Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 485/2023-T
Data da decisão: 2024-03-07  IRS  
Valor do pedido: € 2.432,84
Tema: IRS de 2021 – Artigo 12.º-A do Código do IRS – Princípio do inquisitório – Ónus da prova.
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SUMÁRIO: 

 

1.     A aplicação da medida excecional prevista pelo artigo 12.º-A do Código do IRS depende do preenchimento por parte do sujeito passivo do modelo 3 da declaração de rendimentos do ano seguinte ao ano de regresso a Portugal, comunicando que beneficia do citado regime, não se encontrando dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT.

2.     O conceito de “domicílio fiscal” não se confunde com o de “residência fiscal”.

3.     Não pode ser considerado residente em Portugal quem transferiu, de facto, a sua residência para o estrangeiro, ainda que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal, mesmo que por omissão do próprio sujeito passivo em promover a necessária alteração. 

4.     A observância dos deveres decorrentes do princípio do inquisitório não é dispensada quando está em causa o acionamento das CDT, antes é por estas pressuposta.

5.     As regras do ónus da prova, no procedimento tributário, não têm o alcance de dispensar a Administração Tributária do cumprimento do dever de realizar diligências com vista à descoberta da verdade material, que não se encontram subordinadas à iniciativa do autor do pedido.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

 

A... (doravante Requerente), com morada na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-... Lisboa,  sujeito passivo com número de identificação fiscal ..., vem requerer pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 3.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), submetendo à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade do ato tributário identificado abaixo.

Peticiona que seja declarada a ilegalidade da decisão do Recurso Hierárquico n.º ...2023..., cuja liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022..., relativa ao ano de 2021, foi sindicada na reclamação graciosa apresentada em primeiro lugar.

Peticiona ainda a título mediato e enquanto objeto daquele, a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2021, com as consequências legais previstas no artigo 24.º do RJAT e no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, designadamente a anulação do referido ato tributário e a devolução do montante em causa fixado pelo Requerente em € 2.432,84, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal aplicável.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do n.º do processo atribuído, em 04-07-2023, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 11-07-2023.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

Em 24-08-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

 

Síntese da posição das Partes:          

1.      Do Requerente

Alega o Requerente que viveu em Portugal, até março de 2015, ano em que passou a residir em Angola, retornando a território português em março de 2021, e bem assim, que o seu domicílio fiscal foi alterado oficiosamente, com efeitos a 07-08-2020, para a Rua ... n.º ... na Marinha Grande, residência de sua Mãe, exclusivamente devido a alteração do endereço postal junto do IRN.

Por ter entrado em vigor a Lei 12/2022, de 27 de junho, que determinou a aplicação do Programa Regressar aos contribuintes que se tornassem fiscalmente residentes nos anos de 2021, 2022 ou 2023, o Requerente apresentou a modelo 3 de IRS de substituição de modo a poder beneficiar do regime fiscal aplicável aos ex residentes, nos termos do artigo 12.º-A.

Em virtude da referida alteração oficiosa de domicílio fiscal, assinala que a AT o considerou residente em Portugal, no ano de 2020, não aceitando a sua declaração de IRS de substituição, o que motivou que o sujeito passivo apresentasse então reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS do ano de 2021, invocando ter direito ao benefício fiscal previsto no artigo 12.º-A do CIRS, cujo despacho de indeferimento foi por sua vez objeto de recurso hierárquico também apresentado pelo Requerente.

Por seu turno, o Requerente solicitou à DSRC um pedido de retificação da sua situação cadastral, por forma a refletir a sua residência em Angola, no ano de 2020.

Em 09-03-2023, refere ter obtido o certificado de residência em Angola, emitido pela Administração Geral Tributária de Angola, confirmativo de que foi aí residente no ano de 2020, o qual juntou ao recurso hierárquico descrito.

Solicitou, ainda, novo pedido de alteração de domicílio fiscal, tendo a AT procedido à alteração cadastral do Requerente confirmando a sua residência em Portugal, em 2021 e 2022.

Conclui, assim, que preenche os requisitos, nomeadamente o da não residência em território nacional nos três anos anteriores, sendo estes 2018, 2019 e 2020, pelo que deveria ser tributado ao abrigo daquele regime e, consequentemente, beneficiar da exclusão de tributação de 50% dos rendimentos auferidos, no ano de 2021.

 

2. Da Requerida

Os argumentos apresentados na Resposta da AT sublinham o seguinte: 

Em 29-05-2023, foi emitida pela AT uma certidão atestando que o recorrente em 2021 tinha sido residente em Portugal, mas este também apresentou anteriormente com a petição inicial do recurso hierárquico um certificado de residência fiscal, emitido pela Administração Geral Tributária de Angola, atestando que foi residente fiscal na República de Angola, no período compreendido entre 01-01-2020 e 09-03-2023. 

Afirma a AT não poder o Requerente ser simultaneamente residente fiscal em Portugal e em Angola, nos anos de 2021 e 2022.

De acordo com a Requerida, em 18-04-2023, o Requerente fez um pedido de alteração de morada fiscal com data de produção de efeitos, desde 29-06-2021, passando a residir na Rua ..., nº ... –...–... ... -...LISBOA, portanto em território nacional.

Defende igualmente que não se encontram reunidas as condições para que este regime do artigo 12.º-A seja considerado, pois não se encontra cumprido o requisito previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 12.º-A do CIRS.

Refere a Requerida que, nos termos do n.º 1 do artigo 74 da Lei Geral Tributária (LGT), o ónus da prova é do Requerente, pelo que terá de ser este a provar que está a cumprir todos os pressupostos do artigo 12.º - A do CIRS.

A Requerida invoca ainda os artigos 74.º, 75.º, e 76.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, para concluir que a informação prestada pela Autoridade Tributária de Angola faz fé.

Nestes termos, Autoridade Tributária de Angola, através do certificado de residência, informa que o Requerente foi residente naquele território, de 01-01-2020 a 09-03-2023, fazendo fé as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado, em conformidade com o disposto no artigo 76.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.

A Requerida, contudo, vem transcrever parcialmente a decisão arbitral do CAAD n.º 500/2017-T, a este respeito:

«Não olvidamos, todavia, que o preceito em causa não consagra qualquer prova plena, ou seja, insuscetível de prova em contrário. Como dizem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT, 4ª ed., pág. 672: “deve entender-se o n.º 4- com o sentido de que a atribuição de força probatória às informações de administrações tributárias estrangeiras não prejudica a possibilidade de prova em contrário nem a de gerar dúvidas sobre os fatos nelas afirmados, como forma de contrariar a sua força probatória.”»

Acrescenta assim que, não obstante a declaração prestada pela Administração Geral Tributária de Angola (AGT), nada impede o Requerente de fazer prova em contrário do que aí alega.

Em conclusão, não se verificando os pressupostos para aplicação do regime fiscal previsto para os ex-residentes, nos termos do artigo 12.º-A do CIRS, considera a Requerida que não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação ora contestada, devendo ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado, e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.

 

***

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular, foi constituído em 12-09-2023.

Em 12-09-2023, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou, em 17-10-2023, juntando Processo Administrativo (doravante PA).

Respetivamente em 29-01-2024 e 20-02-2024, foram notificadas as partes dos despachos, de 28-01-2024 e de 18-02-2024, proferidos pelo Tribunal Arbitral, nos quais se dispensava a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT e consequentemente a realização de inquirição de testemunhas, bem como a apresentação de alegações escritas.

Tendo vindo a AT a requerer a alteração do valor atribuído ao processo de € 2.432,84 (dois mil quatrocentos e trinta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos) para € 1.246,73 (mil duzentos e quarenta e seis euros), coincidente com o valor do reembolso pago ao contribuinte, solicitou-se ao Requerente que se pronunciasse acerca deste pedido, o que este veio a efetuar, em 01-03-2024, nos seguintes termos: 

«Como decorre da prova apresentada, a aplicação do regime vertido no artigo 12.º-A do Código do IRS ao caso em apreço implica a anulação do ato de liquidação IRS sub judice, e, nessa sequência, o reembolso ao Requerente da diferença entre o valor de reembolso a que tem efetivamente direito (€ 3.679,57) e o valor que já lhe foi devolvido pela Administração tributária (€ 1.246,73), ou seja, o reembolso do valor de € 2.432,84, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios. 2. O Requerente optou, assim, por atribuir ao processo o valor do reembolso a que tem direito. 3. Sem prejuízo do que antecede, o Requerente não se opõe a que o valor do processo seja alterado nos termos propugnados pela Requerida».

Estimou-se igualmente a prolação de decisão arbitral dentro do prazo previsto no n.º 1, do artigo 21.º do RJAT, convidando-se o Requerente a pagar a taxa arbitral subsequente prevista no artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.

O processo não enferma de nulidades.

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a)     Deste Março de 2015 até Março de 2021, o Requerente trabalhou em Angola, conforme "Declaração anual dos Impostos sobre os rendimentos do trabalho" devidamente certificadas pela AGT de Angola, dos anos em análise.

b)    Durante o referido período o Requerente exerceu funções na sociedade angolana B..., SA, de acordo com declaração emitida pela entidade patronal, com a função de técnico de gestão, certificado de remuneração auferida no ano de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020, e Declaração Anual de Modelo 2 referente a 2019 e 2020.

c)     O domicílio fiscal do Requerente foi alterado oficiosamente, com efeitos a 07-08-2020, para a Rua ... n.º ... na Marinha Grande, residência de sua Mãe, devido a alteração do endereço postal junto do IRN.

d)    O Requerente regressou a Portugal, em 2021, para viver e trabalhar conforme declaração profissional exibida.

e)     Em 29-05-2023 foi emitida pela AT uma certidão a certificar que o recorrente, em 2021, tinha sido residente em Portugal.

f)     O Requerente apresentara anteriormente com a petição inicial do recurso hierárquico um certificado de residência fiscal, emitido pela Administração Geral Tributária de Angola, em como foi residente fiscal na República de Angola, no período entre 01-01-2020 e 09-03-2023.

g)    O Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2021, em 09-06-2022, contendo os Anexos A, E, G, H e J, de modo a poder beneficiar do regime fiscal aplicável aos ex residentes, nos termos do artigo 12.º-A. 

h)    A AT procedeu à emissão do reembolso n.º 2022..., no valor de € 1.246,73, recebido por transferência bancária, em 24-06-2022. 

i)      Em 05-07-2022, apresentou uma declaração modelo 3 de IRS de substituição, referente ao ano de 2021, encontrando-se na situação de “Errada”. 

j)      Em 07-09-2022 o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação nº 20225... (RG n.º ...2022...), tendo sido projetado decisão de indeferimento (despacho de 15-12-2022) notificado ao Requerente; 

k)    O Requerente exerceu o correspondente direito de audição; 

l)      Através de despacho de 05-01-2023 a decisão foi convolada em definitiva e notificada ao Requerente; 

m)   Em 13-02-2023 o Requerente interpôs Recurso Hierárquico contra a decisão de indeferimento da RG, sob o n.º ...2023...; 

n)    Foi notificado da projeção de indeferimento, despacho de 22-05-2023, através de ofício de 23-05-2023.

o)    O Requerente foi considerado notificado em 29-05-2023, e veio exercer o direito de audição prévia através deemail remetido, em 05-06-2023, dentro do prazo legal para o efeito.

p)    No exercício do direito de audição, o recorrente juntou a certidão emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, acima mencionada, confirmativa de que foi residente em Portugal no ano de 2021.

q)    Através de despacho de 15-06-2023, a decisão foi convolada em definitiva e notificada ao Requerente; 

r)     Deste indeferimento foi intentado o presente pedido arbitral.

2. Factos não provados:

Não resultou provado nos autos que residiu em Angola, até 2023, e que concretamente, em 2021, o Requerente tenha sido residente fiscal naquele território,

Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.

3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).

Os factos dados como “provados” e “não provados” foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

III. DO DIREITO

 

1.     A questão a decidir

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral refere-se à eventual aplicação do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS – regime fiscal aplicável a ex residentes -, o qual exclui de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do mesmo Código, observem os requisitos contidos naquela norma legal. Considera o Requerente que preenche os requisitos, nomeadamente a não residência em território nacional nos três anos anteriores à fixação de residência em Portugal, sendo estes 2018, 2019 e 2020, pelo que deveria ser tributado ao abrigo daquele regime e, consequentemente, beneficiar da exclusão de tributação de 50% dos rendimentos auferidos, no ano de 2021.

Perante a factualidade dada como provada suscetível de integrar a causa de pedir, e as normas legais em vigor à data dos factos, procede-se ao conhecimento do mérito da causa. 

Conforme se pode ler no Processo do CAAD n.º de 168/2021-T, de 2021-10-22, a respeito do artigo 12.º-A do CIRS «Trata-se de uma norma que, embora inserida no Código do IRS, consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excecional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42), interesse público extrafiscal, cuja proteção o legislador considerou superior ao da própria tributação que impede. Consagrando uma medida de caráter excecional, também aquela norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é, ela própria, excecional, na medida em que contraria os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nas condições ali definidas».

Regulam a factualidade subjacente atrás descrita os artigos do Código do IRS (doravante CIRS) que abaixo se indicam:

 

Artigo 12.º-A[1]

Regime fiscal aplicável a ex-residentes

 

1 - São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023: 

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores; 

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2019 ou 2020, e antes de 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, no caso dos sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes em 2021, 2022 ou 2023, respetivamente; 

c) Tenham a sua situação tributária regularizada. 

2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

 

artigo 280.º (Lei n.º 12/2022 - Diário da República n.º 122/2022, Série I de 2022-06-27) estabelece um conjunto de normas transitórias referentes à aplicação do presente artigo no que respeita aos rendimentos abrangidos, aos sujeitos passivos destinatários e à retenção na fonte dos rendimentos em causa.

 

Artigo 280.º

Disposição transitória no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

1 - O artigo 12.º-A do Código do IRS, na redação dada presente lei, aplica-se aos rendimentos auferidos no primeiro ano em que o sujeito passivo reúna os requisitos previstos no seu n.º 1 e nos quatro anos seguintes, cessando a sua vigência após a produção de todos os seus efeitos em relação aos sujeitos passivos que apenas venham a preencher tais requisitos em 2023.

2 - As entidades que procedam à retenção na fonte dos rendimentos previstos no artigo 12.º-A do Código do IRS, nos anos em que vigore o respetivo regime, devem aplicar a taxa de retenção que resultar do despacho previsto no artigo 99.º-F e no artigo 101.º do Código do IRS a apenas metade dos rendimentos pagos ou colocados à disposição.

3 - Os sujeitos passivos que, reunindo os requisitos de aplicação do artigo 12.º-A do Código do IRS no ano de 2021, tenham já, à data de entrada em vigor da presente lei e em virtude da ausência de norma que lhes permitisse exercer uma opção por este regime, requerido a sua inscrição como residente não habitual até 31 de março de 2022 e entregado a declaração a que se refere o artigo 57.º do Código do IRS invocando tal estatuto, podem, até ao final de julho de 2022, substituir essa declaração, sem quaisquer ónus ou encargos, optando pelo regime do artigo 12.º-A do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, caso em que se considera automaticamente cancelada a sua inscrição como residente não habitual.

4 - Os sujeitos passivos que, reunindo os requisitos de aplicação do artigo 12.º-A do Código do IRS no ano de 2021, tenham já, à data de entrada em vigor da presente lei e em virtude da ausência de norma que lhes permitisse exercer uma opção por este regime, requerido a sua inscrição como residente não habitual até 31 de março de 2022, e que, estando em prazo, não tenham ainda entregado a declaração a que se refere o artigo 57.º do Código do IRS invocando tal estatuto, podem optar pelo regime do artigo 12.º-A do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, através de declaração entregue no prazo previsto no número anterior ou noutro que resulte do artigo 60.º do Código do IRS, caso em que se considera automaticamente cancelada a sua inscrição como residente não habitual.

5 - O disposto no artigo 12.º-B do Código do IRS, aditado pela presente lei, aplica-se apenas aos sujeitos passivos cujo primeiro ano de obtenção de rendimentos, após a conclusão de um ciclo de estudos, seja o ano de 2022 ou posterior.

6 - Os sujeitos passivos que tenham optado pelo regime previsto no artigo 2.º-B do Código do IRS, na redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, relativamente aos rendimentos auferidos em 2020 e 2021, podem beneficiar do regime estabelecido no artigo 12.º-B do Código do IRS, aditado pela presente lei, com as necessárias adaptações, pelo período remanescente.

7 - As alterações aos artigos 22.º, 55.º e 72.º do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, aplicam-se aos rendimentos auferidos a partir de 1 de janeiro de 2023.

8 - No IRS a liquidar no ano de 2022, relativo aos rendimentos auferidos em 2021, acrescem 200 (euro) ao valor a que se refere o n.º 1 do artigo 70.º do Código do IRS, retomando-se no IRS relativo ao ano de 2022 a aplicação do disposto no referido artigo ou quaisquer outras regras que venham a ser aprovadas em consequência da avaliação prevista no n.º 1 do artigo seguinte.

 

O conceito de residência para efeitos de incidência pessoal de IRS era-nos dado, como ainda hoje acontece, pelo artigo 16.º do CIRS.

 

Artigo 16.º [2]

Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: 

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa; 

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual; 

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território; d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português. 

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo. 

3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1. 

4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.ºs 14 e 16. 

5 - A residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado. 

6 - São ainda havidos como residentes em território português as pessoas de nacionalidade portuguesa que deslocalizem a sua residência fiscal para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, no ano em que se verifique aquela mudança e nos quatro anos subsequentes, salvo se o interessado provar que a mudança se deve a razões atendíveis, designadamente exercício naquele território de atividade temporária por conta de entidade patronal domiciliada em território português. 

7 - Sem prejuízo do período definido no número anterior, a condição de residente aí prevista subsiste apenas enquanto se mantiver a deslocação da residência fiscal do sujeito passivo para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, deixando de se aplicar no ano em que este se torne residente fiscal em país, território ou região distinto daqueles. 

8 - (Revogado.) 

9 - (Revogado.) 

10 - (Revogado.) 

11 - (Revogado.) 

12 - (Revogado.) 

13 - Enquadra-se no disposto na alínea d) do n.º 1 o exercício de funções de deputado ao Parlamento Europeu. 

14 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, um sujeito passivo considera-se residente em território português durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições: a) Permaneça em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano; e b) Obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português. 

15 - O disposto no número anterior não é aplicável caso o sujeito passivo demonstre que os rendimentos a que se refere a alínea b) do mesmo número sejam tributados por um imposto sobre o rendimento idêntico ou substancialmente similar ao IRS aplicado devido ao domicílio ou residência: 

a) Noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal e que se preveja a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade; 

b) Noutro Estado, não abrangido na alínea anterior, em que a taxa de tributação aplicável àqueles rendimentos não seja inferior a 60 % daquela que lhes seria aplicável caso o sujeito passivo mantivesse a sua residência em território português. 

16 - Um sujeito passivo considera-se, ainda, residente em território português durante a totalidade do ano sempre que volte a adquirir a qualidade de residente durante o ano subsequente àquele em que, nos termos do n.º 4, perdeu aquela mesma qualidade.

 

As condições gerais de acesso ao regime fiscal aplicável aos ex residentes, aplicáveis ao caso concreto, são pois as seguintes:

a)     Tornar-se residente fiscal em Portugal em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023 nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS. Para o que aqui nos interessa, ser considerado residente em território português, no ano de 2021;

b)    Não ter sido considerado residente em território português em qualquer dos três anos anteriores: tornando-se residente em Portugal, em 2021, como é o caso, não pode ter sido residente em 2018, 2019 e 2020;

c)     Ter sido residente em território português, antes de 31 de dezembro de 2017, para os sujeitos passivos que se tornem fiscalmente residentes, em 2021, conforme acontece na situação em análise;

d)    Ter a situação tributária regularizada;

e)     Não ter solicitado a inscrição como residente não habitual.

 

No que toca às condições de acesso nomeadas na alínea a), do regime fiscal em análise, desde logo o aqui Requerente cumpre o requisito de residência em Portugal previsto no n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, em 2021. Em primeiro lugar, porque no ano referido permaneceu no nosso país mais do que 183 dias. Por seu turno, porque a sua residência em Portugal, a partir de março de 2021, era a sua habitação própria e permanente. Com efeito, e de acordo com o probatório, o Requerente trabalhou e viveu em Angola, entre março de 2025 e março de 2021, apenas, tendo-se considerado residente em Angola durante aquele período.

Por outro lado, o aqui Requerente não terá pretendido, à época, alterar o domicílio fiscal para Portugal, tendo apenas efetuado pedido de cartão de cidadão no nosso país e indicado uma morada para correspondência (a da sua Mãe).

Concluindo-se que o sujeito passivo não podia simultaneamente viver em Portugal, onde tinha a sua residência permanente comprovada conforme atestado pela AT portuguesa quanto ao ano de 1021, e em Angola nos anos de 2021 e seguintes. 

Quanto à alínea b) das condições de acesso ao regime fiscal que vimos analisando, atentemos de novo ao probatório:

O Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2021, em 09-06-2022, contendo os Anexos A, E, G, H e J, o que resultou na emissão do reembolso n.º 2022..., no valor de € 1.246,73, recebido por transferência bancária em 24-06-2022. 

Em 05-07-2022, apresentou uma declaração modelo 3 de IRS de substituição, referente ao ano de 2021, encontrando-se na situação de “Errada”. 

Note-se que a 05-07-2022, já se encontrava em vigor a nova redação do artigo 12.º-A, do CIRS, alterada pelo artigo 278.º da Lei n.º 12/2022 (Diário da República n.º 122/2022, Série I), de 2022-06-27, em vigor a partir de 28-06-2022.

Este Tribunal Arbitral sufraga o entendimento expresso na jurisprudência dominante, de que não existe identidade entre “domicílio fiscal” e “residência permanente” admitindo que o contribuinte comprove a sua residência permanente apresentando “factos justificativos” relativamente ao local onde fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal. Neste sentido, o Acórdão n.º 04550/11 do Tribunal Central Administrativo do Sul, segundo o qual “O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19.° da LGT, nomeadamente o seu n.º 1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, (…) embora, ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a AT estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respetivos direitos e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no art.º 59.º da LGT;” O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, 2000, Rei dos Livros, pág.119; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.124).

Como escreve Rui Duarte Morais «A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal. Aquele que efetivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração)». 

Ora, o primeiro equívoco na atuação da AT, resulta da coincidência que estabelece entre o conceito legal de “residência fiscal” e o conceito de “domicílio fiscal”. O domicílio fiscal do Requerente foi alterado oficiosamente, com efeitos a 07-08-2020, para a Rua Firmino Domingues n.º 8 na Marinha Grande, residência de sua Mãe, devido a alteração do endereço postal junto do IRN, de resto sem que o Requerente tenha promovido a referida alteração, e acaba por relevar quanto ao estatuto de residência fiscal que a AT pretende atribuir numa primeira fase ao Requerente, no ano de 2020. A definição de residente é-nos dada pela lei de cada Estado, sendo os respetivos critérios os constantes do artigo 16.º do Código do IRS, no caso português. Com base no probatório, e não se encontrando reunidos os requisitos previstos no artigo 16.º do Código do IRS, este Tribunal é forçado a rejeitar a ideia de o Requerente era residente em Portugal, em 2020.

Por outra banda, basear o estatuto de residência do sujeito passivo, em Angola, no ano de 2021 e 2022, apenas na informação prestada pela declaração emitida pela AT de Angola – segundo a qual a residência naquele país ocorreu no período compreendido, entre 01-01-2020 e 09-03-2023, parecendo configurar um erro grosseiro – não possui qualquer adesão à realidade. A missão da AT é justamente a da busca da verdade material com recurso ao princípio do inquisitório, o que se imporia ter acorrido no caso, como mais adiante veremos. 

A este propósito, sublinhou a AT não poder o Requerente ser simultaneamente residente fiscal em Portugal e em Angola, nos anos de 2021 e 2022, face à declaração emitida pelas Autoridades Fiscais Angolanas, que recorda fazer fé, admitindo contudo prova em contrário do sujeito passivo ou interessado, em conformidade com o disposto no artigo 76.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.

No âmbito do recurso hierárquico apresentado, o Requerente foi considerado notificado em 29-05-2023, e veio exercer o direito de audição prévia a coberto de email remetido, em 05-06-2023, dentro do prazo legal para o efeito.

Aquando do exercício do direito de audição, o Requerente juntou a certidão emitida por sua vez pela AT portuguesa, e acima mencionada, confirmativa de que foi residente em Portugal, no ano de 2021, cujo conteúdo a AT ignorou, convolando a decisão em definitiva através de despacho proferido, em 15-06-2023, e não admitindo essa prova em contrário. 

É também de realçar que, de acordo com o Aviso n.º 93/2019, publicado no Diário da República de 1 de outubro, a Convenção entre a República Portuguesa e a República Popular de Angola para Evitar a Dupla Tributação e prevenir a Evasão Fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, entrou em vigor a 22-08-2019.

Como é consabido, a razão de ser das Convenções sobre Dupla Tributação (doravante CDT), funda-se precisamente na circunstância de vários Estados soberanos terem considerado que, as aplicações unilaterais das suas normas fiscais, consubstanciam uma potencial fonte de conflitos, criando regras especiais (de desempate) cuja aplicação determinará a residência em apenas um dos Estados que reclamam a residência fiscal de um sujeito passivo. 

Uma vez que as regras convencionais se sobrepõem às leis nacionais (artigo 8.º, n.º 1 e 2 da CRP) as normas constantes das convenções internacionais regularmente ratificadas vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português não podendo por tal razão uma norma interna alterar uma norma constante da Convenção. 

Ora, nos presentes autos ficou demonstrado que o Requerente residiu mais de 183 dias, em Portugal, no ano de 2021, país onde exercia já a sua atividade como trabalhador por conta de outrem, a partir de março daquele ano. Por aplicação da lei interna portuguesa (artigo 16.º do CIRS), e do artigo 4.º, da CDT celebrada entre a República Portuguesa e a República Popular de Angola, o Requerente reside, pois, para efeitos fiscais em Portugal, desde 2021. 

Faz-se notar, por último, que em todas as CDT se encontram previstos meios de troca entre as administrações tributárias, de informações necessárias à sua aplicação, que se destinam precisamente a confirmar a verificação dos pressupostos da tributação ao abrigo das CDT, e que permitem à AT nacional apurar com facilidade e fiabilidade quais as residências dos titulares de rendimentos. Ora, porque não foi confirmado por esta via (que configura um verdadeiro dever), o estatuto de residente do Requerente? Acompanhamos a este propósito o decidido em Acórdão do CAAD, no Processo n.º 769/2020- T, onde se pode ler o seguinte: «Desde logo, a fórmula usualmente utilizada nas CDT relativamente à “troca de informações”, aponta no sentido da imperatividade da obtenção das informações necessárias ou previsivelmente relevantes para as aplicar, estando a atuação da Administração Tributária subordinada ao princípio do inquisitório.

Com respeito ao princípio do inquisitório supra mencionado, trazemos igualmente “à liça” o artigo 26.º da Convenção Modelo da OCDE, segundo qual «as autoridades competentes dos Estados contratantes trocarão entre si a informação previsivelmente relevante para aplicar as disposições da Convenção.» Recorda-se também o artigo 58.º da LGT, nos termos do qual se impõe à Administração Tributária o dever de «no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido». À face deste princípio, a Administração Tributária não tem só a possibilidade, mas sim o dever de efetuar as diligências tendentes a obter as informações permitidas pelas CDT, o que amplamente se justifica por se tratar de um meio de prova especialmente qualificado, equiparado às próprias informações da Administração Tributária portuguesa (artigo 76.º, n.ºs 1 e 4, da LGT). Assim, tem sido entendido pela jurisprudência que a observância dos deveres decorrentes do princípio do inquisitório não é dispensada quando está em causa o acionamento das CDT, antes é por estas pressuposta, sendo essa a finalidade primacial da possibilidade de troca de informações entre as administrações tributárias. Por outro lado, tem sido igualmente entendido que mesmo quando a lei estabelece que o ónus da prova recai sobre o contribuinte, a Administração Tributária não está dispensada de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT). Temos pois como assente que as regras do ónus da prova, no procedimento tributário, não têm o alcance de dispensar a Administração Tributária do cumprimento deste dever como vem sendo afirmado pela jurisprudência.

Relativamente à aplicação da medida excecional prevista pelo artigo 12.º-A do Código do IRS, lembra-se que esta depende do preenchimento por parte do sujeito passivo do modelo 3 da declaração de rendimentos do ano seguinte ao ano de regresso a Portugal comunicando que beneficia do citado regime, não estando dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT . 

Concretamente, quanto ao regime fiscal dos ex residentes consagrado no artigo 12.º-A do CIRS, precisa-se que «os três anos anteriores» em que o sujeito passivo não pode ser residente em Portugal, conforme vem aí indicado, deve ser interpretado como respeitando a anos civis [3], condição de residente que nos termos do n.º 8 do artigo 13.º do CIRS, e para efeitos do regime do seu artigo 12.º-A, se deve verificar no último dia do ano a que o imposto respeita independentemente do dia exato em que no decurso desse ano obteve o estatuto de residente.

Assim, considera este Tribunal que se encontram reunidos todos os pressupostos para acesso ao regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS, devendo o Requerente beneficiar do regime fiscal para ex-residentes ali previsto, já a partir de 2021, ano durante o qual voltou a ser residente em Portugal.

Nestes termos, deve o pedido efetuado ser procedente por provado e declarada a ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS respeitante ao ano de 2021, bem como o reembolso do montante de imposto pago ao abrigo de tal ato de liquidação acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, até integral pagamento como se desenvolve infra.

2.     Juros Indemnizatórios

Como acima vimos, no âmbito do recurso hierárquico apresentado, o Requerente foi considerado notificado, em 29-05-2023, e veio exercer o direito de audição prévia através de email remetido, em 05-06-2023, dentro do prazo legal para o efeito.

No exercício do direito de audição, o recorrente juntou a certidão emitida pela AT portuguesa, acima mencionada, confirmativa de que foi residente em Portugal no ano de 2021, cujo conteúdo a AT, como também vimos, ignorou, convolando a decisão em definitiva através de despacho proferido, em 15-06-2023. 

Trata-se de um erro claro dos serviços traduzido na omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia.

De acordo com o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que nos remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, dos referidos diplomas, onde se prevê o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

IV. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral singular: 

 

a)     Julgar procedente a presente ação e anular a liquidação oficiosa de IRS, ano de 2021, com o n.º 2020..., efetuada pela AT a 16-12-2020, e todos os atos subsequentes, incluindo os de segundo grau; 

b)    Pese embora o valor da causa indicado pelo Requerente tenha sido impugnado pela AT, e aquele não se tenha oposto a que o valor do processo fosse alterado, o Tribunal, com base nos elementos constantes dos autos, vê fundamento para intervir nos termos do artigo 308.º do Código do Processo Civil (doravante CPC). Assim, de harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, mantendo o valor anteriormente atribuído ao processo de € 2.432,84 (dois mil quatrocentos e trinta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada que se quer ver anulada;

c)     Condenar a Requerida nas custas judiciais. Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 07 de março de 2024[4]    

 

A Árbitra

 

 

/Alexandra Iglésias/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Alterado pelo/a Artigo 278.º do/a Lei n.º 12/2022 - Diário da República n.º 122/2022, Série I de 2022-06-27, em vigor a partir de 2022-06-28

Aditado pelo/a Artigo 258.º do/a Lei n.º 71/2018 - Diário da República n.º 251/2018, Série I de 2018-12-31, em vigor a partir de 2019-01-01

 

[2] Alterado pelo/a Artigo 317.º do/a Lei n.º 82/2023 - Diário da República n.º 250/2023, Série I de 2023-12-29, em vigor a partir de 2024-01-01

Alterado pelo/a Artigo 7.º do/a Decreto-Lei n.º 41/2016 - Diário da República n.º 146/2016, Série I de 2016-08-01, em vigor a partir de 2016-08-02

 

[3] Se o legislador entendesse que o prazo deveria ser contado de modo diferente, teria estabelecido a contagem dos prazos em meses ou dias.

[4] De acordo com o Despacho de Retificação de 2024-04-18.