses o prazo final de decisão.

O tribunal foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades. 

 

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Matéria de facto

2.1. Factos provados

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto o comércio de produtos petrolíferos e que iniciou a respetiva atividade no dia 20 de Fevereiro de 2017.
  2. Nos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020, a Requerente não teve quaisquer operações ativas, conforme foi confirmado pelos Serviços de Inspeção da Autoridade Tributária.
  3. A Requerente detém a totalidade das participações sociais das empresas que compõem o grupo B... .
  4. A Requerente encetou, sem sucesso, negociações com vista à aquisição das participações sociais da C..., SGPS, SA, tendo, para o efeito, adquirido diversos serviços, nomeadamente de auditoria, assessoria e consultoria jurídica e publicidade, entre outros.
  5. Os gastos suportados com o projeto, que tinha em vista a aquisição das participações sociais da C..., SGPS, SA, foram redebitados às suas participadas D..., SA e E..., Unipessoal, Lda.
  6. No último trimestre de 2020, a Requerente apurou um crédito de imposto no montante de € 100 885,80 e solicitou o reembolso nº .../..., no montante de € 90 000.
  7. A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva, realizada ao abrigo das ordens de serviço com os números OI2021..., OI2021... e OI2021..., relativas aos anos de 2018, 2019 e 2020.
  8. Na sequência da inspeção supra referida, foi elaborado o projeto de Relatório da Inspeção Tributária, que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, no qual foram propostas correções de natureza aritmética, no montante de € 100 885,80.
  9. A Requerente apresentou a reclamação graciosa nº ...2022... em relação às liquidações com os números ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e respetivos acertos de contas com os números 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021... .
  10. A Requerente não logrou demonstrar a existência de um nexo direto e imediato entre as despesas de consultadoria que foram objeto das correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução.
  11. A Requerente não demonstrou a existência de um nexo direto e imediato entre as despesas supra referidas e o conjunto da atividade económica da Requerente.

 

2.2       Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão.

 

Matéria de direito Posição da Requerente

A Requerente defende, em suma:

  • o objetivo da aquisição de participações sociais pela Requerente foi o de concretizar um plano de expansão e internacionalização.
  • a aquisição e detenção de participações pela Requerente com este objetivo constitui um prolongamento direto permanente e necessário da sua atividade.
  • é admissível dedução de IVA relativo a despesas relacionadas com a identificação de oportunidades de investimento, mesmo que estes não se venham a concretizar.
  • a aquisição de participações sociais não visa apenas a obtenção de dividendos e mais-valias, tendo como objetivo a interferência na gestão e desenvolvimento das participadas, com reflexos a nível da consolidação da quota de mercado da Requerente e da sua atividade.
  • o IVA suportado com assessoria jurídica e consultadoria destinado a aquisição de participações sociais é fiscalmente dedutível.
  • o sistema do IVA deve garantir a sua neutralidade quanto à carga de todas as atividades económicas.
  • Ainda que haja falta de relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, há direito a dedução de IVA quando os custos dos serviços em causa fazem parte das despesas gerais.
  • A não existência de operações a jusante não é suficiente para negar o exercício do direito à dedução, desde que se demonstre que os serviços a montante existiram e que há intenção do sujeito passivo de vir a exercer atividades tributáveis no futuro.
  • Os designados atos preparatórios devem ser enquadrados na atividade económica do sujeito passivo, competindo à Autoridade Tributária demonstrar que tais atos não têm uma ligação direta e imediata com a referida atividade.
  • A aquisição dos serviços no âmbito da operação de aquisição da C... tinha por objetivo a prestação de serviços de apoio à gestão desta mesma entidade.
  • A Requerente, no âmbito da sua atividade, já prestava serviços de apoio à gestão sujeitos a IVA às entidades que já eram suas participadas.
  • Os custos suportados com a pretendida aquisição da C... foram redebitados às empresas participadas e foram sujeitos a IVA, dado que configuram uma prestação de serviços para efeitos de IVA.
  • Havendo uma ligação direta entre os encargos suportados e os serviços prestados, o IVA suportado é passível de dedução na esfera jurídica da Requerente.

 

Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma:

  • Nos períodos económicos de 2017 a 2020, a Requerente não teve quaisquer operações ativas que tenham dado lugar à liquidação do IVA, mas apenas montantes relativos a operações isentas ou não tributadas, que não conferem o direito à dedução.
  • A atividade da Requerente consiste na mera detenção ou gestão de participações sociais, sendo certo que os inputs suportados não foram utilizados para a realização de operações sujeitas e não isentas, não lhe sendo, por isso, reconhecido o direito à dedução do imposto por si deduzido.
  • A atividade de aquisição e detenção de partes sociais e a consequente perceção dos dividendos, bem como a eventual obtenção de mais-valias e juros de obrigações daí resultantes, não integram o conceito de atividade económica para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, pelo que é forçoso concluir que está fora do campo de aplicação do imposto, porque não integra o conceito de atividade económica considerado para efeitos da definição de sujeito de IVA;
  • nos termos legais em vigor – quer das normas constantes do Código do IVA, quer das disposições da Diretiva 2006/112/CEE – e, ainda segundo jurisprudência pacífica da UE, só se pode deduzir o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações que sejam sujeitas a imposto e dele não isentas, ou seja operações efetivamente tributadas, com exportações e operações assimiladas; 
  • As faturas cujo IVA a Requerente pretende deduzir são todas do ano de 2020, o que significa que não estão relacionadas com o projeto de aquisição da C... .
  • A invocação do direito à dedução com base em atividades preparatórias implica a demonstração da existência de elementos objetivos que sustentem a intenção de prosseguir atividades económicas tributáveis.
  • Se assim não for, o direito à dedução produz-se simplesmente a partir da declaração, sem qualquer perspetiva objetiva de que tal IVA deduzido venha a ter expressão em imposto liquidado e efetivamente suportado por consumidores finais.
  • No caso concreto em apreço, inexistem quaisquer elementos objetivos, contemporâneos das operações em causa, que suportem uma intenção de prosseguir atividades tributadas.
  • De acordo com o disposto no artigo 20° do Código do IVA, só se pode deduzir o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações que sejam sujeitas a imposto e dele não isentas.
  • A citada disposição legal exige um nexo de causalidade entre o imposto suportado e dedutível e a realização, por parte do sujeito passivo, de operações sujeitas a imposto e dele não isentas.
  • Tratando-se de uma aquisição de participações que não é acompanhada de elementos objetivos e contemporâneos que apontem para um nexo com operações tributáveis a jusante, a atuação da Requerente corresponde à de uma holding pura.
  • Na verdade, a mera aquisição de participações sociais no chamado "Projecto ...", sem qualquer interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que participa não é suscetível de ser caracterizada como atividade económica e o imposto suportado nos gastos inerentes à tomada das referidas participações sociais não é dedutível nos termos do artigo 20.º do Código do IVA.
  • A intervenção na gestão das sociedades afiliadas poderá constituir uma atividade económica para efeitos de IVA na exata medida em que implique a realização de transações sujeitas a imposto, nomeadamente a prestação de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos.
  • A Requerente tem o ónus legal de comprovar os factos constitutivos do direito à dedução do IVA e não fez essa prova.

 

Decisão

A questão central no âmbito do presente processo foi já objeto de várias decisões arbitrais, nomeadamente nos processos 416/2019T e 128/2012T.

De harmonia com o disposto no artigo 2.º da Diretiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, estão sujeitas ao IVA, para além de outras, as operações de entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, as aquisições intracomunitárias de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado Membro, as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e as importações de bens. 

Na mesma linha o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelece, no seu artigo 1.º, que estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as importações de bens e as operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias. Nos termos do artigo 9.º da Diretiva «entende-se por "sujeito passivo" qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade» e «entende-se por "atividade económica" qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

O CIVA estabelece que são sujeitos passivos, além de outras, «as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC)».

O direito à dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível (artigo 167º da Diretiva n.º 2006/112/CE e artigo 22.º n.º 1, do CIVA) e, em regra, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributadas (artigos 168.º da Diretiva n.º 2006/112/CE e artigo 20.º, n.º 1, do CIVA).

De harmonia com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com o direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

O artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

Não é questionado pelas Partes que a mera aquisição e detenção de participações sociais não deve ser considerada como uma atividade económica para efeitos da Sexta Diretiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) e da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, cujo regime é essencialmente semelhante à anterior, neste ponto.

Não obstante a Requerente não ser uma sociedade holding pura, a verdade é que, como anteriormente se mencionou, não teve qualquer atividade operacional durante os exercícios de 2017 a 2020. É certo que tinha a intenção de adquirir as participações sociais da C..., com o objetivo de potenciar a sua atividade principal, designadamente expandindo internacionalmente a sua área de vendas a novos mercados e assegurando condições para a comercialização dos seus produtos, mas a verdade é que isso não se chegou a concretizar.

Assim sendo, coloca-se a questão de saber se a Requerente pode deduzir o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços necessários à aquisição dessas participações sociais, ainda que não concretizadas.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o direito da União.

A recente jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a possibilidade de dedução de IVA por sociedades gestoras de participações sociais é potencialmente aplicável ao caso em apreço, por estar em causa a dedução de IVA relacionado com uma atividade deste tipo. Na verdade, o facto de a Requerente ter por objeto a comercialização de produtos petrolíferos, uma atividade económica para efeitos de IVA, não implica qualquer diminuição do direito à dedução. Por isso, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre aquela matéria será aplicável por paridade, se não por maioria de razão.

O Tribunal de Justiça da União Europeia, no acórdão de 6 de setembro de 2012, proferido no processo n.º C496/11 veio a decidir o seguinte:

O artigo 17.º, n.ºs 2 e 5, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua atividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que fatura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução.

Este acórdão veio afastar o obstáculo conceitual da inadmissibilidade de dedução integral do IVA suportado por uma SGPS, atenta a sua natureza, quando se trata de uma sociedade deste tipo que presta serviços às suas participadas.

Na verdade, refere-se expressamente naquele acórdão que «caso seja de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa teria o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Diretiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito a dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objeto social das referidas sociedades ou da sua atividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua atividade principal». 

Assim, o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em atividades que conferem direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa atividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

A referida jurisprudência do TJUE tem suporte explícito na legislação da União Europeia, no artigo 168.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE) que estabelece que, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes do IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.

Mais recentemente, o acórdão do TJUE de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt, processos n.ºs C 108/14 e C 109/14 é elucidativo sobre o entendimento recente do TJUE sobre esta matéria:

«A mera aquisição e a mera detenção de partes sociais não devem ser consideradas atividades económicas na aceção da Sexta Diretiva, que confiram ao seu autor a qualidade de sujeito passivo. Com efeito, a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com caráter de permanência, porque o eventual dividendo, fruto de tal participação, resulta da simples propriedade do bem» (n.º 13 19). 

Mas, «a situação é diferente quando a participação for acompanhada pela interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de acionista ou de sócio» (n.º 20, citando os acórdãos Cibo Participations, C-16/00, EU:C:2001:495, n.º 20, e Portugal Telecom, C-496/11, EU:C:2012:557, n.º 33).  

«A interferência de uma sociedade holding na gestão das sociedades cujas participações adquiriu constitui uma atividade económica na aceção do artigo 4.º, n.º 2, da Sexta Diretiva, na medida em que implica a realização de transações sujeitas a IVA por força do artigo 2.º da mesma diretiva, como a prestação de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela sociedade holding às suas filiais» (n.º 21, citando os mesmos acórdãos). 

«Admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo sujeito passivo. Estes custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo» (n.º 24, citando os mesmos acórdãos). 

A legislação nacional estabelece, no artigo 20.º do CIVA, que pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações que aí se indicam, entre as quais se incluem as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Por outro lado, ainda em sintonia com o citado acórdão do TJUE a interferência da Requerente «na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma atividade económica», para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução.

Para além disso, como se refere no mesmo acórdão, «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo».

Assim, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo direto e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo direto e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo direto e imediato com o conjunto da sua atividade económica.

No caso em apreço, não se concretizou a aquisição das participações sociais, pelo que os serviços adquiridos não têm, nem poderiam ter, um nexo direto e imediato com quaisquer serviços a jusante. Tanto mais que a Requerente alegou ter procedido “ao redébito de alguns custos (incorridos com a projetada aquisição da C...) às suas participadas.

Por outro lado, não se vislumbra que os custos suportados tenham um nexo direto e imediato com a atividade da Requerente, uma vez que, conforme ficou demonstrado, não tinha, até à data da inspeção, o registo de quaisquer operações ativas.

Assim, não se provou um nexo direto e imediato entre as despesas de consultadoria que foram objeto das correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, para além de não se ter provado igualmente a existência de um nexo direto e imediato entre essas despesas e o conjunto da atividade económica da Requerente, pelo que os custos dos serviços em causa não fazem parte das suas despesas gerais, não podendo, por essas razões, ser objeto do exercício do direito à dedução.

Posto isto, os atos cuja declaração de ilegalidade é pedida não são ilegais, não se justificando isso a respetiva anulação.

Não sendo julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral, fica prejudicado o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios.

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações adicionais a que correspondem os números..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., bem como as respetivas liquidações dos juros compensatórios.
  2. Julgar improcedente o pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios.

 

5.Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 100.885,80.

  1. Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 28 de fevereiro de 2024

O Árbitro Presidente

(Victor Calvete)

 

O Árbitro vogal

A. Sérgio de Matos

 

 

O Árbitro relator

 

Paulo Lourenço