Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 95/2021-T
Data da decisão: 2021-12-21  IRS  
Valor do pedido: € 31.525,03
Tema: IRS – Indemnização por cessação do contrato de trabalho; ónus da prova
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DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A..., contribuinte fiscal número..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... Arcozelo, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 3.º, alínea a) do n.º1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), visando a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020 ..., relativa ao período de tributação de 2019, com valor a reembolsar de € 31.525,03.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 16-02-2021, o Requerente alega, em síntese, que o ato tributário que constitui o objeto do presente processo se encontra ferido de ilegalidade, porquanto, foram sujeitos a tributação rendimentos relativos a indemnização por cessação do contrato de trabalho que estão, no seu entender, excluídos de tributação, com os seguintes fundamentos:

2.1 Em 21-10-2008, o ora Requerente celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a sociedade B..., S.A. (adiante B...), com efeitos a partir do dia 17 de novembro de 2021 (Doc. 7 junto à P.I.).

2.2 O contrato de trabalho cessou a 25 de outubro de 2019, conforme acordo extrajudicial de “Formalização da Cessação do Contrato de Trabalho no Âmbito de um Procedimento de Extinção do Posto de Trabalho” (Doc. 8 junto à P.I.).

2.3 Neste acordo foi estipulado o pagamento de uma compensação pecuniária de natureza global pela cessação do vínculo laboral no montante total de € 195.7654,00 (Doc. 8 junto à P.I.).

2.4 O pagamento da indemnização foi suportado em 40% pela C... (sociedade onde desenvolvia também o seu trabalho) e os restantes 60% pela B... (Doc. 8).

2.5 A entidade patronal, no ato do pagamento, procedeu à retenção na fonte de 20% sobre a totalidade da compensação paga e fixada no acordo de extinção do posto de trabalho, atendendo às dúvidas que existiam sobre a eventual sujeição a IRS daqueles valores porque o ora Requerente havia sido nomeado administrador da B... durante o período de 17 de novembro de 2008 até ao dia 1 de outubro de 2012.

2.6 Por sentença, proferida em 3 de junho de 2020, já transitada em julgado, o Tribunal do Trabalho, no âmbito do processo n.º .../20...T8VNG, considerou que o ora Requerente “sempre exerceu ao seu serviço, desde a sua contratação, com efeitos a novembro de 2008 até à cessação do contrato, a 25 de outubro de 2019, funções de trabalhador subordinado e não como administrador.” (Doc. 9 junto à P.I.)

2.7 Do exposto resulta que não foi respeitado o disposto na al. b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS relativamente ao valor da indemnização de € 111.244,24 (€ 10.113,11 x 11 anos de antiguidade);

2.8 Há, por isso, valor indevido de retenção na fonte no valor total de € 22.248,84;

2.9 Sobre as divergências de valores constantes das Declarações de Remunerações e da Declaração de IRS, o Requerente esclarece que o montante total rendimento indicado indevidamente na Declaração Anual de Rendimentos pela B... Portugal corresponde à totalidade das remunerações auferidas pelo Requerente na B... Portugal e na C..., S.A., em Espanha, que totalizam a quantia de € 406.751,90.

2.10 Os rendimentos da sua atividade em Espanha foram, no entanto, sujeitos a tributação nesse país, conforme Certificado de Retenciones e ingressos a Cuenta del IRFP – Não residentes – General (Doc. 13 junto à P.I.).

2.11 Tanto assim é que o valor declarado pelo Requerente na Declaração Modelo 3 de IRS foram:

- Anexo J– trabalho dependente desenvolvido em Espanha - € 299.911,93;

- Anexo A - rendimento de trabalho dependente € 152.102,97.

A soma destes valores corresponde ao valor total dos rendimentos declarados pela B... nas DMR’s (€ 299.911,93+€ 152 102,97 = € 452 014,90 – € 10 392,45 = € 441 622,45), cfr. Docs 11, 12 e 13.

2.12 Daqui resulta que a Declaração Anual de Rendimentos entregue pela B... Portugal não estava corretamente preenchida, responsabilidade que não é imputável ao Requerente.

2.13 Não se aceita, pelo exposto, a decisão da AT de que não foi feita prova dos factos alegados, já que foram juntos todos os documentos que sustentam os factos descritos.

 

3. Em resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, considerando dever manter-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, decidindo-se pela absolvição da entidade requerida, nos seguintes termos:

3.1 Considerou a AT provados os factos descritos nos pontos A. a K. do artigo 5.º da Resposta, que aqui se dão, para todos os efeitos legais, integralmente reproduzidos.

3.2 Não foi, segundo a AT, provado que o Requerente tenha recebido a quantia relativa à compensação por cessação do contrato de trabalho, pois não foi apresentado nenhum recibo ou qualquer documento com a indicação da data de pagamento e discriminação da respetiva rúbrica;

3.3 Com efeito, o contrato de formalização da cessação do contrato apenas refere que a entidade empregadora se obriga a pagar mas não foi feita qualquer prova do pagamento.

3.4 Verifica-se também uma divergência entre os valores declarados nas DMR (rendimento de € 442 522,45 e uma retenção de € 66 247,00) e na declaração modelo 3 de IRS (rendimento da categoria A de €152.102,97 e retenção de € 66.247,00);

3.5 Ora, cabe ao sujeito passivo fazer prova dos factos que suportas as suas pretensões e direitos que invoca, o que não aconteceu, já que não foi feita a prova a que categoria de rendimentos pertencem os montantes sobre os quais foi feita retenção, o que seria facilmente obtido mediante a junção de recibos de vencimento ou de comprovativos de transferência bancária ou recibos de quitação.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 16-02-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 21-05-2021.

 

8. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes, devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando que a “posição das partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos”, “ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º2 e 29.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), por despacho de 01-11-2021 decidiu dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do referido Regime, bem como a apresentação de alegações.

 

11. Foi indicada como data limite para prolação da decisão arbitral o dia 21-12-2021.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base no acervo documental junto aos autos, mormente o processo administrativo e documentos que o integram, se consideram provados:

 

12.1 Em 21-10-2008, o Requerente celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a sociedade B..., S.A., com efeitos a partir do dia 17 de novembro de 2021 (Doc. 7 junto à P.I.)

 

12.2 O contrato de trabalho cessou a 25 de outubro de 2019, conforme acordo extrajudicial de “Formalização da Cessação do Contrato de Trabalho no Âmbito de um Procedimento de Extinção do Posto de Trabalho” (Doc. 8 junto à P.I.).

 

12.3 Neste acordo foi estipulado o pagamento de uma compensação pecuniária de natureza global pela cessação do vínculo laboral no montante total de € 195.7654,00 (Doc. 8 junto à P.I.), a pagar, segundo o ponto 1 da cláusula segunda do, o pagamento na data de assinatura do mesmo, em 25 de outubro de 2021.

 

12.4 No ponto 6 da cláusula segunda do mesmo acordo, estabeleceu-se que “As parte convencionam que os documentos emitidos pela instituição bancária a comprovar a realização das transferências dos montantes devidos para a conta indicada no número anterior constituirão prova plena do referido pagamento.”

 

12.4 O pagamento da indemnização foi suportado em 40% pela C... (sociedade onde desenvolvia também o seu trabalho) e os restantes 60% pela B... (Doc. 8 junto à P.I.).

 

12.5 Por sentença, proferida em 3 de junho de 2020, o Tribunal do Trabalho, no âmbito do processo n.º .../20...T8VNG, considerou que o ora Requerente “sempre exerceu ao seu serviço, desde a sua contratação, com efeitos a novembro de 2008 até à cessação do contrato, a 25 de outubro de 2019, funções de trabalhador subordinado e não como administrador.” (Doc. 9 junto à P.I.);

 

12.6 Na declaração anual de rendimentos, a B... declarou que a remuneração paga totalizou a quantia de € 406.751,90, ao qual acrescem os valores relativos a subsídio de férias e subsídio de natal, num valor total de € 441.622,45.

 

12.7 O valor declarado pelo Requerente na Declaração Modelo 3 de IRS de 2019 foram:

- Anexo J– trabalho dependente desenvolvido em Espanha - € 299.911,93;

- Anexo A - rendimento de trabalho dependente € 152.102,97.

 

12.8. O Requerente apresentou reclamação graciosa que veio a ser indeferida, em 11-01-2021.

 

14. A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada, designadamente a constante do processo administrativo junto pela Requerida.

 

15. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Matéria de direito

 

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade do ato de liquidação de IRS do ano de 2019, solicitando, consequentemente, a declaração de ilegalidade desse ato.

 

A questão que se coloca no caso é a de saber se o montante sujeito a retenção pela entidade empregadora da exclusão de tributação, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.ºs 1 alínea a), e 4 alínea b), do CIRS, como defende o Requerente ou se, pelo contrário, na tese da Requerida, não está excluída de tributação, por não estar provado o recebimento da indemnização.

 

Dispõe a alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS que ficam sujeitas a tributação as importâncias auferidas “(…) na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos doze meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora (…)”.

 

Não há, no caso, divergência entre as partes sobre o enquadramento das indemnizações pagas a título de compensação por cessação do contrato de trabalho, tendo a AT, na fundamentação do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, calculado o valor da compensação do Requerente que ficaria excluída de tributação.

 

A questão a decidir está relacionada com a divergência entre os valores declarados e tributados na modelo 3, tendo por base a comunicação da entidade empregadora, e a alegada exclusão de tributação da compensação por cessação do contrato de trabalho.

 

Cabe a este tribunal, face aos factos e prova apresentada, avaliar se o Requerente cumpriu com o ónus da prova que lhe era exigível e se a Requerida cumpriu com os pressupostos legais de atuação a que está vinculada.

 

Nos termos do 74.º, n.º 1, da LGT "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.". No mesmo sentido prescreve o artigo 342.º n.º 1 do Código Civil: " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."

 

Sobre a questão da distribuição do ónus, existe vasta jurisprudência que sustenta, em síntese, que (i) cabe à Autoridade Tributaria e Aduaneira o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que (ii) cabe ao sujeito Passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.

 

Perante a apresentação da declaração fiscal pelo Requerente, impende sobre esta a presunção de veracidade e de boa-fé, conforme previsto no artigo 75.º da LGT, o qual prescreve:

"Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

 

Esta presunção é afastada quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões...” ou “o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária...” (artigo 75.º n.º 2 alíneas a) e b)).

 

Perante eventuais erros, cabia ao Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, recorrendo aos meios de prova legalmente admitidos, nomeadamente documental.

 

Em cumprimento deste ónus, o Requerente apresentou os esclarecimentos que considerou devidos e juntou a prova documental que sustentam os factos supra, a saber: cópia do acordo de cessação do contrato de trabalho, declaração de IRS entregue, cópia da sentença do tribunal do trabalho a comprovar a sua antiguidade, Declaração Anual de Rendimentos relativa a 2019 e Certificado de Retenciones e ingressos a Cuenta del I.R.P.F.

 

Clarificou, ainda na parte final do pedido, as razões que terão justificado a existência de divergências entre a declaração de IRS entregue e as declarações de remunerações apresentadas pela entidade empregadora, por nomeadamente incluírem os rendimentos obtidos fora do território português e já sujeitos a tributação em Espanha.

 

Da sua análise, concluímos que as explicações apresentadas são coerentes com a prova documental.

 

Quanto à Requerida, cabe-lhe o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado de que os rendimentos declarados não integram o valor da compensação por cessação do contrato de trabalho e deve, em consequência, ser tributada.

 

Mais, independentemente do ónus da prova, conforme se referiu no Acórdão do CAAD relativo ao Proc. 949/2019-T, presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, cabe à Requerida realizar todas as diligências necessárias para a descoberta da verdade:

 

Com efeito, como se referiu, mesmo quando a lei estabelece que o ónus da prova recai sobre o contribuinte, a Administração Tributária não está dispensada de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT).  As regras do ónus da prova, no procedimento tributário, não têm o alcance de dispensar a Administração Tributária do cumprimento deste dever, mas apenas de estabelecer contra quem deve ser proferida a decisão no caso de, no final do procedimento, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto. O funcionamento destas regras, assim, ocorre apenas quando, após a actividade necessária para a adequada fixação da matéria de facto, directamente a partir dos meios de prova e indirectamente com base na formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que relevam para a decisão que deve ser proferida. Nestes casos, por força das regras do ónus da prova, devem decidir-se os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. (   ). Assim, no procedimento tributário (   ), o princípio do inquisitório, enunciado neste artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

De resto, o dever de utilização de todos os meios de prova necessários resulta claramente de do artigo 50.º do CPPT que estabelece que «no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos ...», independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte, noma esta que está em sintonia com o artigo 72.º da LGT que estabelece que o «órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito».

As expressões todas as diligências necessárias», «todos os meios de prova admitidos em direito» e o «todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários», utilizadas nos artigos 26.º e 72.º da LGT e 50.º do CPPT, não dão margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe à Administração Tributária e à não restrição dos meios de prova que deve utilizar.

 

Ora, perante as dúvidas quanto ao tipo de rendimentos que foram declarados pela entidade empregadora na sua declaração de remunerações, cabia à Requerida, nos termos do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, nomeadamente averiguar junto da entidade empregadora o tipo de rendimentos declarados e retenção feita já que a presunção de veracidade da informação prestada e retenção na fonte feita foi legitimamente posta em causa pelo Requerente.

 

Pelo contrário, perante a prova apresentada, a AT limitou-se a afirmar que “não foi provado que o Requerente tenha recebido a quantia relativa à compensação por cessação do contrato de trabalho, pois não foi apresentado nenhum recibo ou qualquer documento com a indicação da data de pagamento e discriminação da respetiva rubrica...”. Ou seja, “...não foi feita prova quer do pagamento quer do recebimento”.

 

Nestes termos, a Requerida desvaloriza toda a prova documental apresentada, afirmando que apenas a comprovação do pagamento da compensação permitiria a exclusão de tributação. Ora, a apresentação de um comprovativo do pagamento da indemnização não permite aferir se aquele valor declarado pela entidade empregadora na declaração de remunerações e incluído na declaração de IRS corresponde à compensação por cessação do contrato de trabalho, facto que só poderá ser atestado pelo trabalhador e comprovado pela entidade empregadora, através da análise aos seus registos contabilísticos.

 

Assim, se a Requerida tinha dúvidas sobre o alegado pela Requerente, cabia-lhe nos termos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC, diligenciar junto da entidade empregadora sobre quais os rendimentos pagos, a sua natureza e o enquadramento fiscal feito quanto à sujeição a retenção. O ónus da prova obedece ao princípio da proporcionalidade, pelo que os elementos de prova exigidos ao Requerente apenas poderiam ser plenamente demonstrados pela entidade patronal, diligência que, nos termos da lei, lhe competia à Requerida.

 

Pelo exposto, conclui-se que o Requerente deu satisfação ao ónus da prova ao apresentar os documentos que tinha (e devia ter) em seu poder e que demonstram o que alega, criando uma dúvida fundada sobre a liquidação de IRS feita. A factualidade descrita -  nomeadamente o exercício de funções de administração que levaram a entidade patronal a proceder à retenção na fonte de todos os rendimentos, a subsequente sentença do tribunal do trabalho, o acordo de cessação do contrato de trabalho e a data de pagamento da indemnização coincidentes com os montantes declarados na DMR - constituem factos demonstrativos do enquadramento alegado pelo Requerente e criaram no tribunal a presunção de veracidade exigível na produção de prova.

 

Não existiram, por outro lado, quaisquer elementos probatórios em sentido contrário que gerassem uma situação de dúvida ou tornassem inverosímil o alegado pelo Requerente, pelo que consideramos cumprido o ónus da prova.

 

Por isso, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

A par da anulação do ato de liquidação, e consequente reembolso do imposto pago em excesso, o Requerente solicitou ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, não lhe foi pago o reembolso de IRS devido.

 

Resulta, também, dos autos, que a ilegalidade do ato de liquidação objeto do presente processo é diretamente imputável à Requerida, a partir do momento em que a Requerente apresentou a reclamação graciosa.

 

Reconhece-se, assim, ao Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante de reembolso que não lhe foi pago, desde a data de apresentação da reclamação graciosa até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, artigo 43.º, n.º 1 e CPPT, artigo 61.º).

 

IV. Decisão

 

Nos termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

 

Determinar a anulação parcial do ato de liquidação n.º 2019... impugnado, na parte correspondente à tributação como rendimento da categoria A da quantia de € 111.244, 24, relativa à indemnização por cessação do contrato de trabalho não sujeita a IRS.

 

Valor do processo:

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de € 31.525,03, nos termos apresentados pela Requerente e não contestado pela Requerida.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1.836.00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 21 de dezembro de 2021

 

O Árbitro

(Amândio Silva)