Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 178/2023-T
Data da decisão: 2023-12-19  IMT  
Valor do pedido: € 67.111,00
Tema: IMT – Isenção Conta Poupança-Emigrante – Benefício automático - Caducidade
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SUMÁRIO

  1. A isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de Julho, configura um benefício fiscal de natureza automática.
  2. A entrega de impresso pelo contribuinte, imposto pelo artigo 19º do CIMT, declarando que a aquisição do imóvel será efectuada com recurso a conta poupança-emigrante, faz desencadear, de forma directa e automática, a isenção de imposto, o que obriga o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 €, atenta a inexistência de obrigação de imposto, perante o teor dessa declaração, e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário.
  3. A emissão de tal DUC com o valor de 0,00 € não constitui uma verdadeira liquidação de imposto.
  4. É sobre o contribuinte que recai o ónus da prova da verificação dos pressupostos de isenção do imposto.
  5. A AT, constatando que não se encontram preenchidos os pressupostos de tal isenção, pode promover a liquidação do imposto dentro do prazo de caducidade previsto no artigo 35º, n.º 1 do CIMT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., contribuinte n.º..., residente na ... ..., em Macau, apresentou, em 17-03-2023, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

2. O Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade das liquidações de IMT, n.º ..., n.º ... e n.º..., de 2022-12-20, no valor global de 67.110,96 €, com a restituição da quantia paga.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-03-2023.

3.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

3.2. Em 12-05-2023 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 30-05-2023.

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

3.5. A Requerida veio juntar ao processo, ao abrigo do disposto no artigo 13º, n.º 1 do do RJAT, despacho de revogação parcial dos actos impugnados, com anulação da liquidação de IMT n.º ... .

3.6. Por despacho de 27-09-2023 foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

3.7. As partes apresentaram alegações reiterando as suas posições.

4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade os actos de liquidação de IMT impugnados. Sustenta, com tal fundamento, em suma:

- Ter adquirido imóveis no território português com isenção de IMT, reconhecida pelo Serviço de Finanças-..., nos anos de 2015 e 2020.

 

- Relativamente a tais imóveis emitiu o referido Serviço de Finanças as correspondentes declarações identificando os imóveis transmitidos, os intervenientes na operação, a inexistência de imposto devido e o motivo da isenção correspondente ao “Código 1 -Emigrante (DL 540/76, de 9/7).

- Pelo ofício n.º..., de 14.06.2022, foi o Requerente notificado para apresentar extracto da sua conta bancária, relativo a movimentos de 2006, ao que respondeu que já não tinha na sua posse extractos bancários reportados àquela data, mas disponibilizou-se para autorizar a derrogação do sigilo bancário, solicitando ao SF a correspondente minuta de autorização, que nunca veio a receber.

- O que reiterou posteriormente, bem como no exercício do direito de audição, reafirmando, nomeadamente, que não já não tinha extractos reportados àquela data e que, como residia em Macau, se havia disponibilizado para autorizar a derrogação do sigilo bancário.

- Não obstante, foi notificado pelos ofícios n.ºs..., ... e ..., todos de 18.11.2022, de que deveria pagar o IMT devido, face ao reconhecimento indevido da isenção de IMT.

- Nos termos do artigo 5.º do EBF os benefícios fiscais são (i) automáticos ou (ii) dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento e o reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo, regulando-se o procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais pelo disposto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

- A Lei Geral Tributária é omissa quanto ao procedimento de reconhecimento de benefícios fiscais e o artigo 65.º do CPPT rege apenas que o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei.

- Como decorre das hipóteses previstas no n.º 3 do citado artigo, o legislador contemplou aí apenas o reconhecimento dos benefícios fiscais relativos aos impostos sobre o rendimento. Quanto aos restantes impostos, em particular o IMT, no que diz respeito ao procedimento de reconhecimento dos benefícios quer a LGT quer o CPPT são manifestamente omissos.

- A distinção entre um benefício fiscal automático e outro pendente de reconhecimento está na necessidade de prévia iniciativa do sujeito passivo para desencadear um acto administrativo de reconhecimento, que o legitima a usufruir de tal benefício, devendo tal iniciativa ocorrer antes do cumprimento das obrigações declarativas nas quais, na ausência de tal benefício, tais factos seriam objecto de tributação e pagamento do correspondente imposto.

- No âmbito do IMT, como imposto de obrigação única, tal reconhecimento é sempre feito previamente, por iniciativa do sujeito passivo, desencadeando o correspondente acto administrativo de reconhecimento.

- Ora, o documento emitido pela AT não é um documento de liquidação de imposto, como se reconhece no Acórdão do STA de 15-03-2017, no Processo n.º 0755/16. Com efeito, o documento emitido pela AT, transcrito no ponto 13, não é uma liquidação a zeros, é o reconhecimento de uma isenção, sem o qual não é possível fazer a escritura.

- É consensual que o Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de agosto, não operou a revogação da isenção de IMT. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de agosto, no seu artigo 9.º, n.º 1, apenas revogou o Decreto-Lei n.º 323/95, de 29 de novembro, “para efeitos de contratação de novas operações”.

- Portanto, foram novas operações previstas no citado diploma (abertura de novas contas poupança-emigrante e obtenção de novos empréstimos de poupança-emigrante) que deixaram de ser possíveis, com a revogação do Decreto-Lei n.º 323/95, de 29 de novembro, promovida pelo Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de agosto.

- Nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do EBF o acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado. O que significa, no caso, que a revogação do acto administrativo que concedeu o benefício fiscal, só pode ocorrer se tiver havido uma indevida concessão do benefício por erro nos pressupostos em que o acto assentou.

- Ainda que assista razão à AT quanto à necessidade de verificação de tal pressuposto e que tivesse comprovado que não estava reunido, ainda assim, importaria saber se poderia revogar o acto de reconhecimento, com os efeitos pretendidos.

- A Lei Geral Tributária prevê especificamente no artigo 79.º a possibilidade legal de revogação de actos administrativos em matéria tributária, mas nem este diploma nem o CPPT contêm qualquer norma sobre o prazo para a aludida revogação. E, assim sendo, tal prazo só pode ser o constante das regras do CPA, diploma que constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário, como decorre dos artigos 2.º da LGT e do CPPT, que devem ser aplicadas no direito tributário de acordo com a natureza do caso omisso, mais precisamente as regras que diretamente regulam a revogação e anulação dos atos administrativos, constantes dos artigos 165.º a 174.º do CPA.

- E, em consequência, salvo nos casos previstos nos n.ºs 3 a 7 do artigo 168º CPA, os actos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão - artigo 168º, n.º 2, do CPA.

- E, assim, sendo ilegal a anulação do anterior acto de reconhecimento da isenção, ilegal se torna a contestada liquidação de IMT.

- A AT está agora a controlar a verificação dos pressupostos do benefício fiscal, em função do novo entendimento que, passados 7 anos, adoptou, considerando que a instituição financeira tem de indicar o saldo da conta a 17 de agosto de 2006.

- O Requerente não desconhece que, nos termos do artigo 74.º da LGT, recai sobre si o ónus de prova dos pressupostos de uma isenção. Por isso, comprovou, em tempo, os pressupostos da isenção de IMT.

- O Requerente não violou o seu dever de colaboração, como é normal, não tem na sua posse extractos bancários reportados a 16 anos atrás e disponibilizou-se para que a AT pudesse aceder à sua conta bancária.

- A descoberta da verdade material é frustrada pela inspeção tributária, quando, em face da impossibilidade manifestada pelo Requerente de apresentar extractos reportados àquela data, a AT não desencadeia um procedimento de derrogação do sigilo bancário e, sem mais, promove as contestadas liquidações de IMT.

- Em consequência, devem as controvertidas liquidações ser anuladas por inobservância do princípio do inquisitório, que decorre dos artigos 58.º da LGT e 6.º do RCPITA.

- Relativamente ao prédio a que se refere a guia n.º ... AT fez uma liquidação em 19.10.2020, por considerar que o valor isento era inferior ao VPT.

- Agora volta a liquidar o IMT, como se não tivesse havido qualquer liquidação anterior e, considerando o actual VPT do prédio (quando deveria ser o VPT à data da transmissão), o que consubstancia duplicação de coleta e erro no apuramento da base do imposto.

- Em consequência, o suposto imposto em dívida seria de € 12 358, 97 (233 245,53x6,5% - 2 801,99), devendo ser anulado na parte correspondente a € 2 931,99 (15 290,96 - 12 358, 97).

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:

- O Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, instituiu na nossa ordem jurídica, com o fim de incentivar a entrada no país das poupanças geradas pela emigração, um sistema designado por “sistema de poupança-crédito”, com características especiais e benefícios, nomeadamente no que respeita à concessão de crédito, destinado a emigrantes portugueses, tendo por fim directo auxiliar a construção ou aquisição de prédios urbanos e a aquisição de prédios rústicos, destinados quer a habitação própria ou exploração agrícola, quer a rendimento.

- Com o DL 316/79, de 21/08, passou a ser a seguinte a redacção do seu artigo 7º: “1 – As aquisições de prédios rústicos ou urbanos ou suas fracções autónomas beneficiam de isenção de sisa se a matéria coletável que servir de base à liquidação não exceder o montante correspondente ao dobro do saldo revelado pela conta especial constituída nos termos do artigo 5º, com observância do disposto no nº 2 do artigo 4º, ou ao dobro da parte do mesmo saldo utilizada na aquisição se não houver recurso ao crédito. 2 – Se a matéria colectável exceder o montante referido no número anterior, liquidar-se-á sisa sobre o excesso”.

- Nos termos da Portaria n.º 288-A/86, de 18 de junho, a prova da verificação dos pressupostos legais deveria ser feita através de declaração a emitir pela instituição de crédito onde fosse constituído o depósito poupança emigrante, a qual comprovaria a qualidade de emigrante e verificaria o cumprimento dos condicionalismos da movimentação da conta poupança emigrante

- Uma das alterações mais significativas ao DL54079, e a vigorar até 2006-08-18, foi a originada pelo Decreto-Lei n.º 323/95, de 29 de novembro. Esta reformulação, manteve em vigor o artigo 7.º do DL n.º 540/76, de 9 de julho, sobre a isenção de sisa, com a redacção dada pelo DL n.º 316/79, de 21 de agosto.

- Porém, o DL n.º 169/2006, de 17 de agosto, no âmbito do Programa do XVII Governo Constitucional, veio revogar o Decreto-Lei n.º 323/95, de 29 de novembro, deixando assim de existir o “sistema poupança emigrante”, para efeitos de contratação de novas operações de financiamento.

- A título de disposição transitória, o n.º 4 do art.º 8.º, deste diploma, dispõe que o DL n.º 323/95, de 29 de novembro, continua a aplicar-se somente às operações cujos pedidos de financiamento tenham sido apresentados nas instituições de crédito até à data da entrada em vigor do DL n.º 169/2006, ou seja, até 18 de agosto de 2006, e que sejam contratadas, por escritura pública ou documento particular, até 30 de outubro de 2006. Requisitos que são cumulativos.

- Quer isto dizer que, após a revogação do DL n.º 323/95, o benefício fiscal de isenção de IMT consignado no art.º 7.º do DL n.º 540/76, de 09/07, com a redacção do DL n.º 316/79, de 21/08, apenas se manteve em vigor para os contribuintes titulares de uma conta poupança- emigrante constituída ao abrigo daquele DL n.º 323/95 que utilizassem os saldos constituídos antes da sua revogação para a aquisição de imóveis.

- Assim, o art.º 7.º do DL n.º 540/76 cessou a sua vigência, para efeito de operações futuras, com a revogação do DL n.º 323/95 operada pelo DL n.º 169/06 e como resulta evidente do seu preâmbulo e respetivos normativos legais, apenas continuam a poder beneficiar da isenção de IMT, as aquisições de imóveis efectuadas ao abrigo do DL n.º 323/95, quer porque houve recurso ao crédito cujo pedido de financiamento foi efectuado até 2006-08-18 e a aquisição do imóvel foi contratada até 2006-10-30 (nos termos do n.º 4 do art.º 8.º do DL n.º 169/2006), quer porque não havendo recurso ao crédito foi utilizado o saldo da conta especial emigrante até 2006-08-18.

- Não existindo revogação expressa do art.º 7.º do DL n.º 540/76, de 9 de julho, pelo DL n.º 169/2006, de 17 de agosto, a concessão do benefício de isenção de IMT, deve manter-se nos casos em que: a) Os contribuintes sejam titulares de uma conta poupança-emigrante, constituída ao abrigo do DL n.º 323/95, de 29 de novembro, e que recorram ao crédito para aquisição de imóveis, e ainda que tais financiamentos se verifiquem no prazo e com os requisitos previstos no art.º 8.º, n.º 4, do DL n.º 169/2006, de 17 de agosto; b) Os contribuintes sejam titulares de uma conta poupança-emigrante, constituída ao abrigo do DL n.º 323/95 de 29 de novembro, mas que, embora não recorrendo ao financiamento, utilizem os saldos anteriormente constituídos para aquisição de imóveis, ainda que em data posterior à referida pelo art.º 8.º, n.º 4, do DL n.º 169/2006, de 17 de agosto.

- No caso sub judice, ao contrário do alegado pelo Requerente, como estamos perante uma isenção automática, não houve reconhecimento prévio da isenção de IMT, a isenção foi concedida por ter sido indicado o código do benefício 1 (Emigrantes), no preenchimento das declarações Modelo 1 de IMT referentes a cada um dos prédios.

- E, de acordo com as declarações bancárias anexas às liquidações de IMT com os registos n.º 2015/ ... e 2020/..., pese embora a conta poupança-emigrante n.º ..., tenha sido constituída em 2002-09-13, ou seja, anteriormente a 2006-08-18, não foi feita prova de que os saldos utilizados para a aquisição dos prédios, abaixo descritos, tenham sido creditados na referida conta poupança- emigrante até 2006-08-17. Prova essa que cabia ao ora Requerente nos termos legais e aquando da utilização da conta poupança emigrante, e incumbe agora, nos termos previstos no art.º 74.º nº 1 da LGT.

- Acresce que não faria sentido que, perante a revogação do regime poupança emigrante para contratações futuras, operada pelo DL n.º 169/2006, de 17 de agosto, se mantivesse a concessão do benefício de isenção de IMT, nos casos em que os contribuintes que fossem titulares de uma conta poupança-emigrante, constituída ao abrigo do DL n.º 323/95 de 29 de novembro, embora não recorrendo a financiamento, utilizassem para aquisição de imóveis, saldos constituídos após 2006-08-18 (data da entrada em vigor do referido diploma), que foi o que aconteceu no caso das aquisições efetuadas em 2020.

- O benefício fiscal do art.º 7.º do DL 540/76, resultando direta e imediatamente da lei, tal como previsto no n.º 1 do art.º 5.º do EBF, configura um benefício fiscal de natureza automática. Sendo de natureza automática, isto significa que, a sua verificação e declaração compete ao serviço de finanças onde for apresentada a Modelo 1 do IMT - art.º 8.º, al. d) do CIMT -, verificados os condicionalismos legalmente impostos.

- Neste caso, não houve qualquer reconhecimento do direito à isenção de IMT, o primitivo cálculo do IMT, foi feito com base nas declarações do próprio Requerente (constantes das Modelo 1 do IMT n.ºs 2015/..., 2020/... e 202/...), sendo que, este, depois de a isso instado, não efectuou a prova que lhe competia quanto aos pressupostos de que depende o referido benefício fiscal, face às normas que estabeleceram o benefício e às que regulam o regime transitório aplicável.

- Assim que a AT, no âmbito do controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais (art.º 7.º EBF; art.º 14.º n.º2 LGT), tomou conhecimento de factos não declarados pelo sujeito passivo (a compra sem utilização evidente do saldo da conta existente em 2006-08-17) e do suporte probatório necessário (a menção expressa, na declaração bancária apresentada, do saldo existente na conta bancária em 2006-08-17 e da parte deste saldo que foi utilizado na aquisição), o procedimento de liquidação foi instaurado oficiosamente pelos competentes serviços (art.º 59.º n.º 7 CPPT).

- A realização dessas liquidações dentro do prazo legal de caducidade do direito à liquidação não ofende os princípios constitucionais da irretroatividade da lei fiscal, da certeza e seguranças jurídicas e da confiança.

- Assim, improcede a alegação do Requerente, de que terá havido uma anulação extemporânea do despacho de reconhecimento da isenção, visto que, não houve aqui um qualquer reconhecimento da isenção, atenta a natureza automática da mesma.

- Não resulta do princípio inquisitório que a administração tributária esteja obrigada a aguardar pela iniciativa do interessado, devendo, pelos seus próprios meios e por sua iniciativa, realizar as diligências necessárias para a averiguação dos factos em que deve assentar a sua decisão.

- Neste caso, a Autoridade Tributária, tendo constatado não estarem reunidos os pressupostos da isenção de IMT do art.º 7.º do DL 540/76, de acordo com o regime transitório previsto no DL 169/2006, de 17 de agosto, notificou o Requerente para vir trazer aos autos extracto bancário comprovativo do saldo da conta poupança emigrante n.º..., em 2006-08-17.

- A Autoridade Tributária ao abrigo do princípio do inquisitório, solicitou, como requerido, o elemento pretendido pelo requerente, ao Millennium BCP, que recusou a sua emissão, por falta de autorização do cliente, exigindo a presença do mesmo nas instalações bancárias.

- Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira feito todos os esforços para obter o referido extracto bancário da conta n.º..., a 2006-08-17, improcede a alegada violação do princípio do inquisitório.

 

II – SANEAMENTO

 

6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

- Matéria de facto

 

A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. O Requerente abriu, junto do Millenium BCP, em 13-09-2002, conta poupança emigrante a que foi atribuído o n.º ....
  2. Tendo em vista a aquisição de imóveis em Portugal, o Requerente apresentou no Serviço de Finanças as respectivas declarações Modelo 1 do IMT indicando no campo dos benefícios fiscais o código 1, referente a isenção concedida a emigrantes – DL 540/76 de 9 de Julho, por declarar recorrer ao saldo existente naquela conta poupança.
  3. Com base em tais declarações, a AT emitiu os DUC de IMT, com valor zero, com os números de registo IMT n.º .../2015, de 15-07-2015, .../2020, de 19-10-2020 e no montante de 2.801,99 €, relativamente ao n.º .../2020, de 19-10-2020.
  4. Através do ofício n.º ..., de 2022-06-14, o Requerente foi notificado para apresentar extracto bancário à data de 2006-08-17, da conta emigrante constituída junto do Millennium BCP.
  5. Ofício a que o Requerente respondeu em 2022-06-29, do seguinte modo:

- “Não tem na sua posse qualquer extrato que evidencie o saldo da conta à data de 2006-08-17, isto é, decorridos cerca de 16 anos. Teria naturalmente de o solicitar e receber a resposta da instituição bancária, o que está disponível para fazer, mas não se afigura possível, no curto prazo concedido. Está ainda disponível para autorizar a derrogação do sigilo bancário, para o efeito, relativo à citada conta, requerendo que lhe seja enviada a correspondente minuta, o que aguarda”.

  1. O Requerente apresentou em 2022-09-01 novo requerimento com o seguinte teor:

- “vem reiterar a sua disponibilidade para o levantamento do sigilo bancário, por forma a que a AT possa obter todos os elementos de que necessita. (…) não tem em sua posse – nem tem acesso pelo sistema online – a extratos bancários que respeitam a um período temporal de 14 anos”.

  1. O Serviço de Finanças de Lisboa ... remeteu, em 2022-09-19, um e-mail ao Millennium BCP, com o seguinte teor: “Face à comunicação em anexo, apresentada por A..., NIF ... e relativamente à “Conta Emigrante” n.º..., emitida por esse balcão, conforme declaração em anexo, vimos por este meio solicitar o envio de extrato bancário desde 17 de agosto de 2006 até 9 de dezembro de 2020, para efeitos de certificação da utilização do saldo da conta emigrante”.
  2. Pedido a que o Millennium BCP respondeu, em 2022-09-20, dizendo que: “não será possível entregar o extrato bancário nestas condições, sem a presença do cliente na sucursal
  3. A AT notificou novamente o Requerente, em 2022-10-19, através dos ofícios n.º ..., ... e ..., para apresentar o saldo da conta bancária, nos seguintes termos.:

- “Pelo que fica por este meio notificado para no prazo de 15 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção apresentar extracto bancário desde 17/08/2006 até 09/12/2020, a fim de validar/analisar as declarações evidenciadas anteriormente, tendo em conta que beneficiou do Cód. 1 IMT – Emigrantes-Decreto-Lei 540/76, de 9 de julho. O mesmo foi solicitado à sucursal do Millenium BCP de ..., com base no requerimento apresentado em 2022/09/01 a qual informou: «Em resposta ao e-mail infra dirigido à nossa Sucursal informamos que não será possível entregar o extrato bancário nestas condições, sem a presença do cliente na sucursal

Em cumprimento do n.º 2 do artigo 31 do CIMT, é intenção deste Serviço, proceder à liquidação adicional do IMT devido, se não for apresentado o extracto solicitado ou se através do mesmo, não for validada a declaração apresentada em 2015, onde à matéria colectável serão aplicadas as taxas previstas no artigo 17º do CIMT”.

  1. O Requerente foi notificado, através dos ofícios n.ºs..., ... e ..., de 2022-11-18, para liquidar o IMT, por se considerar indevido o reconhecimento da isenção do referido imposto.
  2. O Requerente foi notificado da emissão das seguintes liquidações de IMT:

- Liquidação n.º..., de 2022-12-20, no montante de 51.220,00 €;

- Liquidação n.º..., de 2022-12-20, no montante de 15.290,96 €;

- Liquidação n.º ..., de 2022-12-20, no montante de 600,00 €.

  • O Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IMT.
  • A AT proferiu acto de deferimento parcial do pedido arbitral, através do qual anulou parcialmente a liquidação n.º..., pelo valor de 2.940,96 €.

 

B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.

 

- Matéria de Direito

 

Como questão prévia há que ter presente que a AT veio a proferir acto de deferimento parcial do pedido arbitral, através do qual se anulou parcialmente a liquidação n.º ..., no valor de 15.290,96 €, pelo valor de 2.940,96 €.

Dessa anulação resulta ter ocorrido inutilidade superveniente parcial da lide, relativamente à apreciação da ilegalidade de tal acto tributário e consequente anulação, pelo que nessa parte se julga extinta a instância e se absolve a Requerida da instância (artigo 277º, alínea e) do CPC), com custas a suportar por ela (artigo 536º, n.º 3 e n.º 4 do CPC).

Subsistem então as liquidações adicionais de IMT com o n.º..., com o n.º ... e com o n.º ..., de 2022-12-20, no montante agora de 12.350,00 €.

Está em causa no presente pedido arbitral, apreciar a legalidade das liquidações adicionais de IMT, tendo em conta os vícios invocados pelo Requerente:

- errada interpretação do DL 169/2006, de 17 de Agosto;

- anulação extemporânea do despacho de reconhecimento da isenção;

- violação do princípio do inquisitório;

- erro no apuramento de IMT relativamente à guia no valor de 51.220,00 €.

Vejamos se ocorrem os vícios invocados pelo Requerente.

-   Isenção fiscal prevista no DL 169/2006, de 17 de Agosto e a anulação extemporânea do despacho de reconhecimento da isenção (caducidade)

Está em causa a aplicação do disposto no DL 540/76, de 9 de Julho, com as sucessivas alterações de redacção, que instituiu um regime de isenção de IMT, através do designado “Sistema de poupança-crédito destinado aos emigrantes portugueses”.

O art. 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 316/79, de 21 de Agosto, determinava, no seu n.º 1, que “as aquisições de prédios rústicos ou urbanos ou as suas fracções autónomas beneficiam de isenção de sisa se a matéria colectável que servir de base à liquidação não exceder o montante correspondente ao dobro do saldo revelado pela conta especial constituída nos termos do artigo 5.º, com observância do disposto no n.º 2 do artigo 4.º, ou ao dobro da parte do mesmo saldo utilizada na aquisição se não houver recurso ao crédito”.

Por sua vez, a Lei 21-B/77 de Abril que, entre outras, procedeu à alteração daquele diploma legal, dispõe no seu artigo 7º que “para efeitos de reconhecimento da isenção estabelecida no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 540/76, com a redação que lhe é dada por esta lei, os interessados apresentarão no respetivo cartório notarial, onde ficarão arquivados, os necessários documentos passados pela instituição de crédito e repartição de finanças competentes e, havendo liquidação de sisa, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, os documentos emanados da instituição de crédito ficarão arquivados na repartição de finanças liquidadora”.

Ou seja, era efectuado um controle pelo cartório notarial dos documentos tidos por necessários para o reconhecimento da aludida isenção, estando a operacionalização da mesma generalizadamente atribuída aos Serviços Fiscais, uma vez que o n.º 3 do artigo 19.º do CIMT, aditado pelo artigo 97.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, passou a determinar expressamente que havendo ou não lugar a imposto, mormente no caso de isenções, era obrigatório a apresentação da declaração designada por “Modelo1”, criada pela Portaria 1423-H/2003, de 31 de Dezembro, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 19º do CIMT

Preceito que, à data dos factos, tinha já a redacção actual, decorrente da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e que dispõe:

“1- A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios eletrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida.

2 - A liquidação é promovida oficiosamente pelos serviços de finanças que forem competentes e sempre que os interessados não tomem a iniciativa de o fazer dentro dos prazos legais, bem como quando houver lugar a qualquer liquidação adicional, sem prejuízo dos juros compensatórios a que haja lugar e da penalidade que ao caso couber.

3 – A declaração prevista no n.º 1 deve também ser apresentada, em qualquer serviço de finanças ou por meios eletrónicos, antes do ato ou facto translativo dos bens, nas situações de isenção”.

Com base em tais pressupostos, sustenta o Requerente que estamos perante uma isenção com reconhecimento prévio por parte da AT, ao passo que a Requerida defende estar em causa uma isenção automática, concedida por ter sido indicado o código do benefício 1 (Emigrantes), no preenchimento das declarações Modelo 1 de IMT referentes a cada um dos prédios. Concluindo que “não foi feita prova de que os saldos utilizados para a aquisição dos prédios, abaixo descritos, tenham sido creditados na referida conta poupança- emigrante até 2006-08-17”.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 5º do EBF “os benefícios são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam direta e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um os mais atos posteriores de reconhecimento”.

Quer dizer, benefícios fiscais automáticos são aqueles que não pressupõem a existência de um procedimento que culminará na prática de um acto administrativo que concluirá pela verificação ou não dos pressupostos legais da sua concessão.

O que dizer da isenção em causa?

Temos presente que existem duas posições antagónicas que dão respostas opostas à questão e, que por isso, têm diferentes soluções para os problemas que a atribuição dos benefícios fiscais pode suscitar.

Conforme a conclusão, estaremos, ou não, perante um verdadeiro acto de liquidação de imposto com os diferentes prazos dentro dos quais se admite que a AT possa promover correcções liquidando imposto.

Assim, no sentido de se estar perante um benefício dependente de reconhecimento, temos, por exemplo, a decisão arbitral 98/2023-T que considera:

- “… as declarações cuja entrega é imposta na lei fiscal, para fornecer informações às autoridades fiscais, seja em sede dos impostos sobre o rendimento, sobre a despesa ou sobre o património, constituem, em regra, o impulso procedimental para efeitos de quantificar a dívida tributária, ou, nos casos em que não haja lugar a pagamento, para definir a situação tributária do apresentante perante a incidência do imposto em causa (vd., nomeadamente, artigo 54.º, artigo 69.º e seguintes da LGT.

- A lei tipifica o momento e os prazos em que o dever declarativo deve ser cumprido sendo que, nalguns casos, como acontece com o artigo 19.º do CIMT, essa obrigação acessória deve preceder o momento da concretização dos pressupostos de facto da situação tributária declarada.

- Assim, nas situações tributárias objeto do pedido arbitral constata-se que, em obediência ao disposto no referido artigo 19.º, números 1 e 3, o adquirente apresentou declarações prévias referentes aos atos translativos em que ia outorgar como adquirente, fazendo constar dessas declarações, a identificação dos intervenientes, a identificação dos imóveis que iriam ser transacionados, o respetivo preço e, para além destes elementos, a pretensão de que fosse emitido documento consignando que não havia lugar a liquidação de IMT uma vez que tais transmissões beneficiavam da sua isenção ao abrigo do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho.

- Porém, não obstante a presunção de verdade atribuída às declarações (artigo 75.º da LGT), constata-se que os serviços da AT, ao contrário do que resulta da argumentação consignada na Resposta, não estavam legalmente obrigados a concordar com o conteúdo das declarações que lhe foram apresentadas nem com a isenção aí invocada e, muito menos, a emitir acriticamente documentos, atestando que não havia lugar ao pagamento de imposto.

- Cabia-lhe, ao invés, o dever funcional de analisar o conteúdo das declarações rececionadas, de informar o declarante sobre o enquadramento que consideravam aplicável às transmissões em causa e, em consequência, liquidarem o imposto devido.

- Ao dar como boa a invocação da isenção prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, emitindo documentos sem liquidação de imposto (ou com liquidações a zeros), a AT não pode agora vir desqualificar a sua atuação, dizendo que aquilo nem foi um ato de reconhecimento de isenção nem foi uma liquidação, foi apenas a emissão de um documento para instruir o título translativo dos bens.

- Com efeito, a emissão de documentos consignando que não havia lugar a pagamento de imposto – utilizando a expressão liquidação a zeros, isenção, ou outra equivalente – não pode ser neutra, como se pretende, constituindo, ao contrário, a prática de um ato tributário com a definição da situação tributária do declarante perante as regras de incidência do IMT.

- Tanto mais que os serviços da AT sabiam que os documentos que emitiram iriam ser apresentados ao notário ou a outra entidade com idênticas funções para efeitos de titular as transmissões, notários ou entidades essas que, face ao disposto nos números 1, 3 e 6 in fine do artigo 49.º do CIMT, estão obrigados a exigir, a mencionar e a arquivar, sob pena de poderem incorrer em responsabilidade solidária, “o documento comprovativo do pagamento ou da isenção”.

Todavia, perfilhamos a tese em sentido contrário, vertida, por exemplo, nos Acórdãos do STA de 15-03-2017 – Proc. 0755/16; de 13-09-2017 – Proc. 01126/16; de 14-03-2018 – Proc. 01044/17 e de 22-03-2018 – Proc.  01128/16.

 

No Acórdão do STA de 13-09-2017 – Proc. 01126/16 escreveu-se:

- “I - A isenção de IMT a que se refere o art.º 20º do DL nº 423/83, de 5.12, configura um benefício fiscal de natureza automática, que não opera através de requerimento do interessado dirigido à sua obtenção e com a inevitável instauração e decisão de procedimento próprio e autónomo para o efeito (como acontece com os benefícios dependentes de reconhecimento – cfr. art.º 5º, nº 3, do EBF), inexistindo ato administrativo de reconhecimento da isenção.

II - Inexistindo um ato administrativo em matéria tributária, sujeito ao prazo de revogação de atos administrativos constitutivos de direitos previsto no art.º 104º do CPA, não pode ocorrer a violação desta norma legal.

III - Os sujeitos passivos, ao darem cumprimento ao dever declarativo imposto pelo art.º 19º do CIMT, declarando que a aquisição das frações se destina à instalação de empreendimento turístico, isto é, declarando a existência de uma realidade que faz espoletar a isenção perante o disposto no nº 1 do art.º 20º do DL 423/83, fazem operar, de forma direta e automática, a isenção de tributação. O que obriga o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto perante o teor dessa declaração e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário (art.º 49º do CIMT).

IV - O que não impede os serviços da administração tributária de, posteriormente, dar cumprimento ao dever de fiscalização e de controlo da verificação dos pressupostos factuais e jurídicos do benefício (art.º 7º do EBF), devendo averiguar se ocorriam, ou não, os pressupostos de que depende a isenção de IMT à luz do art.º 20º do DL 423/83

que depende a isenção de IMT à luz do art.º 20º do DL 423/83.

V - Vindo a administração tributária a constatar, através de acção inspectiva, que a aquisição das frações autónomas não se destinava, afinal, à declarada instalação de empreendimento turístico, e que, por conseguinte, não ocorriam os pressupostos para a isenção de que os sujeitos passivos haviam beneficiado de forma automática mas indevida, tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido, por não ter caducado o direito a essa liquidação à luz da norma que estabelece o prazo para o efeito (art.º 35º do CIMT), não havendo que convocar normas e prazos previstos no CPA ou o prazo para revisão de atos tributários contido no art.º 78º da LGT.

VI - A realização dessa liquidação dentro do prazo legal de caducidade do direito à liquidação não ofende os princípios constitucionais da irretroatividade da lei fiscal, da certeza e seguranças jurídicas e da confiança”.

A isenção tratada neste aresto – a prevista no DL 423/83 para os empreendimentos de utilidade turística – é idêntica na sua natureza e forma de atribuição à ora em causa (poupança-crédito destinado aos emigrantes portugueses). Veja-se, aliás, que nas originais instruções de preenchimento da aludida Modelo 1 IMT, previstas na Portaria 1423-H/2003, de 31 de Dezembro, ambas as isenções são enquadradas no mesmo campo, sendo a uma atribuído o código 23 e à outra o código 27.

No mesmo sentido de se estar perante um benefício de natureza automática, veja-se, na jurisprudência arbitral, o acórdão proferido no processo n.º 613/2021-T, onde se escreveu: “o caráter automático de um benefício fiscal não desonera o interessado de o invocar perante a administração. Aliás, nem poderia ser de outro modo, pois sistemas de «tributação em massa», como são os atuais, assentam nas declarações dos contribuintes – a obrigação de imposto é, num primeiro momento, apurada face ao por eles declarados, até pela impossibilidade prática de ser a administração a conhecer e apurar oficiosamente cada situação tributária. Isto sem prejuízo da possibilidade de posterior correção do declarado, por não correspondência à verdade ou à legalidade, a iniciativa da administração e, também, por iniciativa dos próprios, os quais se podem insurgir, através das vias procedimentais ou processuais adequadas, contra liquidações fundadas em erróneas declarações por si apresentadas.

Este princípio da declaração – estrutural do sistema fiscal, como vimos – aparece expressamente afirmado para casos como os em análise pela al. d) do nº 8 do art.º 10 do CIMT: são de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções: d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código”.

Aliás, da compatibilização entre o n.º 7 e o n.º 8 do artigo 10º do CIMT, somos forçados a concluir que, em matéria de IMT, apenas são de reconhecimento prévio as isenções previstas no n.º 7 (as das alíneas f), h), i), j) e l) do artigo 6º e as estabelecidas em legislação extravagante cuja competência seja expressamente atribuída ao director-geral da AT), sendo de reconhecimento automático as demais, servindo a referida alínea d) do n.º 8 como norma de carácter residual.

Estando então em causa um benefício fiscal de natureza automática, a emissão do documento único de cobrança (DUC) com valor a 0,00 € não constitui um verdadeiro acto de liquidação de imposto.

É esse, aliás, o sentido do acórdão que o Requerente invoca - mas de que, estranhamente, retira diferente conclusão - quando se afirma: “no caso dos autos não inexiste uma prévia liquidação a corrigir, sendo a liquidação impugnada a primeira e única relativa à transmissão da fracção, daí que careça de fundamento legal a invocação do disposto no n.º 3 do artigo 31º do Código do IMT, que pressupõe a prévia existência – real e não apenas ficcionada – de uma liquidação objecto de correcção pela liquidação adicional, o que no caso dos autos manifestamente inexiste e não se presume”. (Acórdão STA de 15-03-2017 – Proc. 0755/16). Veja-se, no mesmo sentido, a decisão arbitral proferida no processo 11/2015-T.

Daí resulta que a posterior correcção efectuada pela AT não constitui uma liquidação adicional de imposto a que se aplique o especial prazo de caducidade de quatro anos referido no n.º 3 do artigo 31º do CIMT, mas sim o normal prazo de caducidade de liquidação de IMT de oito anos, previsto no n.º 1 do artigo 35º do mesmo código.

Estando em causa factos tributários ocorridos em 15-07-2015 e em 09-12-2020, respectivamente, e tendo as liquidações impugnadas sido notificadas em Dezembro de 2022, é manifesto que as mesmas foram tempestivas, por não ter ainda decorrido o prazo de caducidade da liquidação do imposto.

Posto isto, vejamos como interpretar a aplicação do benefício fiscal em causa, às operações de compra efectuadas pelo Requerente.

Ainda no âmbito do imposto de sisa, o DL 540/76, de 9 de Julho instituiu um regime de isenção de imposto, através do designado “sistema de poupança-crédito destinado aos emigrantes portugueses”

Pese embora as múltiplas alterações a que o diploma foi sujeito, assume particular relevância a introduzida pelo DL 323/95, de 29 de Novembro que, através do n.º 2 do seu artigo 18º, manteve em vigor o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 316/79, de 21 de Agosto.

Sistema de poupança que foi revogado pelo DL 169/2006, de 17 de Agosto que, como norma transitória, no n.º 4 do seu artigo 8º, determinou que: “o Decreto-Lei n.º 323/95, de 29 de Novembro, e respectivas alterações, continua a aplicar-se às operações cujos pedidos de financiamento tenham sido apresentados nas instituições de crédito até à data da entrada em vigor do presente decreto-lei e que sejam contratadas, por escritura pública ou documento particular, até 30 de Outubro de 2006”.

A previsão da norma estipula, então, que ficariam isentas as aquisições de prédios rústicos ou urbanos ou suas frações autónomas se nelas for utilizado o saldo da conta especial, própria do regime de incentivo para emigrantes, que a partir do regime de 1995 passou a denominar-se conta poupança-emigrante. Nada aponta no sentido desta isenção não dever ser aplicada às contas abertas durante a vigência do regime, ou seja, até ao dia 17-08-2006, visto que o regime foi revogado com produção de efeitos em 18-08-2006 (artigo 10º).

Todavia, não faria sentido que, perante a revogação do regime poupança emigrante para contratações futuras, se mantivesse a concessão do benefício de isenção de IMT, nos casos em que os contribuintes que fossem titulares de uma conta poupança-emigrante, constituída ao abrigo do DL n.º 323/95 de 29 de Novembro, embora não recorrendo a financiamento, utilizassem para aquisição de imóveis, saldos constituídos após 2006-08-18, como sustenta o Requerente.

Assim, com a publicação do DL 169/2006, de 17 de Agosto, apenas se manteve a concessão da isenção de IMT prevista no artigo 7º do DL540/76, de 9 de Julho para 1) os contribuintes que sejam titulares de uma conta poupança-emigrante, constituída ao abrigo do DL n.º 323/95, de 29 de Novembro e que recorram ao crédito para aquisição de imóveis e, ainda, que tais financiamentos se verifiquem no prazo e com os requisitos previstos no artigo 8.º, n.º 4, do DL n.º 169/2006, de 17 de agosto; 2) os contribuintes que sejam titulares de uma conta poupança-emigrante, constituída ao abrigo do DL n.º 323/95 de 29 de Novembro e que, embora não recorrendo ao financiamento, utilizem os saldos anteriormente constituídos para aquisição de imóveis, ainda que em data posterior à referida naquele n.º 4 do artigoº 8º.

Não há, pois, dúvidas de que o Requerente, tendo presente que abriu a conta poupança em causa em 13-09-2002 poderia beneficiar da isenção de IMT desde que fizesse prova da existência de fundos na aludida conta bancária poupança emigrante em 17-08-2006.

Prova que o Requerente não logrou fazer e assume, apesar de imputar tal circunstância a factores externos e pretensamente alheios à sua responsabilidade.

Face ao incumprimento do ónus da prova que sob ele impendia, nada pode objectar relativamente às liquidações impugnadas.

- Violação do princípio do inquisitório

No pedido arbitral, alega o Requerente que “não desconhece que, nos termos do artigo 74º da LGT, recai sobre si o ónus da prova dos pressupostos de uma isenção … comprovou, em tempo, os pressupostos da isenção de IMT … não violou o seu dever de colaboração ... não tem na sua posse extratos bancários reportados a 16 anos atrás”.

Para concluir que “a não realização de diligências que poderiam aferir com rigor a data de entrada na conta das importâncias mobilizadas para aquisição dos prédios em causa, constitui um vício procedimental que determina a anulação do ato tributário”.

É consensual que impendia sobre o Requerente o ónus da prova dos pressupostos da isenção de IMT de que beneficiou.

Escuda-se, contudo, o Requerente na impossibilidade de fazer prova de movimentos bancários com muita antiguidade, no caso 16 anos.

É um facto que artigo 58º do CPA impõe que os órgãos da administração que participem no procedimento devem “proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados”.

Obrigação que entendemos ter sido observada pela AT.

Com efeito, interpelou o Requerente para fazer prova dos pressupostos da isenção de IMT de que beneficiou e face à resposta por este apresentada, observando tal obrigação, deu cumprimento ao por ele requerido com diligências junto de entidade bancária. Se com isso não foi logrado obter o pretendido pelo Requerente é algo que não pode obviamente ser imputado à Requerida.

Quer dizer, nada pode ser apontado à AT no sentido de se concluir ter sido por ela violado o princípio do inquisitório a que está adstrita.

Acrescente-se que o Requerente, que poderia ter apresentado nestes autos o comprovativo do saldo da sua conta à data – pelo menos – da primeira aquisição, optou por o não fazer.

- Erro de apuramento do imposto correspondente à guia n.º ...

Face à anulação parcial da liquidação de IMT n.º ..., que deu origem à guia n.º ..., com reconhecimento ao pagamento de juros indemnizatórios, fica prejudicado o conhecimento das demais questões.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Declarar a inutilidade superveniente parcial da lide relativamente ao acto de liquidação de IMT n.º..., pelo montante de 2.940,96 €, sendo a Requerida absolvida da instância nessa medida, suportando as respectivas custas.
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral formulado.
  3. Condenar a Requerente e Requerida nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, cabendo 2.325,60 € ao Requerente e 122,40 € à Requerida.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 67.110,96 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.448,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa,19-12-2023

 

Os Árbitros

 

 

 

Victor Calvete

(Presidente)

 

 

 

Ana Teixeira de Sousa

(Vogal)

 

 

 

 

 

António A. Franco

(Relator)