Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 255/2023-T
Data da decisão: 2023-12-11  IRC  
Valor do pedido: € 34.459,25
Tema: IRC – Ónus da Prova, Momento do Facto Tributário, Variações Patrimoniais Positivas.
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Decisão Arbitral

Sumario

  1. Cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. Compete à Requerente, o ónus da prova da materialidade das operações constantes na sua contabilidade e por si declaradas.
  2. A Requerente apresentou evidências manifestas das operações por si realizadas, e encontram-se devidamente escrituradas na sua contabilidade ( e na contabilidade das empresas envolvidas), neste sentido as operações não são variações patrimoniais positivas nos termos do disposto no n.º1 do artigo 21.º e artigo 17.º, ambos do CIRC.
  3. A Requerente apresentou documentos de suporte que atestam a materialidade e a natureza da operação estabelecida na sua contabilidade, não se verificando assim os factos tributários imputados na correção efetua pela AT, pelo que o prazo de caducidade de quatro anos previsto no 45º da LGT, deixa de ter relevância.

I - Relatório

A - Identificação Das Partes

Requerente: FARMÁCIA A..., S.A, com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Sintra, com o NIPC..., doravante designada de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n. º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 11-04-2023, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 14-04-2023.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, a Dra. Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 31-05-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 21-06-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

No dia 12-10-2023,  realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das  testemunhas arroladas e apresentadas pela Requerente. As Partes foram também notificadas para apresentarem alegações escritas finais e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência à Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações em 23.10.2023 e 30.10.2023, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.

O processo não enferma de nulidades.

B – Pedido   

  1. A ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, n.º 2022..., referente ao período de 2019, no montante de 31.604,62 € e liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no montante de 2.854,63 € (identificação da Nota de Cobrança n.º 2022 ... e Identificação do Acerto de Contas n.º 20222...), emitido pela AT, na sequência da ação inspetiva n.º OI2022... .

 

C – Causa De Pedir

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
  2. A ação inspetiva encontra-se dividida em duas partes essenciais, que sumariamente podemos considerar como:  I- Contas 2785 Outros Credores / Em relação à conta 27.8.5.00724 -­B..., Unipessoal, LDA - A conta no final do exercício de 2019, tem saldo credor no montante total de  € 39.176,81 e II- Contas 2785 - Outros Credores / Em relação à conta 27.8.5.00725 -­ C... LDA - A conta no final do exercício de 2019, tem saldo credor no  montante  total de  €  101.368,21.
  3. Os factos tributários, a existirem, tiveram lugar no que a empresa Farmácia a B... diz respeito no ano de 2010, e no que a empresa C... Lda., diz respeito no ano de 2014.
  4. O acto de inspeção incidiu sobre o ano/exercício de 2019, o acto de liquidação diz respeito ao exercício de 2019, tendo sido efetivado no ano de 2022.
  5. O eventual facto tributário, a existir, é referente ao exercício de 2010 no que respeita a sociedade Farmácia B..., conforme se comprova dos extratos de contas desta empresa.
  6. O movimento a crédito no valor de 25.000,00€ refere-se a venda de uma viatura de marca Citroen que foi pago pela B..., e que ainda não foi pago.
  7. Os movimentos a credito no valor de 101.688,96 € do ano de 2014, referem-se ao facto da Requerente em 2014, devido a problemas que o banco no conseguiu resolver relacionados com a instalação dos IPA(s)) na farmácia da Requerente, esta teve que usar o TPA (s) na farmácia da Requerente, para poder manter a porta da farmácia aberta ao servo da população, como era sua obrigação, valores que foram creditados na farmácia das A... SA em  suma, a farmácia da Requerente vise forçada a utilizar os referidos TPAs.
  8. Ou seja, o saldo da B... no valor de 39.116,81€ é referente, ao exercício dos ano 2010 e anos subsequentes, dado que  - a 31/12/2012 o valor que constava deste exercício era de 40.131,04€,  - A31/1202013 o valor que constava deste exercício era de 38,848,69€,  -a 31/1202014 o valor que constava deste exercício  era  de 39,036,88 €, não tendo sofrido qualquer alteração depois dessa data.
  9. E, o saldo da C... no valor de 101.688,96 € foi todo constituído durante o exercício do ano de 2014, ao longo de vários meses, neste exercício. Em 30/10/2014  atingiu o valor 101,688,96€ que a AT de está a reclamar como sendo uma variação patrimonial positiva do ano de 2019, e não  se alterou mais.
  10. Tendo em conta que o ano/exercício fiscalizado e onde a AT pretende efetivar as correções é o de 2019, em qualquer um dos casos referidos, decorreram mais de 4 exercícios fiscais (quatro anos), prazo que se conta com referência à data da notificação da liquidação, pelo que, verifica-se a Caducidade do Direito à liquidação do Imposto.
  11. Ou seja, o prazo há de contar-se consoante o imposto em causa. No que ao caso interessa, o imposto  é o IRC e o prazo conta-se a partir do dia 31/12 dos respetivos exercícios 2012 e 2014, que foi quando aconteceu e teve lugar cada um dos factos tributários.
  12. E mesmo que se considere que o prazo da liquidação, apenas se conta com a aprovação das contas do exercício (até 31 de março do ano/exercício seguinte) este acréscimo temporal não põe em causa a caducidade invocada, com referência  data em que teve lugar cada um dos facos tributários.
  13. Sobre a caducidade, a Requerente conclui: Os valores não colocaram em crise os resultados da sociedade, na medida em que aquela operação e registo contabilístico não alteraram o "balanco", uma vez  que o lançamento dos valores foi feito a credito e a debito; Tao pouco os mesmos se destinaram a cobrir prejuízos; Em sede de IRC, esta realidade no releva para efeitos de apuramento da matéria coletável por não estarem em causa quaisquer gastos, perdas, ou incrementos patrimoniais, uma vez que  a uma  empresa ter  divida para com a terceiros; Não existiu qualquer alteração, quer do activo, quer do passivo das empresas (as operações a crédito a débito anulam-se); Não se verifica qualquer desvalorização dos resultados operacionais da empresa em função desta operação E, não se vê, como se pode considerar uma alteração no património da A... SA. A operação tem registo contabilístico e encontra-se devidamente declarada, ao longo dos vários anos económicos e fiscais, pelo que não pode concorrer para a formação do lucro tributável no ano em que os empréstimos tiveram lugar, nem nos exercícios precedentes.
  14. A Requerente, mais alega, que cada uma das operações de per si, consubstancia uma  relação jurídica entre a A... SA, a B..., Lda e a C... da., resultado  assim  a obrigação de restituição das referidas quantias as estas empresas Mas, a  AT não considerou o referido  por entender que se esta perante uma mera  variação patrimonial (sem que tenha justificado fundadamente o porque, embora lhe  tenham sido fornecidos os extratos de conta), o quo não é seguramente o caso desta liquidação adicional como refere, resulta de Variações Patrimoniais Positivas.
  15. A Requerente, entende, que as empresas podem "emprestar" meios e valores umas as outras se estiverem numa relação societária, direta ou indiretamente, de participação social.
  16. A lei comercial não se opõe a este tipo de relações e a lei  fiscal também não, competindo às empresas refletir nas suas contas essas operações a debito e a crédito, como  o caso, actos, valores e contas que não tiveram qualquer influencia nos resultados, resultado dos mesmos o que não podem deixar de ser consideradas.
  17. Refere que uma das partes pós disposições da outra dinheiro e meios, ficando as mesmas obrigadas a restituir os valores em causa, tendo em conta a realidade contabilística de cada uma.
  18. Em sede de audiência prévia, a A..., SA. contribuinte n.°..., com sede na Rua ..., n.° ..., ..., ...-... Sintra, referiu que a contabilidade da empresa se encontrava corretamente elaborada e os seus movimentos refletidos em obediência  as  normas contabilísticas cm vigor.
  19. E, nessas contabilidades do exercício de 2019 (a semelhança do que aconteceu nos anos anteriores), está refletido o valor em causa (140.545.02€, e o reconhecimento dos valores a debito a crédito entre as empresas - Requerente, B... Lda e a C... Lda., nos termos e pelos respetivos valores contabilizados.
  20. Acresce o  facto  de  que  ambas as empresas têm o mesmo denominador comum (direita  ou indiretamente), nomeadamente ao nível dos capitais próprios e respetivos sócios  c/ou participações sociais e/ou controlo de gestão.
  21. Defende a Requerente que a A..., S.A.,  era detida pela Acionista D... e pelos filhos desta E... e F..., a B..., Lda era detida pela sócia D..., a C... Lda., era detida pela socia B..., Lda e pela socia D... .
  22. As pessoas compõem o mesmo agregado familiar que  composto por G... e mulher D..., pais de E... e F..., agregado familiar que ainda  composto pela H..., mãe da referida D..., que detém as participações das seguintes empresas,
  23. Tendo em conta o referido, o valor de 140.545,02 €, resulta dos movimentos a débito e a crédito, com os respetivos suportes documentais, entre a farmácia A... SA  a Farmácia B..., Lda e a C... Lda., em que existe a obrigação de restituição das referidas, em que uns  sujeitos tem a pagar e outros a receber
  24. Os valores em causa foram postos a disposição da contribuinte aqui Requerente, pelo que não se pode deixar de considerar que as operações entre as empresas são corretas, e embora tenham beneficiado as mesmas, não se traduziram cm qualquer prejuízo para a AT
  25. Os incrementos financeiros na esfera da contribuinte, encontra-se, pois, refletidos nos resultados dos vários exercícios no respeito pelo disposto no artigo 21.º do CIRC.
  26. E, salvo melhor entendimento, no se vislumbra a violação do preceito referido o  número anterior, nem o artigo 17° do mesmo diploma legal.
  27. Termina a Requerente peticionado que o acto administrativo tributário, é nulo, cujo conteúdo impossível, enquanto é totalmente ininteligível - cf. artigo 161. do  CPA ou anulável, em consequência da sua ilegalidade. Mais peticionado, que efetivamente, as correções técnicas, propostas e liquidadas, violam, entre outras disposições legais citadas pela A.T., os artigos 16.°, 17.° e 21.º do CIRC e os artigos 45.°, 81.° e 84.° da LGT.

D - Da Resposta Da Requerida

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
  2. A Requerente, A..., SA, NIF..., registada no Serviço de Finanças de Sintra ..., pelo exercício da atividade de “COM. RET.PROD. FARMACÊUTICOS, ESTAB. ESPEC”, a que corresponde o CAE 47730, enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação e em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal por opção, foi objeto de procedimento de inspeção realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2022..., de âmbito parcial, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 14º do RCPITA, tendo como objetivo a análise da situação tributável em sede de IRC, IVA, referente ao ano de 2019.
  3. Da ação inspetiva resultou a consideração de uma variação patrimonial positiva não refletida no Resultado Líquido do exercício de 2019, no montante de 140.545,02 €, a qual não está excecionada nas alíneas a), b), c) e e) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, com fundamento no facto de não ter sido apresentada documentação que ateste a materialidade e natureza da operação, ou seja, não foi apresentada documentação comprovativa da constituição da dívida, e da existência de uma obrigação efetiva de restituir aquele valor.
  4. Com efeito, durante a ação inspetiva, os SIT ao constatarem que as contas 27.8.5.00724 – B..., Lda. e da conta 27.8.5.00725 – C... tinham saldo credor no montante de 39.176,81 € e 101.368,21 €, respetivamente, solicitaram documentação de suporte para justificar o lançamento daqueles montantes e a sua proveniência e em resposta a Requerente apenas apresentou os extratos das contas.
  5. Em consequência, foi proposto pelos SIT a acréscimo do montante de 140.545,02 € (39.176,81 € + 101.368,21 €) referente a variações patrimoniais positivas no campo 702 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22, do exercício de 2019.
  6. Em sede do exercício do direito de audição, a Requerente veio informar que na contabilidade do exercício de 2019 está refletido o valor em causa (140.545,02 €) e o reconhecimento da dívida às respetivas credoras, B... e C... .
  7. Informa igualmente que o montante de 140.545,02 € consubstancia um contrato de mútuo entre a requerente e as sociedades credoras atrás referidas, evitando assim o recurso ao crédito bancário, não tendo, contudo, apresentado documentação complementar, à exceção do envio das Certidões Permanentes das três entidades.
  8. Face à ausência de documentação comprovativa da constituição das dívidas que comprovasse a entrada efetiva daquelas verbas no património da Requerente nem a proveniência de tais montantes, bem como a prova de que existe uma obrigação efetiva de restituição de tais valores, foi a correção proposta tornada definitiva.
  9. Não tendo a Requerente concordado com a referida correção vem agora solicitar a apreciação da mesma pelo Tribunal Arbitral invocando argumentos que não havia apresentado no RIT, nomeadamente, que o montante a crédito na conta 27.8.5.00724 – Farmácia B... é referente ao exercício de 2010 e para comprovar apresenta os extratos de conta (que já havia apresentado em sede de ação inspetiva), um documento interno (referente a viatura no montante de 25.000,00 €) e um cheque no montante de 7.250,00 € referente a um pagamento efetuado pela Farmácia B..., desconhecendo-se, todavia, a razão de tal pagamento, não tendo sido apresentados quaisquer documentos de suporte quanto a eventuais operações comerciais entre estas duas entidades que justifiquem aqueles montantes a crédito.
  10. Sobre a alegada caducidade do direito a liquidar imposto, a Requerida, vem alegar, conforme a própria reconhece, tratam-se de saldos de contas, de “Outros Credores”, ainda abertos no ano de 2019, e que se encontram a influenciar de forma negativa a Situação Líquida da sociedade. Constituem assim, o reconhecimento de uma dívida perante terceiros, ainda no exercício de 2019.
  11. Nestes termos, é a própria Requerente que, através das demonstrações financeiras, no caso o Balanço, vem indicar que os valores em causa, ainda têm efeitos no ano de 2019.
  12. Refira-.se, que ao contrário do que alega, a Requerente não logrou demonstrar que os valores aqui em causa, foram considerados para efeitos de apuramento de Resultados anteriores ao exercício de 2019.
  13. Nem quanto à eventual venda da Fatura de viatura, conforme ponto 8.º da Petição inicial, dado que, não demonstrou que a referida Fatura, encontra-se devidamente registada numa conta de Proveitos do exercício de alienação, não demonstrando a eventual mais ou menos valia contabilística e fiscal gerada e contabilizada.
  14. Nem quanto aos valores por utilização de TPA, conforme ponto 10.º da Petição inicial, dado que, não é percetível, nem a ora Requerente logrou demonstrar, como a utilização de TPA registado em nome da ora Requerente, de alguma forma influenciou os resultados da Sociedade aqui em causa.
  15. Não tendo a ora Requerente, demonstrado que os valores aqui em causa, foram efetivamente considerados para efeitos de apuramento de Resultados de exercícios anteriores.
  16. E tendo a própria Requerente, registado os referidos valores numa conta “Outros Credores”, informando, através do Balanço, que sobre os referidos Credores, pendem eventuais dívidas por pagar, ainda no exercício de 2019;
  17. Os efeitos fiscais, a retirar, em sede de IRC, pelos referidos registos contabilísticos, influenciam de forma determinante o Resultado Tributável da Sociedade, relativamente ao exercício de 2019, não estando, pelos motivos referidos no Relatório de Inspeção, de nenhuma forma caducados.
  18. Sobre a razão dos Saldos, a Requerida, alega, que os referidos Saldos Credores, indicam a existência de dívidas não pagas da Requerente a terceiros, no caso presente, a terceiros com relações de proximidade com a Requerente, dado que tem por comum, serem detidos pelos mesmos Sócios.
  19. Atente-se que, nem relativamente à eventual venda da Fatura de viatura, a ora Requerente demonstrou o efetivo pagamento por parte da Farmácia B..., sustentando a dívida e a obrigação de pagamento registada no Balanço de 2019.
  20. Nem, relativamente aos valores por utilização de TPA, a ora Requerente demonstrou, a efetiva relação entre os eventuais valores em dívida, e os eventuais valores creditados pela A..., SA em nome da sociedade C..., Lda., sustentando, de alguma forma, a eventual dívida e a obrigação de pagamento efetivamente registada no Balanço de 2019.
  21. A falta de sustentação dos valores registados no Balanço de 2019, como de eventuais dívidas, é demonstrativo que a Situação Líquida da Sociedade, encontra-se subavaliada.
  22. Sendo que em termos tributários, não tendo, os referidos valores, reflexo em contas de Resultados, nem tendo a ora Requerente demonstrado a tributação dos referidos valores em exercícios anteriores a 2019, não se poderá reconhecer qualquer obrigação de pagamento de eventuais dívidas.
  23. Pelo que, existindo uma efetiva Variação Patrimonial Positiva, pela não fundamentação das referidas obrigações de pagamento de dívidas, que influenciam erroneamente, de forma negativa, a Situação Líquida da sociedade, bem andaram os Serviços de Inspeção ao proceder ao acréscimo dos referidos montantes, nos termos do artigo 24.º do CIRC.
  24. Note-se que no exercício do direito de audição, em sede de procedimento inspetivo, a requerente veio alegar que o valor de 140.545,02 € consubstancia um contrato de mútuo entre a requerente e as sociedades credoras, B... e C... . Salienta-se, no entanto, que a requerente não apresentou qualquer contrato de mútuo, muito embora o artigo 1143.º do código civil determine que o contrato de mútuo superior a 25.000,00 € só é válido se for celebrado por escritura pública.
  25. Relativamente ao saldo credor no montante de 101.368,21 € da conta 27.8.5.00725 – C..., vem agora a Requerente alegar que o mesmo é referente a 2014 e ficou a dever-se a problemas que o banco não conseguiu resolver relacionados com a instalação de TPA(s).
  26. A Requerente apresenta extratos bancários de fevereiro a outubro de 2014 e um email trocado com o Banco BPI, datado de 02.04.2014, no qual a Técnica Oficial de Contas refere que no extrato bancário do mês de fevereiro de 2014 da A... se encontram algumas entradas de TPA(s) a partir do dia 18.02.2014 com o nome da C..., pelo que solicita o esclarecimento, no sentido de saber se os referidos TPA(s) são da C... ou da Farmácia A... .
  27. Em resposta, o Banco BPI informa que o TPA foi pedido pela Farmácia A..., tendo sido posteriormente levado para a C... . Informa ainda que o TPA tinha os valores diários a serem creditados na Farmácia A..., estando, porém, a funcionar na C... .
  28. Conclui-se com estes extratos bancários que houve, de facto, movimentos financeiros a favor da Requerente, mas não se pode considerar que esta tenha exibido documentação que demonstre inequivocamente a natureza das operações, já que apenas apresentou extratos das contas 27.8.5.00724 – Farmácia  B... Lda. e 27.8.5.00725 – C..., extratos bancários e documentos internos, não tendo, também sido apresentada qualquer evidência documental de que havia a obrigação efetiva da restituição daqueles valores.
  29. Assim, não tendo a Requerente apresentado documentação comprovativa da efetiva constituição daquelas alegadas dívidas, nem demonstrado que “os incrementos patrimoniais” (valores recebidos) foram considerados para efeitos de tributação em períodos de tributação anteriores conforme alega no §25.º do ppa, nem qualquer prova da alegada obrigatoriedade de restituição daquelas verbas, 
  30. Defende a Requerida, que tal como consideraram os SIT, estamos perante uma variação patrimonial positiva que concorre para a formação do lucro tributável de 2019.
  31. De acordo com o preceituado no artigo 17.º, n.º 1, do CIRC, “o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.
  32. Os termos em que relevam as variações patrimoniais positivas que não estejam refletidas no resultado líquido do período de tributação para a formação do lucro tributável são definidos no artigo 21.º do CIRC, em que se estabelecem várias exceções, expressamente previstas pelo legislador nas alíneas a) a e), do n.º 1, daquele artigo, que não têm aplicação no caso em apreço.
  33. Assim, não se subsumindo as quantias ASSUMIDAMENTE arrecadadas a nenhuma das exceções constantes do n.º 1, do artigo 21.º, do Código do IRC, é forçoso concluir-se que a importância de 140.545,02 € relativa ao saldo credor das contas 27.8.5.00724 – Farmácia B..., Lda. e 27.8.5.00725 –C... constitui uma variação patrimonial positiva que concorre para a formação do lucro tributável, devendo por isso, este valor ser adicionado ao campo 702 do quadro 07 da declaração de rendimentos, Modelo 22, tal como foi feito pelos SIT em sede de ação inspetiva. 
  34. Conclui a Requerida, que a liquidação adicional que resultou desta correção efetuada pela AT não padece de qualquer ilegalidade, não havendo razões para alterar tal situação.
  35. Termina a Requerida sustentando que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida dos pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

 

E- Materia de Facto

E.1. Factos Provados

  1. Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.
  2. A Requerente, encontra-se registada no Serviço de Finanças de Sintra ..., pelo exercício da atividade de “COM. RET.PROD. FARMACÊUTICOS, ESTAB. ESPEC”, a que corresponde o CAE 47730, enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação e em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal por opção.
  3. A Requerente foi objeto de procedimento de inspeção realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2022..., de âmbito parcial, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 14º do RCPITA, tendo como objetivo a análise da situação tributável em sede de IRC, IVA, referente ao ano de 2019.
  4. Da ação inspetiva resultou a consideração de uma variação patrimonial positiva não refletida no Resultado Líquido do exercício de 2019, no montante de 140.545,02 €, a qual não está excecionada nas alíneas a), b), c) e e) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, com fundamento no facto de não ter sido apresentada documentação que ateste a materialidade e natureza da operação, ou seja, não foi apresentada documentação comprovativa da constituição da dívida, e da existência de uma obrigação efetiva de restituir aquele valor.
  5. Durante a ação inspetiva, os SIT ao constatarem que as contas 27.8.5.00724 –Farmácia B..., Lda. e da conta 27.8.5.00725 –C... tinham saldo credor no montante de 39.176,81 € e 101.368,21 €, respetivamente, solicitaram documentação de suporte para justificar o lançamento daqueles montantes.
  6. Foi proposto pelos SIT a acréscimo do montante de 140.545,02 € (39.176,81 € + 101.368,21 €) referente a variações patrimoniais positivas no campo 702 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22, do exercício de 2019.
  7. A Requerente exerceu o seu direito de audição.cf. RIT.
  8. Em sede dessa inspeção do IRC, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção do qual releva a seguinte informação:

 

 

 

 

 

  1. A Requerente demonstrou que  saldo credor no montante de 39.176,81 €, referente à sociedade Farmácia B..., Lda, o valor de 14.176,81€ diz respeito a empréstimos celebrados com esta sociedade,  e o valor de 25.000,00€ diz respeito a um movimento a referente a venda de uma viatura de marca Citroen que foi pago pela Farmácia B..., e que ainda não foi pago a Requerente.
  2. Mais demonstrou que saldo credor da Farmácia B... no valor de 39.116,81€ é referente, ao exercício dos ano 2010 e anos subsequentes, em 31/12/2012 o valor que constava deste exercício era de 40.131,04€, em 31/1202013 o valor que constava deste exercício era de 38,848,69€, em  31/12/2014 o valor que constava deste exercício era de 39,036,88 €, não tendo sofrido qualquer alteração depois dessa data.cf. doc. 10 e 11 e prova testemunhal.
  3. A Requerente demonstrou que o saldo credor no montante de 101.368,21 € à sociedade C... respeito a empréstimos celebrados com a esta sociedade. Igualmente demonstrou que os movimentos a crédito no valor de 101.688,96 € do ano de 2014, referem-se ao facto da Requerente em 2014, devido a problemas que o banco no conseguiu resolver relacionados com a instalação dos IPA(s)) na farmácia da Requerente, esta teve que usar o TPA (s) na farmácia da Requerente, para poder manter a porta da farmácia aberta ao servo da população, como era sua obrigação, valores que foram creditados na farmácia A... SA em  suma, a farmácia da Requerente vise forçada a utilizar os referidos TPAscf. Doc. 12 a 23 e prova testemunhal
  4. A Requerente mais demonstrou, que as operações sujeitas a correção por parte da AT, estavam devidamente refletidas na sua contabilidade, nas contas:

 

  1. Mais comprovou que o saldo da C... no valor de 101.688,96 € foi todo constituído durante o exercício do ano de 2014, ao longo de vários meses, neste exercício. Em 30/10/2014  atingiu o valor 101,688,96€, e não se alterou mais. Cf. PPA.
  2. E,
  3. Na sequência da ação inspetiva n.º OI2022..., a Requerente foi notificada dos atos tributário de liquidação adicional, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, n.º 2022..., referente ao período de 2019, no montante de 31.604,62 € e liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no montante de 2.854,63 € (identificação da Nota de Cobrança n.º 2022... e Identificação do Acerto de Contas n.º 2022...).

E.2. Factos Não Provados

  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
  2. Não foram identificados outros factos que devam ser considerados não provados.

E.3. Fundamentação da matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  4. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal.
  5. Em relação à prova testemunhal importa salientar os contributos trazidos pelos depoimentos de:
  1. G..., colaborador da ora Requerente no período em causa em 2010 e entre 2019, veio com precisão e clareza dizer que devido a mudança de instalações da Farmácia I..., para um local de grande afluência, os TPA existentes não eram suficientes para responder a afluência, e tiveram de trazer dois TPAs da Farmácia A... para auxiliar. E pediram ao Banco BPI a emissão de 4 TPAs, contudo o banco emitiu os TPAs para a Farmácia A... em vez de os emitir para a Farmácia I... . Mais referiu, que os valores que tiveram envolvidos foram cerca de cem mil euros. Em termos Financeiros, o pagamento foi se atrasando. E que atualmente ainda há contas em atraso entre estas duas entidades. Referiu que que em relação a viatura, a viatura estava na Farmácia B..., que não estava a ser utilizada, e contrataram um Direito Comercial ao qual lhe atribuíram uma viatura, e assim, venderam a viatura da Farmácia B..., mas não chegaram a fazer o pagamento a Farmácia B.... Em relação aos pagamentos aos fornecedores, que a Testemunha faz os pagamentos e costuma fazer os pagamentos de várias farmácias em simultâneo, e que por vezes paga as faturas equivocadamente através de outras farmácias, e normalmente fazem a correção, e nesta situação não chegaram a corrigir, mas atualmente já corrigiram. Mais declarou que não tem conhecimento de contratos de mútuo destas operações.
  2. J..., na qualidade de contabilista das Farmácia A..., o mesmo não se traduziu na comprovação de factos relevantes para a decisão.
  1. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

G -  Questões Decidendas

  1. Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir:
    1. A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, n.º 2022..., referente ao período de 2019, no montante de 31.604,62 € e liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no montante de 2.854,63 € da Nota de Cobrança n.º 2022... e Identificação do Acerto de Contas n.º 2022..., emitido pela AT, na sequência da ação inspetiva n.º OI2022... .
    2. Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

H -  Matéria De Direito

  1. Atendendo à posição das Partes e à matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:
    1. Ilegalidade da liquidação de IRC motivada pela caducidade do Direito à liquidação do Imposto.
    2. Ilegalidade da liquidação de IRC por ser ilegais as correções feitas pela AT, referente ao movimento a crédito no valor de 39.176,81 € e o movimentos a crédito no valor de 101.688,96 €, que resultou uma correção e consequente variação patrimonial positiva não refletida no Resultado Líquido do exercício de 2019, no montante de 140.545,02 €, a qual não está excecionada nas alíneas a), b), c) e e) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, com fundamento no facto de não ter sido apresentada documentação que ateste a materialidade e natureza da operação, ou seja, não foi apresentada documentação comprovativa da constituição da dívida, e da existência de uma obrigação efetiva de restituir aquele valor, e neste âmbito importa aferir:
      1. A quem compete o ónus da prova;
      2. Qual a materialidade e natureza das operações, nos termos das nas alíneas a), b), c) e e) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC;
      3. Se constituem uma variação patrimonial positiva.
  2. O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento dos vícios em processo de impugnação judicial, as quais são subsidiariamente aplicáveis aos processos arbitrais tributários, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
  3. No caso de vícios geradores de anulabilidade, da conjugação das alíneas a) e b) do n.º 2, daquele artigo 124.º, resulta que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos (salvo as exceções previstas, que não se verificam no caso em presença).
  4. Em regra, uma vez que se encontra invocado o vício de caducidade do direito à liquidação, cuja procedência inviabiliza a renovação do ato, afigura-se ser de conhecimento prioritário deste que garanta a mais eficaz tutela do interesse da Requerente.
  5. Sobre a caducidade do direito à liquidação do Imposto, em suma, a Requerente alegou, que tendo em conta que o ano/exercício fiscalizado e onde a AT pretende efetivar as correções é o de 2019, e os atos são referentes a 2010 e 2014,
  6. decorreram mais de 4 exercícios fiscais (quatro anos), prazo que se conta com referência à data da notificação da liquidação.
  7. A Requerida, sobre a caducidade, contra-alegou, trata-se de saldos de contas, de “Outros Credores”, ainda abertos no ano de 2019, e que se encontram a influenciar de forma negativa a Situação Líquida da sociedade. Constituem assim, o reconhecimento de uma dívida perante terceiros, ainda no exercício de 2019.
  8. Primeiramente há que averiguar se existem os factos tributários imputados pela AT, se as correções efetuadas pela AT são ou não legais, ou seja, se estamos perante variações patrimoniais positivas, nos termos do disposto no artigo 21.º,  do CIRC conforme correções realizadas.
  9. Com efeito a questão da caducidade, depende de determinar se existe um ato/facto tributário.Vejamos,
  10. A caducidade exige a existência de um facto tributário, conforme expressamente previsto no disposto no artigo 45.º n.ºs 1 e 4, da LGT, “verifica-se a caducidade do direito de liquidação se a notificação for efetuada ao contribuinte decorridos mais de quatro anos depois do termo do ano em que se verificou o ato tributário”.
  11. Mais nos diz, o artigo 45º, da LGT, «[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro» (nº 1).
  12. No caso dos impostos periódicos, como é o caso do IRC, o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (nº 4).
  13. Por seu turno, o artigo 8º, do CIRC, estipula no seu nº 9: «facto gerador do imposto se considera verificado no último dia do período de tributação».
  14. O artigo 101.º, do CIRC, estabelece que «a liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária».
  15. Por outro lado, sobre a caducidade, existindo o facto tributário, quando é que o mesmo verifica.
  16. Previamente há que averiguar se estamos ou não perante variações patrimoniais positivas, não estando perante variações patrimoniais positivas, não há um facto tributário, logo inexistira caducidade.
  17. Passamos assim à análise das correções e operações sublances, em concreto as questões supra elencadas no ponto b).
  18. Impõem assim a apreciação das seguintes questões, em primeiro, a quem compete o ónus da prova da materialidade e natureza das operações que foram alvo da correção, e em segundo lugar, a materialidade e natureza das operações, nos termos das alíneas a), b), c) e e) do n.º 1, do artigo 21.º, do CIRC, e por último se constituem uma variação patrimonial positiva. Questões que nos ajudarão a determinar qual o facto gerador do imposto, para ser possível assim determinar desde quando se inicia a contagem do prazo de 4 anos para efeitos do apuramento da caducidade.
  19. Iniciando pela análise sobre a questão do ónus da prova, designadamente a quem compete o ónus da prova.
  20. Assim, preliminarmente, importa analisar as normas que pautam o ónus da prova na relação jurídico fiscal do contribuinte, resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado." (nosso sublinhado)
  21. Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de Maio de 2015).
  22. Nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11: “Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.”
  23. Mais refere: Daí que incida sobre a Requerente o ónus da demonstração efectiva dos factos inscritos e das razões na base dos ajustamentos realizados na contabilidade, não bastando ficar a dúvida sobre a viabilidade da respectiva justificação, porquanto o disposto no n.º 1 do art. 110.º do CPPT tem a sua aplicação fulcral quando é a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação (cfr., assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11). Deste modo, a prova produzida deve assegurar, com a certeza exigível, que as regularizações e ajustamentos realizados possuem consistência e materialidade bastante em face das justificações que lhe presidem.”
  24. Em qualquer caso, sobre as declarações da Requerente, existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT, o qual prescreve: "Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei n.º 80-C/2013 de 31 de dezembro)".
  25. O afastamento da presunção ocorre quando: “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões (artigo 75.º n.º 2 alínea a) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).
  26. Em IRC estamos a tratar do rendimento de pessoas coletivas, pelo que aí predomina a exigência de documentação, por definição, desde logo por determinação do legislador, e em cumprimento também do comando constitucional, que estabelece que a tributação das empresas dever assentar fundamentalmente no seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, 2 da CRP).
  27. Isso articula-se com o art.º 17.º, 1, do CIRC: “O lucro tributável (…) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinadas com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” E no n.º 3 do mesmo dispositivo, “De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve: a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código; b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.
  28. E, em coerência, estabelece o art.º 123.º do CIRC: “As sociedades (…) são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do art.º 17.º, permita o controlo do lucro tributável. […] 2. Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário; b) As operações devem ser registadas cronologicamente, (…)”.
  29. Mais salientamos, o artigo 31.º, 2 da LGT “são obrigações acessórias do sujeito passivo, designadamente, as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações.”
  30. Essas obrigações assessórias devem ser cumpridas no quadro de um dever geral de boa prática tributária, sendo a apresentação, atempada e rigorosa, da contabilidade financeira, nos termos dos arts 120.º e 121.º do CIRC, necessária à publicidade e disponibilidade de toda a informação financeira sobre o histórico das operações da empresa, devidamente identificadas, reconhecidas e mensuradas.
  31. Nos termos do art. 123.º, 2 e 3, do CIRC, todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário, devendo as operações ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objeto de regularização contabilística logo que descobertos. Aí se dispõe, igualmente, que não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam.
  32. Sendo esta informação contabilística indispensável para a tomada de decisões esclarecidas e racionais de investidores, financiadores, trabalhadores, fornecedores ou clientes, é também com base nela que as entidades públicas em geral levam a cabo as suas funções de regulação e controlo da atividade económica, e que a AT, em especial, realiza a sua indeclinável tarefa de verificação da ocorrência de factos tributários e liquidação e cobrança dos impostos legalmente correspondentes.
  33. Neste âmbito, salienta ainda o acórdão do STA de 27 de fevereiro de 2019, sobre o ónus da prova proferido no processo n.º 01424/05.2BEVIS, que “para que a AT proceda à correção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por faturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efetivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.” Para este efeito, “basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”
  34. Pese embora, o artigo 75.º da LGT da LGT, estabeleça a presunção da veracidade das declarações dos sujeitos passivos, isso não afasta a sua obrigação de demonstrar e provar os elementos constantes na sua contabilidade.
  35. Revertendo ao caso concreto, compete assim à Requerente, uma vez que é ela que declara e são operações por si realizadas, demonstrar qual a natureza e materialidade das operações realizadas com as sociedades Farmácia B..., Lda e C..., respetivamente no valor de 39.176,81 € e de 101.688,96 €.
  36. Cabendo-lhe assim o ónus da prova à Requerente, compete-lhe demonstrar e comprovar as operações subjacentes que se encontram escrituradas na contabilidade no ano de 2019.
  37. Não se deixe de referir, mesmo com o reconhecimento contabilístico de dividas às entidades aqui em questão nos anos anteriores a 2019, como alega a Requerente, que são dividas de 2010 e seguintes, e que não afasta a responsabilidade da Requerente de demonstrar a materialidade das operações no período em que estão reconhecidas (2019).
  38. Passando assim à análise dos movimentos com a sociedade Farmácia B..., Lda. no restante montante de 39.176,81 € alvo de correção, e o movimento da sociedade C... no montante de 101.688,96 €, ambos créditos da Requerente, em aberto.
  39. Vejamos em primeiro lugar o movimento de 25.000,00€, sobre o qual a Requerente logrou fazer prova, diz respeito à venda de um veículo realizada em 2010, pese embora o valor ainda não tenha sido pago. Os documentos juntos pela Requerente, em especial o doc. 10, permite concluir que o valor em questão se refere à venda do veículo identificado nos autos.
  40. Quanto às demais dividas, já elencadas na factualidade acima identificada, pese embora existam dividas  a essas Sociedades, em períodos anteriores, não significa que resultem do mesmo negócio jurídico, consequentemente poderá gerar novos factos tributários, bem como  a divida reconhecida em 2014 pode não ser a mesma que se encontra escriturada em 2019.
  41. A Requerente alega, que se trata de empréstimos de meios e valores entre empresas em relação societária, direta ou indiretamente, de participação social.
  42. Cabendo-lhe o ónus da prova à Requerente, demonstrou que os valores elencados nas suas declarações, resultam de empréstimos comerciais com essas Sociedades.
  43. Estabelece o disposto no art.º 394.º, do Código Comercial, “para que o contrato de empréstimo seja havido por comercial é mister que a coisa cedida seja destinada a qualquer ato mercantil”
  44. Não se deixando de referir, que “o empréstimo mercantil entre comerciantes admite, seja qual for o seu valor, todo o género de prova” nos termos do disposto no art.º 396.º, do Código Comercial.
  45. Cabe à Requerente comprovar as operações que compõem o alegado empréstimo nos valores descritos, tal como o ditam as regras contabilísticas e fiscais.
  46. Ora, os extratos bancários e os documentos juntos pela Requerente identificados no PPA com o doc. 5 a 25 e da prova testemunhal produzida, permitem concluir ou suportar a materialidade e natureza da operação de empréstimo mercantil entre comerciantes.
  47. A Requerente apresentou documentos de suporte que atestaram a materialidade e natureza das operações estabelecidas entre as partes, mais, apresentou evidências manifestas sobre as razões de tal incremento patrimonial, sendo possível certificar que aquele montante respeita ao empréstimo entre comerciantes, à quantia devida aos credores identificados.
  48. Face ao exposto, compete agora apreciar, se a correção efetuada pela AT, motivada pela falta de comprovação das operações no período de 2019, resulta numa variação patrimonial positiva não refletida no Resultado Líquido do exercício de 2019, no montante de total 140.545,02 €.
  49. Iniciamos pela análise do regime fiscal aplicável previsto nas alíneas a), b), c) e e) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC:

Artigo 21.º

Variações patrimoniais positivas

1 — Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:
a)As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio; 

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota;

d) As relativas a impostos sobre o rendimento

e)O aumento do capital próprio da sociedade beneficiária decorrente de operações de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de partes sociais, com exclusão da componente que corresponder à anulação das partes de capital detidas por esta nas sociedades fundidas ou cindidas.

  1. Mais estabelece o artigo 17.º n.º 1 do CIRC:

1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

  1. A questão, porém, é a de que ou se está perante variações patrimoniais positivas e em função do disposto no artigo 21.º do CIRC devem ser adicionadas ao lucro tributável, conforme a correção efetuada pela AT, ou não se está perante variações patrimoniais positivas e, em conformidade com o princípio da legalidade, nenhuma delas poderá ser adicionada ao lucro tributável.
  2. Iniciaremos pelo sentido e alcance do conceito de "variações patrimoniais" positivas.
  3. Como se sabe, o património de uma empresa está sujeito a variações em consequência das operações realizadas. Se algumas dessas operações alteram a composição do património - variações qualitativas, outras existem que, para além da composição, alteram o seu valor - variações quantitativas, que serão positivas ou negativas consoante impliquem o aumento ou diminuição do valor do património, ou situação líquida. Acrescente-se, porém, que sendo o resultado líquido do exercício apenas uma das componentes da situação líquida, nem todas as variações patrimoniais quantitativas são relevadas contabilisticamente nesta conta. São precisamente estas variações que caiem no âmbito do presente artigo, em particular as variações positivas. Assim, de acordo com esta disposição, as variações patrimoniais que aumentem a situação líquida e que não se encontrem refletidas na conta “Resultados Líquidos” são incluídas no lucro tributável com algumas exceções, previstas no n. 2 do artigo 21. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01314/12 de 16-10-2023)
  4. Conforme decorre da formulação ampla do referido preceito, todas as variações patrimoniais positivas que não estejam refletidas no resultado líquido do período de tributação são consideradas para efeitos de determinação do lucro tributável, apenas sendo excluídas as variações expressamente previstas pelo legislador nas alíneas a) a e), do n.º 1, do artigo 21.º, do Código do IRC. É precisamente neste sentido que GUSTAVO COURINHA, em Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, pp. 93-94, refere que “Elas [as variações patrimoniais] ultrapassam os meros resultados contabilisticamente registados pela empresa e relevados fiscalmente e abarcam quaisquer outras oscilações de património (acréscimos ou decréscimos) apurados no decurso do período de tributação”. Prossegue o autor referindo que “É esta conceção que se extrai, além dos supra referidos artigos 3º/nº 2 e 17º/nº 1 do Código do IRC, também dos artigos 21º e 24º do Código do IRC: as variações patrimoniais positivas (VPP), assim como as variações patrimoniais negativas (VPN), mais não são do que manifestações de uma capacidade contributiva muito alargada e que, assim, surge chamada à tributação. Tais variações patrimoniais representam, neste sentido, as estremas da base tributável do IRC”, constatando ainda que “(…) ambos os artigos (artigo 21.º e artigo 24.º do Código do IRC) possuem uma formulação residual e muito abrangente, que assume sempre a relevância fiscal destas oscilações patrimoniais, salvo no caso das (importantes) exceções legais de seguida elencadas”.
  5. Como a doutrina assinala (Rui Marques, Código do IRC Anotado e Comentado, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 166), "Na formação do lucro tributável começa por concorrer a diferença entre os valores do património líquido e no fim do período da tributação, afinal, o resultado extraído da contabilidade, coincidente, no início, com o resultado fiscal (artigo 3.º, n.º 2) e que pode ser positivo ou negativo. O que denuncia o acolhimento pelo legislador da teoria do incremento patrimonial, sendo a extensão da noção de rendimento bem como o alargamento da base tributável uma evidência na profunda reforma legislativa empreendida pelo Código, em linha com a evolução registada em grande parte das legislações de outros países conforme se alcança do seu preâmbulo. Ao resultado líquido do período (positivo ou negativo), estribado na contabilidade do sujeito passivo, serão de somar as variações patrimoniais - positivas e negativas - verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, conforme previsto nos artigos 21.º e 24.º. Ora é, justamente, sobre o valor resultante da aludida soma (de resultado positivo e negativo) que, eventualmente, vão ter lugar as correções fiscais com o propósito de ser apurado o luro tributável. São assim introduzidas, extra contabilisticamente - isto é, fiscalmente, - correcções evidenciadas na lei, tendo em conta os objectivos e as especificidades próprias da fiscalidade. Tais correcções, positivas ou negativas, ao resultado líquido fazem-se, respectivamente, por acréscimo ou por dedução, conforme surjam, respectivamente, em desfavor ou favor do sujeito passivo".
  6. Sobre o conceito de variações patrimoniais positivas, há na jurisprudência várias decisões em particular do CAAD as proferidas nos processos números 814/2021-T, 490/2021-T, 184/2021-T, 644/2020-T, 402/2020-T, que se seguem de perto.
  7. Conseguindo a Requerente demonstrar que os montantes em questão são empréstimos e dividas em aberto em 2019, mesmo ocorridos em anos anteriores, o facto gerador do imposto nesta situação, ou seja a variação patrimonial positiva, não é o empréstimo, mas sim a falta de prova da materialidade das operações, conforme invocado pela AT na correção efetuada, como não refletidas no resultado líquido.
  8. A Requerente provou as operações realizadas, pelo que não se verifica a variação patrimonial positiva, uma vez que as dividas ainda se encontram em aberto e documentalmente devidamente suportadas.
  9. Ao fazê-lo, afasta assim aplicação do regime das variações patrimoniais positivas previstas no artigo 21.º do CIRC, em contraste, face à prova produzida, a AT não consegue comprovar e aplicar este regime às operações corrigidas.
  10. Face ao exposto, conclui-se, que a Requerente apresentou evidência manifesta das operações por si realizadas, encontram-se devidamente escrituradas na sua contabilidade ( e na contabilidade das empresas envolvidas), neste sentido as operações não são variações patrimoniais positivas nos termos do disposto no n.º1 do artigo 21.º e artigo 17.º, ambos do CIRC.
  11. A Requerente apresentou documentos de suporte que atestam a materialidade e natureza da operação estabelecida na sua contabilidade, não se verificando os factos tributários imputados na correção efetua pela AT.
  12. Assim sendo, o prazo de caducidade de quatro anos previsto no 45º da LGT, não se aplica ao caso concreto, porque não há facto tributário.
  13. Não se verifica facto tributário gerador de imposto (variações patrimoniais positivas), a questão da caducidade deixa de ter relevância, uma vez que não há um facto gerador de imposto sobre o qual o prazo de caducidade incida.
  14. No caso em apreço, e conforme o anteriormente exposto, conclui-se pela ilegalidade da liquidação em apreço, e em consequência procedente o pedido de pronúncia arbitral.

I - Pedido de reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

  1. Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida no reembolso da quantia paga indevidamente e acrescida de juros indemnizatórios.
  2. A procedência do pedido de anulação do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.
  3. Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
  4. O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1 e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).
  5. Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação e com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2011, “São também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
  6. Na sequência da anulação do ato de liquidação de IRC, tem a Requerente direito a ser reembolsada da quantia paga, no valor total de € 34.459,25, como consequência da anulação, e a juros compensatórios.
  7. Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pela procedência do pedido da Requerente.

 

J-Questões De Conhecimento Prejudicado

  1. O tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
  2. Em face da solução dada, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão incluída no pedido de pronúncia arbitral

L - Decisão

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral, julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente, e em consequência:

  1. Declarar a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRC n.º n.º 2022..., referente ao período de 2019, no montante total de 34.459,25 €, condenando-se a Requerida a restituir à Requerente a quantia paga, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT;
  2. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

M. Valor Do Processo e Custas

Fixa-se o valor do processo em 34.459,25€ (trinta e quatro mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 1.836,00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 12.º do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, n.º 1, al. a) do art.º 5.º do RCPT, n.º 1, al. a) do 97.º-A, do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique-se.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2023.

A Árbitra

Rita Guerra Alves