Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 666/2023-T
Data da decisão: 2024-02-29  IMT  
Valor do pedido: € 28.107,50
Tema: Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT). Sociedade de Titularização de Créditos. Artigo 7.º do CIMT
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SUMÁRIO:

A aquisição de imóveis por Sociedades de Titularização de Créditos em resultado de dação em pagamento ou da execução de garantias reais associadas aos ativos detidos, admitida pelo n.º 6 do artigo 45.º do Decreto-Lei 453/99, não se confunde, juridicamente, com a compra e venda de imóveis, pelo que não se verifica um dos pressupostos da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT – o exercício da atividade de comprador de prédios para revenda.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

  1. A..., S.A., titular do número de identificação de pessoa coletiva..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com o capital social de EURO 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), com sede atual na ..., n.º ..., ..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por “Requerente”), veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da decisão final de indeferimento, pela Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira, da reclamação graciosa com o n.º ...2023..., apresentada pela Requerente contra as liquidações de IMT relativas ao ano de 2022, com os n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., no montante total de € 28.107,50, bem como a anulação destas liquidações.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 22-09-2023.
  4. A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 29-09-2023.
  5. Dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.
  6. Em 15-11-2023 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  7. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-12-2023.
  8. A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral, em síntese, nos seguintes termos:
  1. A Requerente, em prossecução do seu objeto social, foi proprietária de diversos imóveis, adquiridos por meio do respetivo instrumento jurídico aquisitivo, tendo sido liquidado o respetivo IMT, o qual foi pago pela Requerente, montante total de € 28.107,50;
  2. Posteriormente, no decurso do ano de 2022, a Requerente procedeu à alienação dos bens imóveis referidos;
  3. A Requerente entende que cada aquisição de bem imóvel, no quadro das ações de recuperação de crédito hipotecário vencido, é legalmente suscetível de reembolso aquando da respetiva revenda, nos termos e moldes constantes do artigo 7.º, n.º 4 do CIMT;
  4. Em 2019, a ora Requerente procedeu à alteração de atividade, adicionando à sua atividade o CAE 68100 - Compra e Venda de Bens Imobiliários;
  5. A revenda dos prédios em questão foi realizada dentro do prazo estipulado legalmente para as STC, não tendo as entidades adquirentes declarado que o destino dos imóveis era a revenda;
  6. Entende a Requerente estarem reunidos os pressupostos para que beneficie da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, sendo que as aquisições dos imóveis foram posteriores a 29 de agosto de 2019;
  7. Segundo a Requerente, não é legítimo invocar que os imóveis não foram adquiridos por escritura pública, e muito menos que não tenha sido referida a intenção de revenda;
  8. A Requerente alega que a aquisição dos imóveis, no âmbito de escrituras de dação em cumprimento, se insere no seu objeto social, pelo que também esta situação não suscita quaisquer dúvidas para a aplicação do disposto no art.º 7.º do CIMT;
  9. Para a Requerente, a dação em cumprimento pode ser equiparada ao contrato de compra e venda, para efeito de aplicação do artigo 7.º do CIMT;
  10. Em suma, é entendimento da Requerente de que lhe assiste o direito à isenção do artigo 7.º do Código do IMT e, consequentemente, ao reembolso do IMT pago na aquisição dos referidos bens imóveis no valor de € 28.107,50.
  1. Em sede de resposta, a Requerida apresentou defesa por impugnação, na qual pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e pela sua absolvição de todos os pedidos, alegando, em síntese, que não se verificam os pressupostos para a aplicação do artigo 7.º do CIMT, em virtude de: i) a Requerente não exercer a atividade de comprador de prédios para revenda; ii) em duas situações, os imóveis adquiridos terem sido posteriormente vendidos a sociedades cuja atividade é a aquisição de compra e venda de bens imóveis; iii) nas restantes situações, o título aquisitivo não referir expressamente que a aquisição do imóvel se destinava a revenda.
  2. Por despacho arbitral de 12-02-2024, o Tribunal, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade e da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e considerando que em discussão nos autos está meramente matéria de direito, decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dispensar a inquirição da testemunha indicada pela Requerente e dispensar a produção de alegações.

 

II – SANEADOR

  1. A apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi tempestiva.
  2. Verificam-se os requisitos para a cumulação de pedidos, contidos no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, uma vez que a procedência do pedido de pronúncia arbitral depende da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas.
  3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  4. Não foram alegadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
  5. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

III. MÉRITO

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

§1.       Factos provados

  1. Consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é uma Sociedade de Titularização de Créditos (“STC”) que foi constituída em 2006, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro (republicado pela Lei n.º 69/2019, de 28 de agosto, e com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro), encontrando-se para tal registada junto da CMVM sob o n.º...;
  2. A Requerente tem como objeto social o exercício de atividades permitidas por lei às STC, nomeadamente a realização de operações de titularização de créditos, mediante a aquisição, gestão e transmissão de créditos e a emissão de obrigações titularizadas para o pagamento dos créditos adquiridos, à qual corresponde o CAE principal 64992-R3
  3. A Requerente detém, desde 7 de março de 2019, o CAE secundário 68100-R3 (compra e venda de bens imobiliários);
  4. Algumas das operações de titularização de créditos comportam créditos hipotecários vencidos, razão pela qual a Requerente tem vindo a adquirir e a deter, temporariamente, bens imóveis nos patrimónios segregados (ou silos), em resultado de dações em pagamento e da execução de garantias reais associadas aos créditos hipotecários
  5. Foi assim que, no exercício da sua atividade como STC, a Requerente, no decurso de 2021 e 2022, adquiriu vários imóveis, conforme se demonstra por meio do respetivo instrumento jurídico aquisitivo (Docs n.ºs 12 a 17, juntos com o ppa) e elencados no quadro I da informação subjacente à decisão da Reclamação graciosa, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
  6. No âmbito da aquisição dos bens imóveis em apreço, foram promovidas as liquidações do respetivo IMT, tendo a Requerente procedido ao pagamento de imposto no montante total de € 28.107,50;
  7. No decurso do ano de 2022, a Requerente procedeu à alienação dos bens imóveis a seguir indicados, conforme escrituras públicas/documentos particulares autenticados, nos quais a Requerente assumiu a qualidade de alienante (cf. Doc.s n.ºs 18 a 23, juntos com o PPA):

1. - Liquidação de IMT n.º..., de 06-09-2022, no valor global de € 4.655,33 (DUC...), relativa à Declaração Modelo1 n.º 2022/..., referente à aquisição, em 21-07-2021, dos prédios urbanos inscritos na respetiva matriz sob os artigos U-... e U-..., ambos da freguesia de ..., concelho da Lourinhã.

2. - Liquidação de IMT n.º..., de 03-03-2022, no valor global de € 3.533,84 (DUC...), relativa à Declaração Modelo 1 IMT n.º 2022/..., referente à aquisição, em 03-03-2022, d fração do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo U-...-AD, da união das freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia.

3. - Liquidação de IMT n.º..., de 23-03-2022, no valor de € 2.112,50 (DUC...), relativa à Declaração Modelo 1 IMT n.º 2022/..., referente à aquisição, em 04-04-2022, de 1/2 da fração do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo U-...-I, da união das freguesias de ..., ... e..., concelho de Loures.

4. - Liquidação de IMT n.º..., de 26-07-2022, no valor de € 600,00 (DUC...), relativa à Declaração Modelo 1 IMT n.º 2022/..., referente à aquisição, em 13-07-2022, da fração do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo U-...-E, da freguesia e concelho de ..., Açores.

5. - Liquidação de IMT n.º..., de 14-07-2022, no valor de € 3.900,00 (DUC...), relativa à Declaração Modelo 1 IMT n.º 2022/..., referente à aquisição, em 15-07-2022, da fração do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo U...-A, da união das freguesias ..., ..., ... e ..., concelho de Almada.

6. - Liquidação de IMT n.º ..., de 21-07-2022, no valor de € 13.305,83 (DUC...), relativa à Declaração Modelo 1 IMT n.º 2022/..., referente à aquisição, em 26-07-2022, da fração do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo U-...-A, da união das freguesias de ... e ..., concelho de vila Nova de Gaia;

  1. Em 16-02-2023, a Requerente deduziu reclamação graciosa que foi instaurada com o n.º ...2023..., contra os referidos atos de liquidação, requerendo a anulação dos mesmos e o consequente reembolso no montante total de € 28.107,50;
  2. No âmbito da análise da reclamação graciosa pela UGC, foi elaborado projeto de decisão de indeferimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, a seguinte fundamentação:

“(…)

41. Vejamos, o IMT é devido pelos adquirentes de bens imóveis, nos termos previstos no artigo 4.º do CIMT.

42. Contudo a liquidação precede o ato ou facto translativo dos bens, neste caso a escritura pública de compra e venda, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 22.º do CIMT.

43. Para beneficiar desta isenção contemplada pelo artigo 7.ºdo CIMT, é necessário preencher os seguintes requisitos:

a) apresentar a declaração prevista nos códigos de IRS e IRC que comprove que o objecto social do sujeito passivo inclui a «compra e venda de imóveis/revenda de imóveis»;

b) resultar da escritura pública de compra e venda a indicação que os bens a transacionar têm o intuito de revenda;

c) contabilizar nos serviços de contabilidade a respectiva aquisição numa conta de existências;

d) apresentar uma declaração emitida pelo serviço de finanças indicando que o sujeito passivo desenvolve essa actividade de forma regular (sendo que se considera que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda quando adquire ou revende um imóvel com esta finalidade no ano anterior à data de escritura).

44. Ou seja, logo das primeiras condições estabelecidas trata da apresentação, prévia, da declaração de início de atividade, ou de alterações, onde se declare o exercício de atividade de compra e venda de prédios para revenda.

45. Uma segunda condição refere-se ao facto de, no título aquisitivo, deve ser referido, expressamente, que a aquisição do imóvel se destina a revenda.

46. Sendo que a não verificação destas duas condições, implica a perda do direito ao benefício da isenção pela aquisição dos prédios para revenda, prevista no art.º 7.º do CIMT.

47. O Contribuinte junta apenas a escritura de compra e venda do imóvel aqui em análise, não podendo assim verificar se o mesmo foi adquirido com destino a revenda, é necessário que na escritura pública de aquisição dos bens imóveis, conste o destino de revenda, pelo que, no caso concreto, não se consegue verificar.

48. Pois, uma das condições é que deve resultar da escritura pública de compra e venda a indicação que os bens a transacionar têm o intuito de revenda.

49. Mais se acrescenta, que no caso de revenda a lei estipula expressamente que, para beneficiar da isenção do IMT, é necessário que o imóvel a adquirir para futura revenda não tenha sido igualmente comprado anteriormente com o mesmo intuito, o de revenda ou não venha ser, no futuro, igualmente adquirido para revenda. Esta delimitação surge para anular as evasões fiscais e evitar transacções faltosas em que os imóveis passam de activo em activo de empresas do mesmo grupo (ou entre empresas com relações especiais entre si), de forma a ajustarem balanços e afastarem-se da liquidação do imposto.

50. De facto, a obrigação de comprovar os elementos das declarações recai sobre os sujeitos passivos. Como tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, e sustentado pelo artigo 74.º nº 1 da LGT, em termos correspondentes ao disposto no art.º 342.º do Código Civil, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa, sobre a Administração, recaí o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.

(…)

Assim, somos a propor o indeferimento do pedido, em referência ao imóvel identificado no quadro I, por não verificação dos pressupostos previstos do art.º 7.º do CIMT, verificando-se que o imóvel adquirido não obstante ter sido transacionado em três anos, estando, assim, cumprido o prazo de 3 anos previsto no n.º 5 do art.º 11.º do CIMT, pelo facto de não ter provado que o mesmo foi adquirido com o destino a revenda, não se mostram reunidos os requisitos que permitem, nos termos do n.º 4 do art.º 7.º do CIMT, a anulação e a restituição do IMT pago.”

  1. A Requerente foi notificada do referido projeto de decisão, por ofício n.º ...-DJT/2023, datado de 16-05-2023, da UGC, remetido por correio registado (RF ... PT), e ainda para, querendo, exercer o direito de audição, nos termos do art.º 60.º da LGT;
  2. A Requerente não exerceu o direito de audição;
  3. A UGC manteve a decisão de indeferimento, notificando tal decisão à Requerente, via CTT, por ofícios datados de 29-12-2022, daquela Unidade, remetidos por correio registado de 04-01-2023;
  4. Em 21-09-2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

§2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
  3. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

  1. A questão principal a apreciar e decidir nos presentes autos é a que se prende com saber se estão preenchidos os requisitos para que a Requerente beneficie da isenção de IMT consagrada no artigo 7.º do CIMT e, consequentemente, saber se a Requerente tem direito ao reembolso do imposto pago.
  2. Em caso de resposta afirmativa, importará, ainda, apreciar e decidir acerca do direito a juros indemnizatórios invocado pela Requerente.
  3. À data dos factos, o artigo 7.º do CIMT dispunha o seguinte:

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.

2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.

3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.

4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção.”

  1. A doutrina tem vindo a identificar como fundamento para a consagração legal da isenção pela aquisição de prédios para revenda, contida no artigo 7.º do CIMT, a “circunstância de tais prédios, destinados a integrar o ativo permutável da empresa adquirente, constituírem ‘mercadorias’ da respetiva actividade que, em princípio, deve ser exclusivamente tributada com base no rendimento” [p. 385, J. SILVÉRIO MATEUS / L. CORVELO DE FREITAS, Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 385 anotação n.º 1].
  2. O primeiro dos pressupostos da isenção consagrada no artigo 7.º do CIMT é o de que a aquisição dos bens imóveis tenha ocorrido no âmbito do exercício da atividade de compra de prédios para revenda.
  3. Importa então saber, no caso sub judice, se a Requerente adquiriu os imóveis no exercício de uma atividade de compra e venda de imóveis.
  4. Resulta da lei que a resposta é, necessariamente, negativa.
  5. Decorre do disposto no artigo 39.º do Decreto-Lei 453/99 que as STC não podem exercer uma atividade económica de compra e venda de bens imobiliários, na medida em que aí se determina que “[a]s sociedades de titularização de créditos adoptam o tipo de sociedade anónima e têm por objecto exclusivo a realização de operações de titularização de créditos, mediante as suas aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos adquiridos” [destaque nosso].
  6. A exclusão da possibilidade de as STC exercerem uma atividade de compra e venda de bens imóveis não foi eliminada pela alteração legislativa introduzida em 28-08-2019, pela Lei n.º 69/2019, de 28 de agosto, que aditou o n.º 6 do artigo 45.º do Decreto-Lei 453/99, de 5 de novembro, sob o título “Transmissões de créditos”, com o seguinte teor:

As sociedades de titularização de créditos podem ainda adquirir e deter imóveis para os patrimónios segregados, quando estes sejam adquiridos em resultado de dação em pagamento ou da execução de garantias reais associadas aos ativos detidos, devendo os imóveis ser alienados no prazo máximo de dois anos a contar da data em que tenham integrado os referidos patrimónios, o qual, havendo motivo fundado, poderá ser prorrogado, nos termos a fixar em regulamento da CMVM.”.

  1. Tal como a própria epígrafe do artigo 45.º indica, o preceito aí contido tem por objeto as “transmissões de créditos”, e é neste contexto que o n.º 6 admite a possibilidade de as STC adquirirem e deterem imóveis durante um período de tempo limitado.
  2. Isto significa que n.º 6 do artigo 45.º do Decreto-Lei 453/99 não vem consagrar a possibilidade de as STC desenvolverem uma atividade económica consubstanciada na compra e venda de imóveis.
  3. A aquisição dos imóveis ocorre incidentalmente, no âmbito da atividade de titularização de créditos, e a sua detenção deve ser temporária (ter uma duração máxima de 2 anos, salvo motivo fundado que justifique a respetiva prorrogação).
  4. Nem se verifica, no caso das STC, a razão que fundamenta a isenção contida no artigo 7.º do CIMT – os imóveis não são, neste caso, “mercadorias” transacionadas pela sociedade.
  5. Note-se, aliás, que a aquisição de imóveis pelas STC em resultado de dação em pagamento ou da execução de garantias reais associadas aos ativos detidos, admitida pelo n.º 6 do artigo 45.º do Decreto-Lei 453/99, não deve ser confundida, juridicamente, com a compra e venda de imóveis.
  6. Com efeito, não tem razão a Requerente quando invoca a equiparação da dação em cumprimento ao contrato de compra e venda, para efeito da aplicação do artigo 7.º do CIMT (artigos 52.º a 60.º do ppa).
  7. Conforme é afirmado no Acórdão do STA de 08-11-2017, proferido no âmbito do processo 0174/17, “não obstante a natureza jurídica da dação em cumprimento e da transmissão da propriedade por ela operada, não integra o conceito de revenda para efeitos fiscais (como diz a sentença, enquanto a dação em cumprimento é uma causa de extinção das obrigações, a revenda é um negócio jurídico, em que se procura o lucro, a venda, outra vez, do bem a outrem, por determinado preço, por tal ser o objeto da atividade comercial da vendedora)”, pelo que “[p]ara efeitos da isenção prevista no art. 7º, nº 1, do CIMT não assume qualquer relevo a dação em cumprimento, sendo apenas de considerar a revenda no seu sentido técnico-jurídico”.
  8. Tal como referido na citação contida no Acórdão do STA supramencionado, e também no Acórdão do STA de 07-03-2012, proferido no processo 1141/11,  “revender é vender de novo, ou vender o que se tinha comprado, ainda que sem aquele propósito, e torna-se por demais evidente que só através da venda se opera a revenda, e não…mediante simples troca ou permuta dos bens originariamente adquiridos (Acórdãos Doutrinais, nº 257, pág. 644)”.
  9. Subscreve-se também a jurisprudência do STA que, nesta matéria, tem afirmado de forma reiterada que “as normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa” [cfr., entre outros: Acórdão do STA de 08-11-2017, proferido no processo 0174/17; Acórdão do STA de 13-09-2017, proferido no processo 01246/16; Acórdão do STA de 28-11-2012, proferido no processo n.º 0529/12].
  10. Conclui-se, assim, que a Requerente, enquanto STC, não pode beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT.
  11. Em primeiro lugar porque o regime jurídico a que as STC estão sujeitas veda a possibilidade de exercício da atividade de compra e venda de imóveis.
  12. E o facto de a Requerente deter o CAE secundário 68100-R3 não afasta a limitação legal contida no artigo 39.º do Decreto-Lei 453/99, conjugado com o disposto no n.º 6 do artigo 45.º do mesmo diploma legal.
  13. Em segundo lugar porque um outro pressuposto da isenção consagrada no artigo 7.º do CIMT é o de que tenha ocorrido a compra dos imóveis com intenção de revenda. Ora, os imóveis identificados nos autos não foram comprados pela Requerente, ou seja, não foram adquiridos através da celebração de contratos de compra e venda, mas sim no âmbito de operações de titularização de créditos. E não pode ser revendido pela Requerente o que não lhe foi, anteriormente, vendido.
  14. A Requerente não tem, portanto, direito à isenção consagrada no artigo 7.º do CIMT e, consequentemente, não tem direito ao reembolso do IMT pago relativamente à aquisição dos imóveis identificados nos autos.
  15. Pelos fundamentos expostos, conclui-se pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
  16. Em razão da improcedência do pedido principal, fica prejudicado o conhecimento do pedido acessório, relativo ao direito a juros indemnizatórios.

 

IV – DECISÃO

Termos em que este tribunal decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida de todos os pedidos.

 

V- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 28.107,50.

 

VI – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024    

 

 

O Árbitro

 

(Paulo Nogueira da Costa)