Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 943/2019-T
Data da decisão: 2020-09-18  IRC  
Valor do pedido: € 97.108,81
Tema: IRC – Direito ao reembolso de imposto; Juros indemnizatórios. Declaração de substituição.
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SUMÁRIO:

 

A apresentação de uma declaração de substituição, legalmente admitida pelo artigo 122.º do Código de IRC, não implica a ocorrência de erro no preenchimento na declaração inicial, para efeito do disposto no artigo 104.º, n.º 3, do mesmo diploma, não obstando ao pagamento de juros indemnizatórios por atraso no reembolso de imposto ao sujeito passivo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1.            A..., S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º..., no Porto, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a ilegalidade do ato tributário consubstanciado na liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2015... e na demonstração de acerto de contas n.º 2015..., referentes ao exercício de 2013, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente submeteu, em 30 de Maio de 2014, a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 referente ao exercício de 2013, na qual apurou um valor a reembolsar de € 13.845.591,23, tendo sido notificado, em novembro de 2014, da liquidação de IRC n.º 2014 ... na qual se apura um valor a reembolsar de € 13.845.591,23 e o pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso no processamento do reembolso no valor de € 97.108,80.

 

Posteriormente, em 28 de Maio de 2015, o Requerente submeteu uma declaração de substituição Modelo 22, referente ao mesmo exercício, na qual apurou um valor a reembolsar de € 13.845.512,08, implicando o pagamento adicional de imposto de € 79,14.

 

Na sequência, a Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação, em que a Administração Tributária confirmou os valores apurados na declaração de substituição, mas expurgou do apuramento o montante anteriormente pago a título de juros indemnizatórios, no valor de € 97.108,80, exigindo o pagamento dessa quantia.

 

A Administração Tributária não apresentou qualquer justificação para a expurgação daquele montante, pelo que o acto tributário encontra-se inquinado de falta de fundamentação, inviabilizando, na prática, o controlo da legalidade e o exercício pelo Requerente dos seus meios de defesa.

 

De todo o modo, o ato tributário é ilegal na parte em que desconsidera os juros indemnizatórios devidos pelo atraso no reembolso. No caso vertente, verificou-se um atraso no processamento do reembolso que, nos termos do artigo 104.º, n.º 3 e n.º 6, do Código do IRC, impunha o pagamento de juros indemnizatórios.

 

Efetivamente, a declaração periódica de rendimentos modelo 22 referente ao exercício de 2013 foi submetida em 30 de Maio de 2014 e o reembolso veio a concretizar-se apenas em novembro de 2014), em incumprimento do prazo de três meses que a lei prevê para o seu processamento, de acordo com o artigo 104.º, n.º 3, do Código do IRC.

 

E apesar de a Requerente ter apresentado uma declaração de rendimentos de substituição, o que é certo, é que, na primeira declaração de rendimentos Modelo 22 apresentada não incorreu em qualquer “erro de preenchimento” suscetível de desobrigar a Administração Tributária de reembolsar o imposto no prazo previsto naquele preceito.

 

O “erro de preenchimento” a que alude aquela disposição legal só pode ser o erro suscetível de retardar o processamento da declaração de rendimentos pela Administração Tributária, designadamente, o incumprimento pelo contribuinte das regras de preenchimento dos diversos campos da declaração, sendo que a Requerente apenas incorreu em lapsos na indicação de alguns valores, os quais pretendeu corrigir com a apresentação da declaração de substituição.

 

Sem prejuízo, ainda que se admitisse que a declaração periódica de rendimentos modelo 22 da apresentada pelo Requerente continha um “erro de preenchimento”, nem por isso tal “erro” desobrigava a Administração Tributária do cumprimento do prazo de três meses para o reembolso, visto que o conceito de “erro de preenchimento” previsto naquela disposição ficou desprovido de aplicação à luz da submissão eletrónica das declarações de rendimentos e da correção automática das mesmas promovidas pelos serviços da administração tributária.

 

Assim, impõe-se uma interpretação do artigo 104.º, n.º 3, do Código do IRC no sentido de que apenas quando os eventuais erros de preenchimento não sejam suscetíveis de ser detetados e corrigidos informaticamente seria aplicável a exclusão do prazo de reembolso, sendo que, no caso, a admitir-se que houve um erro de preenchimento, este era detetável e corrigível imediatamente por via informática.

 

Não parece razoável, por outro lado, que o contribuinte se veja excluído do direito a juros indemnizatórios no valor de € 97.780,81, quando o montante corrigido através da declaração de substituição é de € 79,00. Havendo de entender-se que a norma do artigo 104.º, n.º 3, do Código do IRC, se interpretada no sentido de excluir o direito a juros indemnizatórios, quando não se verifica “erro de preenchimento” suscetível de justificar o atraso na concretização do reembolso e sem a devida ponderação da dimensão económica do alegado “erro de preenchimento” face ao montante de juros indemnizatórios a que o contribuinte teria direito, incorre na violação do princípio da proporcionalidade, nas vertentes de adequação, necessidade e justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, a título de questão prévia, refere que a Requerente não apresentou até à data a certidão judicial eletrónica do requerimento da extinção da instância, que constitui um dos requisitos do pedido de constituição de tribunal arbitral em caso de migração de processos do tribunal tributário, conforme o disposto no artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, requerendo, em consonância, que a Requerente apresente, no prazo considerado adequado, certidão judicial eletrónica do requerimento de extinção da instância judicial.

 

Quanto à falta de fundamentação, a Autoridade Tributária considera que os atos em causa esclarecem suficientemente a qualificação dos factos que originaram a exclusão pagamento de juros indemnizatórios, não se verificando o alegado vício de forma.

 

No que se refere à questão de fundo, sustenta que, nos termos do artigo 104.º, n.º 3, do Código do CIRC, a Administração se encontra desobrigada de proceder ao reembolso do imposto no prazo legal de três meses quando a declaração periódica de rendimentos não tenha sido apresentada no prazo legal ou contenha erros de preenchimento, constatando-se que, no caso vertente,  a Requerente, em 28.05.2015, submeteu uma declaração de substituição por ter declarado um prejuízo fiscal superior ao efetivo, pelo que a declaração de substituição resultou de um erro de preenchimento da declaração que é imputável ao sujeito passivo e foi apresentada fora do prazo previsto no artigo 120.º do CIRC (até ao ultimo dia do mês de Maio).

 

E desse modo, não estão preenchidos os requisitos de que depende o direito a juros indemnizatórios nos termos dos n.ºs 3 e 6 do artigo 104.º do Código do IRC.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 14 de Setembro de 2020, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 18 de Março de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e que foi invocada a questão prévia do incumprimento do requisito previsto no artigo 11.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, para   efeito da constituição de tribunal arbitral em caso de migração de processos dos tribunais tributários, que será analisada adiante.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           Em 30 de Maio de 2014, a Requerente submeteu a declaração periódica de rendimentos Modelo 22, referente ao exercício de 2013, na qual apurou um valor a reembolsar de € 13.845.591,23 (documento n.º 1 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto);

B)           Nessa declaração, a Requerente relevou, a título de donativos não previstos ou para além dos limites legais, o valor de € 230.033,67, a título de correções relativas a períodos de tributação anteriores, o valor de € 1.300.556,18 e, a título de benefícios fiscais, o valor de € 59.560.033,13, apurando um prejuízo para efeitos fiscais de € 135.405.970,94 (campos 751, 756, 774 e 777 do Quadro 07 do documento n.º 1 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto);

C)           Relevou ainda, a título de despesas de representação nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC, o valor de € 280.892,50 (campo 414 do Quadro 11 do documento n.º 1 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto);

D)           Em novembro de 2014, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2014..., de 23.10.2014, referente ao exercício de 2013, na qual se apurou um valor a reembolsar de € 13.942.700,02 (documento n.º 2 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto).

E)            A liquidação reflete o pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso no processamento do reembolso no valor de € 97.108,80 (documento n.º 2 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto);

F)            Em 28.05.2015, a Requerente submeteu uma declaração de substituição Modelo 22, referente ao mesmo exercício de 2013, na qual apurou um prejuízo fiscal de € 13.450.965,18 (documento n.º 3 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto);

G)           Nessa declaração a Requerente relevou, a título de donativos não previstos ou para além dos limites legais, o valor de € 231.833,67, a título de correções relativas a períodos de tributação anteriores, o valor de € 1.343.112,54 e, a título de benefícios fiscais, o valor de € 59.564.271,01, apurando um prejuízo fiscal de € 13.845.512,08 (campos 751, 756, 774 e 777 do Quadro 07 documento n.º 3 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto);

H)           Relevou ainda, a título de despesas de representação nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 7, do Código do IRC, o valor de € 281.288,21 (cf. campo 414 do Quadro 11 do documento n.º 3 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto);

I)             Por efeito da declaração de substituição, a Requerente apurou um valor a pagar de € 79,14 resultante da diferença entre o valor a reembolsar apurado na declaração modelo 22 apresentada em 30.05.2014, (€ 13.845.591,23) e valor a reembolsar apurado na declaração de substituição apresentada em 28.05.2015 (€ 13.845.512,08) (documento n.º 4 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto);

J)            A Requerente efectuou o pagamento dessa importância (documento n.º 4 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Tributário do Porto).

K)           Em junho de 2015, na sequência da declaração de substituição, a Requerente foi notificada do ato de liquidação n.º 2015..., de 3 de junho de 2015, relativa ao exercício de 2013, em que foi apurado montante a reembolsar de 13.845.591,23 (documento n.º 5 anexo à impugnação deduzida perante o documento n.º 5 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto;

L)            Nessa liquidação, foi expurgado do apuramento o montante anteriormente pago a título de juros indemnizatórios, no valor de € 97.108,80 (documento n.º 5 anexo à impugnação deduzida perante o documento n.º 3 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto);

M)          A Requerente efetuou o pagamento voluntário da liquidação (documento n.º 6 anexo à impugnação deduzida perante o Tribunal Tributário do Porto);

N)           Em 10 de Novembro de 2013, a Requerente apresentou impugnação judicial perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tendo por objeto o ato tributário de liquidação de IRC n.º 2015... e de demonstração de acerto de contas n.º 2015..., referentes ao exercício de 2013, e que correu termos sob o n.º .../15...BEPRT (documento n.º 1 junto com o pedido arbitral);

O)           Em 31 de dezembro de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, a Requerente apresentou nesse Processo requerimento com vista à extinção da instância judicial (documento n.º 2 junto com o pedido arbitral);

P)           A Requerente ficou impossibilitada de requerer a certidão judicial eletrónica do requerimento submetido (documento n.º 3 junto com o pedido arbitral);

Q)           A Requerente apresentou no TAF do Porto um pedido de emissão de certidão judicial eletrónica de entrega do requerimento de extinção de instância logo que cessado o impedimento para a sua emissão (doc. n.º 5 junto com o pedido arbitral);

R)           A Requerente, por requerimento apresentado em 25 de Agosto de 2020, junto aos autos certidão judicial electrónica do pedido de extinção da instância no Processo n.º.../15...BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto;

S)            Em 31 de Dezembro de 2019, a Requerente apresentou um pedido de constituição de tribunal para a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de IRC n.º 2015... e de demonstração de acerto de contas n.º 2015..., referentes ao exercício de 2013, que constituíam objecto da impugnação judicial deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e que correu termos sob o n.º .../15...BEPRT.

 

Factos não provados

 

Não há factos que interessem para a decisão da causa que não se encontrem provados.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes, em atenção ao princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 110.º, n.º 7, do CPTT. Após a requisição do processo administrativo ao TAF do Porto e da comunicação deste Tribunal informando que o processo administrativo foi devolvido ao Serviço de Finanças do Porto ..., em 9 de Julho de 2020, por despacho de 4 de Setembro de 2020, determinou-se a notificação da Autoridade Tributária para juntar aos autos esse processo. A Autoridade Tributária não apresentou o processo administrativo no prazo cominado.

 

Saneamento

 

Foi invocada pela Requerida a questão prévia do incumprimento do requisito previsto no artigo 11.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, para   efeito da constituição de tribunal arbitral em caso de migração de processos dos tribunais tributários.

 

Dispõe a referida disposição que “o pedido de constituição de tribunal arbitral a submeter ao Centro de Arbitragem Administrativa é necessariamente acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial nos termos do presente artigo.”

 

 No caso, o pedido arbitral não vinha acompanhado da referida certidão, mas, entretanto, a questão encontra-se ultrapassada.

 

A Requerente comprovou documentalmente que solicitou a emissão de certidão judicial eletrónica do comprovativo de entrega do requerimento de extinção da instância no Processo n.º .../15...BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (alínea N) da matéria de facto) e só não pode apresentar a certidão com o pedido arbitral por impossibilidade revelada pelo sistema informático de obtenção da certidão em tempo útil (alínea O) da matéria de facto).

 

A não apresentação simultânea da certidão electrónica enquadra-se, por conseguinte, numa situação de justo impedimento (cfr. artigo 144.º, n.º 8, do CPC), sendo que, entretanto, a certidão foi apresentada por requerimento entrado em 25 de Agosto de 2020, encontrando-se assim verificado o requisito a que se refere o mencionado artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 81/2018, para efeito de cometimento de processo à arbitragem tributária.

 

Matéria de direito

               

Ordem de conhecimento de vícios

 

6. A Requerente fundamenta o pedido de anulação contenciosa num vício de falta de fundamentação e em vícios de violação de lei e de inconstitucionalidade.

Conforme dispõe o artigo 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na sentença a proferir no processo de impugnação, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar, no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior (n.º 2).

 

No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato administrativo. Por outro lado, a Requerente não indica uma relação de subsidiariedade entre os vícios, pelo que se afigura haver lugar ao conhecimento prioritário do vício de violação de lei por ser este que confere mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, visto que o vício de falta de fundamentação – a proceder – não impediria que a Administração produzisse, em execução de julgado, um ato de idêntico sentido ainda que devidamente fundamentado.

 

Questão de fundo

 

                7. Em debate está a questão de saber se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da Autoridade Tributária por atraso no reembolso do imposto ao sujeito passivo, em aplicação das regras do artigo 104.º, n.ºs 3 e 6, do Código de IRC.

 

                Na situação do caso, a Requerente havia submetido a declaração periódica de rendimentos Modelo 22, referente ao exercício de 2013, em 30 de Maio de 2014, na qual  apurou um prejuízo fiscal de € 135.405.970,94 e que originou, na liquidação de IRC, emitida em 23 de Outubro de 2014,  um valor a reembolsar de € 13.942.700,02 e o  pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso no processamento do reembolso no valor de € 97.108,80.

 

                Em 28 de Maio de 2015, a Requerente apresentou uma declaração de substituição em que corrigiu alguns dos valores inscritos na declaração inicial e apurou um prejuízo fiscal de € 135.450.965,18. Na sequência da declaração de substituição, foi emitida nova liquidação, com data de 3 de junho de 2015, em que se fixou em € 13.845.591,23 o montante de imposto a reembolsar e se expurgou o montante de € 97.108,80 anteriormente processado a título de juros indemnizatórios.

 

Estabelece o artigo 110º do Código do IRC, sob a epígrafe “Pagamento do imposto liquidado pelos serviços”, que, nos casos de liquidação efectuada pela Autoridade Tributária, o sujeito passivo é notificado para pagar o imposto e juros que se mostrem devidos, no prazo de 30 dias a contar da notificação (n.º 1) e se a liquidação der lugar a reembolso de imposto, “o mesmo é efectuado nos termos dos n.ªs 3 e 6 do artigo” 104º (n.º 5).

 

O artigo 104.º, para que remete essa disposição, que regula as regras do pagamento, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:

 

1 – (…)

2 - Há lugar a reembolso ao sujeito passivo quando:

a)            O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.ºs 2 e 4 do artigo 90º, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta;

b)           O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.ºs 2 e 4 do artigo 90º, não sendo negativo, for inferior ao valor dos pagamentos por conta, pela respectiva diferença.

3 - O reembolso é efectuado quando a declaração periódica de rendimentos for enviada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês seguinte ao do seu envio.

4             – (…)

5             – (…) 

6             - Não sendo efectuado o reembolso no prazo referido no nº 3, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.

7             - Não há lugar ao pagamento a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 nem ao reembolso a que se refere o n.º 2 quando o seu montante for inferior a (euro) 25. 

 

O artigo 43.º, n.º 3, alínea a), da LGT também prevê o pagamento de juros indemnizatórios, entre outras circunstâncias, “quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos”. Tal como o artigo 61.º, n.º 1, do CPPT, que, ao elencar as entidades a quem cabe reconhecer o direito a juros indemnizatórios, refere, na alínea c), que esse direito é reconhecido “pela entidade que procede ao processamento da nota de crédito, quando o fundamento for o atraso naquele processamento”. O n.º 3 do mesmo artigo dispõe ainda que “[o]s juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respectivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo”.

 

Para a análise do caso, relevam ainda as disposições dos artigos 120.º e 122.º do Código do IRC.

 

                A primeira dessas disposições, epigrafada “declaração periódica de rendimentos” no seu n.º 1, consigna que “[a] declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º deve ser enviada, anualmente, por transmissão electrónica de dados, até ao último dia do mês de Maio, independentemente de esse dia ser útil ou não útil”. 

 

Por sua vez, o artigo 122.º tem a seguinte redacção:

 

Declaração de substituição

1 - Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta.

2 - A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal.

3 - Em caso de decisão administrativa ou sentença superveniente, o prazo previsto no número anterior conta-se a partir da data em que o declarante tome conhecimento da decisão ou sentença.

4 – (…)

5 – (…)

 

Resulta do transcrito artigo 104.º, n.º 3, que, havendo lugar a reembolso, nos termos do n.º 2 desse artigo, este é efectuado até ao fim do 3.º mês seguinte ao do envio da declaração periódica de rendimentos quando a declaração tiver sido enviada no prazo legal e desde que não contenha erros de preenchimento.

 

                No caso, a declaração periódica de rendimentos foi apresentada em 30 de Maio de 2014, e, por isso, dentro do prazo cominado no artigo 120.º, n.º 1, que estipula que ela seja enviada até ao último dia do mês de Maio.

 

                Tendo a correspondente liquidação sido emitida apenas em 23 de Outubro de 2014, o reembolso de imposto não pode ser efectuado no prazo fixado no artigo 104.º, n.º 3, isto é, até ao fim do 3.º mês seguinte ao do envio da declaração, pelo que a liquidação incluiu, no valor a reembolsar, o montante de € 97.108,80 a título de pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso no processamento do reembolso.

 

                Tendo sido entregue uma declaração de substituição, em 28 de Maio de 2015, que releva um prejuízo fiscal superior ao indicado na primeira declaração, a nova liquidação, emitida em 3 de junho de 2015, fixou o valor a reembolsar em € 13.845.591,23, dele excluindo o montante de € 97.108,80 respeitante a juros indemnizatórios, que tinha sido anteriormente processado.

 

                Em todo este contexto, a Autoridade Tributária parece ter partido do pressuposto de que a apresentação de uma declaração de substituição implica a ocorrência de erro no preenchimento na declaração inicial, para efeito do disposto no artigo 104.º, n.º 3, do Código do IRC, que justificaria, por si, o não pagamento de juros indemnizatórios a que a Administração se encontrava obrigada por atraso no reembolso.

 

                Ora, por erros de preenchimento haverá de entender-se as meras incorrecções formais que possam resultar da inobservância, pelo contribuinte, das regras de preenchimento dos diversos campos do formulário pelo qual se apresenta a declaração periódica de rendimentos, e que possam determinar a sua não validação. Com efeito, só nessa circunstância, em que o contribuinte carece de apresentar uma nova declaração corrigida, fazendo retardar o procedimento de liquidação, é que é possível considerar que o atraso na emissão da liquidação e no reembolso do imposto, quando a ele haja lugar, é imputável ao próprio contribuinte, desobrigando a Administração do pagamento de juros indemnizatórios.

 

                Pelo contrário, a apresentação de declaração de substituição constitui uma faculdade legalmente prevista, que visa, como decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 122.º, efectuar o pagamento do imposto em falta, quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, ou corrigir a autoliquidação quando dela tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo.

 

                No caso vertente, a Requerente apresentou declaração de substituição para corrigir os valores inscritos a título de donativos não previstos ou para além dos limites legais (€ 231.833,67 em vez de € 230.033,67), de correções relativas a períodos de tributação anteriores (€ 1.343.112,54 em vez de € 1.300.556,18), e de benefícios fiscais (€ 59.564.271,01 em vez de € 59.560.033,13), tendo apurado um prejuízo fiscal de € 135.450.965,18.

 

                Assim, a declaração de substituição foi apresentada para a finalidade prevista no n.º 2 do artigo 122.º, tendo em vista corrigir o prejuízo fiscal, que era superior ao que constava da declaração inicial (€ 135.405.970,94). Não se trata, como é claro, da rectificação de erros de preenchimento, mas da correcção de valores inscritos na primeira declaração que tenha sido revelada pelos registos contabilísticos, sendo que a alteração da declaração para o aludido efeito se presume verdadeira e de boa fé (artigo 74.º da LGT).

 

                 Acresce que a declaração de substituição foi apresentada no prazo legal, ou seja, no prazo de um ano a contar do prazo fixado para o cumprimento da obrigação declarativa do contribuinte, mediante a apresentação da declaração periódica de rendimentos. 

 

                Como se impõe concluir, admitindo a lei a possibilidade de apresentação de uma declaração de substituição, mormente no caso em que a autoliquidação revela um prejuízo fiscal inferior ao efetivamente verificado, não pode extrair-se do exercício dessa faculdade, por parte do contribuinte, um qualquer efeito negativo quanto ao direito a juros indemnizatórios resultante de o reembolso do imposto ter sido efectuado para além do prazo cominado no artigo 104.º, n.º 3, do Código do IRC.

 

                Consequência essa que, como sublinha a Requerente, seria desproporcional, visto que a declaração de substituição, apesar de legalmente admitida, iria redundar num valor de imposto a reembolsar inferior ao constante da primeira declaração, não obstante ter ocorrido um agravamento do prejuízo fiscal.

 

                O pedido arbitral mostra-se ser, por conseguinte, procedente.

 

                Vícios de conhecimento prejudicado

 

                Face à solução a que chega, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados, incluindo a suscitada questão de constitucionalidade.

 

                Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

III – Decisão

Termos em que se decide

A)           Julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto de liquidação n.º 2015..., referente ao exercício de 2013, no valor de € 97.108,81, que vem impugnado;

B)           Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto pago e no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 97.108,81, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 18 de Setembro de 2020,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Luís Menezes Leitão

 

A Árbitro vogal

Elisabete Louro Martins