Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 98/2021-T
Data da decisão: 2022-02-15  IRC  
Valor do pedido: € 198.633,72
Tema: IRC – Benefícios fiscais - RFAI – Deduções à coleta de IRC;
Portaria de regulamentação.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia e Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., LDA., doravante “Requerente”, pessoa coletiva com o número de identificação..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, com vista à declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e de juros compensatórios, relativas ao exercício de 2017, no valor global de € 198.633,72.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação automática da AT no dia 22 de fevereiro de 2021.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 31 de maio de 2021, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em 7 de julho de 2021 foram as Partes notificadas do Despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, de 28 de junho de 2021, que determina a substituição do árbitro presidente no presente processo, não tendo as Partes manifestado oposição.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 22 de junho de 2021.

 

Por despacho de 24 de outubro de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, mais tendo notificando as Partes para apresentarem alegações escritas num prazo simultâneo de 20 dias e fixado o prazo para prolação da decisão arbitral. O Tribunal Arbitral advertiu a Requerente de que até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar o pagamento ao CAAD, tendo a Requerente cumprido em tempo.

                Em 17 de novembro (Requerida) e em 18 de novembro (Requerente) de 2021 as Partes apresentaram as suas alegações finais, nas quais mantêm a posição das peças anteriores, considerando-as apoiadas pela prova documental produzida no processo.

                Por despacho de 16 de dezembro de 2021, foi prorrogado por dois meses o prazo de prolação da Decisão Arbitral.

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos liquidação de IRC e inerentes juros compensatórios, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo e a cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que os atos tributários derivam de idênticas circunstâncias de facto e estão sujeitos aos mesmos princípios e regras de direito.

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

A.           A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, sendo a sociedade dominante do Grupo E... para efeitos do Regime Especial de Tributação de Grupos (“RETGS”), grupo que integrava, no exercício de 2017, as seguintes sociedades – cf. Informação da Ação Inspetiva constante do PA.:

             B..., S.A. (NIPC...); e

             C..., Lda. (NIPC ...)

B.            A B..., S.A. é uma sociedade cujo objeto social é “a administração e exploração de propriedades, quer daquelas que constituem a casa agrícola conhecida como “D...”, quer de quaisquer outras; produção, distribuição e comercialização de vinhos e seus derivados e de quaisquer outros produtos alimentares e agrícolas, bem como o exercício de atividades complementares daquelas.” – cf. Informação da Ação Inspetiva constante do PA.

C.            A B..., S.A. dedica-se, a título principal, à atividade de produção de vinhos comuns e licorosos (CAE 11021), dedicando-se, a título secundário, à atividade de viticultura (CAE 01210), de produção de licores e de outras bebidas destiladas (CAE 11013), de produção de vinhos espumantes e espumosos (CAE 11030), de indústria do leite e derivados (CAE 10510), de organização de atividades de animação turística (CAE 93293) e de comércio por grosso de bebidas alcoólicas (CAE 46341) – cf. Informação da Ação Inspetiva constante do PA.

D.           No exercício de 2017, a B..., S.A. realizou um conjunto de investimentos em equipamentos que considerou elegíveis para o apuramento do benefício fiscal de RFAI nos termos dos artigos 22.º e seguintes do CFI, tendo apurado uma dedução à coleta de IRC correspondente a 25% do valor dos investimentos relevantes, nos seguintes termos – cf. Informação do Relatório de Inspeção junto ao PA, declaração Modelo 22 e ato de liquidação de IRC juntos pela Requerente:

             € 112.487,56, correspondente a 25% do investimento efetuado em equipamentos para o aumento de capacidade das vinhas, como sistemas de rega e estações meteorológicas, com vista ao aumento da capacidade de produção de uva, no montante de € 449.950,22;

             € 71.264,83, correspondente a 25% do investimento efetuado em equipamentos como cubas, barricas, equipamento de vinificação e equipamento administrativo e informático tendentes ao aumento da capacidade de produção de vinho engarrafado no montante de € 285.059,32; e

             € 123.938,27, correspondentes a 25% do investimento efetuado com vista à criação de um novo estabelecimento de enoturismo, no montante de € 495.755,86,

E.            Tendo assim inscrito, quer no campo 355, quer no Anexo D da respetiva declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC de 2017, com o número de identificação..., entregue a 27 de junho de 2018, uma dedução à coleta a título de RFAI no montante de Euro 307.691,35. – cf. Documento n.º 2 junto pela Requerente e informação constante do PA.

F.            No exercício de 2017, a B..., S.A. não obteve proveitos da atividade secundária de Viticultura, CAE 0120, tendo concentrado os seus resultados nas atividades de produção e transformação de vinho e em enoturismo – cf. Demonstração de resultados por natureza junta pela Requerente como documento n.º 9.

G.           A Divisão de Inspeção Tributária – V da Direção de Finanças do Porto iniciou, em 13 de fevereiro de 2020, com o envio do Dossier Fiscal pela Requerente, um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial (IRC) ao exercício de 2017, ao abrigo da Ordem de Serviço Interna n.º OI2019..., com o motivo de análise interna da Modelo 22 de IRC do Grupo E..., onde a Requerente, enquanto sociedade dominante, havia optado pela tributação pelo RETGS – cf. informação constante do PA.

H.           No âmbito desta ação, os Serviços de Inspeção produziram uma Projeto de Relatório, sancionado por despacho de 22 de maio de 2020, da Chefe de Equipa, por delegação, da qual se retira o seguinte excerto com relevo para a situação dos autos – cf. informação constante do PA:

 

«III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III – 1. Exercício de 2017

Irregularidades que são objeto de correção, em sede de IRC, a saber:

III.1.1) Benefícios Fiscais - Investimentos realizados em Atividades NÃO ELEGÍVEIS em RFAI.

Da análise aos elementos constantes do Dossier fiscal, mais concretamente à declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2017 constatou-se que o sujeito passivo deduziu a titulo de benefícios fiscais, o montante global de 570.046,28€, do qual 262.354,91€ respeita ao SIFIDE – Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial, previsto nos artigos 35.° a 42.° do Código Fiscal do Investimento (CFI), e 307.691,35€ ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), prevista nos artigos 22.° a 26.° do mesmo código.

Os investimentos considerados pelo sujeito passivo como elegíveis para efeitos da determinação do Benefício Fiscal em sede de RFAI foram os a seguir descritos:

 

Por consulta à aplicação Informática “sistema de Gestão e Registo de Contribuintes" verificamos que a B... SA NIF ... estava inscrita para o exercício das seguintes atividades no ano de 2017:

 

Os investimentos, considerados pelo sujeito passivo para efeitos de RFAI, foram realizados nas atividades de “Produção de vinhos comuns e licorosos - CAE 11021" e “Organização de atividades de animação turística CAE 93293”.

No decurso da ação inspetiva foram solicitados esclarecimentos relativamente ao montante de 307.691,35€ deduzido à coleta de 2017 por via do RFAI, designadamente:

O Artigo 22.º do CFI (Código Fiscal ao Investimento) define o âmbito de aplicação do RFAI “1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no nº 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC."

O artigo 25.º do CFI - Obrigações acessórias, nos seus n.º(s) 1 e 2, referem que: “1 -A dedução prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º, é justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente as aplicações relevantes, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes. 2 - Do processo de documentação fiscal relativo ao exercício da dedução deve ainda constar documento que evidencie o cálculo do beneficia fiscal, bem como documentos comprovativos das condições de elegibilidade previstas no artigo 22.º”

A fim de validar o cumprimento das condições de elegibilidade definidas pelo artigo 22.º do CFI, nomeadamente ao nível do setor de atividade em que os investimentos foram realizados, foi solicitado ao contribuinte:

1.            O envio de documento que identifique discriminadamente as aplicações relevantes efetuadas no âmbito do projeto de investimento;

2.            O envio dos documentos de suporte de um conjunto de despesas:

 

A B... SA remeteu a estes serviços os documentos de suporte dos investimentos solicitados e um conjunto de esclarecimentos.

Dos esclarecimentos adicionais prestados pela empresa destacamos o a seguir referido:

1 - "Nos investimentos considerados como elegíveis no ano de 2017, destacamos dois setores de atividade distintos. Um deles sendo o CAE principal da empresa (11021- Produção de vinhos comuns e licorosos) e um secundário (93293 - Organização de atividades de animação turísticas.

CAE 11021

Abrangidos por este CAE, encontram-se todos os investimentos efetuados no ano para obtenção de matéria-prima uva, usada na produção e comercialização de vinho engarrafado (449.950€), aquisição de cubas, barricas e equipamento industrial de vinificação (223.204€) e ainda material informático necessário para dar resposta ao aumento de produção existente (61.855€).

Todos os investimentos referidos acima foram investimentos iniciais nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2º do RGIC, relacionados com o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente. Todos estes custos tiverem como objetivo único o aumento da capacidade de produção de vinho engarrafado, sendo por isso necessário o investimento na construção de vinhas que nos permitissem obtenção de uva, mas também aumento de armazenagem de mais litros de vinho e mais equipamentos de produção para produzir em maior escala.

Todos os investimentos foram relevantes para efeitos de RFAI, por se tratar de ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo. No caso dos investimentos em vinha os ativos fixos tangíveis são maioritariamente sistemas de rega e estações meteorológicas."

 

III.1.1.1) Investimentos realizados em Atividades NÃO ELEGÍVEIS em RFAI- CAE 01210 -Viticultura

A B... SA remeteu a estes serviços de inspeção tributária um quadro anexo (que a seguir se reproduz) como suporte ao cálculo do benefício fiscal em sede de RFAI, onde considera investimentos realizados na atividade de Viticultura CAE 01210, descritos como vinhas / viticultura - aumento capacidade" no montante de 449.950,22€ como investimentos elegíveis para efeitos de RFAI.

A atividade de Viticultura - CAE 01210 é exercida pela B... SA como atividade secundária. A B... como é de conhecimento público e se comprovou pelos elementos constantes do Relatório e Contas de 2017, trata-se do maior produtor de uva da região dos vinhos verdes, "tendo o ambicioso objetivo de aumento de área de vinha entra 2015 e 2020 de 200ha para 600ha, colocando a B... numa posição de largo destaque como maior produtor de uva da região."

Os investimentos realizados nas vinhas não são elegíveis para o cálculo do RFAI de acordo com o disposto no artigo 22.º do CFI, a saber:

"De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CFI, «O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR [Orientações relativas aos auxilias estatais com finalidade regional para 2014-2020) e do RGIC [Regulamento Geral de Isenção por Categoria]".

De entre as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC destacamos a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante TFUE ou Tratado).

A portaria para a qual o n.º 1 do art.º 22.º do CFI remete é a Portaria n.0 282/2014, de 30 de dezembro, que definiu os códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE- Rev. 3) e é, também, aplicável ao RFAI.

Ora, o artigo 1.º desta Portaria determina que em conformidade com as OAR e com o RGIC, não são elegíveis para a concessão de beneficies fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE.

Assim, não são elegíveis os seguintes investimentos efetuados na atividade de Viticultura CAE 01210, conforme quadro anexo remetido a estes serviços pelo sujeito passivo no montante global de 449.950,22€.

 

O Benefício fiscal no montante de 112.487,56 € (449.950,22€ x 25%) foi indevidamente deduzido pelo sujeito passivo pelo que será objeto de correção.

 

III.1.1.2) Investimentos realizados em Atividades NÃO ELEGIVEIS em RFAI - CAE 11021 - Produção de vinhos comuns e licorosos.

 

Como se demonstrou no ponto III.1.1.1 do presente relatório a B... SA considerou de forma errada investimentos realizados no "aumento de capacidade da vinha" logo investimentos do setor agrícola primário e afetos à atividade de Viticultura como sendo realizados na atividade de Produção de vinhos comuns e licorosos CAE 11021 e por essa razão investimentos elegíveis em RFAI.

No entanto os investimentos afetos à atividade de Produção de vinhos comuns e licorosos CAE 11021 também não são elegíveis para efeitos de RFAI, como a seguir se justifica com base no disposto na seguinte ficha doutrinária:

 

Assim:

1 - De acordo com o n.º 1 do artigo 22.ª do Código Fiscal do Investimento (CFI), o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.0 2 do artigo 2º , tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC);

2. Por força da remissão prevista no n.º 1 do artigo 22.ª do CFI, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que definiu os códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE - Rev. 3) relativos aos setores de atividade elegível para efeitos da concessão de beneficies fiscais, é, também, aplicável ao RFAI;

3. O artigo 1.º da referida portaria determina que, em conformidade com as OAR e com o RGIC, não são elegíveis para a concessão de beneficies fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE;

4. Embora as alíneas a) e b) do artigo 2.0 da mesma portaria refiram que as atividades económicas correspondentes a indústrias extrativas com o código CAE compreendido nas divisões 05 a 09, e a indústrias transformadoras com o código CAE compreendido nas divisões 10 a 33 podem beneficiar do RFAI, o corpo do artigo é bem explícito quando refere "Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior"

5. Por outro lado o n.º 1 do artigo 2.0 da Portaria n.0 297/2015 de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI, refere que «Para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria n.0 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do n.0 1 do artigo 22.ª do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2.º do RGIC»;

6. Da leitura do considerando e das definições presentes nos pontos 9) a 11) do art.º 2.ª do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), e do âmbito de aplicação previsto no ponto 1o. das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (OAR) para 2014-2020, bem como da legislação nacional suprarreferida, resulta que quando está em causa a atividade de "transformação de produtos agrícolas", apenas pode beneficiar do RFAI a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no art.º 38.º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do Anexo I do Tratado;

7. Conclui-se, portanto, que, em sede de RFAI, estão excluídas do âmbito de aplicação do regime as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);

8. Ora, o Anexo I do Tratado refere, na sua coluna (1) diversos capítulos respeitantes aos Números da Nomenclatura de Bruxelas, os quais têm por base o Regulamento (CEE) n.º 2658/87, do Conselho,, de 23 de julho de 1987, que instituiu uma nomenclatura de mercadorias (Nomenclatura Combinada ou NC), o qual veio a ser sucessivamente alterado e cujo Anexo I velo a ser substituído (numa versão completa e atualizada da NC) pelo Anexo I do Regulamento de Execução (UE) 2017/1925, da Comissão, de 12 de outubro de 2017, o qual, por sua vez, está na origem do documento designado por Nomenclatura Combinada, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE);

9. Tendo por referência a Nomenclatura Combinada, conclui-se com base nas atividades exercidas pela B... SA, bem como dos produtos que delas resultam e do respetivo enquadramento no Anexo I do Tratado que o enquadramento, em sede de RFAI, das atividades em causa e, consequentemente, dos projetos de investimento que a elas se se destinem é o seguinte:

Atividades NÃO ELEGIVEIS para efeitos de RFAI

             Produção de vinhos comuns e licorosos (CAE 11021)

             Enquadram-se no Capítulo 22- Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres da NC, integrando-se ambos na atual posição 2204.

Assim, não são elegíveis os seguintes investimentos efetuados na Produção de vinhos comuns e licorosos (CAE 11021), designadamente despesas na aquisição de cubas, barricas, equipamento de vinificação e equipamento administrativo no montante global de 285.059,32 €.

  

O Benefício fiscal no montante de 71.264,83€ (285.059,32€ x 25%) foi indevidamente deduzido pelo sujeito passivo pelo que será objeto de correção.

 

III.1.1.3) Conclusão.

Em resultado da conjugação das disposições constantes do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, do art.º 1.º e corpo do 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, das definições presentes nos pontos 10) e 11) do art.º 2.º do RGIC e do ponto 10. das OAR, estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

Consequentemente as atividades desenvolvidas enquadram-se na definição de «transformação de produtos agrícolas» apresentada no ponto 10) do art.º 2.º do RGIC.

Destinando-se os investimentos em causa à ampliação e adaptação das instalações usadas no âmbito destas atividades, forçoso se toma concluir que os mesmos não são elegíveis para efeitos do RFAI.

Pelo que promoveremos a correção aos benefícios fiscais (RFAI) no montante de 183.752,31€, conforme quadro a seguir.

 

(…)

 

VII. INFRAÇÕES VERIFICADAS

Dado que a B... SA é parte integrante de um grupo de sociedades, as correções propostas não darão origem a qualquer liquidação de imposto, pois trata-se de uma declaração de rendimentos individual da empresa, declaração não liquidável devido ao regime de tributação (RETGS). Esta correção vai ser repercutida na declaração de rendimentos do grupo, que incorpora os resultados de todas as sociedades do grupo, em sede de procedimento próprio.(…))»

 

I.             A Requerente foi notificada dos seguintes atos:

a.            Ato de liquidação adicional de IRC do exercício de 2017 com o n.º 2020...,

b.            Correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020...; e

c.            Demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ...

no montante total a pagar de € 198.633,72, sendo a importância de € 183.752,31 relativa a IRC e o montante de € 14.881,41 referente a juros compensatórios.

J.             Inconformada com tais atos de liquidação de IRC e juros compensatórios, a Requerente apresentou no CAAD, em 15 de fevereiro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados dos documentos juntos pela Requerente e do processo administrativo junto pela Requerida em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

A impugnação genérica no articulado da Requerida (artigo 17.º) de todos os factos alegados pela Requerente que se mostrem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto (artigo 574.º, n.º 2 do CPC) não contraria a força probatória dos documentos carreados ao processo, sendo a falta de contestação especificada dos factos livremente apreciada pelo julgador, de harmonia com o disposto no artigo 110.º, n.º 7 do CPPT.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, como referido, essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente, e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais no PPA, na Resposta e nas respetivas Alegações escritas.

 

IV.          FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

1.            QUESTÕES DECIDENDAS E POSIÇÃO DAS PARTES

                Importa apreciar e decidir respeita ao mérito das conclusões da inspeção tributária e da ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios que lhe seguiram, efetuando a AT correções meramente aritméticas ao IRC do exercício de 2017 da Requerente, acrescentando à coleta os seguintes montantes:

             € 112.487,56, correspondente a 25% do investimento efetuado em equipamentos identificados como para o aumento de capacidade das vinhas, de que são exemplo os sistemas de rega e estações meteorológicas, no montante de € 449.950,22.

Esta correção baseia-se na interpretação da AT que estes investimentos foram efetuados no âmbito da uma atividade de viticultura, enquadrando-os assim, ao que parece resultar da fundamentação que consta no Relatório de Inspeção Tributária, numa atividade de produção agrícola primária. A Requerente discorda deste enquadramento, entendendo que estas aquisições se deverão subsumir na atividade de produção de vinhos comuns e licorosos. No entender da AT, os investimentos efetuados no âmbito desta atividade não são elegíveis para o cálculo do RFAI por, na ótica da AT, a atividade estar excluída pelo artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, e pelo n.º 1 do artigo 22.º do CFI, por se tratar de uma atividade (produção agrícola primária) excluída do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.

 

             € 71.264,83, correspondente a 25% do investimento efetuado em equipamentos de que são exemplo cubas, barricas, equipamento de vinificação e equipamento administrativo e informático tendentes ao aumento da capacidade de produção de vinho engarrafado no montante de € 285.059,32.s

 

Segundo o texto do Relatório de Inspeção Tributária, a correção baseia-se num entendimento vertido na Ficha Doutrinária proferida no âmbito do Processo 2018 002452, com entendimento sancionado por Despacho da Subdiretora-Geral de 3 de outubro de 2019, argumentando que a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos estará, na ótica da AT, excluída do RFAI por se tratar de uma atividade no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, que a AT entende excluída das OAR e do RGIC.

 

Assim, o fundamento das correções efetuadas pela AT é a falta de enquadramento das atividades prosseguidas pela Requerente no âmbito setorial de aplicação do RFAI, entendendo assim que os investimentos efetuados pela B..., S.A. no âmbito da sua atividade principal (produção de vinhos) e de uma das suas atividades secundárias (viticultura) se encontram excluídos pelo artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, bem como pelo n.º 1 do artigo 22.º do CFI. Não é invocado pela AT a falta de qualquer outro requisito para a aplicação do RFAI.

A Requerente indica ser uma questão essencial saber se os investimentos efetuados a título de aumento de capacidade da vinha se qualificam como investimentos efetuados na atividade de viticultura ou, pelo contrário, se o facto de essa alegada atividade não gerar vendas a terceiros, sendo a produção de uva para usufruto da própria sociedade, se poderá classificar os investimentos efetuados na vinha como investimentos na atividade de produção de vinhos comuns e licorosos. Atendendo aos argumentos que subjazem no RIT, é essencial saber se a atividade principal (produção de vinhos comuns e licorosos) e a atividade secundária (viticultura) se enquadram no âmbito de aplicação do RFAI.

 

2.            ENQUADRAMENTO – REGIME APLICÁVEL

                Sobre a matéria em discussão importa compulsar o artigo 22.º do CFI , diploma aprovado pelo Decreto-lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 44/2014, de 11 de julho, que dispõe o seguinte:

Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

2 - Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:

a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:

i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;

ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;

iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;

v) Equipamentos sociais;

vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;

b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.

3 - No caso de sujeitos passivos de IRC que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, as aplicações relevantes a que se refere a alínea b) do número anterior não podem exceder 50 % das aplicações relevantes.

4 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.os 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;

d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;

e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 249, de 31 de julho de 2014;

f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

5 - Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.

6 - Para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos.

7 - Nas regiões elegíveis para auxílios nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 107.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia constantes da tabela do artigo 43.º, no caso de empresas que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, apenas podem beneficiar do RFAI os investimentos que respeitem a uma nova atividade económica, ou seja, a um investimento em ativos fixos tangíveis e intangíveis relacionados com a criação de um novo estabelecimento, ou com a diversificação da atividade de um estabelecimento, na condição de a nova atividade não ser a mesma ou uma atividade semelhante à anteriormente exercida no estabelecimento.

 

A autorização legislativa concedida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de julho encontrava-se definida no n.º 3 do seu artigo 2.º, nos seguintes termos:

3 - A autorização prevista na alínea c) do n.º 1 tem como sentido e extensão:

a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:

i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;

ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

b) Prorrogar a vigência do regime até 31 de dezembro de 2020;

c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

d) Definir os limites dos benefícios fiscais a conceder, nomeadamente em função das regiões elegíveis ao abrigo da legislação europeia aplicável, e, no caso de empresas recém-constituídas, permitir uma dedução à coleta até à concorrência da mesma relativamente às aplicações relevantes efetuadas no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes;

e) Prever que a parte da dedução à coleta que não possa ser deduzida por insuficiência de coleta possa ser deduzida até 10 períodos de tributação posteriores;

f) Reforçar os mecanismos de fiscalização e controlo deste regime de benefícios.

 

Por seu turno, o artigo 2.º do CFI  dispõe o seguinte:

Artigo 2.º

Âmbito objetivo

(…)

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

 

                A portaria a que faz referência o n.º 3 do artigo 2.º do CFI é a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, a qual dispõe, no seu artigo 1.º, o seguinte:

Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

 

                O RFAI constitui, assim, um auxílio de Estado com finalidade regional materializado num benefício fiscal ao investimento em ativos fixos tangíveis e ativos fixos intangíveis, adquiridos por sujeitos passivos de IRC que exerçam atividade em determinados setores e que preencham cumulativamente o conjunto de condições enunciadas no artigo 22.º do CFI. No presente dissídio, a AT não questionou, no Relatório de Inspeção que subjaz aos atos de liquidação em apreço, a aplicação de qualquer outro requisito de aplicação do artigo 22.º do CFI que não seja o enquadramento dos investimentos numa atividade alegadamente excluída do âmbito de aplicação do RFAI.

 

3.            ANÁLISE EM CONCRETO

 

Questão à elegibilidade dos investimentos realizados no aumento da capacidade de produção da vinha, de que são exemplo os investimentos em sistemas de rega e estações meteorológicas

                A respeito da questão em apreço haverá, a título prévio, que responder a uma das questões tidas como essenciais para a Requerente: a de saber se os investimentos efetuados se cingem à atividade de produção de vinhos comuns e licorosos ou, como afirma a AT, à atividade de viticultura.

                O artigo 142.º do Código do IRC refere que as atividades exercidas para efeitos desse imposto são classificadas de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, do Instituto Nacional de Estatística. Nessa Classificação, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro, na sua redação atual, no CAE 01210 a atividade de viticultura surge densificada como “Compreende a cultura de uvas de mesa e para vinho”, sinalizando-se ainda que tal definição “Não inclui: Produção de vinho (1102)”. Tal significa que, para efeitos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, as atividades de viticultura e de produção de vinho não se confundem, sendo aliás expressamente desambiguadas.

                Nas instruções de preenchimento da declaração de início de atividade, disponíveis em linha no Portal das Finanças, nas instruções do quadro 08 refere-se “Considere como atividade principal a exercida em mais larga escala, indicando-a no campo 1 ou 2. As atividades secundárias deverão ser indicadas nos campos 3, 4, 5 e/ou 6”. Tal afirmação tem subjacente uma ideia de predominância de uma atividade perante outras, como aliás o indicia a própria classificação de “principal” e “secundária”.

                A lei impõe que os órgãos de representação de uma sociedade não pratiquem atos alheios ao objeto social (cf. n.º 4 do artigo 6.º, n.º 2 do artigo 129.º e artigo 259.º do Código das Sociedades Comerciais), pelo que, em teoria, as atividades registadas pela sociedade poderão ser tantas quanto as previstas no objeto social da sociedade. No caso concreto, nada impede a B..., S.A. de ter registado a atividade de viticultura como atividade secundária, sendo uma atividade permitida pelo seu objeto social.

                Ademais, atendendo a que, como é facto público e notório e como demonstrado no presente processo, a sociedade em questão exerce a “cultura de uvas para vinho”. Tal processo de cultivo é indubitavelmente classificado como viticultura para efeitos do CAE 01210, o que a própria Requerente pareceu anuir nas respostas dadas numa fase preliminar da inspeção tributária, nas respostas às questões efetuadas pelos serviços de inspeção.

                O facto de a B..., S.A. aparentemente não apresentar resultados na atividade de viticultura individualmente considerada prende-se naturalmente com o facto de, como a própria Requerente afirma, não efetuar vendas de uvas, sendo a produção inteiramente canalizada para a atividade de produção de vinhos da sociedade. Tal não é demonstrativo de inexistência dessa atividade sob um ponto de vista económico. Existe uma atividade económica quando recursos são combinados para produzir bens ou serviços específicos, o que no caso se traduz numa combinação de máquinas e mão de obra agrícola que produzem bens: as uvas. O facto de a atividade de produção de vinhos se aproveitar das uvas produzidas pela B..., S.A. é, em si mesmo, a comprovação do exercício da atividade económica produtiva de produção de uva, ainda que esta, por decisão de gestão do Grupo E..., não tenha efeito direto nos resultados da empresa, mas apenas indiretos e imiscuídos nos resultados da atividade principal que é por si alimentada, a atividade de produção de vinhos.

                Para efeitos do RFAI, a lei nada diz quanto a uma exigência de exclusividade na afetação do investimento a uma só atividade económica. De facto, como bem referido na Decisão Arbitral proferida no Processo 82/2020-T, dentro de uma lógica empresarial, a partilha de recursos pelos vários sectores da empresa é normal e recomendada, alias, se não o fosse, seria contraproducente aos objetivos do CFI, RFAI e RGIC, que procuram necessariamente um desenvolvimento económico./ Contudo, esses investimentos, terão necessariamente de se enquadrar e ter como finalidade a prossecução de uma atividade produtiva dentro da atividade económica prevista no n.º 2 e 3 do art.º 2.º do CFI, aplicado ao RFA I por remissão do n.º 1 do art.º 22.º do CFI.

                Porém, no caso em apreço, não se trata da partilha de investimentos entre as várias atividades desenvolvidas pela B..., S.A., uma vez que os investimentos em causa (de que são exemplo sistemas de rega e estações meteorológicas) não são inputs relevantes para a atividade “produção de vinhos comuns e licorosos”, isto é não sendo utilizados na prossecução dessa atividade e não se confundindo com ela. De facto, a produção de vinhos decorre em ambientes controlados e com recurso a equipamentos que são, em muito, diferentes dos utilizados no processo agrícola de produção da uva.

                A Requerente procurou demonstrar uma ligação funcional entre o investimento e o processo produtivo da sociedade afirmando, nos esclarecimentos fornecidos no âmbito da inspeção tributária, que os investimentos em questão se destinam ao reforço de “obtenção de matéria-prima uva, usada na produção de vinho engarrafado”, afirmando assim que o investimento na vinha é justificado pois é necessário um aumento na produção de uvas para lhe corresponder um igual aumento na produção de vinho, como o investimento em cubas, barricas e material de vinificação, e ainda “material informático necessário para dar resposta ao aumento de produção existente”.

                Não se acompanha, porém, a Requerente neste raciocínio, pois a própria afirmação parece contraditória, uma vez que a própria Requerente reconhece que o investimento foi para a “obtenção de matéria-prima”, e não para a produção do produto transformado. Assim, apesar de obviamente apenas se poder produzir vinho com uvas, não é menos verdade que as uvas podem ser adquiridas a terceiros; ou ainda que quem pratica viticultura pode fornecer uvas a terceiros. Assim, ainda que as atividades de viticultura e produção se possam confundir numa mesma sociedade, as atividades não se confundem sob um prisma económico, podendo ser desenvolvidas com autonomia, como afirma a Requerida.

                A Requerente alega que a B..., S.A. não desenvolveria a atividade de viticultura caso não exercesse a atividade de produção de vinho engarrafado. Tal, afigura-se, tratar-se-á apenas de uma mera decisão de gestão da Requerente mo âmbito da sua liberdade de iniciativa económica, não colidindo com qualquer formulação do princípio da igualdade, nomeadamente para efeitos de aplicação de um benefício fiscal.

                Mais invoca a Requerente que existe um terceiro sujeito passivo de IRC que materialmente exerce atividade de viticultura sem que para tal tenha atividade aberta, procurando extrair deste facto uma conclusão para o caso em apreço. A conclusão que se extrai do exemplo fornecido é que a Requerente procura, por um lado, apelar a um conceito material de atividade para efeitos de aplicação do RFAI para, de seguida, se escudar num argumento meramente formal para invocar uma situação de alegada desigualdade.

                Ora, sendo possível uma sociedade abrir atividade com várias atividades secundárias, é, naturalmente, igualmente possível efetuar um pedido de alterações de atividade retirando ou substituindo o código CAE de alguma das atividades, nomeadamente nos casos em que se apure terem cessado o desenvolvimento de uma qualquer atividade ou tenham iniciado uma atividade diferente daquela registada no seu cadastro, competindo às entidades responsáveis pela aceitação desse pedido a verificação dos seus pressupostos. Porém, no caso em apreço, tal pedido de cessação de atividade de viticultura não sucedeu: apesar de a Requerente afirmar que a B..., S.A. apenas mantém a atividade de viticultura aberta por “motivos históricos. Ora, não só não cessou a atividade, como ficou demonstrado e provado que continua, inclusivamente, a efetuar investimentos no reforço na capacidade de produção de uva.

                Afigura-se, assim, que não procede a pretensão da Requerente de enquadrar os investimentos em causa numa atividade com o CAE de produção de vinhos comuns e licorosos, como lhe competia demonstrar (cf. artigo 74.º da LGT), pelo que os investimentos em causa, no total de € 449.950,22 se conclui serem enquadrados no exercício de uma atividade económica, registada como secundária para a Requerente, de Viticultura classificada com o CAE 01210.

                Haverá, porém, de se aferir se a classificação económica identificada é relevante para efeitos de aplicação do RFAI, importando averiguar se estes investimentos poderão, ou não, aproveitar do referido benefício. Atente-se, porém, que a fundamentação que a AT apresenta, no Relatório de Inspeção, para a correção em apreço parece basear a correção começando no artigo 1.º do artigo 22.º do CFI, depois mencionando a atividade de produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas como enumerados no Anexo I do TFUE, por fim alegando a exclusão das atividades do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC, fazendo ainda referência ao artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.

                Destas referências legais, os SIT extraíram a conclusão de que os investimentos efetuados na atividade de Viticultura CAE 01210 não são elegíveis para o RFAI. Porém, na conclusão do Relatório, os SIT, após reescrever que estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas, no parágrafo seguinte olvidam-se do referido na justificação para a correção em apreço, apresentando as “atividades desenvolvidas” como se enquadrando na definição de “transformação de produtos agrícolas apresentada no ponto 10) do artigo 2.º do RGIC”. Ora, não obstante, averiguar-se-á a legalidade da correção promovida pela AT com base na fundamentação subjacente ao ponto específico do RIT agora em análise, o ponto III.1.1.1), a qual se baseia no n.º 1 do artigo 22.º do CFI e no artigo 1.º da Portaria 282/2014, de 30 de dezembro, subentendendo-se, apesar de não claramente expresso, que os SIT consideram que a atividade de Viticultura se insere “nos setores da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE”, sendo ambos referidos na justificação oferecida para a correção promovida.

                Atenta a legislação habilitante do benefício fiscal RFAI, acima referida, afigura-se relevante indagar se, atento o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do CFI: (i) a atividade está prevista no artigo 2.º, n.º 2 do CFI tendo em consideração a classificação económica e os códigos de atividade previstos na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro; e se (ii) a atividade está excluída do âmbito setorial por aplicação das OAR ou do RGIC, como defende a Requerida.

                Em primeiro lugar, é importante constatar que a referência a “nomeadamente” no n.º 2 do artigo 2.º do CFI quererá apenas evidenciar que esse artigo se trata de uma cláusula aberta, não se podendo considerar a lista aí constante como exaustiva. Porém, na alínea d), consta “atividades agrícolas”, onde manifestamente se insere a atividade económica de Viticultura.

                Apesar da referência a “atividades agrícolas” no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, no artigo 2.º da Portaria 282/2014, de 30 de dezembro, não se faz menção expressa a uma qualquer atividade agrícola. Porém, como resulta do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, a remissão para a portaria efetuada pelo CFI é apenas para a definição dos CAE correspondentes às atividades referidas no n.º 2, não se remetendo para a definição dessas atividades – tal como vem sendo igualmente decidido em diversa jurisprudência arbitral, como os processos 220/2020-T, 670/2020-T ou 545/2018-T. Assim, o facto de o CAE referente a viticultura não se encontrar expresso na Portaria 282/2014-T, de 30 de dezembro, não é, por si só, um entrave à aplicação do RFAI aos investimentos numa atividade agrícola como a viticultura.

                Tal como também referido e justificado nas atrás referidas Decisões Arbitrais, para onde se remete, a Portaria 282/2014, de 30 de junho, não poderá limitar os setores/atividades elegíveis para o RFAI, sob pena de tal interpretação necessariamente colidir, desde logo, com o texto expresso da lei que visa regulamentar, como com o princípio da legalidade, também na vertente da reserva de lei da Assembleia da República, necessariamente aplicável aos benefícios fiscais, como decorre dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP..

                Neste sentido, a exclusão expressa da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE efetuada pelo artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não poderá servir de base legal para correção em apreço, atenta a ilegalidade e inconstitucionalidade de tal interpretação.

                Porém, a fundamentação para a correção, tal como a percebida pela Requerente no artigo 36.º do PPA, apesar de breve no RIT, não se baseia na acima referida Portaria, por a AT se ter socorrido do n.º 1 do artigo 22.º e n.º 2 do artigo 2.ºdo CFI, enquadrando a atividade de Viticultura como produção agrícola primária, sector excluído do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

                E afigura-se que, no que tange à limitação de aplicação sectorial das OAR e do RGIC na atividade em análise, a Requerida tem razão. De facto, o RGIC constitui o diploma base e o parâmetro de validade do quadro regulatório dos auxílios estatais conferidos pelos Estados-Membros, à luz do princípio do primado do direito da União Europeia e do n.º 4 do artigo 8.ºda Constituição da República Portuguesa (“CRP”). Como bem referido na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 427/2020-T, há que concluir que o RFAI e a Portaria n.º 297/2015 são instrumentos de execução e de densificação do quadro normativo contido no RGIC e nos artigos 107.º a 109.º do TFUE.

                Ora, o artigo 1.º, n.º 3, alínea b) do RGIC dispõe que o regulamento não é aplicável aos:

b) auxílios concedidos no setor da produção agrícola primária, com exceção dos auxílios regionais ao investimento nas regiões ultraperiféricas, dos regimes de auxílio regional ao funcionamento, dos auxílios em matéria de consultoria a favor das PME, dos auxílios ao financiamento de risco, dos auxílios à investigação e desenvolvimento, dos auxílios à inovação a favor das PME, dos auxílios à proteção do ambiente, dos auxílios à formação, dos auxílios a trabalhadores desfavorecidos e a trabalhadores com deficiência, dos auxílios a projetos do grupo operacional da Parceria Europeia de Inovação para a produtividade e a sustentabilidade agrícolas («PEI»), dos auxílios a projetos de desenvolvimento local de base comunitária («DLBC»), dos auxílios a projetos de cooperação territorial europeia e dos auxílios incluídos em produtos financeiros apoiados pelo Fundo InvestEU

 

                Na alínea c) do mesmo n.º 2 do artigo 1.º do RGIC, estabelece-se que o regulamento não é aplicável aos:

                Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:

i)             sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa;

ii)            sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;

 

                Ora, no n.º 9) do artigo 2.º do RGIC, define-se produção agrícola primária como a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos, sendo que no n.º 10) se define transformação de produtos agrícolas como qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda e, ainda, no n.º 11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013.

                É, assim, manifesto que a atividade de produção de uva (viticultura), ou seja, de produção de fruta (capítulo 8 do Anexo I do TFUE), se enquadra como produção de um produto agrícola e, outrossim, uma produção agrícola primária para efeitos do RGIC, uma vez que se trata da produção de produtos da terra sem outra operação que altere a natureza de tais produtos, operação essa que ocorre numa fase posterior, no âmbito de uma diferente atividade.

                A esta luz, os equipamentos e investimentos efetuados pela B..., S.A. tendo em vista, como assumido pela Requerente, um aumento de capacidade de produção de uva, são enquadrados como investimentos no reforço de uma atividade de produção agrícola primária, ainda que tal atividade não seja a atividade principal exercida pela Requerente.

                Atento o acima exposto, improcede, nesta parte, o pedido anulatório da Requerente em relação à correção de IRC referente aos investimentos na atividade de viticultura, com referência ao exercício de 2017, por não ter provado que o montante de € 112.487,56 que deduziu à coleta a título de RFAI resultou de investimentos numa atividade elegível para efeitos do referido benefício fiscal, logo sendo devida a correção efetuada pela AT, acrescida de juros compensatórios, mantendo-se, nesta parte, os atos tributários objeto da presente ação arbitral.

 

Questão à elegibilidade dos investimentos realizados no aumento da capacidade de produção da vinha

 

                A questão do enquadramento dos investimentos no âmbito de uma atividade de produção vinhos comuns e licorosos, a que corresponde o CAE 11021, foi objeto da Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo 220/2020-T, entretanto apoiada por vários outros Tribunais Arbitrais constituídos no CAAD que decidiram em sentido similar, como no âmbito do Processo n.º 670/2020, de 16 de setembro de 2021, sendo que, nesta parte, aderimos à fundamentação ali constante, que se passa a reproduzir:

 

“Como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas actividades, o que se compreende, por nem ser constitucionalmente admissível a definição do âmbito objectivo de benefícios é matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.

                Na verdade, «como é natural, não pode uma portaria – independentemente de qualquer qualificação jurídico-pedagógica que se lhe dê – excluir um setor de atividade que o legislador fiscal soberano expressamente decidiu dever ser beneficiado e não alterou a sua decisão através de um procedimento legislativo de igual valor (lei ou decreto-lei autorizado). Ao fazê-lo está a derrogar a lei numa matéria central da tipicidade tributária – o que nem mesmo as posições doutrinárias mais flexíveis sobre a teoria da legalidade tributária admitem». (   )

                Por isso, tendo em mente que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar. Na verdade, «é a Constituição e não a lei que estabelece a hierarquia normativa. São por isso inconstitucionais as normas legais que infrinjam a proibição de delegação, sendo consequentemente ilegais os regulamentos que porventura sejam emitidos ao abrigo dessa delegação. (   )

                Assim, aquele n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado com o alcance, que é o que resulta do seu teor literal, de permitir que fossem definidos por portaria os «códigos de atividade económica» que se reportam às actividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI e não que pudessem ser alteradas, para menos, as actividades abrangidas.

                Por isso, «o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional» que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos das actividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito.

                Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 3.º do CFI para estabelecer, restringindo o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas».

                Na verdade, o estabelecimento destas inelegibilidades, reportadas a determinadas actividades elencadas no artigo 2.º, n.º 2 do CFI, reconduz-se ao afastamento da aplicabilidade do benefício fiscal a essas actividades, extravasando a competência objectiva que foi atribuída aos membros do Governo pelo n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que se restringia à indicação dos Códigos das actividades definidas no n.º 2 do mesmo artigo.

                É certo que os diplomas de Direito da União que são invocados no Preâmbulo da Portaria n.º 282/2014, e a «necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais» aí referida, poderiam constituir «um fundamento constitucional e uma habilitação legal prévia da emanação de regulamentos internos» (   ), mas tal habilitação não é admissível quando «seja incompatível com a ordem material de competências constitucionalmente estabelecida (excluem-se, pois, regulamentos de actuação de directivas em matérias de reserva de lei)» (   ), o que sucede neste caso, pois a definição do âmbito dos benefícios é matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos citados artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), da CRP.

                Doutra perspectiva, como defende a Requerente, sendo a delimitação do âmbito dos benefícios fiscais matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, o artigo 1.º, da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, será «inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado nos artigos 103.° e 165.°, n.º 1, alínea i), da CRP, e da proibição do reenvio normativo, consagrada no artigo 112.°, n.º 5, da CRP, na interpretação de que a Administração Tributária pode restringir o âmbito de aplicação sectorial do RFAI tal como este se encontra definido pelos artigos 22.º e 2.º do CFI, com fundamento nessa norma regulamentar».

                Assim, não pode basear-se no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, o afastamento do benefício fiscal, por falta de habilitação legal e validade constitucional para restringir o âmbito do benefício fiscal definido no artigo 2.º, n.º 2, do CFI.

                No entanto, do vício de que enferma este artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014 não decorre necessariamente a anulação das liquidações impugnadas, pois é invocado também como seu fundamento para exclusão do benefício fiscal «o próprio número 1 do artigo 22º deste diploma que, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC».

                Com efeito, quando um acto de tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade, é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". (   )

                Por isso, é necessário apreciar também este segundo fundamento das liquidações.          

 

                3.2.2. Questão do afastamento do benefício fiscal com fundamento por se tratar de actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC

                Como resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho (autorização legislativa), visou-se com o RFAI «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional».

                O artigo 2.º do CFI elenca as actividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais inclui a «indústria transformadora»[alínea a) do n.º 2], mas reafirmando o respeito do «âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC».

                O artigo 22.º, n.º 1, do CFI estabelece que «o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC».

                A Requerente defende que apenas relevou para a aplicação do RFAI investimentos realizados na sua actividade de transformação e comercialização de produtos vinícolas (investimentos em adegas e máquina para instalação de uma linha de engarrafamento de vinho) o que está em sintonia com o afirmado pela Administração Tributária, que refere no Relatório da Inspecção Tributária que «os investimentos realizados antes referidos destinaram-se à atividade principal da empresa e consistiram essencialmente no reforço das suas instalações para vinificação e armazenagem do vinho a granel e engarrafado, fruto do elevado crescimento das vendas de vinho».

                A actividade da Requerente, com o código CAE 11021, incluída na Divisão 11, grupo 110, classe 1102 o anexo ao Decreto-Lei n.º 38172007, de 14 de Novembro, é uma das indicadas na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, que abrange «Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33». Há também acordo das Partes quanto a este enquadramento.

                No entanto, a Administração Tributária defende que a actividade da Requerente é excluída do âmbito de aplicação do RFAI, porque as actividades de «transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado» são «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», a que se refere a parte final daquele n.º 1 do artigo 22.º do CFI.

                A questão que se coloca, assim, é a de saber se a actividade da Requerente está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013) e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014,  publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de Junho de 2014.

 

                3.2.2.1. Questão da exclusão do benefício fiscal pela aplicação das OAR

 

                No que concerne às OAR, a Administração Tributária entendeu que a exclusão decorre do seu ponto 10 em que se estabelece o seguinte:

 

10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura ( 10 ), da agricultura ( 11) e dos transportes ( 12 ), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.

 

                Na nota de rodapé (11), relativa à agricultura, refere-se o seguinte:

«Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».

 

                Considerando estas disposições, a Administração Tributária concluiu que, «quando está em causa a atividade de "transformação de produtos agrícolas", apenas pode beneficiar do RFAI, a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do Anexo l do Tratado».

                A Requerente defende, no entanto que aquele ponto 10, ao excluir «agricultura» do âmbito dos sectores de actividade a que se referem estas orientações sobre os auxílios com finalidade regional a económica, faz essa exclusão, porque «estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações».

                E também, como salienta a Requerente, a referida nota de rodapé (11), esclarece que «os auxílios estatais à (..), transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».

                Na fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária não se encontra qualquer referência a estas especiais «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola», que, como se diz no ponto 10 das OAR, são susceptíveis de derrogar total o parcialmente estas Orientações.

                Isto significa, desde logo, que as liquidações enfermam de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo à aplicação do benefício fiscal, pois era primacialmente com base nas específicas «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícolas» que a questão tinha de ser apreciada e só se se concluísse que estas não derrogam, total ou parcialmente as OAR se poderia concluir pela exclusão do benefício fiscal com base nestas.

                Por outro lado, nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33:

 

(33)

Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.

 

                Como resulta do teor expresso desta segunda parte do ponto (33), as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal.

                E, na secção 1.1.1.4., ponto (168), das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que (168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:

(a)          Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado;

(b)          Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;

(c)          As condições estabelecidas na presente secção.

 

                Conclui-se, assim, que a actividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de vinhos comuns e licorosos, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.

                Assim, como bem diz em síntese a Requerente, «à luz do §10 (e da respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos não se encontra excluída do âmbito de aplicação sectorial das OAR 2014-2020, sendo, pelo contrário, abrangida por este instrumento».

                Por isso, não pode, com o fundamento que foi invocado no RIT, (de a actividade da Requerente, por ser de "transformação de produtos agrícolas", pretensamente estar excluída do âmbito das OAR’s), considerar-se que está excluída do benefício fiscal do RFAI.

                 

                3.2.2.2. Questão da exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC

 

                A Administração Tributária entendeu que actividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta actividade é um produto agrícola, porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta actividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o seu Considerando (11).

                A Administração Tributária ponderou, em suma, que

– o número 1 do artigo 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI, refere que "Para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2º do RGIC";

– fazendo uma leitura do Regulamento (UE) n.º 651/2014 (RGIC), acima referido, verificamos no Considerando (11) que "O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições. Para efeitos do presente regulamento, nem as atividades de preparação dos produtos para e primeira venda efetuadas nas explorações agrícolas, nem a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores, nem qualquer atividade que prepare um produto para uma primeira venda devem ser consideradas atividades de transformação ou de comercialização".

– portanto, a preparação de um produto agrícola para a primeira venda efetuada nas explorações agrícolas, a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores ou qualquer atividade que prepare o produto agrícola para uma primeira venda, não se inserem no conceito de "Transformação e comercialização de produtos agrícolas". Isto porque, estas atividades integram o próprio conceito de "Produção agrícola primária". E como vimos, a produção agrícola primária é uma das atividades referidas no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, excluída, portanto, do âmbito setorial do RFAI.

– para efeitos do CFI e nos termos do ponto 9) do artigo 2º do RGIC, entende-se por "Produção agrícola primária, a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo l do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza dos produtos".

– de acordo com o ponto 11) do mesmo preceito, "Produto agrícola [é] um produto enumerado no anexo l do Tratado, (...)".

                A Requerente defende, em suma, que o RGIC é aplicável a auxílios previstos no CFI e que a exclusão dos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas, apenas se verifica nos casos previstos na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo.

                O RGIC identifica ao auxílios estatais que estão isentos da obrigação de informação atempadamente dos projetos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios, prevista no artigo 108.º, n.º 3, do TFUE.

                Por força do preceituado no artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do RGIC, este diploma é aplicável, além do mais, aos auxílios com finalidade regional, como são os previstos no CFI, à face do preceituado no n.º 2 do seu artigo 2.º.

                Relativamente aos auxílios concedidos no sector de transformação e comercialização de produtos agrícolas, o afastamento da aplicação do RGIC é estabelecido nos seguintes termos:

 

Artigo 1.º

Âmbito de aplicação

(...)

3. O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:

(...)

c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:

i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou

ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;

                Depreende-se desta limitação dos auxílios excluídos do âmbito de aplicação do RGIC, que este diploma é aplicável aos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas em todos os outros casos cuja exclusão não está prevista.

                No caso em apreço, as Partes estão de acordo em que a actividade da Requerente é de «transformação de produtos agrícolas», que é definida na alínea 10) do artigo 2.º do RGIC] (   ); como «transformação de produtos agrícolas», entende-se, para este efeito, «qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda». Por outro lado, por «Produto agrícola» entende-se «um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013» [definição 11) que consta do artigo 2.º do RGIC].

                Os vinhos de uvas frescas são um dos produtos enumerados no anexo I do TFUE [posição 22.05, a que corresponde a posição 2204 da Nomenclatura Combinada (   ), como se refere no Relatório da Inspecção Tributária], pelo que, à face das definições referidas, aqueles produtos se consideram «produto agrícola» e as operações a ele respeitantes são de «transformação de produtos agrícolas».

                Assim, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à actividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».

                Consequentemente, não se verificando qualquer destas situações no caso em apreço, tem de se concluir que a aplicação do benefício fiscal do RFAI também não é afastada pelo RGIC.

                O artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o «âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional», confirma a sua aplicação à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ao excluir do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas esclarecendo que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas», nestes termos:

 

Artigo 13.º

Âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional

              

                A presente secção não é aplicável aos seguintes auxílios:

(...)

b) Auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica; os regimes destinados a atividades turísticas, infraestruturas de banda larga ou comercialização e transformação de produtos agrícolas não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica;

(...)

 

                Pelo exposto, conclui-se que a actividade da Requerente se inclui no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela actividade.

                Atento o exposto, afigura-se igualmente que, no caso em apreço, o montante do benefício fiscal e, consequentemente, do auxílio, não foi fixado “com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto dos produtores primários ou colocados em empresas no mercado”, ou que o auxílio foi total ou parcialmente repercutido em produtores primários. Assim, é manifesto que a dedução fiscal em apreço, efetuada ao abrigo do RFAI, não é afastada pelo RGIC.

                Do mesmo modo, relativamente às OAR, decorre do seu ponto 10 que a “Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura (10 ), da agricultura ( 11) e dos transportes ( 12 ), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações.” Sendo que o instrumento jurídico específico no caso do setor agrícola são as Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».

                Atendendo a que os instrumentos jurídicos específicos apenas são suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as OAR caso, quanto a essa matéria, tenham uma sobreposição na sua aplicação, não se alcança a tese que refere que as OAR não são aplicáveis ao setor da agricultura, parecendo que tal aplicação é expressa. Atendendo a que (1) as OAR não excluem da sua aplicação o setor agrícola, apenas afirmando que podem ser derrogadas, ainda que parcialmente, por um outro instrumento jurídico; e (2) o legislador nacional não tinha de efetuar menção expressa às Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola, atento o facto de essa remissão ser, desde logo, operada pelas próprias OAR, que estabelecem uma simbiose entre as duas Orientações, referindo a já indicada suscetibilidade de as orientações do setor agrícola derrogarem as gerais. 

                Falece, assim, a fundamentação da AT para a correção promovida, motivo pelo qual, nesta parte, os atos de liquidação de IRC e juros compensatórios são parcialmente anuláveis, por erro nos pressupostos de direito, em conformidade com o disposto no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

Relativamente à indemnização por prestação de garantia

                A Requerente alegou, no seu pedido de pronúncia arbitral, que a AT, ao efectuar correções e ao liquidar o IRC desse exercício nessa conformidade, violou as diversas disposições aplicáveis, o que constitui fundamento de impugnação judicial dos actos de liquidação, por errada qualificação e quantificação de factos tributários (art.º 99.º, a) do CPPT).

                Ora, tendo prestado garantia bancária com vista a suspender a execução do valor liquidado, invocou que, no caso de procedência do pedido de declaração de ilegalidade, por erro imputável aos serviços da AT, lhe assistiria direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da sua prestação, nos termos do disposto no art.º 53.º, 1 e 2 da LGT.

                A AT, para lá de não encontrar qualquer ilegalidade nas liquidações, alegou que ficara por provar, pela Requerente, qualquer prejuízo sofrido em resultado da prestação de garantia bancária.

                Tendo-se concluído que a AT desconsiderou indevidamente, para efeito de correcções à matéria colectável, uma dedução à coleta fiscalmente aceitável no respeitante aos investimentos efetuados no âmbito da atividade de produção de vinho, há, na correspondente proporção, lugar à indemnização da Requerente por prestação de garantia.

 

V.           DECISÃO

                De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, sendo procedente quanto ao montante de € 71.264,83, correspondente a 25% do investimento efetuado em equipamentos como cubas, barricas, equipamento de vinificação e equipamento administrativo e informático tendentes ao aumento da capacidade de produção de vinho engarrafado, que a AT acrescentou indevidamente à coleta;

b)           Manter parcialmente no ordenamento jurídico os atos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 2017, no valor remanescente;

c)            Condenar a Requerida no pagamento de uma indemnização pela prestação indevida de garantia bancária, conforme vier a ser apurado em sede de execução do julgado;

d)           Condenar ambas as partes ao pagamento das custas, na proporção de 65% pela Requerente e 35% pela Requerida, ponderando os decaimentos de cada uma relativamente ao pedido.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 198.633,72, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor das liquidações de IRC e juros compensatórios cuja anulação se pretende – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.         CUSTAS

                Custas no montante de € 3.672,00, na proporção de 65% pela Requerente e 35% pela Requerida, em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de fevereiro de 2022

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

Jorge Bacelar Gouveia

Eduardo Paz Ferreira