Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 502/2023-T
Data da decisão: 2024-03-03  IRC IVA  
Valor do pedido: € 83.118,90
Tema: Cumulação de pedidos. IVA – Afectação real. IRC – Dedutibilidade de custos.
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SUMÁRIO:

1. O art. 3º, nº 1 do RJAT não exige para a cumulação de pedidos uma identidade de questões de facto e de direito, mas apenas uma identidade quanto ao que é essencial.

2. Em sede de IVA, os sujeitos passivos mistos devem utilizar o método de dedução do imposto que assegure a maior neutralidade.

3. Incumbe à AT o ónus de justificação, quanto à utilização de procedimento, ou método de dedução, que provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação, evidenciando as mesmas.

4. Em sede de IRC, a prestação de serviços ou consultiva empresarial, sem presença física ou prestada à distância, não afecta a materalidade da operação, e, por conseguinte, não afecta a dedutibilidade do custo associado

 

                                                        DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A..., pessoa colectiva nº..., com sede na Rua..., nº..., ...-... ..., doravante designado por Requerente, tendo sido notificada dos actos tributários relativos a IVA e IRC, e juros compensatórios adiante indicados, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, ao abrigo do prescrito no art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, pedindo que o Tribunal Arbitral proceda à sua anulação, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral,com as consequências legais

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante AT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 07/07/2023, foi aceite pelo Presidente do CAAD em 10/07/2023 e automaticamente notificado à Requerente e à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira em 12/07/2023, Requerida esta que designou juristas para a representar, conforme comunicação de 01/08/2023, tendo o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designado, em 25/08/2023, os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, encargo que por estes foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.

Em 25/08/2023, as Partes foram notificadas dessas designações, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar as mesmas.

Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 12/09/2023, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.

Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 12/09/2023, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:

- Em 13/09/2023 – Foi notificada a Requerida para nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar Resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e juntar o processo administrativo.

- Em 19/10/2023 – A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral e não juntou o Processo Administrativo.

 - Em 06/11/2023 – O Tribunal exarou um despacho arbitral, para a Requerente reiterar o pedido da inquirição das testemunhas e, em caso afirmativo, indicar por remissão para os articulados, a matéria que reputa essencial e controvertida.

 - Em 08/11/2023, a Requerente reiterou o pedido de inquirição das testemunhas e indicou os artigos sobre que as mesmas devem ser ouvida.

 – Em 13/11/2023, o Tribunal Arbitral agendou a data de 15/12/2023 para a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT.

 – Em 15/12/2023 realizou-se a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, tendo sido realizadas as diligências e tomadas as decisões seguintes:

No início da reunião, o Tribunal Arbitral suscitou, oficiosamente, a questão da legalidade da cumulação dos pedidos e determinou a notificação das Partes para se pronunciarem sobre esta matéria no prazo das alegações;

Seguiu-se a inquirição das duas testemunhas arroladas pela Requerente –B... e C...;

O Tribunal notificou as Partes para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de vinte dias;

O Tribunal designou previsivelmente o dia 28/02/2024 para o efeito da prolação da decisão arbitral;

O Tribunal solicitou às Partes o envio das peças processuais em formato word e notificou a Requerente para, até ao termo do prazo para alegações, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente;

   - Em 05/01/2024, a Requerente apresentou alegações escritas, em que, para além de reiterar os fundamentos dos pedidos, se pronunciou sobre a cumulação dos pedidos, defendendo a sua legalidade.

   - Em 08/01/2024, a Requerida apresentou alegações escritas, em que reiterou o aduzido na Resposta, não se tendo pronunciado sobre a legalidade da cumulação de pedidos.

   – Em 23/01/2024, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo.

 

II. POSIÇÃO DAS PARTES

II. 1. Posição da Requerente

 

      A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

 - A Requerente, A..., Lda, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua..., n.º ... – ..., ...-... ..., na área de jurisdição do Serviço de Finanças de Mafra, foi notificada dos seguintes atos tributários relativos a Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e a juros compensatórios do período tributário de 2018: liquidação de IVA n.º 2023 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 55.558,29; liquidação de IVA n.º 2023...e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 32,92; liquidação de juros compensatório de IVA n.º 2023... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 8.864,97; liquidação de IVA n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 364,58; demonstração de acerto de contas de IVA n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 15.481,31; liquidação de IRC n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 8.163,07; liquidação de juros compensatório de IRC n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 426,62; e demonstração de acerto de contas de IRC n.º 2023 ... que, refletindo as duas liquidações referidas nos dois pontos anteriores, apurou um saldo a pagar de € 3.545,99,

 - Ora, a Requerente é uma sociedade por quotas que detém um conjunto de ativos imobiliários e que no ano de 2018, se dedicou sobretudo à compra e venda de imóveis, ao arrendamento urbano e ao alojamento local, conforme é reconhecido no Relatório de Inspeção Tributária, emitido no âmbito da Inspeção a que se refere a Ordem de Serviço n.º OI2022....

 - Atenta a sua atividade múltipla, a Requerente é um sujeito passivo misto de IVA, realizando simultaneamente: (i) operações sujeitas e não isentas, que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante (as operações de alojamento local); e (ii) operações isentas, que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante (as operações de compra e venda de imóveis e de arrendamento).

 - Em sede de IRC, a Requerente é um sujeito passivo comum, obrigado a pagar anualmente o imposto calculado sobre o seu lucro tributável, nos termos previstos no Código do IRC.

 - No ano de 2018, a Requerente obteve um total de € 661.386,17 de proveitos das suas três atividades.

 - Nesse mesmo ano, a Requerente registou gastos, incluindo serviços de construção civil, aquisições de mercadorias consumidas e outros (quase todos acrescidos de IVA) no valor global de € 599.166,10, a que se somaram amortizações no valor de € 61.274.91

- No que respeita ao IVA, a Requerente adotou o método de afetação real e, como entendeu que todo o imposto suportado ao longo do ano é necessário à sua atividade sujeita e não isenta (o alojamento local), deduziu 100% desse imposto nas declarações periódicas atempadamente apresentadas.

 - No que concerne ao IRC, a Requerente apresentou atempadamente a sua declaração modelo 22, na qual apurou um prejuízo fiscal reduzido, no valor de € 3.781,27.

 - Sucede que, no último trimestre de 2022, a Administração Tributária levou a cabo um procedimento externo de inspeção tributária tendo em vista o controlo das obrigações da Requerente, em sede de IVA e de IRC, relativas ao ano de 2018.

 - Em Janeiro de 2023, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre o projeto de relatório de inspeção, o que fez por escrito no dia 3 de fevereiro de 2023.

 - Posteriormente, no dia 27 de fevereiro de 2023, a Requerente foi notificada do relatório final de inspeção.

Neste relatório, a Administração Tributária sustentou, em síntese, que:

  1. Uma parte das deduções de IVA, no valor de € 71.072, 52, foi indevidamente feita porque, de acordo com a opinião dos Serviços de Inspeção, a Requerente apenas teria direito a deduzir 3,875% do total e não a totalidade do IVA suportado [isto por aplicação do método pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA]; e que

Um dos gastos suportados pela Requerente no valor de € 72.223,00, foi indevidamente deduzido no cálculo do lucro tributável de IRC, porque, na opinião dos Serviços de Inspeção, a fatura que suporta esses gastos é irregular e não há evidência de que os serviços a que se refere tenham sido prestados em benefício da Requerente.

Em consequência, o relatório de inspeção reflete duas correções aritméticas:

  1. A primeira correção diz respeito ao IVA a pagar – a Administração Tributária acresceu o valor de € 71.072,52, correspondente ao valor do IVA que os Serviços de Inspeção consideraram indevidamente deduzido; e

          A segunda correção diz respeito à matéria tributável de IRC – a Administração Tributária acresceu o valor de € 51.044,47, correspondente ao valor do gasto que os Serviços qualificaram como indevidamente deduzido (€ 72.223,00), menos uma parte do IVA supostamente indedutível, que os Serviços de Inspeção entenderam ser um gasto para efeitos do cálculo do lucro de 2018 sujeito a IRC (€ 21.178,54)

- Destas correções resultaram as liquidações seguintes de IVA e juros compensatórios de IVA:

- Liquidação n.º 2023 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023 ..., onde foi liquidado o valor de € 55.558,29;

- Liquidação n.º 2023 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 32,92;

- Liquidação de juros compensatório e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 8.864,97;

 - Liquidação n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 364,58;

- Demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 15.481,31.

E as seguintes liquidações de IRC e juros compensatórios de IRC

- Liquidação de IRC n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 8.163,07;

- Liquidação de juros compensatório de IRC n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 426,62;

    - Demonstração de acerto de contas n.º 2023... que, refletindo as duas          liquidações referidas nos dois pontos anteriores, apurou um saldo a pagar de € 3.545,99.

 - A Requerente pagou todos os valores liquidados, dentro do prazo de pagamento voluntário, que terminou no dia 12 de abril de 2023 (para o pagamento do IVA e dos juros de IVA) e no dia 13 de abril de 2023 (para o pagamento do IRC e dos juros de IRC).

 - No entanto, e pelas razões que exporá nos capítulos seguintes, a Requerente não pode concordar com as correções impostas pela Administração Tributária.

Em concreto, a considera que:

  1. As liquidações de IVA são ilegais porque – exceto quanto a uma pequena parte associada a uma comissão de intermediação – o imposto deduzido é necessário ao desenvolvimento da atividade tributável e a Administração Tributária não pode, sem justificação, substituir o método de afetação real pelo método pro rata no apuramento do IVA que pode ser deduzido;
  2. Os atos relativos ao IRC também são ilegais porque o gasto desconsiderado pela Administração Tributária corresponde a serviços efetivamente prestados à sociedade, porque as putativas irregularidades na fatura são irrelevantes e porque a Administração Tributária não poderia ter feito a correção desfavorável aqui em causa sem fazer todas as correções favoráveis correlativas; e que

Todos os atos de liquidação de juros compensatórios são ilegais por falta do pressuposto objetivo (o atraso na entrega do imposto) e, em qualquer caso, por não ter sido demonstrada a verificação do pressuposto subjetivo (a culpa da Requerente nesse putativo atraso).

 - Razão pela qual, a Requerente solicitou a constituição de Tribunal Arbitral em Matéria Tributária e pediu a pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação atrás identificados, com todas as consequências previstas no artigo 24.º do RJAT e nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária

 - Assim sendo, no que à apontada ilegalidade da mencionada liquidação de IVA diz respeito, entende a Requerente o seguinte:

 - Como inicialmente referido, a Requerente é uma sociedade por quotas que, no ano de 2018, se dedicou sobretudo à compra e venda de imóveis, ao arrendamento urbano e ao alojamento local.

 - Atenta a sua atividade múltipla, a Requerente é um sujeito passivo misto de IVA, realizando simultaneamente: (i) operações sujeitas e não isentas, que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante (as operações de alojamento local); e (ii) operações isentas, que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante (as operações de compra e venda de imóveis e de arrendamento), o que é confirmado pela AT no seu Relatório de Inspeção: “estamos perante um sujeito passivo misto, que pratica, em simultâneo, operações isentas sem direito à dedução e operações tributadas que conferem esse direito, encontrando-se, assim, obrigado à disciplina do artigo 23º do CIVA

 - Especificamente no ano de 2018, a Requerente exerceu três atividades:

  1. A compra e venda de imóveis (isenta de IVA), com proveitos de € 480.000;
  2. O arrendamento urbano (isento de IVA), com proveitos de € 154.514,72; e

O alojamento local (sujeito a IVA), com proveitos de € 26.871,45.

 - Naquele mesmo ano de 2018, a Requerente suportou um conjunto muito relevante de gastos sujeitos a IVA, entre os quais:

  1. Uma comissão de intermediação na venda de um imóvel (venda sem IVA), sobre a qual recaiu IVA no valor de € 5.520,00; e

Serviços de construção civil, sobre os quais recaiu IVA no valor global de € 63.697,27.

 - Ao contrário do que a AT parece ter pressuposto (sem qualquer fundamento) na sua análise, a Requerente não apurou o IVA dedutível (i.e., o IVA necessário à sua atividade sujeita e não isenta) com recurso ao método pro rata [artigo 23.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA] de acordo com o qual a percentagem do imposto a deduzir corresponde à percentagem dos proveitos gerados pela atividade tributada no conjunto dos proveitos dos sujeitos passivos

      mas sim com recurso ao método de afetação real [artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA] que é o regime preferencial no sistema do imposto e de acordo com o qual o imposto dedutível corresponde ao imposto que esteja associado à atividade tributada por aplicação de critérios objetivos.

 - Aplicando o método da afetação real, a Requerente considerou que todo o imposto suportado no ano de 2018 é dedutível, porque todos os gastos com IVA suportados naquele ano são gastos necessários ao desenvolvimento da sua atividade sujeita e não isenta (o alojamento local).

 - No que respeita, em particular, aos serviços de construção civil, a Requerente teve em conta o critério da afetação dos imóveis que beneficiaram das obras.

 - Com exceção de um pequeno trabalho de pintura exterior realizado no edifício sito na Rua..., n.º..., na freguesia da ..., concelho de Mafra, que se encontrava arrendado e no âmbito do qual a Requerente suportou IVA no valor de € 460,00.

      - Todos os demais serviços em causa foram realizados no edifício situado na Rua da ..., n.ºs ... a ..., tornejando para a Rua ..., n.ºs ... a ... e para a Travessa ..., na freguesia da ..., concelho de Mafra, conforme indicação nos orçamentos a que se referem as faturas que a Requerente juntou na sua pronúncia sobre o projeto de correções da AT.

 - Estes serviços correspondem:

  1. À remodelação das partes do edifício (1.º andar, 2.º andar e sótão) que a Requerente afetou (e tencionava continuar a afetar) à atividade de alojamento local; e

 - Às partes comuns do edifício (telhado, elevador e escadas), sem as quais aquelas partes afetas ao alojamento local não poderiam ser usadas (ou usadas com a mesma rentabilidade).

 - As intervenções na parte do edifício arrendado a terceiros (o rés-do-chão) foram integralmente realizadas e suportadas pelos inquilinos pelo que o IVA dessas intervenções não está incluído no IVA deduzido pela Requerente.

 - Após as obras, a Requerente desenvolveu efetivamente a atividade de alojamento local em todas as partes do edifício intervencionadas – as que havia originariamente alocado àquela atividade.

 - É verdade que o sótão do edifício – que esteve em regime de alojamento local até ao fim de outubro de 2018 – foi objeto de um contrato de arrendamento, mas tal só aconteceu nos meses de novembro e de dezembro daquele ano.

 - Tendo em consideração toda esta factualidade, a Requerente admite que o critério de afetação real que escolheu (a alocação dos imóveis intervencionados) não lhe permitia deduzir todo o imposto suportado.

 - Em concreto, não é dedutível:

  1. O IVA relativo à comissão de intermediação de um imóvel objeto de uma alienação não sujeita a imposto (IVA no valor de € 5.520,00); e

O IVA relativo ao trabalho de pintura exterior realizado no edifício sito na Rua ..., n.º ..., afeto a arrendamento (IVA no valor de € 460,00).

 - Sem prejuízo do exposto, todo o restante imposto deduzido corresponde, de facto, a imposto suportado com trabalhos realizados nos espaços alocados ao alojamento local ou nas partes comuns do edifício onde se situam esses espaços, pelo que o IVA em causa foi corretamente deduzido.

 - Sucede, contudo, que a AT não compreendeu que o apuramento do IVA dedutível foi feito com base no método de afetação real (a alocação dos espaços beneficiados pelos serviços) e decidiu (sem fundamento) aplicar oficiosamente o método pro rata, reduzindo drasticamente o valor do imposto dedutível pela Requerente para apenas 3,875%.

 - A AT não põe em causa que (exceto no que se refere aos trabalhos de pintura do prédio da Rua do...), os serviços de construção civil suportados pela Requerente foram realizados nas partes comuns e no interior do 1.º andar, do 2.º andar e do sótão do edifício situado na Rua da ..., n.ºs ... a ..., tornejando para a Rua..., n.ºs ... a ... e para a. ..– a Requerente e a Administração Tributária estão de acordo quanto a esta matéria.

 - No entanto, a Administração Tributária sustenta que “a contabilidade não retrata de forma clara, objetiva e inequívoca os rendimentos oriundos do alojamento local”, e põe em causa que o 1.º andar, o 2.º andar e o sótão do edifício situado na Rua ..., n.ºs ... a ..., tornejando para a Rua..., n.ºs ... a ... e para a Travessa ... tenham efetivamente sido afetados ao alojamento local.

 - A Requerente não pode concordar com esta correção, considerando que as liquidações aqui contestadas devem ser anuladas e o imposto pago em excesso, reembolsado, por entender que, como melhor demonstrará nos pontos seguintes:

  1. O método de afetação real aplicado pela Requerente é, de acordo com o regime atual, o método preferencial de apuramento do IVA dedutível e não pode ser substituído oficiosamente pelo método pro rata (que em geral não assegura o direito à dedução com um mínimo de correspondência com a realidade);
  2. Com exceção dos serviços acima identificados (a comissão de intermediação e os trabalhos de pintura num prédio arrendado), os restantes serviços com IVA suportados em 2018 foram efetivamente realizados em benefício dos espaços em que a Requerente afetou à sua atividade de alojamento local e, portanto, é IVA dedutível;
  3. A AT não pode pôr em causa a contabilidade da Requerente e, ao mesmo tempo, fazer correções aritméticas (em vez de aplicar métodos indiretos); e

Ainda que uma parte dos espaços inicialmente alocados ao alojamento local tenha depois sido reafectado a arrendamento (foi o que sucedeu com o sótão do edifício situado na Rua ..., n.ºs ... a ..., tornejando para a Rua ..., n.ºs... a ... e para a Travessa ...), tal não determina que o IVA suportado na renovação desses espaços não seja dedutível, mas apenas que o imposto inicialmente deduzido deve ser proporcionalmente regularizado depois da reafectação.

 - Como decorre da factualidade acima enunciada, a AT realizou as correções aqui contestadas por entender que parte do IVA suportado pela Requerente, por referência ao ano de 2018, não é dedutível, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IVA.

 - Ora, como o Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante “TJUE” ou “Tribunal de Justiça”) sempre sustentou, de acordo com o regime anteriormente consagrado no artigo 17.º da Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977) e atualmente estabelecido no artigo 168.º da Diretiva IVA

“um sujeito passivo tem, em princípio, direito à dedução do IVA pago a montante desde que esteja estabelecido que os bens ou serviços invocados para basear esse direito sejam utilizados a jusante por esse sujeito passivo para os fins das suas operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (…)” [cf., por todos, o parágrafo 39 do Acórdão proferido em 18 de outubro de 2018, no processo n.º C-153/17 (Volkswagen Financial Services (UK) Ltd),

“[E]ste direito dos sujeitos passivos constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União Europeia, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado (…). Com efeito, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam elas próprias sujeitas a IVA (…)” [cf., por todos, os parágrafos 39 e 40 do mencionado Acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd; realce acrescentado].

 - Conjugados, o artigo 19.º e o n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA determinam [de acordo com o previsto nos artigos 168.º e 169.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante, “Diretiva IVA”], que – para além dos casos especiais previstos na respetiva alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º – “Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização [de] (…) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas

 - A alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA estabelece, por seu turno, que “Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo: (…) a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2”…

…ou seja, “segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”, de acordo com o nº 2.

 - Ora, o regime de afetação real consagrado na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, visa precisamente garantir aos sujeitos passivos o direito à dedução do imposto referente aos gastos utilizados no âmbito da sua atividade tributável, respeitando, de acordo com a jurisprudência do TJUE, os princípios subjacentes ao sistema do imposto, designadamente o princípio da neutralidade, citando, ainda, o Advogado-Geral do TJUE no âmbito do Caso Securenta,

 - Tendo em conta esta premissa e considerando a factualidade acima enunciada, conclui-se que – com exceção do IVA associado à comissão de intermediação imobiliária (no valor de € 5.520,00) e ao IVA relativo aos trabalhos de pintura de um imóvel arrendado (no valor de € 460,00) – a Requerente fez as deduções corretamente, limitando-se a cumprir o preceituado naquela norma legal.

 - Efetivamente, como acima se indicou, os serviços de construção civil suportados pela Requerente tiveram por objeto o prédio sito na situado na Rua..., n.ºs ... a ..., tornejando para a Rua ..., n.ºs ... a ... e para a Travessa ..., o que a AT não contesta:

 - As referidas obras ocorreram por necessidade de remodelação das áreas alocadas ao alojamento local e às áreas comuns do imóvel (telhado, escadas e elevador).

 - O referido imóvel é composto por rés do chão, 1.º andar, 2.º andar e sótão, sendo todos (à exceção do rés do chão, dedicado a comércio e não incluído nos serviços de construção civil aqui em causa) compostos por apartamentos quer foram destinados a alojamento local.

 - Em 2018, no momento em que ocorreram as obras em questão, 75% do imóvel era composto por apartamentos onde se visava a futura exploração como alojamento local.

 - A este respeito, a AT levantou um conjunto de objeções que, como se demonstrará, não fazem sentido.

 - Em primeiro lugar, a AT refere que “estes trabalhos referem-se ao telhado do edifício, o qual se encontrava bastante degradado, conforme também assumido pelo sócio gerente Sr. F... . A obra do telhado beneficia todo o edifício e não apenas o sótão, pelo que não poderá dissociar-se de todo o edifício tentando imputar os seus encargos apenas a parte do edifício”.

 - Esta observação parte de um equívoco básico sobre o regime de dedução do IVA: como resulta do exposto acima, de acordo com a jurisprudência do TJUE, para além do imposto exclusivamente relacionado com uma atividade sujeita e não isenta, os sujeitos passivos podem deduzir o imposto se os bens ou serviços adquiridos forem necessários àquela atividade (ainda que também beneficiem terceiros ou outras atividades).

 – A Requerente cita o caso C-132/16 (Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments), o Tribunal de Justiça entendeu que "um sujeito passivo tem o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante por uma prestação de serviços que consiste em construir ou melhorar um bem imóvel” mesmo quando este imóvel não lhe pertence, desde que os referidos serviços sejam utilizados no âmbito da atividade económica do sujeito passivo e sejam necessários “para permitir ao referido sujeito passivo efetuar operações tributadas a jusante e o seu custo esteja incluído no custo dessas operações”, em que estavam em causa obras num imóvel que nem sequer era detido pelo sujeito passivo e que, naturalmente, beneficiavam esse imóvel e o seu proprietário, sendo as obras eram necessárias para que o sujeito passivo desenvolvesse a sua atividade tributável num imóvel vizinho.

 - Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou que o IVA associado aos serviços é dedutível porque, para além de beneficiar o imóvel de um terceiro, também era necessário ao desenvolvimento da atividade do sujeito passivo.

 - É exatamente isso que se passa na presente situação: independentemente da alocação do sótão do edifício sito na situado na Rua..., n.ºs ... a ..., tornejando para a Rua ..., n.ºs ... a ... e para a Travessa ..., em que as obras no telhado são necessárias a todos os apartamentos daquele edifício e, portanto, beneficiam a atividade de alojamento local a que esses apartamentos estão alocados.

 - Como se julga ser evidente, não é razoável admitir que o estado do telhado é indiferente para a atividade de alojamento local: se o telhado não estiver em condições, a Requerente não poderia desenvolver a sua atividade em nenhum dos apartamentos do edifício.

 - O que se concluiu a propósito do telhado é transponível, sem necessidade de maior desenvolvimento, a respeito dos trabalhos na escada e no elevador do referido edifício – estas estruturas beneficiam objetivamente todos os apartamentos do prédio (só não beneficiam o rés-do-chão) e, portanto, estão diretamente relacionadas com a atividade de alojamento local.

 - Conclui que todas as obras realizadas no referido edifício estão relacionadas com os apartamentos onde é desenvolvida a atividade de alojamento local, pelo que, sendo o método da afetação real o regime de dedução preferencial, andou bem a Requerente ao deduzir a totalidade o IVA suportado com e realização dessas obras.

 - Em segundo lugar, a AT levantou dúvidas sobre a real afetação do edifício objeto das obras à atividade de alojamento local, referindo mesmo que a contabilidade da Requerente não é clara quanto aos proveitos resultantes do alojamento local.

 - Quanto a este segundo aspeto recorda-se uma vez mais que a Requerente desenvolveu de facto a atividade de alojamento local nos apartamentos do edifício situado na Rua ..., n.ºs ... a ..., tornejando para a Rua ..., n.ºs ... a ... e para a Travessa ... .

 - Por outro lado, é preciso também ter em conta que o regime de dedução do IVA acima descrito é completamente diferente do regime de dedução de gastos em sede de IRC.

 - No sistema do IVA, a partir do momento em que um agente económico toma a decisão e inicia os atos preparatórios de uma atividade tributável (por exemplo, a aquisição de imóveis ou a realização de obras para alojamento local) torna-se imediatamente sujeito passivo com o direito a deduzir o imposto [neste sentido, v. por exemplo o Acórdão do Caso C-280/10 (Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz spółka jawna)].

 - Ao contrário do que sucede em sede de IRC, a dedução do IVA não depende da existência imediata de proveitos – todo o imposto associado à aquisição de bens e serviços destinados a uma atividade tributável (incluindo o imposto associado aos atos preparatórios dessa atividade) pode (rectius, deve) ser imediata e integralmente deduzido pelos sujeitos passivos.

 - Se, posteriormente, os bens ou serviços não forem total ou parcialmente utilizados na atividade para a qual foram adquiridos em função de uma decisão de gestão dos sujeitos passivos, então o imposto deve ser reposto.

 - De facto, o Código do IVA consagra vários mecanismos de correção ou de regularização (a favor ou contra o Estado) aplicáveis quando os sujeitos passivos realocam a uma atividade diferente da inicialmente prevista os seus bens de investimento durante o respetivo período de vida útil (fixado em 5 anos para os bens móveis e em 20 anos para os bens imóveis).

 - No que importa para o presente Pedido de Pronúncia Arbitral, os n.ºs 2 a 4 do artigo 24.º do Código do IVA estabelecem regras de regularização anual do imposto que foi inicialmente deduzido para os casos em que as “despesas de investimento em bens imóveis” sejam total ou parcialmente realocados a durante o seu período de vida útil, determinando uma correção do IVA deduzido em medida proporcional ao período de vida útil remanescente.

 - Por outro lado, os n.ºs 5 e 6 do mesmo artigo 24.º do Código do IVA estabelecem que o imposto deve ser regularizado “de uma só vez, pelo período ainda não decorrido”, se: (i) os bens do ativo imobilizado forem transmitidos durante o seu período de vida útil; ou (ii) no caso de bens imóveis, se o sujeito passivo passar a praticar exclusivamente operações isentas ou afete o imóvel a uma locação isenta.

 - Nestes termos, estando demonstrado que a Requerente afetou originariamente os apartamentos aqui em causa ao alojamento local, uma eventual não utilização posterior ou reafectação posterior (como ocorreu com o sótão do edifício intervencionado) não determina a indedutibilidade ab initio e total do IVA, mas apenas uma regularização proporcional do imposto deduzido, a realizar com fundamento no citado artigo 24.º do Código do IVA e nos termos previstos nesse artigo.

 - Nestes termos, mesmo que a Administração Tributária tivesse razão no que respeita à não utilização dos apartamentos para a atividade de alojamento local – no que não se concede – a correção plasmada no Relatório de Inspeção (fundamentada no artigo 23.º do Código do IVA), sempre seria ilegal porque, mesmo que houvesse uma obrigação de regularizar parcialmente o imposto deduzido (ao abrigo do artigo 24.º do Código do IVA), tal não tornaria as deduções ilegais (para efeitos do artigo 23.º do Código do IVA).

 - Por último, a Requerente também sublinha que, se a AT considera que a contabilidade da empresa não é clara, então devia ter extraído daí as consequências legais, aplicando métodos indiretos nos termos previstos no artigo 90.º da Lei Geral Tributária e no artigo 90.º do Código do IVA.

 - O que a AT não pode fazer é recusar-se a aceitar os dados declarados pela Requerente e os respetivos documentos de suporte (que se presumem verdadeiros nos termos do disposto no artigo 75.º daquela Lei) para efeitos de validação da dedutibilidade do imposto e ao mesmo tempo, usar esses dados para fazer as correções aritméticas plasmadas no relatório de inspeção.

 - Em face do exposto, as correções aqui em causa são ilegais por violação do disposto no artigo 23.º do Código do IVA, pelo que os atos tributários aqui contestados devem ser declarados ilegais, com as consequências previstas no artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e no artigo 100.º da Lei Geral Tributária.

 -  Passando para a liquidação de IRC, entende a Requerente o seguinte:

 - Em 2018, a Requerente celebrou com a D... Ltd., uma empresa constituída segundo as leis do Reino Unido, com sede em ..., London..., Reino Unido (adiante “D...”) um contrato de prestação de serviços nos termos do qual a D... presta serviços de consultoria empresarial necessários à gestão da Requerente, com início a 24 de setembro de 2018.

 - Nos termos do referido contrato, os serviços a ser prestados pela D... à Requerente são os seguintes:

a) Administração geral da empresa;

b) Elaboração mensal do facturamento e comunicação com contabilidade;

c) Administração de todos os contratos com terceiros e adjudicação de serviços;

d) Correspondência e administração de todos os contratos de locação de imóveis;

e) Avaliação de novos negócios emergentes de potencial rentabilidade económica, análise de investimentos e contratações de financiamentos.”

 - Pelos serviços prestados no ano de 2018, a Requerente pagou à D... £ 65.000,00 (equivalente, à data, a € 72.223,00).

 - Deste pagamento resultou a emissão da fatura com o número INV-0003, emitida pela D... a 10 de dezembro de 2018, tendo a Requerente feito o devido registo na sua contabilidade, considerando o referido valor como gasto dedutível no cálculo do lucro tributável sujeito a IRC.

 - Todavia, no Relatório de Inspeção, a AT considera que o valor de € 72.223,00, registado como gasto pela Requerente, deve ser desconsiderado.

Para chegar a tal conclusão, a AT apresenta os seguintes argumentos:

  1. A D... apenas iniciou atividade a 1 de dezembro de 2018 (o que significaria que a data constante da fatura seria anterior à do início da atividade);
  2. A D... não fez qualquer comunicação ou registo na base de dados das trocas intracomunitárias (Sistema VIES) da referida fatura;
  3. Não foram identificados quaisquer documentos que comprovem a efetiva prestação dos serviços invocados no contrato celebrado com a D...;
  4. A gerente da D... era não residente em Portugal, em 2018, afigurando-se difícil assegurar pessoalmente o tratamento / acompanhamento dos serviços invocados;

A referida fatura não descreve especificamente os serviços prestados, e quem os prestou, bem como as datas em que os mesmos ocorreram, remetendo essa descrição para um contrato, que discrimina de forma abstrata um conjunto de serviços, serviços esses dos quais não se encontrou a existência de qualquer evidência da realização dos mesmos.

 - Na determinação do valor da correção à matéria tributável de IRC da Requerente, a AT acresceu o montante do gasto desconsiderado (€ 72.223,00), e deduziu uma parte do IVA que considerou indedutível (€ 21.178,54), obtendo assim o resultado líquido de € 51.044,47,e indicando que os restantes € 49.983,98 de IVA indedutível deveriam ser deduzidos à matéria tributável dos quatro exercícios seguintes, por se tratar de imposto relacionado com gastos amortizáveis em cinco anos.

 - Destas correções resultaram as seguintes liquidações de IRC:

  1. Liquidação de IRC n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 8.163,07;
  2. Liquidação de juros compensatório de IRC n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 426,62;

Demonstração de acerto de contas n.º 2023 ... que, refletindo as duas liquidações referidas nos dois pontos anteriores, apurou um saldo a pagar de € 3.545,99.

 - Sucede que, como adiante se verá, nenhum dos argumentos da Administração Tributária deverá proceder e estes atos de liquidação também devem ser considerados ilegais e anulados, pois, no entender da Requerente.

 - Em primeiro lugar, no que respeita aos dois primeiros argumentos, ou seja, quanto ao início de atividade da D... e registo no Sistema VIES, refere a Administração Tributária que “De acordo com a informação constante no sistema de informação de trocas comunitárias VIES, esta sociedade foi constituída em 01/12/2018 e cessada em 31/12/2020”,concluindo, assim, que quer a assinatura do contrato de prestação ser serviços celebrado entre a D... e a Requerente, quer a emissão da fatura relativa a este mesmo contrato, terão sido anteriores à constituição da sociedade.

 - Ora, tal não é verdade, porque, como foi adiantado pela Requerente em sede de audição prévia, a D... iniciou a sua atividade a 21 de setembro de 2018 e só não procedeu imediatamente ao registo no Sistema VIES porque naquele momento estava isenta de IVA, nos termos da legislação do Reino Unido.

 - De facto, uma nova empresa que seja criada segundo as leis do Reino Unido, estará isenta de pagar IVA até atingir o limite de £ 85.000,00 de volume de negócio tributável

 - Torna-se evidente que a D... iniciou a sua atividade a 21 de setembro de 2018, tendo a celebração do contrato de prestação de serviços e a emissão da fatura consequente, sido posteriores à data de início de atividade

 - Em segundo lugar, no que respeita ao terceiro e ao quarto fundamentos invocados pela Administração Tributária, também não colhe o argumento de que não ficou provada a efetiva prestação de serviços pela D... .

 - Com efeito, os serviços em causa foram efetivamente prestados pela Senhora E..., enquanto gerente da D... .

 - Dada a natureza da atividade aqui em causa, o facto da pessoa responsável pela prestação dos serviços de gestão residir no Reino Unido é absolutamente irrelevante porque: (i) a generalidade dos atos de gestão é realizado à distância; e (ii) o facto da Senhora E... residir no Reino Unido não a impede (não a impediu) de se deslocar a Portugal sempre que necessário.

 - Em terceiro lugar, no que respeita ao quinto fundamento invocado pela AT, a Requerente sublinha que o contrato de prestação de serviços celebrado é totalmente legítimo e comum.

 

 - Ao contrário do que parece entender a AT, as sociedades não têm de integrar nos seus quadros e no seu ativo todos os elementos necessários à sua gestão – podem naturalmente contratar esses serviços a terceiros.

 - Se, como sucede no presente caso (e em quase todos os casos de prestações de serviços de gestão), os serviços são contratados a uma entidade relacionada, então a AT pode sempre recorrer às normas de preços de transferência para verificar se os valores contratados podem ou não ser aceites.

 - O que a AT não pode fazer é desconsiderar um gasto por entender que o mesmo não é razoável ou adequado como se julga ter acontecido no presente caso – como afirma a jurisprudência dos Tribunais Superiores nas últimas três décadas, não cabe à AT avaliar as decisões de gestão dos contribuintes.

 - Importa ainda referir que a insuficiência na descrição dos serviços que a AT aponta à fatura aqui em causa será sempre irrelevante em face da demais documentação e prova testemunhal sobre este tema.

 - Veja-se a posição do TJUE sobre este assunto “embora uma fatura tenha efetivamente uma função documental importante pelo facto de poder conter dados controláveis, existem circunstâncias nas quais os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura e em que a exigência de dispor de uma fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva 2006/112 teria como consequência pôr em causa o direito a dedução de um sujeito passivo” (cf. Acórdão de 1 de março de 2012, proferido no caso C-280/10 (Polski Trawertyn).

 - Por último, a Requerente adiciona duas notas importantes.

 - Em primeiro lugar – como acima já se assinalou a respeito da correção relativa ao IVA – a contabilidade e os documentos de suporte da Requerente presumem-se verdadeiros nos termos previstos no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, o qual estabelece de forma límpida que:

“Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

Nestes termos, para desconsiderar um gasto contabilizado pela Requerente não basta à AT levantar dúvidas – o ónus da prova dos pressupostos em que assenta a correção cabe aos Serviços de Inspeção, que devem demonstrar que os serviços a que se refere a fatura aqui em causa não foram efetivamente prestados.

 - Em segundo lugar, a Requerente sublinha que, apesar de ter indicado no relatório de inspeção que o IVA indedutível, que não foi tido em conta no cálculo do lucro tributável de IRC de 2018 (€ 49.983,98), devia ser imputado aos quatro exercícios seguintes, o certo é que a Administração Tributária não fez qualquer correção às liquidações de IRC dos exercícios posteriores.

De facto, a Administração Tributária não pode escolher as correções que realiza, optando por concretizar aquelas que geram receita tributária e por desconsiderar as correções correlativas a favor dos sujeitos passivos (neste sentido, v., por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no Recurso n.º 19418 e descrito em Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4ª edição, Encontro da Escrita, Lisboa: 2012, página 453)

Nestas circunstâncias, ainda que estivessem verificados os respetivos pressupostos – o que não se admite – a correção de IRC aqui em apreço só seria admissível se a AT tivesse implementado as correções ao IRC dos anos seguintes, nos termos que ela própria se propôs fazer no relatório de inspeção.

 - Nestes termos, para além de violarem o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, a correção e os atos de liquidação de IRC aqui em causa também são ilegais por violação do disposto no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 55.º da Lei Geral Tributária devendo, por isso, anulados, com todas as consequências legais.

 – No que tange aos juros compensatórios, a Requerente aponta, reportando-se, na sua opinião, à falta de fundamentação e não verificação de retardamento na liquidação, o seguinte:

 - Como decorre da factualidade acima exposta, concomitantemente com as liquidações adicionais de imposto, a Requerente foi notificada das liquidações de juros compensatórios n.º 2023..., nos termos da qual é apurado o valor a pagar de € 8.864,97 ,e n.º 2023..., nos termos da qual é apurado o valor de € 426,62.

 - A este respeito, o n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária dispõe que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido (...)”.

 - Assim, os juros compensatórios só podem ser liquidados nos casos em que se confirma (i) a existência de prejuízo para a Fazenda Pública, (ii) por facto imputável a título de culpa do sujeito passivo.

 - Ora, como foi dito anteriormente, as liquidações adicionais de IVA e de IRC ora contestadas são ilegais e devem, por isso, ser anuladas.

 - Em consequência, não se verificou, de facto, qualquer prejuízo para a Fazenda Pública, sendo os atos de liquidação de juros compensatórios acima identificados, também eles, ilegais.

 - Exige-se, assim, uma ação voluntária, dirigida a um aproveitamento indevido e conhecido, ou cognoscível, por parte do sujeito passivo, relativamente às receitas do Estado.

 - Por outras palavras, a exigibilidade de juros compensatórios depende da verificação de facto culposo do contribuinte e, simultaneamente, de esse facto ser causa adequada do dano sofrido pela entidade credora do imposto.

 - E, neste particular, atento o disposto nos artigos 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 342.º, n.º 1, do Código Civil, cabe à AT demonstrar e provar estes factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, designadamente, a culpa do sujeito passivo no eventual atraso ou retardamento da liquidação do imposto

 - Compete, portanto, à AT demonstrar o pressuposto da liquidação de juros compensatórios, que se traduz na “existência de um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e o retardamento da liquidação e, bem assim, um juízo de censura, a título de dolo ou negligência, aferido em abstrato, segundo a diligência do “bonus pater familias”, conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de outubro de 2001, proferido no Recurso n.º 25.803.

 - Ora, no presente caso, a AT não logrou (rectius, nem sequer procurou) demonstrar a existência de culpa no suposto atraso no apuramento de imposto por parte do sujeito passivo, não tendo, portanto, fundamentado devidamente as liquidações de juros compensatórios.

 - Sublinha-se, por outro lado, que, ainda que a AT tivesse procurado fundamentar as liquidações de juros compensatórios em apreço, imputando o suposto atraso no apuramento do imposto a um comportamento culposo da Requerente, o certo é que não o lograria fazer, uma vez que a mesma atuou sempre de boa-fé, adotando um entendimento razoável, numa matéria em que, como decorre do exposto anteriormente, a correta aplicação do regime legal se afigura complexa.

 - Como, a este respeito, afirma Jorge Lopes de Sousa “(…) não haverá responsabilidade por juros compensatórios, quando apesar do atraso na liquidação ser provocado pela conduta do contribuinte e ser errónea a sua posição, ele tenha atuado de boa fé e o erro seja desculpável, por a sua posição ser razoável” (cf. Jorge Lopes de Sousa, Juros Nas Relações Tributárias, in Diogo Leite de Campos e outros, Problemas Fundamentais Do Direito Tributário, pp. 143 e s., Lisboa, Vislis, 1999).

 - Convergindo com este entendimento, a jurisprudência tem sustentado a inexistência de culpa relevante para efeitos da exigibilidade de juros compensatórios no caso de o “retardamento da liquidação (...) [resultar] de simples divergência, não culposa, de critérios” entre o contribuinte e a Administração Tributária (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de fevereiro de 1998, proferido no Recurso n.º 22.325, e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de outubro de 2002, proferido no Recurso n.º 1145/02).

 - Ora, no caso concreto, existe uma clara divergência de critérios e de entendimentos a respeito da verificação dos pressupostos da dedutibilidade do imposto suportado pela Requerente e, consequentemente, sobre a legalidade das liquidações adicionais emitidas pela AT, razão pela qual não se pode qualificar o comportamento do contribuinte como censurável.

 - Deste modo, independentemente do juízo que se faça acerca da legalidade das liquidações adicionais de IVA e de IRC, a verdade é que as liquidações de juros compensatórios objeto do presente pedido devem ser declaradas ilegais, com todas as consequências legais previstas no artigo 24.º do RJAT e no artigo 100.º da Lei Geral Tributária.

 -. Conclui requerendo a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA, de IRC e de juros compensatórios, em apreço, com todas as consequências legais.

 - Requereu, ainda, a inquirição de duas testemunhas, juntou procuração forense, comprovativo do pagamento da taxa arbitral e 15 documentos, protestando juntar 1 documento em falta.

 

II. 2. Posição da Requerida

      Alegou, em síntese, a Requerida:

 

 - Reportando-se ao pedido, alega a Requerida que a Requerente solicitou junto do CAAD a constituição de Tribunal Arbitral, tendo por objeto as demonstrações de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e juros compensatórios relativas ao ano de 2018: • IRC: o Liquidação n.º 2023 ... o Liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ... o Demonstração de acerto de contas n.º 2023 ... resultantes, enquanto atos subsequentes do procedimento inspetivo, desenvolvidos ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022... cujo Relatório de Inspeção lhe foi notificado.

 - Tendo, relativamente às correções propugnadas no relatório da inspeção, exercido, nos termos do disposto no artigo 60.º da LGT, conjugado com o artigo 60.º do RCPITA, o direito de audição, o qual foi analisado pelos serviços, conforme consta no respetivo relatório de inspeção.

 - Da análise ao pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, cumpre salientar que a questão suscitada é eminentemente de direito, não se referindo a aspetos relacionados com o desenvolvimento do procedimento, aos factos em causa nem aos registos contabilísticos efetuados, mas sim ao enquadramento dado pela inspeção tributária, no projeto de correções e no relatório final.

 - Assim sendo e conforme referido no relatório final importa, em síntese notar que:

 • No decorrer do exercício em análise as atividades efetivamente desenvolvidas pelo sujeito passivo são o “arrendamento de bens imobiliários”, “compra e venda de bens imobiliários” e “alojamento mobilado para turistas - AL.

• O sujeito passivo celebrou um contrato de prestação de serviços com a D... Ltd., com sede no Reino Unido, sendo uma empresa detida pelos mesmos sócios da A..., Lda., tendo como objeto a consultoria empresarial, tendente à gestão da sociedade.

• O contrato de prestação de serviços foi celebrado em Lisboa no dia 24/09/2018, tendo sido assinado pela gerente de ambas as sociedades, E.... •  - O número de identificação fiscal da sociedade D... Ltd., que consta no contrato entre as duas sociedades e que é o UTR (Unique Tax Return), é diferente do que consta na fatura em análise (que será o número de IVA), sendo que o indicado no contrato não existe na base de dados do Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias – VIES.

• A Requerente contesta os factos referentes à liquidação de IRC.

• Apresenta informação sobre a data da constituição da sociedade, situação aceite em fase de direito de audição, conforme relatório de inspeção.

• Invoca ainda a Requerente que a D... estaria isenta de IVA, no Reino Unido, até perfazer um montante de £ 85.000,00 de volume de negócio tributável.

• A Exponente não comprova que a D... Ltd não alcançou esse limite, até à data da emissão da fatura, em 10/12/2018.

• No entanto, de acordo com a base de dados VIES, e referido no relatório de inspeção tributária, a sociedade D... Ltd encontra-se registada para trocas intracomunitárias em sistema VIES, com início em 01/12/2018.

 • Dado a D... Ltd ter efetuado o registo em VIES em 01/12/2018, será razoável assumir que terá atingido, em data anterior, o invocado limite legal de £85.000,00.

• No entanto, a legislação intracomunitária, no que concerne ao IVA é transposta das diretivas europeias, e como tal, semelhante nos diferentes Estados-membro. Logo, importa notar que o citado regime de isenção de IVA (em Portugal previsto no artigo 53.º do CIVA) tendo tido idêntica transposição para o direito inglês, não pode incluir sociedades, por terem que ter contabilidade organizada e impede a realização de operações intracomunitárias. Assim sendo, o referido registo inicial era irregular.

• Esta legislação implica a devida comunicação para a base de dados VIES, através da declaração equivalente à recapitulativa em Portugal, das operações intracomunitárias realizadas.

• A declaração recapitulativa, em Portugal, deve ser preenchida pelos sujeitos passivos que realizem prestações de serviços a sujeitos passivos que tenham noutro Estado-Membro da União Europeia a sede, um estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, para o qual os serviços são prestados, quando tais operações sejam aí localizadas nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA (CIVA).

• O sistema VIES, referente às trocas intracomunitárias de bens e serviços, não reflete a fatura em questão: número INV-0003, datada de 10/12/2018, data posterior ao registo na plataforma VIES (01/12/2018), em nenhum dos números de identificação fiscal facultados pelo sujeito passivo, ora Requerente.

• Conforme comprovado no relatório de inspeção, a consulta ao sistema VIES não identificou a comunicação de qualquer fatura referente a trocas intracomunitárias de bens e serviços emitida pela D... Ltd à A... Lda., quer em 2018 quer em 2019 (uma vez que estamos perante uma fatura datada de dezembro de 2018 e poderia existir algum atraso na comunicação intracomunitária dos dados).

• A fatura INV-0003, emitida pela sociedade D...  Ltd., com sede no Reino Unido, não descreve especificamente os serviços prestados, nem quem os prestou, nem as datas em que os mesmos ocorreram, remetendo essa descrição para um contrato, que descrimina de forma abstrata um conjunto de serviços. Estamos assim perante um conceito vago e indeterminado de serviços.

• Serviços dos quais não se encontrou qualquer evidência quer contabilística, quer de gestão que comprovem a realização dos mesmos, nem foi junta, ao pedido formulado ao Tribunal.

• Nos termos do número 4 do artigo 23.º do CIRC, “no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos os seguintes elementos: … c) quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; e) data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.”

• A clausula sexta, do referido contrato, menciona que o mesmo terá como data limite, se outra não for acordada, novembro de 2020, sendo que a retribuição anual é de £ 65.000,00, e que a primeira prestação no valor de £ 45.000,00, seria paga até 31/03/2019. Verifica-se que foi paga a totalidade da retribuição anual pouco mais de 2 meses após o início do contrato. Razão adicional pela qual seria indispensável que a fatura/contrato melhor descriminasse os seus elementos essenciais.

• É ainda de referir que a gerente da sociedade era não residente em Portugal, em 2018, afigurando-se difícil assegurar pessoalmente o tratamento / acompanhamento dos serviços invocados, conforme referido no relatório final.

• Invoca a Residente que a residência do prestador dos atos de gestão se encontrar no Reino Unido é completamente irrelevante porquanto “…(i) a generalidade dos atos de gestão é realizado à distância; e (ii) o facto da Senhora E... residir no Reino Unido não a impede (impediu) de se deslocar a Portugal sempre que necessário.

• É entendimento dos serviços inspetivos que atos de gestão praticados à distância implicariam eventuais instruções, orientações, deslocações e/ou, pelo menos, decisões escritas, das quais não se encontraram evidências, nem o sujeito passivo, ora requerente, logrou comprovar.

• Mais evoca a Requerente que “atualmente é absolutamente normal que as pequenas sociedades como a Requerente externalizem os serviços necessários à sua gestão e à operacionalização da sua atividade, existindo inúmeras empresas (e grupos internacionais de empresas) que se dedicam exclusivamente a prestar serviços”.

• O caso em análise remete ao exercício de 2018, época anterior à pandemia e ao desenvolvimento exponencial das prestações de serviço à distância. No entanto, da experiência adquirida até ao momento, constata-se que a gestão à distância não é omissa de evidências.

• Ainda, e conforme melhor descrito no relatório de inspeção, identificou-se na contabilidade da A... Lda., na sua c/c 2451 – Segurança Social pagamentos mensais referentes à Taxa Social Única da trabalhadora E..., o que colide com a prática pela mesma de atos de gestão a partir de uma sociedade independente.

• A A... Lda., não apresentou qualquer comprovativo referente a trabalhadores dependentes ou outros, que pudessem concretizar as orientações alegadamente emanadas pela gerente, nem se identificou a existência de qualquer outro documento ou evidência da gestão.

• A fatura em análise não constitui suporte documental bastante do gasto por não cumprir o disposto nos artigos 23.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código do IRC e 36.º, n.º 5 do Código do IVA, nem o sujeito passivo apresentou qualquer outro documento que contenha os referidos elementos.

• Por fim, e quanto às correções a efetuar nos anos seguintes, importa referir que não existiam procedimentos em curso, mas em todo o caso, esses acertos não devem ocorrer antes de se consolidarem as correções ao exercício de 2018, agora impugnadas.

 

 - Pelo exposto, considera ser de manter o Relatório de Conclusão da Ação de Inspeção, mormente quanto ao montante da correção propugnada e que se materializam no, subsequente, ato tributário em sede de liquidação adicional Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) bem como os correspondentes juros compensatórios.

 - Nestes termos, não devem ser pagos à requerente quaisquer juros indemnizatórios, como a mesma requer.

 - Conclui a Requerente, alegando a conformidade legal dos actos objecto do presente pedido, pelo que deverá ser julgado improcedente o presente ppa, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade a Requerida, condenando-se a Requerente nas custas.

 

 

II. 3. Questões a decidir

      Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:

     1 – Questão Prévia: Legalidade da cumulação de pedidos

     2 – Questões de mérito:

 -  Se uma parte das deduções de IVA, no valor de 71.072,52 euros, terá sido indevidamente feita pela Requerente, por ter direito apenas a deduzir 3.875% do total, por aplicação do método pro rata, e não a totalidade do IVA suportado.

 – Se, em matéria de IRC, um dos gastos suportados pela Requerente, no valor de 72.223,00 euros, terá sido indevidamente deduzido no cálculo do lucro tributável de IRC, porque a factura que suporta esses gastos será irregular e não existirá evidência que tenham sido prestados serviços a favor da Requerente.

     3 - Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo dos art. 24º do RJAT e art. 43º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações, ou parte delas, do IVA do IRC e de juros compensatórios e determinado o reembolso das importâncias peticionadas, que terão sido indevidamente pagas, e a partir de que momento.

     4 – Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

III. – Saneamento

     1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é materialmente competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).

      2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.

        3. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO

IV. 1 – Factos provados

     Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provado os seguintes factos:

1. - A Requerente, A..., Lda, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ... – ..., ...-... ..., na área de jurisdição do Serviço de Finanças de Mafra, foi notificada dos seguintes atos tributários relativos a Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e a juros compensatórios do período tributário de 2018: liquidação de IVA n.º 2023 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 55.558,29; liquidação de IVA n.º 2023... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 32,92; liquidação de juros compensatório de IVA n.º 2023 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 8.864,97; liquidação de IVA n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 364,58; demonstração de acerto de contas de IVA n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 15.481,31; liquidação de IRC n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 8.163,07; liquidação de juros compensatório de IRC n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 426,62; e demonstração de acerto de contas de IRC n.º 2023... que, refletindo as duas liquidações referidas nos dois pontos anteriores, apurou um saldo a pagar de € 3.545,99,

2. - A Requerente é uma sociedade por quotas que detém um conjunto de ativos imobiliários e que, no ano de 2018, se dedicou à compra e venda de imóveis, ao arrendamento urbano e ao alojamento local.

3. - Atenta a sua atividade múltipla, a Requerente é um sujeito passivo misto de IVA, realizando simultaneamente: (i) operações sujeitas e não isentas, que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante (as operações de alojamento local); e (ii) operações isentas, que não conferem direito à dedução do imposto suportado a montante (as operações de compra e venda de imóveis e de arrendamento).

4. - Em sede de IRC, a Requerente é um sujeito passivo comum, obrigado a pagar anualmente o imposto calculado sobre o seu lucro tributável, nos termos previstos no Código do IRC.

5.  - No ano de 2018, a Requerente obteve um total de € 661.386,17 de proveitos das suas três atividades.

6. – E registou gastos, incluindo serviços de construção civil, aquisições de mercadorias consumidas e outros (quase todos acrescidos de IVA) no valor global de € 599.166,10, a que se somaram amortizações no valor de € 61.274.91

7. - No que respeita ao IVA, a Requerente adotou o método de afetação real e deduziu 100% desse imposto nas declarações periódicas atempadamente apresentadas.

8.  - No que concerne ao IRC, a Requerente apresentou a sua declaração modelo 22, na qual apurou um prejuízo fiscal, no valor de € 3.781,27.

9. – No último trimestre de 2022, a Administração Tributária levou a cabo um procedimento externo de inspeção tributária, tendo em vista o controlo das obrigações da Requerente, em sede de IVA e de IRC, relativas ao ano de 2018.

10. - Em Janeiro de 2023, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre o projeto de relatório de inspeção, o que fez por escrito no dia 3 de fevereiro de 2023.

11. No dia 27 de fevereiro de 2023, a Requerente foi notificada do relatório final de inspeção.

       12. Neste relatório consta o seguinte:

 • No decorrer do exercício em análise as atividades efetivamente desenvolvidas pelo sujeito passivo são o “arrendamento de bens imobiliários”, “compra e venda de bens imobiliários” e “alojamento mobilado para turistas - AL.

• O sujeito passivo celebrou um contrato de prestação de serviços com a D... Ltd., com sede no Reino Unido, sendo uma empresa detida pelos mesmos sócios da A..., Lda., tendo como objeto a consultoria empresarial, tendente à gestão da sociedade.

• O contrato de prestação de serviços foi celebrado em Lisboa no dia 24/09/2018, tendo sido assinado pela gerente de ambas as sociedades, E.... •  - O número de identificação fiscal da sociedade D... Ltd., que consta no contrato entre as duas sociedades e que é o UTR (Unique Tax Return), é diferente do que consta na fatura em análise (que será o número de IVA), sendo que o indicado no contrato não existe na base de dados do Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias – VIES.

• A Requerente contesta os factos referentes à liquidação de IRC.

• Apresenta informação sobre a data da constituição da sociedade, situação aceite em fase de direito de audição, conforme relatório de inspeção.

• Invoca ainda a Requerente que a D... estaria isenta de IVA, no Reino Unido, até perfazer um montante de £ 85.000,00 de volume de negócio tributável.

• A Exponente não comprova que a D... Ltd não alcançou esse limite, até à data da emissão da fatura, em 10/12/2018.

• No entanto, de acordo com a base de dados VIES, e referido no relatório de inspeção tributária, a sociedade D... Ltd encontra-se registada para trocas intracomunitárias em sistema VIES, com início em 01/12/2018.

 • Dado a D... Ltd ter efetuado o registo em VIES em 01/12/2018, será razoável assumir que terá atingido, em data anterior, o invocado limite legal de £85.000,00.

• No entanto, a legislação intracomunitária, no que concerne ao IVA é transposta das diretivas europeias, e como tal, semelhante nos diferentes Estados-membro. Logo, importa notar que o citado regime de isenção de IVA (em Portugal previsto no artigo 53.º do CIVA) tendo tido idêntica transposição para o direito inglês, não pode incluir sociedades, por terem que ter contabilidade organizada e impede a realização de operações intracomunitárias. Assim sendo, o referido registo inicial era irregular.

• Esta legislação implica a devida comunicação para a base de dados VIES, através da declaração equivalente à recapitulativa em Portugal, das operações intracomunitárias realizadas.

• A declaração recapitulativa, em Portugal, deve ser preenchida pelos sujeitos passivos que realizem prestações de serviços a sujeitos passivos que tenham noutro Estado-Membro da União Europeia a sede, um estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, para o qual os serviços são prestados, quando tais operações sejam aí localizadas nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA (CIVA).

• O sistema VIES, referente às trocas intracomunitárias de bens e serviços, não reflete a fatura em questão: número INV-0003, datada de 10/12/2018, data posterior ao registo na plataforma VIES (01/12/2018), em nenhum dos números de identificação fiscal facultados pelo sujeito passivo.

• Conforme comprovado no relatório de inspeção, a consulta ao sistema VIES não identificou a comunicação de qualquer fatura referente a trocas intracomunitárias de bens e serviços emitida pela D... Ltd à A... Lda., quer em 2018 quer em 2019 (uma vez que estamos perante uma fatura datada de dezembro de 2018 e poderia existir algum atraso na comunicação intracomunitária dos dados).

• A fatura INV-0003, emitida pela sociedade D... Ltd., com sede no Reino Unido, não descreve especificamente os serviços prestados, nem quem os prestou, nem as datas em que os mesmos ocorreram, remetendo essa descrição para um contrato, que descrimina de forma abstrata um conjunto de serviços. Estamos assim perante um conceito vago e indeterminado de serviços.

• Serviços dos quais não se encontrou qualquer evidência quer contabilística, quer de gestão que comprovem a realização dos mesmos, nem foi junta, ao pedido formulado ao Tribunal.

• Nos termos do número 4 do artigo 23.º do CIRC, “no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos os seguintes elementos: … c) quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; e) data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.”

• A clausula sexta, do referido contrato, menciona que o mesmo terá como data limite, se outra não for acordada, novembro de 2020, sendo que a retribuição anual é de £ 65.000,00, e que a primeira prestação no valor de £ 45.000,00, seria paga até 31/03/2019. Verifica-se que foi paga a totalidade da retribuição anual pouco mais de 2 meses após o início do contrato. Razão adicional pela qual seria indispensável que a fatura/contrato melhor descriminasse os seus elementos essenciais.

• É ainda de referir que a gerente da sociedade era não residente em Portugal, em 2018, afigurando-se difícil assegurar pessoalmente o tratamento / acompanhamento dos serviços invocados, conforme referido no relatório final.

• Invoca a Requerente que a residência do prestador dos atos de gestão se encontrar no Reino Unido é completamente irrelevante porquanto “…(i) a generalidade dos atos de gestão é realizado à distância; e (ii) o facto da Senhora E... residir no Reino Unido não a impede (impediu) de se deslocar a Portugal sempre que necessário.

• É entendimento dos serviços inspetivos que atos de gestão praticados à distância implicariam eventuais instruções, orientações, deslocações e/ou, pelo menos, decisões escritas, das quais não se encontraram evidências, nem o sujeito passivo, ora requerente, logrou comprovar.

• Mais evoca a Requerente que “atualmente é absolutamente normal que as pequenas sociedades como a Requerente externalizem os serviços necessários à sua gestão e à operacionalização da sua atividade, existindo inúmeras empresas (e grupos internacionais de empresas) que se dedicam exclusivamente a prestar serviços”.

• O caso em análise remete ao exercício de 2018, época anterior à pandemia e ao desenvolvimento exponencial das prestações de serviço à distância. No entanto, da experiência adquirida até ao momento, constata-se que a gestão à distância não é omissa de evidências.

• Ainda, e conforme melhor descrito no relatório de inspeção, identificou-se na contabilidade da A... Lda., na sua c/c 2451 – Segurança Social pagamentos mensais referentes à Taxa Social Única da trabalhadora E..., o que colide com a prática pela mesma de atos de gestão a partir de uma sociedade independente.

• A A... Lda., não apresentou qualquer comprovativo referente a trabalhadores dependentes ou outros, que pudessem concretizar as orientações alegadamente emanadas pela gerente, nem se identificou a existência de qualquer outro documento ou evidência da gestão.

• A fatura em análise não constitui suporte documental bastante do gasto por não cumprir o disposto nos artigos 23.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código do IRC e 36.º, n.º 5 do Código do IVA, nem o sujeito passivo apresentou qualquer outro documento que contenha os referidos elementos.

Tributária sustentou, em síntese, que:

  1. Uma parte das deduções de IVA, no valor de € 71.072, 52, foi indevidamente feita porque, de acordo com a opinião dos Serviços de Inspeção, a Requerente apenas teria direito a deduzir 3,875% do total e não a totalidade do IVA suportado [isto por aplicação do método pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA]; e que

Um dos gastos suportados pela Requerente no valor de € 72.223,00, foi indevidamente deduzido no cálculo do lucro tributável de IRC, porque, na opinião dos Serviços de Inspeção, a fatura que suporta esses gastos é irregular e não há evidência de que os serviços a que se refere tenham sido prestados em benefício da Requerente.

13. Em consequência, o relatório de inspeção reflete duas correções aritméticas:

  1. A primeira correção diz respeito ao IVA a pagar – a Administração Tributária acresceu o valor de € 71.072,52, correspondente ao valor do IVA que os Serviços de Inspeção consideraram indevidamente deduzido; e

A segunda correção diz respeito à matéria tributável de IRC – a Administração Tributária acresceu o valor de € 51.044,47, correspondente ao valor do gasto que os Serviços qualificaram como indevidamente deduzido (€ 72.223,00), menos uma parte do IVA supostamente indedutível, que os Serviços de Inspeção entenderam ser um gasto para efeitos do cálculo do lucro de 2018 sujeito a IRC (€ 21.178,54)

14.  - Destas correções resultaram as liquidações seguintes de IVA e juros compensatórios de IVA:

  1. Liquidação n.º 2023 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023 ..., onde foi liquidado o valor de € 55.558,29;
  2. Liquidação n.º 2023... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 32,92;
  3. Liquidação de juros compensatório e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 8.864,97;
  4. Liquidação n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 364,58;

Demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 15.481,31.

E as seguintes liquidações de IRC e juros compensatórios de IRC

  1. Liquidação de IRC n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 8.163,07;
  2. Liquidação de juros compensatório de IRC n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 426,62;

Demonstração de acerto de contas n.º 2023... que, refletindo as duas liquidações referidas nos dois pontos anteriores, apurou um saldo a pagar de € 3.545,99.

15. - A Requerente pagou todos os valores liquidados, dentro do prazo de pagamento voluntário, que terminou no dia 12 de abril de 2023 (para o pagamento do IVA e dos juros de IVA) e no dia 13 de abril de 2023 (para o pagamento do IRC e dos juros de IRC).

16. – No ano de 2018 foram prestados serviços ao abrigo do contrato celebrado entra a Requerente e a D..., Lda, a maior parte de forma não presencial 

            17 – Em 07 de Julho de 2023, a Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

IV. 2. Factos não provados

Não há factos não provados com relevância para a decisão.

 

IV.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

     Os factos dados como provados estão baseados no processo administrativo e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada e, ainda, no depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente e inquiridas na reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, realizada em 15/12/2023, que depuseram de forma isenta de modo a convencer o Tribunal.

 

V. MATÉRIA DE DIREITO

     Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

     As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida quanto a esta matéria e a sua fundamentação estão expostas, em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão Arbitral.

    Cumpre, então, decidir:

    Comecemos, então, pela questão da legalidade da cumulação de pedidos, suscitada pelo Tribunal Arbitral antes do início da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, tendo sido para o efeito notificadas as Partes para sobre a mesma se pronunciarem no prazo das alegações

      Em sede de alegações, a Recorrente pronunciou-se no sentido de ser legal a cumulação dos pedidos, tendo a Requerida remetido-se ao silêncio.

       Vejamos, então:

       Com efeito, verifica-se que, no caso em concreto, o pedido de pronúncia arbitral incide quer sobre atos de liquidação relativos a IVA, quer sobre atos de liquidação relativos a IRC, razão pela qual importará analisar a dimensão da cumulação de pedidos.

Ora, quando é impugnado mais do que um acto de liquidação, apenas nos casos indicados no art. 3.º, n.º 1, do RJAT haverá possibilidade de cumular pedidos, quando a sua procedência dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, dispõe que «A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

No âmbito do regime jurídico da arbitragem tributária, e tendo por referência o disposto no nº 1 do artigo 3º do respectivo Regime (RJAT), a admissibilidade da cumulação de pedidos, afigura-se não estar já dependente da natureza dos tributos (independentemente da interpretação que se subscreva relativamente ao artigo 104º do CPPT), outrossim, fazendo-a depender da “identidade de situações e de questões de direito a apreciar”.

A norma sob análise faz depender a possibilidade de cumulação de pedidos da verificação de dois requisitos também eles cumulativos: (i) que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e, (ii) que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Como é sabido, as regras de cumulação de pedidos têm subjacente razões de economia processual e o evitar decisões contraditórias.

Deste modo estando em causa a apreciação dos mesmos factos, justificar-se-á, por via de regra, a cumulação de pedidos, no pressuposto que as questões de direito (potencialmente distintas perante tributos diferentes) não sejam elas próprias objecto de controvérsia.

“É esse o alcance do artigo 3º nº 1, ao não exigir uma absoluta identidade de questões de facto e de direito mas apenas uma identidade quanto ao que é essencial.

 Essencialidade essa de resto já assinalada pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa “(...) os factos serão essencialmente os mesmos quanto forem comuns às pretensões do autor ou autores, de forma a que se possa concluir que, se se provarem os alegados relativamente a um ato, existirá o suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos os pedidos (...)".

Dito isto, há que verificar de haverá uma identidade das questões de facto e de direito, numa lógica de essencialidade.

Convém referir que há jurisprudência no sentido de entender que a cumulação é legal (veja-se, a título de exemplo, as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs. 2009/2015-T, 191/2018-T, 730/2019-T, 333/2019-T442/2020-T, 350/2020-T, 720/2014-T e 784/2021-T)  desde logo por haver a mesma ação inspetiva - que aqui também acontece - e outros que entendem não ser legal (veja-se, a título de exemplo, a decisão arbitral no processo nº 258/2019-T), notificando o Requerente para que indique o pedido a manter (sob pena de absolvição da instância quanto a todos os pedidos).

Apreciando a situação dos autos, a verdade é que o pedido de anulação formulado pela Requerente, quer quanto às liquidações adicionais de IRC, quer quanto ao IVA tiveram origem na mesma acção inspectiva levada a cabo pela AT, de cujo relatório inspectivo se pode, aliás retirar que da análise global do sujeito passivo, da sua operacionalidade e de todas as actividades desenvolvidas pelo mesmo, dos registos contabilísticos e correspondentes documentos de suporte às operações praticadas terão sido detectadas irregularidades com reflexo em sede de IVA e IRC, que estarão na origem das liquidações adicionais que a Requerente põe em causa no presente pedido de pronúncia arbitral.

Pelo que, sem necessidade de mais quaisquer considerações, e face ao que vem de dizer-se, se conclui pela legalidade da cumulação de pedidos formulados pela Requerente, atento o critério estabelecido no art. 3º, nº 1 do RJAT.

 

Passando às questões de mérito, vejamos o que ao IVA diz respeito:  

Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo). 

·O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade. 

A Requerida entende que no ano de 2018 foi deduzido indevidamente, em sede de IVA, um montante de € 71.072,52, com o argumento de que apenas teria direito a deduzir 3,875€ do total – por aplicação do método pro rata, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA. 

Por outro lado, a Requerente entende que liquidações são ilegais, excepto quanto a uma parte associada a uma comissão de intermediação, argumentando que o imposto deduzido é necessário ao desenvolvimento da atividade tributável e que a AT não pode, sem justificação, substituir o método de afetação real pelo método pro rata no apuramento do IVA que pode ser deduzido. 

Analisando-se a situação em apreço, verifica-se que a Requerente desenvolve três atividades, a ver: 

o   Compra e venda de imóveis – isenta de IVA – proveitos de € 480.000

o   Arrendamento urbano – isenta de IVA – proveitos de € 154.514,72

o   Alojamento Local – sujeito a IVA – proveitos de € 26.871,45. 

Tendo suportado em 2018, desde logo, os seguintes gastos: 

o   Comissão de intermediação na venda de um imóvel (venda sem IVA) sobre a qual recaiu IVA no valor de 5.520,00 euros

o   Serviços de construção civil, sobre os quais recaiu IVA no valor global de € 63.697,27

No que respeita aos serviços de construção civil, o sujeito passivo teve em conta o critério da afetação dos imóveis que beneficiaram das obras:

o   Remodelação das partes do edifício (1.º e 2.º andares e sótão – o sótão esteve em regime AL até ao fim de outubro de 2018 e foi objeto de contrato de arrendamento em Novembro e Dezembro) que a Requerente afetou e continuará a afetar à atividade de AL

o   Partes comuns do edifício (telhado, elevador e escadas), sem as quais aquelas partes afetas ao AL não poderiam ser usadas

o   Trabalho de pintura exterior noutro edifício afeto a arrendamento, IVA no valor de € 460,00. 

Para os sujeitos passivos mistos de IVA, ou seja, que pratiquem operações sujeitas e operações isentas de IVA, a dedução de IVA pode ser determinada por recurso (em alternativa, ou em simultâneo) ao método da afetação real e/ou ao do pro rata (global ou parcial). 

O método da afetação real pressupõe a possibilidade de determinar concretamente os inputs afetos às atividades tributadas e às atividades isentas, deduzindo-se integralmente o IVA suportado, no primeiro caso, e não se deduzindo no segundo. 

No caso dos sujeitos passivos mistos, o método a utilizar, para cálculo do imposto dedutível, deverá ser o que assegure a maior neutralidade. 

No caso de utilização da afetação real, obrigatória ou facultativa, e ainda segundo o n.º 2 do art. 23.º do CIVA, os critérios a que o sujeito passivo recorra para determinar o grau de afetação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, podem ser corrigidos ou alterados pela Autoridade Tributária, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação. 

As correções ou alterações a que se refere o ponto anterior devem ser promovidas pelos competentes serviços de inspeção, quando, no exercício das respetivas competências detetem vantagens injustificadas no exercício do direito à dedução.

Relativamente às operações imobiliárias, em conformidade com as instruções administrativas divulgadas pelo Ofício Circulado n.º 79713, de 18-07-1989, da Direção de Serviços do IVA, a dedução do imposto, por sujeitos passivos que realizem operações sujeitas a imposto em simultâneo com operações imobiliárias isentas de imposto por força do disposto nas alíneas 29) e 30), do artigo 9.º do CIVA, é efetuada, obrigatoriamente, segundo o método da afetação real. 

Assim sendo, a Requerente,  que é um sujeito passivo misto que utiliza o método da afetação real para todos os bens, está obrigada a efetuar a separação da atividade isenta da não isenta na contabilidade, sem prejuízo, quanto aos custos comuns, de usar uma chave de repartição na dedução do imposto, que poderá ser feita de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respetivo destino. 

Essa percentagem será sempre apurada segundo critérios de utilização objetivos, que poderão ser, como é referido no ponto V.2 do ofício circulado n.º 30103/2008, de 23 de abril, a título exemplificativo, "a área ocupada, o número de elementos do pessoal afeto, a massa salarial, as horas-máquina, as horas-homem".

Contudo, essa percentagem, não é a referida no n.º 4, do artigo 23.º do CIVA e que habitualmente se designa por "pro rata", até porque, e conforme já referido, este não pode ser aplicado às operações imobiliárias. 

No caso de não se mostrar viável um índice objetivo específico, poderá recorrer-se, para o efeito, a uma percentagem ou coeficiente, desde que ela faça apelo, nos seus dois membros - numerador e denominador - a variáveis que se mostrem coerentes entre si, homogeneizadas para o efeito, e com a mesma natureza, ressalvadas as devidas adaptações. Teríamos assim o uso de uma percentagem (tal como a percentagem genérica de dedução ou pro rata geral), mas aqui não geral mas sim específica à realidade a que vai ser aplicada. E não entendida como método de apuramento de direito a dedução, mas sim e apenas como coeficiente de imputação dentro do método de afetação real. 

Ora, tendo a Requerente seguido o método de afetação real, que, segundo o ofício da própria AT, deve ser aquele que deve ser seguido em operações imobiliárias, e não se apresentando justificação suficiente quanto a uma possível distorção significativa na tributação neste caso em concreto, não parece ser de acolher aquele referido método. 

Parece, assim, ser a afetação real o método adequado, devendo o sujeito passivo imputar concretamente o IVA incorrido às frações nas quais desenvolve ou pretende desenvolver a atividade tributável de alojamento local – no caso do sótão, estando temporalmente cindido entre atividade de alojamento local e arrendamento urbano, sem prejuízo da respetiva regularização do IVA, na medida em que o sujeito passivo reafectou posteriormente aquele imóvel a uma atividade isenta. 

Já quanto aos espaços comuns, também parece ser de prevalecer o argumento de que os mesmos têm um natural reflexo de contribuir para aquela atividade tributada – segundo os padrões do homem médio (bonus pater familias), parece ser de meridiana clareza que a melhoria de um telhado, escadas e elevador beneficiam e aproveitam a atividade de alojamento local exercida num determinado edifício - e, em virtude das várias frações em causa serem maioritariamente afetas ao alojamento local, o argumento em questão ganha maior preponderância.

Face ao exposto, e admitido que o método utilizado pela Requerente é o correcto, atentas as circunstâncias, o Tribunal decide considerar ilegal a correcção  respeitante ao IVA a pagar pela Requerente, e, consequentemente, as liquidações que da mesma decorreram, com as demais consequências legais.

 

No que às questões relativas ao IRC respeita, há que dizer o seguinte:

A Requerida entende que no ano de 2018 foi deduzido ao lucro tributável, em sede de IRC, o valor de € 72.223, a título indevido, na medida em que a factura que suporta esses gastos é irregular e não há evidência de que os serviços à qual diz respeito tenham sido efetivamente prestados a favor do sujeito passivo. 

As insuficiências do descritivo de uma determinada factura, para efeitos de consideração do custo como sendo indispensável nos termos e para os efeitos do art.º 23.º do CIRC, podem ser colmatadas através de outros meios de prova, testemunhal ou documental. 

No domínio da faturação falsa, a AT não precisa de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas. Cumprido esse ónus passa a competir à Requerente apresentar prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as faturas têm subjacentes operações com materialidade. 

A mera menção aos serviços a jusante realizados e à necessidade de recorrer à subcontratação não se afigura como suficiente para a demonstração da efetividade das operações tituladas pelas facturas postas em causa. 

Logrando a Administração Tributária demonstrar os factos-índice em que se baseia para afirmar que as operações tituladas pelas facturas não correspondem a verdadeiras e reais transacções comerciais, passa a impender sobre o contribuinte o ónus da prova da efetiva realização dessas operações materiais. 

Existindo indícios fundados de simulação das operações constantes nas facturas e não sendo os erros e omissões da contabilidade de molde a inviabilizar o apuramento da matéria coletável pela via direta impõe-se à Administração Tributária a realização das competentes correções aritméticas, bastando, em sede de IRC, a desconsideração dos custos contabilizados e, em sede de IVA, a desconsideração do IVA indevidamente deduzido, estando, por isso, vedado o recurso à avaliação indireta. 

Não bastará invocar relações de especialidade entre as entidades em questão, já que para esse efeito a AT pode e deve socorrer-se da aplicação das regras de preços de transferência, previstas no artigo 63.º do Código do IRC.

Trata-se assim de uma questão de ónus da prova, que deve ser avaliada no quadro de produção de prova que for concretamente carreada para os autos, sendo que não se exige à AT que efectue uma prova direta da simulação, devendo sempre cumprir com o ónus da prova necessário e ilidir a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, caso em que passa a competir o ónus da prova da realidade subjacente à factura ao sujeito passivo e ao qual deverá ser exigida, por qualquer meio de prova, o ónus de demonstrar a materialidade da operação, não bastando a este gerar a mera dúvida sobre a veracidade ou falsidade da operação em causa (a este respeito veja-se alguma jurisprudência, como sejam os Acórdãos do TCAS proferido no processo n.º 942/09.8BESNT ou no processo n.º 1594/09.0BELRA ou do STA proferido no processo n.º 0587/15)

Assim sendo, há que verificar se, através da prova documental carreada para os autos pela Requerente, e da prova testemunhal produzida, se poderá concluir pela verosimilhança do facto, tendo presente as circunstâncias em que, actualmente, se desenrolam as actividades em causa.

Desde logo, cabe à AT o ónus da prova da existência de indícios sérios e objectivos, que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas facturas e contrato não foram operações reais

A Requerente logrou provar a existência da prestação se serviços pela D...,Lda, embora, na maior parte dos cassos, de forma não presencial, tal como decorreu da prova produzida, designadamente do depoimento das testemunhas.

Assim sendo, haverá que verificar se tal facto será motivo para a prestação dos mesmos ser posta em causa.

Nos tempos actuais, a actividade de este tipo de empresas reveste uma natureza eminentemente intelectual em que a importância do exercício presencial tem tendência a desvanescer-se, o que se observa, por exemplo, nas multinacionais.

Com efeito, o avançado grau de desenvolvimento tecnológico dispensa cada vez mais a presença física, o que ocorre, também, no meio dos negócios.

Como é sabido, os processos de gestão à distância sofreram um incremento considerável por força da pandemia da Covid 19, em que as actividades de natureza intelectual, designadamente, as reuniões presenciais, foram substituídas por reuniões virtuais, com grande economia de custos financeiro, e, também, de tempo.

Também o mail se revela um importante aliado na actividade à distância, pela rapidez na comunicação e ausência de custos, com a vantagem de servir de prova às comunicações efectuadas.

Não se vislumbra, assim, nenhum obstáculo a que a empresa, embora sediada em Londres, exercesse actividade no nosso País, sendo certo que, se por qualquer motivo fosse necessária a presença física, a curta distância, a frequência de voos, e o seu custo reduzido, permitiriam a mesma em curto espaço de tempo.

Assim sendo, atento o que concerne ao ónus da prova, os factos provados e o critério previsto no art. 100º do CPPT, o Tribunal, também, decide considerar ilegal a correcção atinente à matéria colectável de IRC, e, consequentemente as liquidações que da mesma decorreram.

Quanto ao pedido da restituição dos valores dos pagamentos indevidos e do pagamento de juros indemnizatórios:

Pretende a Requerente, com a procedência dos pedidos, o reembolso das quantias que pagou, em satisfação das liquidações decorrentes das referidas correcções, acrescido de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em harmonia com o disposto no artº 100.º da LGT, aplicável por ex vi artigo art.º 29º, nº 1 a) do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso das quantias indevidamente pagas.

     Quanto aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, que no seu nº 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

     Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

     Por seu lado, o art. 43º, nº 1 da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

     Analisada a situação, verifica-se que os erros que afectaram as liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária, uma vez que decorrem de correcções que efectuou e que são ilegais

     Assim sendo, há lugar, sequentemente à declaração de ilegalidade dos actos tributários impugnados e satisfazendo o pedido da Requerente, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das disposições combinadas dos arts. 24º, nº 5 do RJAT, 43º, nº 1, da LGT e 61º, nº 5, do CPPT, a contar a partir das datas dos pagamentos indevidos até à data do processamento das respectivas notas de crédito, à taxa dos juros legais, nos termos dos arts. 35º, nº 10 e 43º, nº 4, da LGT.

 

VII. DECISÃO

     Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

   a) – Julgar ilegais as correcções respeitantes ao IVA e IRC objecto dos autos

   b) – E, em consequência, anular as liquidações de IVA e juros compensatórios seguintes:

- Liquidação n.º 2023... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 55.558,29;

- Liquidação n.º 2023... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 32,92;

- Liquidação de juros compensatório e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 8.864,97;

 - Liquidação n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 364,58;

- Demonstração de acerto de contas n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 15.481,31.

E as seguintes liquidações de IRC e juros compensatórios de IRC

- Liquidação de IRC n.º 2023..., onde foi apurado o valor a reembolsar de € 8.163,07;

- Liquidação de juros compensatório de IRC n.º 2023..., onde foi liquidado o valor de € 426,62;

    - Demonstração de acerto de contas n.º 2023... que, refletindo as duas          liquidações referidas nos dois pontos anteriores, apurou um saldo a pagar de € 3.545,99. 

c) - Julgar procedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, a partir das datas dos pagamentos indevidos até à data do processamento das respectivas notas de crédito.

 d) -  Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

VIII. VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 83.118,90 euros.

 

IX. CUSTAS

De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2.754,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.
 

Lisboa,  3 de Março de 2024

 

Os Árbitros

 

(José Poças Falcão - Presidente)

 

(Cristina Coisinha - Adjunto)

 

 

     (José Nunes Barata – Adjunto e Relator)

 

 

  (Redacção pela ortografia antiga)