Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 41/2023-T
Data da decisão: 2024-04-25  Selo  
Valor do pedido: € 71.048,84
Tema: Imposto do Selo – Comissões de intermediação – colocação de títulos negociáveis – Verba 17.3.4, da TGIS – Diretiva de Reuniões de Capitais – Jurisprudência do TJUE – Correção de erros materiais no acórdão arbitral. (em anexo).
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Acórdão

(Retificação de Lapso)

 

 

Após prolação da decisão arbitral final deste processo instaurado por A..., SAD, contra Autoridade Tributária e Aduaneira, verificou este Tribunal com base em requerimento apresentado pela AT, que ocorreram manifestos lapsosna redação da parte decisória do acórdão – alíneas b) e c) -, proferido em 5-3-2024, quando se declara “ b) eliminar da ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações do imposto do selo objeto do pedido”e “c) condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre as quantias a restituir, desde a data do pagamento ati a do processamento da nota de crédito em que devam ser incluídos”.

 

Certo que proferida a sentença, esgota-se o poder jurisdicional do Tribunal, ou seja, o seu poder de rever ou alterar a decisão – artigo 613º-1, do CPC aplicável no processo arbitral tributário por força do artigo 29º-1/e), do RJAT.

Todavia esta regra comporta exceções que não envolvam reapreciação do mérito ou fundamentos da decisão,designadamente quando se trate de correções ou retificações de meros erros materiais ou suprimento de nulidades, para além ou sem prejuízo da reforma quanto a custas – Cfr artigos 613º-2 e 614º a 617º, do CPC (cfr ainda neste mesmo sentido o disposto no artigo 45º, da Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela lei nº 63/2011).

In casu os lapsos, manifestos, ocorridos integram-se no conceito de erro material na medida em que, por um lado,  a Requerente apenas colocou em causa neste processo o montante de 71.048,84 e não a totalidade das liquidaçõese, mais concretamente, o imposto do selo liquidado sobre comissões de colocação de obrigações cobradas a demandante entre 1 de julho de 2020 e 31 de julho de 2021, no montante de € 71.048,84, sendo este o pedidoarbitral formulado: a condenação da AT a restituição ou reembolso do IS (imposto do selo) pago no montante total de 71.048,84 EUR; por outro lado, também os juros, em consonância com os fundamentos da decisão, devem ser contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, ou seja, 24-10-23.

Ouvida sobre o pedido de retificação, a Requerente concordou com a mesma.

 

Daí que se proceda a pedida correção do acórdão, página 19, III – Decisão, nos seguintes termos:

Onde se lê:

b)                          Eliminar da ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações de imposto do selo objeto do pedido;

c)                           Condenar a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) no pagamento a Requerente de juros indemnizatórios, a calculados sobre as quantias a restituir, desde a data do pagamento ati a do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), as taxas legais que vigorarem ati ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomasque lhe sucederem);

 

Deverá ler-se:

b)  Eliminar da ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações de imposto do selo objeto do pedido, no montante total de Eur 71.048,84,

 

c)  Condenar a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios calculados sobre as quantias a restituir, desde 24 de outubro de 2022, data do indeferimento da reclamação graciosa.

 

A sobredita correção fica para todos os efeitos a fazer parte integrante do sobredito e ora corrigido acórdão.

 

•  Notifique-se

 

Lisboa e CAAD, 25-4-2024

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão (Presidente)

 

Luís Ricardo Farinha Sequeira

 

 

Martins Alfaro

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 41/2023-T

Tema: Imposto do Selo – Comissões de intermediação – Colocação de títulos negociáveis – Verba 17.3.4, da TGIS – Diretiva de Reuniões de Capitais – Jurisprudência do TJUE.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária CAAD: Arbitragem Tributária

SUMÁRIO:  I Segundo decisão do TJUE, em processo de reenvio prejudicial (Proc C-335/22), “[o]artigo 5º, nº 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que: Se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária” II  A liquidação e cobrança de IS sobre as comissões de colocação de títulos em mercado entregues a entidades bancárias são ilegais atenta a necessária concatenação da verba 17.3.4, da TGIS com o artigo 5º-2/b), da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho da UE, de 12-2-2008, que não permite a sujeição a qualquer imposto indireto sobre operações de reunião de capitais previstas naquela Diretiva, designadamente a tributação indireta das comissões relativas à prestação de serviços financeiros.

 

 

 

 

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

Acordam os árbitros que integram este Tribunal Arbitral Coletivo, José Poças Falcão (presidente), Martins Alfaro e Ricardo Sequeira (vogais):

 

I – RELATÓRIO

1      A..., SAD, sociedade anónima desportiva com sede em ..., ... ..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial  ... (“Requerente”), veio, ao abrigo dos artigos 95.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Tributário para apreciação da legalidade dos seguintes atos decisório e tributários: (i) Liquidações de Imposto do Selo (“IS”), no montante total de 71.048,84 EUR, relativas a comissões de colocação de obrigações em mercado cobradas pelos intermediários financeiros à Requerente, efetuadas entre 1 de julho de 2020 e 31 de julho de 2021, através das guias n.os..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., e das declarações mensais de IS n.os..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...– cfr.cópias das declarações dos intermediários financeiros e das faturas por estes emitidas no âmbito dos serviços de colocação de obrigações em mercado prestados à Requerente, juntas, respetivamente, como Documentos n.os 1 a 9 e10 a 27 e (ii) Decisão final de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., plasmada no Ofício n.º ...-DJT/2022, de 24 de outubro de 2022, da autoria do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de subdelegação de competências, em relação ao montante de imposto cuja pretensão foi indeferida – cfr. cópia da decisão final de indeferimento, junta como Documento n.º 28.

2      Alega, no essencial e em síntese,  que:

a)    Nos anos de 2020 e 2021, no âmbito da sua atividade, a Requerente recorreu ao mercado de capitais com o intuito se financiar através da emissão de obrigações, solicitando a intermediação de diversas instituições financeiras;

b)    Neste contexto, os intermediários financeiros cobraram à Requerente comissões de colocação de obrigações em mercado (“comissões de colocação”), sobre as quais liquidaram IS (Imposto do Selo);

c)    Ora  o IS em apreço não era devido, na medida em que  a verba 17.3.4 da Tabela Geral do IS (“TGIS”) tem de ser interpretada restritivamente, caso contrário será contrária à legislação europeia, em particular à Diretiva n.º 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (“Diretiva da Reunião de Capitais” ou simplesmente “Diretiva”).

d)    Estribada em tal entendimento, a Requerente solicitou à Autoridade Tributária, mediante a apresentação de reclamação graciosa a 27 de julho de 2022, a anulação das respetivas liquidações e o correspondente reembolso do IS indevidamente pago – cfr. cópia da reclamação graciosa, junta como Documento n.o 29.

e)    Não obstante, a Autoridade Tributária indeferiu, por despacho de 24-10-2022, a pretensão apresentada pela Requerente – cfr.fls 118, do PA (Processo Administrativo)

f)     Salvo o devido respeito, a Requerente discorda do entendimento sufragado pela Autoridade Tributária, designadamente por esta não ter plenamente apreendido o que estava em causa, em particular a natureza dos serviços de colocação de obrigações em mercado contratados pela Requerente aos intermediários financeiros.

g)    Tal perceção da Requerente resulta do facto de, entre outros aspetos, parecer existir alguma confusão de conceitos na fundamentação avançada pela Autoridade Tributária, nomeadamente quando trata, por diversas vezes, ao longo da referida decisão de indeferimento, a «emissão» e a «colocação» de obrigações como sinónimos, o que não são (são conceitos distintos, com consagração legal expressa no âmbito do Direito dos Valores Mobiliários e, bem assim, com exigências legais distintas no que concerne à intervenção dos intermediários financeiros, como adiante melhor se explanará).

h)    A Requerente é uma sociedade comercial anónima desportiva com atividade em Portugal, cujo objeto social compreende a «participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol».

i)     A atividade desenvolvida pela Requerente encontra-se regulada no regime jurídico das sociedades desportivas a que ficam sujeitos os clubes desportivos que pretendem participar em competições desportivas profissionais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de janeiro.

j)     A Requerente participa em competições, quer nacionais quer internacionais, de futebol profissional, tendo como sócio maioritário o clube de futebol B ... .

k)    Em 2020 e 2021, no âmbito da sua atividade, a Requerente procedeu à emissão e admissão à negociação de obrigações, sob a modalidade de oferta pública, tendo solicitado a intermediação de diversas instituições financeiras na colocação em mercado desses valores mobiliários.

l)     Em concreto, a Requerente contratou os serviços das seguintes instituições financeiras:

→     Banco ActivoBank, S.A.;

→     Banco Invest, S.A.;

→     Banco L. J. Carregosa, S.A.;

→     Best - Banco Electrónico de Serviço Total, S.A.;

→     Caixa Geral de Depósitos, S.A.;

→     Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL;

→     Haitong Bank, S.A.;

→     Banco Comercial Português, S.A.; e

→     Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A..

m)  Pelos serviços de colocação em mercado das obrigações emitidas pela Requerente, os intermediários financeiros acima identificados cobraram comissões de colocação.

n)    Os serviços prestados pelos intermediários financeiros consistiram em (i) desenvolver os seus melhores esforços na identificação e contacto com potenciais investidores, com vista à distribuição dos valores mobiliários (in casu, obrigações) emitidos pela Requerente e (ii) receber por parte desta ordens de subscrição ou de aquisição.

o)    Com efeito, entre 1 de julho de 2020 e 31 de julho de 2021, a Requerente procedeu ao pagamento das faturas emitidas pelos intermediários financeiros relativas às comissões de colocação, sobre as quais foi liquidado e entregue ao Estado o respetivo IS, à taxa de 4%, conforme melhor demonstrado infra:

(1) Montantes de IS indevidamente liquidado sobre as comissões de colocação, cujo reembolso se peticiona nos presentes autos (71.048,84 EUR). Os montantes de IS liquidado em cada operação encontram-se evidenciados nas respetivas faturas – cfr. Documentos n.os 10 a 27.

(2) Intermediários financeiros que prestaram serviços de colocação das obrigações em mercado à Requerente.  

(3) e (4) Indicação, consoante o caso, dos números das guias de IS ou das declarações mensais de IS, bem como das datas dos pagamentos efetuados pela Requerente – cfr. Documentos n.os 1 a 9.

(5) Indicação dos números das faturas emitidas no âmbito dos serviços de colocação das obrigações em mercado prestados à Requerente, em sede das quais foi refletido o IS indevidamente liquidado, no montante total de 71.048,84 EUR – cfr. Documentos n.os 10 a 27.

(6) e (7) Para facilitar a análise, detalham-se os documentos correspondentes às declarações dos intermediários financeiros (cfr. Documentos n.os 1 a 9) e às faturas por estes emitidas no âmbito dos serviços de colocação de obrigações em mercado prestados à Requerente (cfr. Documentos n.os 10 a 27).

p)    Assim, conforme resulta da tabela supra, em 2020 e 2021, foi liquidado um montante total de IS de 71.048,84 EUR, o qual foi integralmente suportado pela Requerente – cfr. Documentos n.os 1 a 9.

q)    A Requerente apresentou reclamação graciosa, em sede da qual peticionou o reembolso do IS indevidamente suportado, no montante total de 71.048,84 EUR – cfr. Documento n.º 29.

 

r)     Contudo, a 27 de outubro de 2022, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. Documento n.º 28

 

s)     No essencial, a Autoridade Tributária sustentou a sua decisão de indeferimento nos seguintes fundamentos:

«28. Vem a ora Reclamante requerer a anulação das liquidações de imposto de selo, referente à verba 17.2.4 da TGIS (discriminadas no Quadro II), respeitantes aos períodos de julho de 2020 e de julho de 2021, no montante total de €71.048.84, e se proceda ao reembolso desse valor, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos previstos no art.º 43.º da LGT.

29. A questão sub judice estará em apreciar a legalidade da incidência  objetiva/subjetiva de imposto de selo (verba 17.3.4) sobre as comissões de colocação de títulos em mercado entregues a diversas entidades bancárias pela Reclamante (…) e se as mesmas se consideram desconformes com a lei, fruto da concatenação da referida verba da Tabela Geral de Imposto de Selo com o art.º 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, mormente da alegada não sujeição de qualquer imposto indireto sobre as operações de reunião de capitais previstas na Diretiva, nomeadamente da tributação indireta das comissões advenientes de serviços financeiros (…).

43. (…) [N]ão é possível retirar da predita Diretiva da Reunião de Capitais (…) a não sujeição de imposto de selo das comissões de gestão pela verba 17.3.4 da TGIS (…).

45. Necessário será distinguir entre “as formalidades conexas (…) admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis” previstas na Diretiva de Reunião de Capitais, e as operações financeiras que “gravitam” em redor dessas mesmas operações financeiras.

46. Operações essas, como é o caso das aludidas comissões cobradas no âmbito da emissão de títulos negociáveis, que de resto preenchem o requisito de incidência de natureza objetiva que permite o enquadramento das comissões na subverba 17.3.4, porquanto cabem na categoria “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, não estando abrangidas por nenhuma isenção (…).

51. (…) [C]aso o legislador comunitário quisesse, de facto, não sujeitar a tributação em sede de imposto de selo dos encargos decorrentes dos contratos de colocação de obrigações e papel comercial cobradas pelas instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção na al. b) do n.º 2 do art.º 5.º da Diretiva 2008/7/CE, e não o fez (…).

55. Se no que concerne ao assunto vertente, é confirmado, quer pela doutrina e pela jurisprudência, que a emissão das obrigações e, bem assim, de papel comercial, não está sujeita a IS, na medida em que a verba 17.1 da TGIS não tributa tais operações.

56. Tal realidade, de resto, decorre da já referida Diretiva 2008/7/CE, através da qual o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que recorram a mercados primários para a obtenção de financiamento (…).

57. In rectius, a Diretiva dispõe que os Estados-membros não possam tributar através de impostos indiretos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia operações de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis (…).

65. No caso sub judice, como a ora Reclamante refere, através de intermediários financeiros, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, tendo nesse âmbito os depositários ou intermediários financeiros prestado serviços de gestão/colocação, pelas quais pagou comissões e sobre as quais foi liquidado o imposto de selo devido.

66. Mais se refere, que optaram por não proceder diretamente à emissão de obrigações ou papel comercial – apesar de, conforme acima se referiu, o Cód. Das Doc. Comerciais o permitir – tendo contratado para o efeito, no âmbito de um contrato de prestações de serviços, verbi gratia serviços de intermediação financeira.

67. A ser como é, não se poderá, por isso, considerar que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, máxime as comissões cobradas pelos intermediários financeiros, se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE, uma vez que prestou o serviço e colocação dos títulos em mercado tendo, por isso, cobrado comissões como remuneração pelos serviços prestados.

68. Pelo que se conclui que os encargos decorrentes dos contratos de intermediação financeira, nas várias operações de colocação de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis, mais não são que a remuneração decorrente da prestação de um serviço financeiro, sendo, por isso, sobradas as ditas comissões, que são tributadas em sede de impostos do selo, uma vez que preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na verba 17.3.4 da TGIS e, em conformidade, estão sujeitos a imposto do selo por força do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do CIS» (sublinhados nossos).– cfr. Documento n.º 28.

 

t)     A Requerente não se conforma com a posição perfilhada pela Autoridade Tributária, reputando-a de manifestamente ilegal, motivo pelo qual apresenta o presente pedido de pronúncia arbitral, em sede do qual exporá as razões em que alicerça a sua posição e pelas quais considera padecerem de ilegalidade os atos tributários e decisório sub judice, devendo, por isso, ser anulados em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais.

3      À luz do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4      Foram as partes oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

5      Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 28-3-2023.

 

6      A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento inicial apresentado, defendendo que o pedido da Requerente deve ser julgado improcedente, alegando, designadamente que, estando em causa  a (alegada) ilegalidade do IS liquidado sobre “comissões de colocação” de obrigações no mercado, em algumas das faturas juntas aos autos não vem feita qualquer menção a essa designação de “comissão de colocação” (cfr artigos 11º e ss., da Resposta); alega ainda a AT que este dissenso surge, no entanto, relativamente ao enquadramento apresentado pela Requerente que entende, em suma, que as “comissões de colocação” de obrigações que lhe foram cobradas pelas instituições financeiras, não deviam ter sido tributadas em sede de Imposto do Selo, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, por tal configurar uma violação da Diretiva 2008/7/CE, que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital e tributações de alguma forma conexas; todavia, sucede que – continua a Requerida -  a questão aqui abordada já não é nova tendo já sido decidida em favor da AT, nomeadamente nas decisões arbitrais n.ºs 856/2019-T, de 22 de setembro de 2020, 2/2020-T, 29 de março de 2021, 502/2020-T, de 4 de junho de 2021, 559/2020-T, de 24 de junho de 2021, 471/2021-T, de 8 de fevereiro de 2022, e Processo nº 574/2021-T, de 23 de maio de 2022, que, com as devidas adaptações, na parte que para aqui interessa, se consideram aplicáveis à situação em apreço e às quais se adere sem reservas.

 

7      Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada.

 

8      As partes apresentaram alegações escritas finais em que, no essencial, mantiveram as posições defendidas nos respetivos articulados,

 

Suspensão da instância

9      Por despacho deste Tribunal de 5 de julho de 2023, foi decidido suspender a instância até à notícia da prolação de decisão no processo do TJUE nº C-335/22 na sequência de reenvio prejudicial decretado no Proc CAAD nº 208/2021-T, com pedido e causa de pedir idênticos ao destes autos,

10    O TJUE no sobredito processo nº C-335/22, proferiu, em 19-7-2023 o seguinte despacho decisório: “ O artigo 5º, nº 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que: Se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária” 

11    Por despacho de 2-10-2023, foi declarada a cessação da suspensão da instância e o prosseguimento do processo, com notificação das partes para, na sequência da prolação da decisão do TJUE causal da suspensão da instância decretada, complementarem, querendo, as alegações finais que haviam apresentado entretanto, faculdade que nenhuma das partes usou.

 

II. SANEAMENTO

12    O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. 

13    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º,  da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

14    O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Tudo visto, cumpre proferir decisão final.

 

III. THEMA DECIDENDUM

15    A questão em análise ou controvertida é tão só e apenas no caso, a sujeição ou não a Imposto do Selo das comissões de colocação cobradas pela Requerente conexas com contratos de emissão de obrigações e de papel  comercial à luz do disposto na Verba 17.3.4 da Tabela Geral  e no artigo 1º, nº 1, do Código do Imposto do Selo e a articulação ou enquadramento destas disposições adentro da proibição constante do artigo 5º, nº 2, alínea b), da comummente denominada “Diretiva de Reunião de Capitais” (Diretiva 2008/7/CE, do Conselho de 12 de fevereiro de 2008.

 

IV. FUNDAMENTAÇÃO

A.   MATÉRIA DE FACTO

 Factos provados

 

16    Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a.     Entre 1 de julho de 2020 e 31 de julho de 2021, a Requerente procedeu ao pagamento das faturas emitidas pelas entidades bancárias relativas às comissões que lhes eram devidas pelo serviço prestado de colocação no mercado de capitais obrigações emitidas pela Requerente e...

b.     ... sobre as quais (comissões) foi liquidado e entregue ao Estado o respetivo IS (Imposto do Selo), à taxa de 4%...

c.     ...tudo  conforme descrito ou sintetizado no quadro que segue:

d.     Foi no âmbito da sua atividade que a Requerente recorreu ao mercado de capitais com o intuito de se financiar através da emissão de obrigações, solicitando a intermediação de diversas instituições financeiras e...

e.     ...foi neste e contexto que os intermediários financeiros (referidos no quadro supra) cobraram à Requerente comissões de colocação de obrigações em mercado (“comissões de colocação”), sobre as quais liquidaram IS (Imposto do Selo) nos termos do citado quadro;

f.      Em concreto, a Requerente contratou os serviços das seguintes instituições financeiras:

→     Banco ActivoBank, S.A.;

→     Banco Invest, S.A.;

→     Banco L. J. Carregosa, S.A.;

→     Best - Banco Electrónico de Serviço Total, S.A.;

→     Caixa Geral de Depósitos, S.A.;

→     Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL;

→     Haitong Bank, S.A.;

→     Banco Comercial Português, S.A.; e

→     Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.....

e)    ... e foram estas entidades bancárias que,  pelos serviços de colocação em mercado das obrigações emitidas pela Requerente, cobraram comissões de colocação;

f)     A Requerente apresentou  reclamação graciosa em 27 de julho de 2022, pedindo a  a anulação das respetivas liquidações  e o correspondente reembolso do IS pago  – cfr. cópia da reclamação graciosa, junta com o pedido arbitral, como Documento n.o 29;

g)    A Autoridade Tributária indeferiu a pretensão apresentada pela Requerente – cfr. Documento n.o 28;

h)    A Requerente é uma sociedade comercial anónima desportiva com atividade em Portugal, cujo objeto social compreende a «participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol»;

i)     A atividade desenvolvida pela Requerente encontra-se regulada no regime jurídico das sociedades desportivas a que ficam sujeitos os clubes desportivos que pretendem participar em competições desportivas profissionais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de janeiro.

j)     Os sobreditos serviços prestados pelos intermediários financeiros consistiram em (i) desenvolver os seus melhores esforços na identificação e contacto com potenciais investidores, com vista à distribuição dos valores mobiliários (in casu, obrigações) emitidos pela Requerente e (ii) receber por parte desta ordens de subscrição ou de aquisição.

 

Factos não provados

17    Não há, com relevância para o objeto do pedido, outros factos, provados ou não provados.

Motivação

18     O sobredito quadro factual apurado pelo Tribunal resulta essencialmente dos documentos juntos, incluindo a cópia do processo administrativo instrutor apresentada pela AT, em conjugação com as posições assumidas pelas partes nos articulados, divergentes apenas ou sobretudo no enquadramento jurídico tributário daquela matéria e, concretamente – e é este, como se assinalou supra, o cerne do litígio apresentado -, se, como alega a Requerente, as “comissões de colocação” de obrigações que lhe foram cobradas pelas instituições financeiras, não deviam ter sido tributadas em sede de Imposto do Selo, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, por tal configurar uma violação da Diretiva 2008/7/CE, que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital e tributações de alguma forma conexas.

19    Embora sem extrair nenhuma conclusão do respetivo facto, alega a Requerida na Resposta, que algumas das faturas juntas aos autos não vem feita qualquer menção a essa designação de “comissão de colocação” (cfr artigos 11º e ss., da Resposta)

20    Sendo matéria não discutida na fase administrativa, está subtraída à apreciação jurisdicional, sendo certo que não foi posta em causa a matéria de facto.

21    De todo o modo, a ausência da sobredita menção não seria, por si, suficiente para invalidar a realidade faturada, ou seja, que essas faturas não espelhem o pagamento devido por comissões de colocação. 

 

IV. FUNDAMENTAÇÃO (cont.)

B. O DIREITO

22    Como abordagem preliminar para a fundamentação jurídica, assinale-se o que há muito vem sendo o entendimento da Jurisprudência quanto ao dever de apreciação dos argumentos apresentados pelas partes e que se traduz na não obrigatoriedade (sublinhado nosso) de os Tribunais apreciarem todos os argumentos formulados pelas partes (Cfr., inter alia, Ac do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Sec – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).

23    O objeto destes autos reconduz-se a sindicar a (i)legalidade dos atos de indeferimento pelo chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade de Grandes Contribuintes (ao abrigo de subdelegação de competências)  da reclamação graciosa nº ...2022... apresentada com fundamento em alegada ilegalidade de liquidações de imposto do selo (IS), nos termos da verba 17.3.4, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), no montante de € 71.048,84, relativo a comissões de colocação de obrigações em mercado cobradas à entidade requerente por intermediários financeiros (Liquidações de IS efetuadas entre 1 de julho de 2020 e 31 de julho de 2021, através das guias n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., e das declarações mensais de IS n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... – Cfr supra, o), dos factos provados.

24    Alega a Requerente que a liquidação e cobrança de IS sobre as comissões de colocação de títulos em mercado entregues a diversas entidades bancárias são ilegais atenta a necessária concatenação da citada verba 17.3.4, da TGIS com o artigo 5º-2/b), da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho da UE, de 12-2-2008, que não permite a sujeição a qualquer imposto indireto sobre operações de reunião de capitais previstas naquela Diretiva, designadamente a tributação indireta das comissões relativas à prestação de serviços financeiros.

25    Por sua vez, o entendimento, contrário, da Requerida é, conclusivamente, o de que os sobreditos encargos relativos a contratos de intermediação fianceira mais não são que a remuneração da prestação de um serviço financeiro e, consequentemente, cobradas as respetivas comissões tributadas em imposto do selo por alegado preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo previstos na mencionada verba 17.3.4, da TGIS, em conjugação com o disposto no artigo 1º-1, do CIS.

 

O quadro legal fundamental

26    Vejamos o quadro legal fundamental necessário para a apreciação e decisão do litígio:

                    CÓDIGO DO IMPOSTO DO SELO “Capítulo I - Incidência Artigo 1.o Incidência objectiva 

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.” 

TABELA GERAL DO IMPOSTO DO SELO “17 Operações financeiras 

[...] 

17.3 Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado: 

17.3.1 Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação 4% 

17.3.2 Prémios e juros por letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências 4% 

17.3.3 Comissões por garantias prestadas 3%
17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões 4%” 

DIRETIVA 2008/7/CE DO CONSELHO, DE 12 DE FEVEREIRO DE 2008, RELATIVA AOS IMPOSTOS INDIRETOS QUE INCIDEM SOBRE AS REUNIÕES DE CAPITAIS

“Artigo 5º 
Operações não sujeitas a impostos indirectos 

1. Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre: 

a)  Entradas de capital; 

b)  Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital; 

c)  Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica; 

d)  Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente as seguintes: 

(...)

      i)  a transformação de uma sociedade de capitais numa sociedade de capitais de tipo diferente, 

ii)  a transferência de um Estado-Membro para outro Estado-Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma sociedade de capitais, 

iii)  a alteração do objecto social de uma sociedade de capitais, 

iv) a extensão do período de duração de uma sociedade de capitais; As operações de reestruturação referidas no artigo 4.o 

2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto: 

a)     A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; 

b)    Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis. 

 

“Artigo 6º  Impostos e direitos 

1.     Em derrogação ao disposto no artigo 5º, os Estados-Membros podem cobrar os 

seguintes impostos e direitos: 

[...] 

f) Imposto sobre o valor acrescentado.” 

 

O Thema decidendum

27    A questão que se coloca é, como resulta das considerações anteriores, a de saber se se deverão excluir da tributação em IS à luz do artigo 17.3.4, da TGIS, os serviços, prestados por instituições financeiras, de colocação de obrigações no mercado ou, mais concretamente, se a tributação desses serviços contraria a legislação europeia, maxime  a citada Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos sobre as reuniões de capitais (comummente designada por “Diretiva da Reunião de Capitais”).

 

A interpretação do TJUE em sede de reenvio prejudicial

 

28    No processo arbitral análogo então pendente no CAAD com o nº 208/2021-T, foi oportunamente suscitado o incidente de reenvio prejudicial para o TJUE colocando as questões de saber se, citando, “o artigo 5º, nº 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE (...), pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em imposto do selo de comissões por serviços de intermediação financeira prestados por um Banco relativos à colocação em mercado de títulos negociáveis – obrigações e papel comercial -  emitidos por sociedades comerciais, compreendendo tai serviços a obrigação de o Requerente desenvolver os seus melhores esforços, identificando e contactando investidores de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta”  e relacionada com esta questão a de saber se, citando, “a resposta à primeira (anterior) questão difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou apenas facultativa”.

29    Considerando fundamental também para os presentes autos a resposta ou decisão que viesse a ser proferida pelo TJUE no âmbito do citado processo de reenvio, foi decidido suspender a instância até ser conhecida essa decisão.

30    Pois bem, o TJUE, por despacho de 19 de julho de 2023 no processo C-335/22, respondeu às questões de interpretação que lhe foram colocadas do seguinte modo:“O artigo 5º, nº 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (...), deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária”

31    Clarificou deste modo o TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, a interpretação a conferir ao artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reunião de Capitais, no sentido de que esta norma veda a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por uma entidade bancária  pela colocação no mercado de títulos negociáveis, tais como obrigações e papel comercial.

32     Mais concretamente veio entender o Tribunal de Justiça que a Diretiva em apreço visa excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital,  referindo que o considerando 9 da Diretiva “precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência” (p. 20, processo C-335/22).

 

Subsunção

33    In casu, está demonstrado que a Requerente, sociedade de capitais, pagou comissões a intermediários financeiros relativas à colocação no mercado financeiro obrigações que emitiu.

34    Por outro lado, está igualmente demonstrado que relativamente a esses serviços de intermediação cobrados, foi liquidado e cobrado IS nos termos da verba 17.3.4, da TGIS.

35    Pois bem, à luz da pronúncia do TJUE declarativa da incompatibilidade de liquidação e cobrança de  impostos indiretos, maxime no caso, do imposto do selo, à taxa de 4% (verba 17.3.4, da TGIS) sobre comissões de colocação em mercado de obrigações e papel comercial ou outros títulos de dívida, cobradas por entidades bancárias na qualidade de intermediários financeiros, revelam-se manifestamente ilegais as liquidações objeto dos autos, efetuadas entre 1 de julho de 2020 e 31 de julho de 2021, através das guias n.os..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., bem com como o ato de indeferimento da reclamação graciosa  nº ...2022... .

36    O princípio do primado do direito da União Europeia e o disposto no artigo 8º-4, da Constituição da República, não deixam dúvidas quanto ao que deva ser, no caso, o sentido da decisão: a total procedência do pedido de anulação das liquidações e do ato de indeferimento da reclamação graciosa.

 

Juros indemnizatórios

37    No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária. 

38    Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. 

39    Considerou-se no acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia  com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:

“Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”

40    Por outro lado, consta do  acórdão TJUE de  4 de dezembro de 2018,no processo C‑378/17, em linha com a jurisprudência do mesmo Tribunal aí referida, o seguinte:”  Como diversas vezes afirmou o Tribunal de Justiça, a referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31; de 9 de setembro de 2003, CIF, C‑198/01, EU:C:2003:430, n.o 49; de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C‑341/08, EU:C:2010:4, n.o 80; e de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, EU:C:2017:687, n.o 54).     Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União impõe não só aos órgãos jurisdicionais mas a todas as instâncias do Estado‑Membro que confiram plena eficácia às normas da União.”.

41    Na decisão do processo The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, pode também   ler-se que:  “há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C‑224/97, EU:C:1999:212, n.os 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.o 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 34).”[1][2]

42    Na doutrina nacional, refere  Fausto de Quadros: “(…) temos a obrigação para a Administração Pública de recusar a aplicação de normas ou actos nacionais contrários ao Direito Comunitário, e de aplicar este mesmo contra Direito nacional de sentido contrário, conforme doutrina acolhida, de forma modelar no caso Factortame, já referido neste livro por diversas vezes. A Administração Pública vai ter, ainda mais do que o legislador, a necessidade de levar essa doutrina em conta no desempenho da sua missão de aplicar o Direito.”[3][4]

43    No mesmo sentido, vai Miguel Gorjão-Henriques, que abordando o princípio do primado do direito comunitário escreve:”(…) indubitavelmente, a dimensão clássica do princípio é aquela que, com clareza, nos enuncia Rostane MEHDII, ao salientar que o juiz e a administração têm a obrigação de «excluir as regras internas adoptadas em violação da legalidade comunitária”[5]

44    Nesta conformidade, estando a Requerida obrigada a desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União, a não observância de tal dever consubstancia de erro de direito  imputável aos serviços verificado no momento em que é indeferida, em 24-10-2022, a reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

 

III – DECISÃO

 

Em consequência do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em: 

 

a)     Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência,

b)     Eliminar da ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa e as  liquidações de imposto do selo objeto do pedido;

c)     Condenar a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, à calculados sobre as quantias  a restituir, desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), às taxas legais que vigorarem até ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem); 

d)     Julgar prejudicadas as demais questões suscitadas e

e)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.

 

*

  • Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €71.048,84
  • Custas: Fixa-se o montante das custas em €2.448,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo da Requerida conforme condenação supra (artigo 22º-4, do RJAT). 

 

Notifique-se, incluindo o Ministério Público.

 

 

 

                  Lisboa e CAAD, 5 de março de 2024

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Martins Alfaro

(Árbitro Adjunto)

 

 

Ricardo Sequeira

(Árbitro Adjunto)

 

 

 



 

[2] Sublinhado nosso 

 

2  Direito da União Europeia, Almedina, 2004, p. 530

3 Direito da União, Almedina, 8ª edição, 2017, pag. 365.