Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 480/2023-T
Data da decisão: 2024-02-14  IVA  
Valor do pedido: € 1.037.882,52
Tema: IVA – Direito à dedução – despesas relacionadas com o uso de lugares de estacionamento utilizados por funcionários – art. 21.º, n.º 1, al. c) CIVA.
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Sumário:

  1. O artigo 21.º do Código do IVA integra normas de direito interno aprovadas pelos órgãos legislativos do Estado Português, no âmbito das suas competências articuladas com o Direito da União Europeia, conforme decorre do artigo 176.º da Diretiva IVA que prevê até que “o Conselho (...) determine quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA” os estados-membros mantenham as exclusões que tivessem em vigor a 1 de janeiro de 1979, data da entrada em vigor da sexta diretiva, ou data da sua adesão à Comunidade, quando esta seja posterior.”
  2. A circunstância de que as despesas incorridas, como as respeitantes à aquisição de lugares de estacionamento para funcionários, possam ser exclusivamente afetas ao exercício da sua atividade económica do sujeito passivo, não prejudica o alcance da cláusula standstill, pois esta autoriza os Estados-Membros a excluir do direito à dedução categorias de despesas que tenham caráter estritamente profissional, e que sejam realizadas no estreito âmbito da atividade da empresa.
  3. A despesa assegurada pela Requerente com a aquisição de lugares de estacionamento destinados exclusivamente aos seus funcionários é inerente à utilização de transporte próprio pelos mesmos, integrando-se, por conseguinte, no âmbito das exclusões do direito à dedução do IVA, previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA.
  4. A Requerente não demonstrou que os seus funcionários utilizam o referido estacionamento apenas no âmbito do exercício das suas funções, i.e., sem qualquer uso a título pessoal.

 

 

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DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Miguel Patrício (árbitro vogal) e Filipa Barros (árbitro vogal – relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12 de setembro de 2023, acordam no seguinte:

I - Relatório

 

A..., s.A. (doravante, abreviadamente designada por “Requerente”), com o número de identificação fiscal ..., e sede no C..., ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), e dos artigos 96.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

No seu pedido a Requerente visa a declaração de ilegalidade (i) da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, emitida pela AT (junta, para todos os efeitos legais, como Doc. n.º 1), interposto pela Requerente para efeitos de apreciação da (i)legalidade da decisão de indeferimento, emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes (cf. junta, para todos os efeitos legais, como Doc. n.º 2), que recaiu sobre a Reclamação Graciosa, apresentada pela Requerente, com vista à contestação parcial dos atos tributários de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), com referência aos períodos mensais de tributação compreendidos entre novembro de 2019 (inclusive) e setembro de 2021 (inclusive), com exceção do período de tributação de outubro de 2020, conforme Declarações Periódicas de IVA referentes a estes períodos de tributação, (juntas, para todos os efeitos legais, como Docs. n.ºs 3 a 24), tendo em vista a restituição do valor do IVA autoliquidado no montante de € 1.037.882,52, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

Como fundamento da pretensão deduzida a Requerente invoca, em síntese:

 

  1. Existir erro na autoliquidação efetuada nos períodos mensais de tributação supra identificados, em virtude de um erróneo enquadramento conferido à dedutibilidade do IVA incorrido em aquisições de serviços de cedência de lugares de estacionamento afetos aos membros das tripulações das aeronaves que são funcionários da Requerente.
  2. Tais espaços/lugares de estacionamento cedidos pela B..., S.A. (doravante B...) destinam-se, única e exclusivamente a garantir que os membros das tripulações das aeronaves da Requerente possam estacionar as suas viaturas quando se encontram a exercer as respetivas funções a bordo de tais aeronaves durante o tempo dos voos realizados, voos estes que constituem o cerne da atividade desenvolvida pela Requerente.
  3. É devida a dedução integral dos montantes de IVA incorridos com a aquisição dos serviços em apreço, faturados pela B... com IVA à taxa normal de 23%, imposto que não tem sido deduzido em resultado da observância do entendimento sustentado pela AT, segundo o qual tais despesas se encontram abrangidas no âmbito das exclusões ao direito à dedução do IVA, consagradas na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código deste imposto;
  4. O entendimento da AT é ilegal apresentando-se em desconformidade com a legislação nacional e comunitária, configurando uma flagrante violação do princípio da neutralidade, pois, de acordo com algumas decisões arbitrais anteriores, não resulta do artigo 21.º do Código do IVA a consagração de limitações indiscriminadas, aplicáveis em sede geral a toda e qualquer transação com determinadas características, mas sim um conjunto de limitações, que visam evitar deduções abusivas, alheias ao escopo da empresa ou suscetíveis de beneficiar pessoas ou entidades alheias à mesma.
  5. É inequívoco que as despesas incorridas em aquisições de serviços de cedência de lugares ou espaços de estacionamento não se encontram abrangidas nas exclusões ao direito à dedução consagradas no n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, só prevendo a alínea c) deste n.º 1 que são excluídas do direito à dedução as “despesas de viagens de negócios”, e não sendo esta uma despesa de transporte ou de viagem (que se referem a ações dinâmicas), mas sim uma despesa referente ao mero lugar/espaço onde a “viatura” se encontra estacionada.
  6. De acordo com a Decisão Arbitral de 3 de janeiro de 2023, prolatada no âmbito do processo n.º 97/2022-T cujo conteúdo, segundo a Requerente, se debruça sobre uma questão exatamente igual à que se encontra em apreciação, o Tribunal Arbitral, decidiu que “as despesas suportadas com os lugares de estacionamento localizados no perímetro onde a Requerente tem a sua sede e a partir do qual exerce a sua atividade profissional de transporte aéreo constituem despesas que são suportadas por referência ao local de exercício de atividade e não custos de transporte ou viagem do sujeito passivo e seu pessoal em representação da empresa, caindo, assim, no âmbito das despesas relacionadas com a exploração económica do sujeito passivo”.

 

A Requerente juntou 28 documentos e não requereu prova testemunhal.

 

Em 03 de julho de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 10 de julho de 2023.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não se opuseram (artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 12 de setembro de 2023.

 

A Requerida, notificada para o efeito, apresentou Resposta em 16 de outubro de 2023, na qual se defendeu por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”).

 

Na resposta pugna pela manutenção na ordem jurídica dos atos de liquidação controvertidos, entendendo que a Requerente não terá direito à dedução do IVA suportado na aquisição de serviços à sociedade B..., relativo à cedência de lugares de estacionamento destinados aos membros das suas tripulações, enquadrando-se tais despesas no âmbito das exclusões do direito à dedução consagradas na alínea c), do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA.

A Requerida recorda que a Sexta Diretiva permitia que os Estados Membros mantivessem determinadas limitações ao direito à dedução desde que as mesmas já existissem ao nível da sua legislação interna no momento da sua entrada em vigor, tendo tal cláusula sido denominada de cláusula de “standstill”.

Apoiando-se na jurisprudência do TJUE a Requerida esclarece que a circunstância de que as despesas incorridas pelo sujeito passivo poderem ser exclusivamente afetas ao exercício das suas atividades profissionais não prejudica o alcance da cláusula de “standstill” prevista no artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.  Com efeito, atendendo à letra e à génese do referido artigo, esta cláusula autoriza os Estados Membros a excluir do direito à dedução do IVA categorias de despesas que têm carácter estritamente profissional, quando estas últimas estejam definidas de forma suficientemente precisa.

Assim, a Requerida contraria a tese da Requerente quanto à alegada incompatibilidade da redação do artigo 21.º do Código do IVA com as normas e os princípios de direito comunitário, apresentando exemplos vertidos na doutrina e jurisprudência que ilustram a possibilidade de excluir o direito à dedução do imposto suportado nas despesas de transportes quer do sujeito passivo quer do seu pessoal, sendo de realçar que se subsumem na referida norma, as despesas relativas ao uso de viatura própria do sujeito passivo ou do seu pessoal, ainda que em deslocação de e para o local de trabalho, incluindo o respetivo estacionamento.

Conclui, pedindo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

Por despacho de 16 de novembro de 2023, o tribunal arbitral decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, salvo oposição das partes manifestada no prazo de cinco dias, tendo concedido a faculdade para produzirem alegações escritas, no prazo de dez dias, com caráter simultâneo, cuja contagem se inicia após o decurso do referido prazo de cinco dias.

Determinou-se que a prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, devendo a Requerente proceder previamente ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

Requerente e Requerida optaram por não apresentar alegações.

 

II - Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de autoliquidação de IVA impugnados, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Considerando que o despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico foi proferido a 12 de abril de 2023, a ação é tempestiva nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, por remissão para o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT.

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III – Fundamentação de facto

              

  1. Matéria de Facto

 

Com relevância para a decisão, importa atender aos seguintes factos, que se julgam provados com base na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas:

 

  1.  A Requerente é uma sociedade comercial, sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA - conforme Processo Administrativo (doravante PA);
  2. O grupo empresarial onde a Requerente se insere tem a sua sede no C... e dedica-se à exploração do sector de transporte aéreo de passageiros, carga e correio, execução de trabalhos de manutenção e engenharia para a sua frota e para terceiros, prestação de serviços de assistência em escala ao transporte aéreo e catering para aviação, operando regularmente em Portugal Continental e Regiões Autónomas, Europa, África, Atlântico Norte, Atlântico Médio e Atlântico Sul; - conforme PA;
  3. No contexto da atividade da Requerente, a B..., S.A., (doravante B...) cede à Requerente espaços / lugares de estacionamento localizados na área do C... em ..., os quais são destinados aos membros das tripulações (v.g. comandantes, copilotos, comissários e demais tripulantes) das aeronaves da Requerente, conforme Regulamento de Funcionamento e Utilização dos Parques de Estacionamento e das Zonas Dedicadas à Largada e Tomada de Utentes nos Aeroportos B...; - conforme documento n.º 25, junto com o PPA;
  4. Os espaços / lugares de estacionamento permitem que os membros das tripulações das aeronaves da Requerente estacionem as suas viaturas quando se encontram a exercer as respetivas funções a bordo de tais aeronaves durante o tempo dos voos realizados; - conforme PA e documentos n.ºs 25 e 26;
  5. A B... cobra à Requerente uma remuneração mensal pela cedência de espaços / lugares de estacionamento de viaturas para os membros de tripulação das aeronaves exploradas pela Requerente; - conforme documento n.º 25 junto com o PPA.
  6. Sobre a operação de cedência de espaços/lugares destinados ao estacionamento de viaturas, a B... liquida IVA à taxa normal de 23%, nas faturas emitidas à Requerente; - conforme documento n.º 26, junto com o PPA.
  7. Tais faturas mencionam na descrição a referência a “Avença Estacionamento – Avença Semest. Staff Individ.”, “Avença Mensal Staff Individual”, “Avença Trim. Staff Invididual”, bem como o número do parque a que as mesmas se referem, sendo relativas a espaços de estacionamento localizados no C...;- conforme documento n.º 26, junto com o PPA.
  8. Em concreto, relativamente aos períodos mensais de tributação decorridos entre novembro de 2019 (inclusive) e setembro de 2021 (inclusive), com exceção do período de tributação de outubro de 2020, a B... faturou à Requerente as remunerações devidas por esta enquanto contrapartida dos serviços de cedência de lugares de estacionamentos de viaturas prestados à Requerente, tendo a B... liquidado o respetivo IVA, à taxa normal de 23%, no valor de € 1.037.882,52,  valor que foi autoliquidado nas declarações periódicas deste imposto referentes aos respetivos períodos de tributação; - conforme documentos n.ºs 3 a 24, juntos com o PPA;
  9. Em 17 de dezembro de 2021, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as mencionadas declarações periódicas, aí alegando ter liquidado IVA em excesso, no montante de €1.037.882,52, por não ter deduzido o imposto suportado na aquisição de serviços de cedência de lugares de estacionamento à sociedade B...; conforme documento n.º 2 do PPA;
  10. Em 25 de fevereiro de 2022, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da unidade de Grandes Contribuintes, conforme Informação n.º ...-ISC/2022, de 2022-01-25, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido; - conforme PA;
  11. Em 23 de março de 2022, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa; - conforme PA;
  12. Em 11 de abril de 2023, foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico, pelo Subdiretor Geral, ao abrigo de subdelegação de competências; - conforme PA;
  13. O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no dia 01 de julho de 2023, no CAAD.

 

2 – Factos não provados

 

Não se provou que a utilização dos espaços de estacionamento pelos membros das tripulações das aeronaves da Requerente seja única e exclusivamente efetuada quando se encontram a exercer as suas funções a bordo de tais aeronaves. Não foi disponibilizada qualquer evidência de que esses espaços não sejam, também, passíveis de uso privado, nomeadamente quando esses membros das tripulações realizam viagens de caráter pessoal.

 

Não existem outros factos não provados com relevo para a causa.

 

3. Motivação da decisão relativa à matéria de facto

 

Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto relevante para a decisão tomando em consideração a pretensão formulada.

 

No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, na análise crítica do acervo documental presente nos autos, tanto com o requerimento de Pronúncia Arbitral, como, posteriormente, com o Processo Administrativo, organizado nos termos do artigo 111.º do CPPT, e junto pela Requerida, e nos factos que não foram questionados pelas partes.

 

 

IV – Matéria de direito

 

  1. Questão Decidenda

 

A questão a decidir é a de saber se o IVA suportado pela Requerente com a aquisição de prestações de serviços relativas à cedência de lugares de estacionamento no C..., os quais são utilizados pelos membros das tripulações das aeronaves da Requerente que operam a partir desse local, se encontra, ou não, abrangido pela hipótese da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA, que exclui do direito à dedução o imposto contido nas “despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens”. Importa, assim, aferir se a Requerente tem direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de lugares de estacionamento para os membros das suas tripulações. 

 

  1. Enquadramento do Direito à Dedução

 

O direito à dedução do IVA suportado constitui um elemento essencial sobre o qual repousa estrutural e funcionalmente o Imposto sobre o Valor Acrescentado. Com efeito, como é consabido, o IVA opera através do método subtrativo indireto por intermédio do qual um sujeito passivo do imposto poderá deduzir ao valor do imposto que liquida nas suas operações económicas (“outputs”) o valor do IVA que suportou, a montante, nas aquisições de bens e serviços realizadas no exercício da sua atividade (“inputs”), repercutindo-se sobre o adquirente final dos bens ou serviços a carga tributária correspondente ao consumo efetuado.[1]

O Tribunal de Justiça da União Europeia tem salientado em várias decisões que “o direito à dedução constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode em princípio ser limitado e que se exerce imediatamente em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (...) O regime das deduções assim estabelecido visa aliviar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante dessa forma a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente do seu fim ou do seu resultado, na condição de essas atividades estarem elas mesmas, em princípio, sujeitas a IVA (...)”.[2]

O através do mecanismo do crédito de imposto assegura-se a neutralidade do imposto que configura a característica fundamental e princípio estruturante do sistema do IVA. No essencial a Diretiva reconhece aos sujeitos passivos o direito a deduzir ao imposto liquidado num estado-membro o imposto que nesse mesmo estado tenham incorrido na aquisição de bens e serviços, desde que estes se destinem à realização de operações tributadas ou de operações com isenção completa.[3]

Há, no entanto, limitações do direito à dedução, matéria que é regulada pelos artigos 176.º e 177.º da Diretiva IVA.

O artigo 176.º começa por nos dizer que cabe ao Conselho, deliberando por unanimidade e mediante proposta da Comissão determinar as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em seguida dispõe o mesmo normativo: “Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados- Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão”.

Perpassa que a intenção do legislador comunitário seria a de que o Conselho catalogasse integralmente as despesas excluídas do direito à dedução, garantindo com isso maior uniformidade na aplicação do imposto.[4]

Acresce que, no segundo parágrafo do artigo 176.º consideram-se excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter “estritamente profissional”, nomeadamente “as despesas sumptuárias, recreativas ou de representação”.

Resulta do que precede que o IVA só se torna neutro quando todo o imposto incorrido nos inputs de uma atividade económica é deduzido pelo sujeito passivo. Já quando realize despesas de natureza pessoal, o sujeito passivo deve ser tratado como um consumidor final. Semelhante tratamento deverá ocorrer, em relação a certas despesas ainda que realizadas no âmbito do funcionamento normal da empresa, quando pela sua natureza, sejam aptas à satisfação de necessidades privadas, e em que a discriminação entre a parte profissional e a parte privada não pode ser sempre objeto de uma fiscalização precisa, o que implica riscos de abuso e de fraude fiscal.

Além das despesas expressamente excluídas do direito à dedução, o artigo 176.º da Diretiva IVA prevê até que “o Conselho (...) determine quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA” os estados-membros mantenham as exclusões que tivessem em vigor a 1 de janeiro de 1979, data da entrada em vigor da sexta diretiva, ou data da sua adesão à Comunidade, quando esta seja posterior.

Habilitado para efeito pela disposição acabada de citar, o Estado Português manteve em vigor o artigo 21.º do Código do IVA, que tinha sido aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, o qual sofreu alterações pontuais na sua redação, as quais, porém, não afetam a parte que releva para os autos, prevendo-se o seguinte[5]:

Artigo 21.º

Exclusões do direito à dedução

 

 

1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor;

b) (...)

(...)

c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;

d) (...)

e) (...)

 

2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:

a) Despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objecto de actividade do sujeito passivo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda;

b) (...)

c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso;

(...)

   

Ora, segundo entende Sérgio Vasques “ao excluir do direito à dedução despesas sumptuárias, recreativas e de representação, o legislador consagra afinal uma presunção de que apenas nestas despesas se tendem a confundir a esfera pessoal e empresarial, admitindo ao mesmo tempo que o controlo da sua utilização efetiva se mostra por regra impraticável.[6]

 

Como se constata o legislador nacional foi autorizado pelo legislador comunitário a manter determinadas limitações ao direito à dedução, relativamente a certas despesas, desde que as mesmas já existissem ao nível da legislação interna no momento da entrada em vigor da Sexta Diretiva, por via da denominada cláusula de “congelamento” ou de “standstill”, a qual foi mantida em vigor pela atual Diretiva IVA.

Sobre esta cláusula “standstill” o TJUE tem produzido jurisprudência constante, designadamente no que respeita à compatibilidade desta cláusula com o tipo de restrições admissíveis no âmbito do direito à dedução ao nível dos Estados-membros. Por conseguinte, os Estados-membros poderão manter as restrições que resultam da aplicação da cláusula “standstill”, mas não lhes é permitido alargam o seu âmbito de aplicação.[7]

No acórdão Comissão vs. França, a propósito de uma exclusão relativa a despesas com veículos de passageiros introduzida na lei francesa ainda antes da entrada em vigor da Sexta Diretiva o Tribunal veio esclarecer, com particular relevância para o caso controvertido, que a cláusula “standstill” se aplica não só a despesas desprovidas de caráter profissional como também a despesas que o possuam, admitindo assim que os Estados-membros as continuem a excluir do direito à dedução.[8]

Segundo entende Sérgio Vasques, “esta é mais importante das decisões respeitantes ao artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva, porque nela se fixa o objeto essencial da cláusula “standstill”. Desta decisão decorre, ao que nos importa, que as normas do artigo 21.º se mostram válidas, á luz do direito europeu, mesmo quando sejam aplicáveis a bens ou serviços com utilização predominante ou exclusivamente profissional[9], sendo certo que “a sua validade não depende de um qualquer teste ad hoc de proporcionalidade”.

No entanto, esta cláusula não é compatível com todo e qualquer tipo de restrição do direito à dedução, não se podendo admitir, conforme tem sinalizado o TJUE, a exclusão de categorias abertas de despesas, devendo ser objeto de interpretação estrita à semelhança de qualquer outra norma derrogatória, conforme se faz notar nos acórdãos Metropol e Stadler (C-409/99) ou Magoora (C-414/07).[10]

De salientar também os acórdãos Royscot e o. (C-305/97)[11] e Grupa Lotos (C-225/18)[12] que, em conjunto com os antes referidos, permite concluir que, de acordo com a Diretiva IVA (e a, entretanto revogada, Sexta Diretiva):

  • As exclusões do direito à dedução previstas no seu artigo 176.º podem aplicar-se a todo o tipo de despesas, incluindo aquelas que têm caráter estritamente profissional, as que constituem um instrumento indispensável ao exercício da atividade e as que não são suscetíveis de, no caso concreto, serem utilizadas para fins privados;
  • No entanto, não podem ser excluídos bens e serviços de tal modo que resulte esvaziado o conteúdo do direito, atingindo o sistema geral do direito à dedução (o que não se afigura ser o caso do artigo 21.º do Código do IVA como de seguida se verá);
  • Não pode ser alargado o âmbito das exclusões do direito à dedução após a adesão.

 

Concretamente, no que concerne à compatibilidade do regime português das exclusões do direito à dedução previstas no artigo 21.º do Código do IVA, com as normas comunitárias, nomeadamente nos casos em que o imposto não dedutível respeita a despesas incorridas no âmbito de atividades tributadas, o TJUE pronunciou-se mediante Despacho de 26 de Fevereiro de 2020, no processo C- 630/2019, no caso “Page International” submetido junto do CAAD a respeito da correta interpretação da alínea a) do artigo 168.º e do artigo 176.º da Diretiva IVA, e dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade, concluindo, o seguinte: “O artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, após a adesão do Estado Membro em causa à União Europeia, reduz o âmbito das despesas excluídas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, autorizando, em certas condições, uma dedução parcial do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre tais despesas, entre as quais, nomeadamente, as relativas à alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que essas despesas foram integralmente afectas ao exercício da sua actividade económica tributável”, esclarecendo quanto à questão da natureza profissional das despesas incorridas pela referida empresa, que: “(...) a circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de as despesas incorridas pelo sujeito passivo poderem ser exclusivamente afectas ao exercício das suas a actividades profissionais não prejudica o alcance da cláusula de standstill prevista no artigo 176.º, segundo parágrafo, da Directiva IVA. Com efeito, atendendo à letra e à génese do referido artigo, esta cláusula autoriza os Estados Membros a excluir do direito à dedução do IVA categorias de despesas que têm carácter estritamente profissional, quando estas últimas estejam definidas de forma suficientemente precisa, na acepção da jurisprudência referida no n.°34 do presente despacho.”[13]

 

Vertendo ao caso dos autos:

A Requerente invoca que os lugares de estacionamento em apreço destinam-se unicamente a garantir que os membros das tripulações das aeronaves da Requerente possam estacionar as suas viaturas quando se encontram a exercer as respetivas funções a bordo de tais aeronaves durante o tempo dos voos realizados, voos estes que constituem o cerne da atividade desenvolvida pela Requerente.

Muito embora reconhecendo a existência da cláusula standstill constante do artigo 21.º do Código do IVA, prevendo algumas exclusões ou limitações ao exercício do direito à dedução, a Requerente entende que as despesas de estacionamento não se encontram expressamente abrangidas pelo disposto na alínea c) do n.º 1 do referido artigo 21.º, que respeita tão somente a “despesas de transporte e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens”, porquanto  uma interpretação que permita abranger neste dispositivo “o estacionamento de veículos” constituiria uma interpretação extensiva daquela expressão e um alargamento inadmissível a despesas que a lei não prevê.

Em apoio da sua tese a Requerente invoca jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA- Sul), na qual se defende que no seu Acórdão de 4 de Junho de 2015, processo n.º 06391/13, afirmando que “O fundamento da exclusão do direito à dedução previsto no art.º 21 do CIVA, encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a IVA suportado nos “inputs” em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível controlar a sua bondade, visando-se pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de IVA, nos termos em que a doutrina as define.[14]

A Requerente invoca ainda algumas decisões arbitrais, designadamente, o entendimento veiculado na Decisão Arbitral de 15 de janeiro de 2015, no processo n.º 398/2014-T, onde o Tribunal estatuiu que “subjacentes às situações de afastamento do direito à dedução estarão presunções de que as despesas indicadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a actividade produtiva das empresas sujeita a IVA, pois é essa a única justificação aceitável para o afastamento da dedutibilidade deste imposto, que, como imposto sobre o consumo, se pretende que seja neutro para os intermediários no circuito económico”.[15]

Analisando o tema específico da interpretação do conceito de “transporte” a Requerente aduz que o transporte como viagem refere-se a uma ação dinâmica, por oposição ao conceito de “cedência de lugares de estacionamento” que implicaria uma despesa referente ao mero lugar /espaço onde uma viatura se encontra estacionada ou parada, sendo por conseguinte diferente da deslocação ou do ato de transportar. A Requerente apresenta jurisprudência do TCA-Sul e do CAAD onde considera que tal entendimento encontra adesão.[16]

 

Ora, salvo devido respeito, discorda-se da posição da Requerente por razões de ordem vária.

Interessa começar por assinalar que, sem prejuízo de o referido estacionamento se destinar aos membros das tripulações das aeronaves da Requerente, não ficou demonstrado que apenas seja utilizado para essa finalidade, no sentido de que aqueles não possam utilizá-lo para outros fins, nomeadamente quando efetuem viagens a título pessoal.

Na sequência das considerações anteriormente tecidas, apoiadas na vasta jurisprudência do TJUE, a circunstância de as despesas incorridas pela Requerente poderem ser exclusivamente afetas ao exercício da sua atividade económica não prejudica o alcance da cláusula standstill, pois esta autoriza os Estados-Membros a excluir do direito à dedução categorias de despesas que tenham caráter estritamente profissional, e que sejam realizadas no estreito âmbito da atividade da empresa.

Acresce que o TJUE já afastou quaisquer dúvidas quanto à compatibilidade do artigo 21.º do Código do IVA com o direito europeu, considerando legítimas as restrições ao direito à dedução, na medida em que estas mantêm as exclusões nacionais do direito à dedução do IVA que eram aplicáveis antes da entrada em vigor da Sexta Diretiva, nos termos do artigo 17.° n.° 6, segundo parágrafo, do referido diploma.[17]

Por outro lado, relativamente à jurisprudência do CAAD invocada pela Requerente, em particular a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 398/2014-T e a decisão proferida no processo n.º 40/2016-T, importa lembrar que para além de se questionar a conformidade do artigo 21.º com o direito europeu, ambas defendem a tese de que o artigo 21.º do Código do IVA encerra presunções relativas à incidência do imposto a considerar ilidíveis pelo artigo 73.º da LGT, e que, segundo a referida jurisprudência, todas as normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Por conseguinte, a tese sustentada, para efeitos do alcance conferido ao artigo 73.º da LGT, é a de que subjacentes às situações de afastamento do direito à dedução estarão presunções de que as despesas indicadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a atividade produtiva das empresas sujeitas a IVA, sendo essa a única justificação aceitável para o afastamento da dedutibilidade deste imposto o qual, como imposto sobre o consumo, se pretende que seja neutro para os intermediários do circuito económico.

Porém, na esteira da recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, infra mencionada, o artigo 21.º do Código do IVA não estabelece, em rigor, uma presunção em sentido próprio.

Analisando de perto esta jurisprudência, refere Sérgio Vasques que “a tese de que toda a norma de incidência assente num juízo presuntivo pode ser afastada mediante prova em contrário suscita profundas dúvidas de método” em especial à luz da jurisprudência consagrada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 753/2014[18], relativa às normas que limitam a dedução dos custos como a do artigo 23.º n.º 7 do Código do IRC, juntamente com acórdãos anteriores do mesmo Tribunal, nos processos n.º 451/2002[19] e n.º 85/2010[20], também proferidos em sede de IRC, no entanto em tudo aplicáveis noutros campos da fiscalidade, designadamente na interpretação das normas que limitam o direito à dedução em sede de IVA. Com efeito, a metodologia seguida naqueles acórdãos foi a de considerar que certas regras que limitam a dedução de custos em sede de IRC, são conformes à Constituição da República ainda que não admitam prova em contrário.

Com efeito, defende este autor, que aqui se acompanha, que estas normas não podem ser liminarmente consideradas inconstitucionais por “assentarem em juízos de tipo presuntivo e por não admitirem prova em contrário, tudo dependendo do equilíbrio de valores que encerrem.”  Seguindo de perto o entendimento explanado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014, não devemos tomar como presunções “em sentido próprio” normas que encerrem juízos presuntivos que não respeitem à própria existência do rendimento, património ou consumo, como são as que excluem o direito à dedução no artigo 21.º do Código do IVA, ou as que vedam a dedução de custos no artigo 23.º do Código do IRC.  Assim, o aquele Tribunal deixa claro, que há circunstâncias de política fiscal em que a aplicação do artigo 73.º da LGT não deve ter lugar.  O combate à evasão e as exigências de praticabilidade podem constituir razões de política legislativa válidas em que a presunção de inilidível de “empresarialidade parcial ” de certas despesas possa servir para assegurar os princípios materiais da igualdade e da justiça fiscal, deixando ainda claro “que o controlo material destas normas não se faz por apelo ao artigo 73.º da LGT, mas através do mesmo teste de proporcionalidade a que sujeitamos quaisquer outras normas que estejam em tensão com o princípio da igualdade tributária”.[21]

Assim, acompanhando a doutrina enunciada, apoiada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, entendemos que assiste razão à AT quando sustenta que as normas do artigo 21.º do Código do IVA, não admitem prova em contrário, desde que se encontrem preenchidos os pressupostos definidos pelo legislador, ficando afastado o direito à dedução, no todo ou em parte, consoante os casos, sem que seja necessário atender a demais circunstancialismos ou factos.

Ora, dá-se ainda o caso, que os factos no processo controvertido, não são totalmente coincidentes, com os factos assentes nas decisões invocadas pela Requerente como idênticas ao presente processo arbitral.

Com efeito, quer no âmbito do acórdão do TCA-Sul, proferido no processo n.º 2500/10.5BELRS, quer na decisão do CAAD proferida no processo n.º 97/2022-T, o Tribunal após considerar que se estava no domínio das despesas constantes do artigo 21.º do Código do IVA, sujeitas ao princípio do congelamento (cláusula standstill), veio reconhecer o direito à dedução do IVA incorrido em despesas relacionadas com o uso de lugares de estacionamento “utilizados indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes”, que foram consideradas dedutíveis na medida em que se relacionem com o exercício da atividade do sujeito passivo.

 

Assim, na situação apreciada pelo TCA-Sul, o parque de estacionamento em relação ao qual o sujeito passivo pretendia exercer o direito à dedução era para acesso às suas instalações pelos fornecedores e clientes e não apenas pelos seus funcionários, conforme sucede tipicamente nas grandes superfícies comerciais. Deste modo, as despesas associadas a esse parque de estacionamento não podem subsumir-se à alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, que se dirige especificamente às despesas de transporte e viagens do “sujeito passivo do imposto e do seu pessoal” e não a despesas conexas com os fornecedores e clientes do sujeito passivo.

 

Por fim, quanto à tese da Requerente, dir-se-á que, embora terminologicamente “transporte” e “estacionamento” tenham significados distintos, do ponto de vista finalístico, a despesa assegurada pela Requerente com a cedência de lugares de estacionamento destinados exclusivamente aos seus funcionários é consequencial à utilização de transporte próprio pelos mesmos, ainda que no âmbito do exercício das suas funções junto da Requerente. Por conseguinte, não se trata de uma mera análise semânticas de palavras, mas sim de matéria de facto concreta, pois o arrendamento dos espaços de estacionamento destina-se exclusivamente às viaturas dos seus funcionários que utilizam viatura própria para se deslocar até ao local de trabalho. O estacionamento em causa não é utilizado indiscriminadamente por fornecedores, clientes da empresa, visitantes e funcionários. O critério da Requerente foi outrossim o de atribuir um lugar de estacionamento privado aos seus funcionários, membros de tripulação das aeronaves, que se deslocam até à empresa, em transporte pessoal.   

Concorda-se assim que o artigo 21.º do Código do IVA não pode ser objeto de interpretação extensiva. Contudo, não se vislumbra que a posição adotada constitua qualquer desvio ao elemento literal, pois este comporta naturalmente o estacionamento como uma despesa de transporte e viagens, uma vez que as viaturas não podem estar continuamente em andamento e, entre trajetos, têm de estar paradas. Em particular, quando esse estacionamento é, de forma inquestionável, apenas um ponto intermédio na dinâmica de chegada e partida dos funcionários ao e do aeroporto.

Neste âmbito, importa também fazer apelo ao elemento finalístico, no sentido em que a norma se aplique às situações concretas a que se pretende aplicar, e que cumpra o propósito ínsito à regra de incidência que encerra.     

 

Termos em que se julga improcedente o pedido da Requerente.

           

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

  1. DECISÃO

 

À face do exposto, julga-se improcedente o pedido da Requerente, com a consequente manutenção na ordem jurídica dos atos tributários de autoliquidação de IVA em crise, com as legais consequências.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

            Fixa-se o valor do processo em €1.037.882,52 correspondente ao montante das autoliquidações de IVA que se pretende anulado, indicado pela Requerente e não contraditado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.         CUSTAS

 

Custas no montante de €14.382,00, a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de fevereiro de 2024

Os Árbitros

 

 (Alexandra Coelho Martins – Árbitro Presidente)

 

 

 (Miguel Patrício – Árbitro Adjunto)

 

 

 (Filipa Barros – Árbitro Adjunto Relatora)



[1]Sobre as características gerais do IVA, José Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional - Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, p. 39-73.

[2] Acórdão Petrona, C-271/12, 8.05.2013, n.º 22-24. 

[3] Artigos 167.º a 192.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho (Diretiva IVA).

[4] O primeiro parágrafo continua desprovido de alcance até hoje, uma vez que a proposta de diretiva nesta matéria nunca foi aprovada. Por outro lado, a Sexta Diretiva previa no seu artigo 17.º, n.º 6 que essa regulamentação fosse aprovada no prazo de quatro anos.

[5] De notar que a entrada em vigor da Diretiva em Portugal (à data Sexta Diretiva 77/388/CEE) só se deu em 1 de janeiro de 1989, pois o Tratado de Adesão previa um diferimento de 3 anos após a adesão. Assim, quando em 1986 o Código do IVA entrou em vigor, Portugal ainda não estava vinculado à Diretiva.

[6] Sérgio Vasques, “O Imposto sobre o Valor Acrescentado” Almedina, p.346.

[7] Vide, Acórdão Magoora, C- 414/07, 22-12-2008, (pontos 35-38) “Com efeito, o artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva contém uma cláusula de «standstill» que prevê a manutenção das exclusões nacionais do direito a dedução do IVA que eram aplicáveis antes da entrada em vigor da Sexta Directiva). O objectivo desta disposição é, pois, permitir aos Estados‑Membros, enquanto aguardam a aprovação, pelo Conselho, do regime comunitário das exclusões do direito a dedução do IVA, manter em vigor qualquer regra de direito nacional relativa à exclusão desse direito efectivamente aplicada pelas suas autoridades no momento da entrada em vigor da Sexta Directiva.

36.Ora, na medida em que a legislação de um Estado‑Membro, depois da entrada em vigor da Sexta Directiva, modifique, reduzindo‑o, o âmbito das exclusões existentes, aproximando‑se desta forma do objectivo dessa directiva, há que considerar que esta legislação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva e não viola o seu artigo 17.°, n.° 2 (v. acórdãos, já referidos, Comissão/França, n.° 22; Metropol e Stadler, n.° 45; e Danfoss e AstraZeneca, n.° 32).

37. Recorde‑se que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional não constitui uma derrogação permitida pelo artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, se tiver por efeito alargar, posteriormente à entrada em vigor desta directiva, o âmbito das exclusões existentes, afastando‑se assim do objectivo da mesma (...).

38. Por conseguinte, atento o objectivo da referida disposição, o conceito de «legislação nacional», na acepção do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, refere‑se ao regime de dedução do IVA existente e efectivamente aplicado quando da entrada em vigor desta directiva.

[8] Acórdão do TJUE, Comissão vs. França, C-43/96, de 18-06-1998, pontos 17 e 18: “17. A este respeito, deve observar-se que o primeiro período do artigo 17.º, n.º 6, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva prevê que o Conselho determinará quais as despesas que não conferem direito a dedução do IVA. O período seguinte especifica que «Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional.» Resulta designadamente deste segundo período que as disposições que o Conselho é convidado a adoptar não se limitam a priori às despesas que não tenham natureza estritamente profissional.

18. Nestas condições, é claro que a expressão «todas as exclusões», utilizada no artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, inclui as despesas que têm carácter estritamente profissional. Assim, esta disposição autoriza os Estados-Membros a manter normas nacionais que excluem o direito à dedução do IVA relativo aos meios de transporte que constituem o próprio instrumento da actividade do sujeito passivo.

[9] Sérgio Vasques, “IVA, Direito à Dedução e Presunções Tributárias”, Cadernos IVA 2017, p. 478 e 479. 

[10] Acórdãos do TJUE Metropol e Stadler, C-409/99, de 08-01-2002, ponto 59 “As disposições que prevêem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação estrita.”; e no mesmo sentido Magoora, C-414/07, ponto n.º 28.

[11] De 05-10-1999.

[12] De 02-05-2019.

[13] No mesmo sentido, Acórdão TJUE Grupa Lotus, C-225/2018, 02-05-2019.

[14] Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, processo n.º 06391/13, de 04-06-2015.

[15] Decisão Arbitral, processo n.º 40/2016-T, de 29-09-2016.

[16] Acórdão do TCA-Sul, processo n.º 2500/10.5BELRS, de 05-11-2020, bem como Decisão do CAAD processo n.º 97/2022-T, 3-01-2023, (sendo esta decisão referente a um outro processo da Requerente sobre matéria semelhante).

[17] Vide Acórdão do TJUE Magoora, supra citado.

[18] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014, 12-11-2014.

[19] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 451/2002, 30-10-2002, ponto 7.

[20] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, 03-03-2010, ponto 7.

[21] Veja-se in ob. cit. “IVA, Direito à Dedução e Presunções Tributárias”, p. 488-490.