Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 941/2019-T
Data da decisão: 2021-01-04  IRC  
Valor do pedido: € 23.984,69
Tema: IRC – Inexistência de objeto da lide IRC; Inspeção tributária – liquidação adicional de imposto.
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Sumário:

I.             Resulta do probatório que na sequência de ação inspetiva realizada ao exercício de 2009 resultou a emissão de nova liquidação de IRC, incorporando as correções à matéria coletável apuradas. Sobre esta liquidação foi instaurada impugnação judicial, apresentada pela Requerente que corre termos no TAF do Porto sob o n.º .../12...BEPRT. Esta liquidação substituiu todas as anteriores, concretamente a autoliquidação sobre a qual versou o despacho de deferimento parcial, em sede de reclamação graciosa.

II.            Deste modo conclui-se que só esta última liquidação subsiste na ordem jurídica, o que resulta na inexistência de objeto da lide nos presentes autos, o que, por sua vez, conduz à procedência da exceção invocada pela AT e consequente absolvição da instância.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 31-12-2019, o A..., S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º..., no Porto, ...-... (doravante designado por Requerente), apresentou requerimento para CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], e, bem assim, do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro,  com vista à anulação da decisão de deferimento parcial de reclamação graciosa, na parte desfavorável da decisão, referente à auto liquidação de IRC de 2009, com o objetivo de obter a declaração de anulação das mesmas.

2.            A requerente foi notificada da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa (RG) através do Ofício n.º ..., de 26.06.2013, da Unidade dos Grandes Contribuintes, da decisão de deferimento parcial que recaiu sobre a reclamação graciosa deduzida com referência à autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativa ao exercício de 2009.

 

3.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

4.            No pedido arbitral o Requerente peticiona a anulação do ato de deferimento parcial da RG, na parte que lhe foi desfavorável e, consequentemente, a anulação da autoliquidação subjacente, na parte não revista pela decisão da RG. Em suma, a Requerente pretende a anulação parcial do ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2009 e, bem assim, a anulação da decisão da RG na parte em que indeferiu o pedido formulado pela Requerente. Solicita ainda a condenação da AT no pagamento do reembolso do valor de imposto pagão em excesso, bem assim como no pagamento de juros. O valor em causa é de €23.984,69 euros.

 

5.            O presente pedido arbitral tem como origem a migração de processo em curso no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF Porto) porquanto, no seguimento da notificação do deferimento parcial da RG acima referido, o Requerente apresentou impugnação judicial, em 02-09-2013, tendo por objeto o ato tributário, a qual se encontrava a correr os seus termos na ...ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.º .../13...BEPRT, conforme cópia da petição inicial e comprovativo de submissão junto aos autos como documento n.º 1 em anexo ao pedido arbitral.

 

6.            Em 30 de dezembro de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, o Requerente apresentou naqueles autos de impugnação judicial requerimento com vista à extinção da instância judicial e remessa do processo ao CAAD para decisão por Tribunal arbitral a constituir. Com efeito, nos termos previstos no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, os sujeitos passivos podem submeter à apreciação dos tribunais arbitrais constituídos nos termos do artigo 6.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), pretensões que tenham por objeto atos tributários que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais judiciais tributários, que nestes tenham dado entrada antes de 31 de dezembro de 2016 e que se encontrem a aguardar decisão. Neste enquadramento o Requerente veio apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o RJAT.

 

7.            O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 11-12-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-12-2019.

 

8.            Assim, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 17-02-2020, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

9.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 18-03-2020. Na mesma data foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

10.          A AT apresentou a sua resposta em 01-07-2020, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, alegando:

a.            a inexistência de objeto da lide;

b.            existência de causa prejudicial e, em consequência, requereu a suspensão da instância;

c.            a improcedência total do pedido.

 

11.          Em 06-07-2020 foi proferido despacho arbitral para consulta das partes sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Em 15-07-2020 veio o Requerente manifestar a sua concordância com a dispensa de realização de reunião do artigo 18º do RJAT, com ressalva da fixação de prazo para alegações e pronúncia sobre as exceções invocadas pela AT na sua resposta. Face à concordância das partes foi proferido despacho arbitral, em 07-08-2020, foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião e a fixar prazo para alegações. No mesmo despacho esclarece-se que a decisão será proferida dentro do prazo previsto no artigo 21º do RJAT.

 

12.          Considerando que o tribunal arbitral se constituiu em 18-03-2020 e a suspensão dos prazos decorrente da legislação determinada pela situação de Pandemia COVID 19, nos termos da Lei nº1-A/2020 de 19 de março, com as alterações introduzidas pela Lei nº4-A/2020 de 6/04/22 (suspensão dos prazos operada a partir de 09/03/2020, a qual expressamente se aplica, também, aos Tribunais arbitrais), a qual cessou a 3/06/2020, conforme Lei 16/2020 de 29 de maio, o prazo de seis meses para prolação da decisão arbitral terminaria a 03-12-2020. Face à tramitação do processo e ao decurso do prazo para apresentação de alegações escritas, o qual só iniciou a sua contagem após férias judiciais, fixou-se como limite do prazo para a sua prolação o dia 3-12-2020.

 

13.          A Requerente juntou aos autos as suas alegações em 11-09-2020. A AT não juntou alegações.

 

14.          Em 03-12-2020 foi proferido despacho arbitral no qual foi decidida a questão da suspensão da instância requerida pela AT e prorrogado o prazo para prolação da decisão arbitral por mais 30 dias, com os fundamentos contidos no despacho e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Em síntese, o tribunal arbitral entendeu que não estavam reunidos os pressupostos que poderiam justificar uma suspensão da instância, pois que não existe prejudicialidade entre as questões em apreciação nos presentes autos e as que terão de ser apreciadas pelo TAF do Porto.

 

15.          Assim, com os fundamentos que se dão por integralmente reproduzidos improcedeu o requerimento de suspensão da instância, pelo que os autos prosseguiram para decisão final, cujo prazo foi prorrogado por mais 30 dias.

 

POSTO ISTO:

 

16.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre proferir

 

II - QUESTÕES A DECIDIR

 

17.          No processo tributário o objeto da ação de impugnação é delimitado pela causa de pedir, cujos contornos são os que resultam do(s) ato(s) tributários cuja ilegalidade é arguida.

Assim sendo, as questões a decidir estão delimitadas às exceções alegadas pela AT e, caso nenhuma destas proceda, sobra uma única questão de direito para apreciar, que é a de saber se o valor do imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro será ou não dedutível ao IRC determinado em Portugal, nas circunstâncias de facto provadas nos autos.

 

III. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a)            Em 31.05.2010, o Requerente procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22, referente ao exercício de 2009, na qual apurou um prejuízo para efeitos fiscais de € 6.156.652,69, uma matéria coletável e uma coleta nulas e um montante de imposto a reembolsar de € 11.870.891,56.

b)           Em 30.06.2010, o Requerente apresentou uma declaração de substituição da declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2009, na qual aquele prejuízo para efeitos fiscais foi alterado para € 9.914.117,89, mantendo-se nulas a matéria coletável e a coleta e o montante de imposto a reembolsar de €11.870.891,56.

c)            No ano de 2009, o Requerente auferiu € 1.386.759,02 a título de dividendos provenientes de entidades residentes noutros Estados-Membros da União Europeia.

d)           Em ambas as declarações de rendimentos modelo 22 acima mencionadas, e por se tratar de lucros distribuídos por entidades residentes noutro Estado-Membro da União Europeia que cumpriam as condições estabelecidas na Diretiva n.º 90/435/CEE, de 23 de julho (Diretiva Mães-Filhas), relativamente aos quais não se verificava o requisito de detenção ininterrupta da participação social previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 51.ºdo Código do IRC, o Requerente deduziu ao resultado líquido do exercício o montante correspondente a 50% daqueles rendimentos incluídos na base tributável, no valor de € 693.379,51 (€ 1.386.759,02*50%), em conformidade com o disposto no n.º 8 do mesmo artigo (docs. 6 e 7 juntos ao pedido arbitral).

e)           Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2011..., foi ordenada uma ação inspetiva de âmbito geral, com incidência sobre o exercício de 2009, efetuado pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária, atual Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC).

f)            Como resultado desta ação inspetiva resultou a liquidação de imposto (IRC) nº 2012..., de 04-01-2012, com anulação da liquidação anterior, cujos fundamentos constam na íntegra do Relatório da Inspeção Tributária (RIT), cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.

g)            Simultaneamente, no pressuposto de que os aludidos rendimentos obtidos no estrangeiro eram suscetíveis de dar lugar a crédito de imposto por dupla tributação internacional nos termos do artigo 91.º do Código do IRC, o Requerente acresceu ao resultado líquido do período o montante correspondente à totalidade do imposto suportado no estrangeiro com referência aos aludidos rendimentos, no valor de € 204.377,51, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRC, na redação à data aplicável.

h)           Uma vez que não foi apurada coleta na autoliquidação do exercício de 2009, o Requerente não efetuou qualquer dedução a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional nos termos do artigo 91.º do Código do IRC;

i)             No seguimento de ação inspetiva efetuada ao exercício de 2009, no âmbito da qual foram efetuadas correções à matéria coletável e ao cálculo do imposto, foi apurada pelos serviços de inspeção tributária uma matéria coletável de € 22.559.022,14 e uma coleta de € 5.638.193,03, tendo o Requerente sido notificado da liquidação de IRC n.º 2012..., na qual se apurou um montante de IRC a pagar de € 7.737.253,84.

j)             Contra a aludida liquidação adicional foi deduzida impugnação judicial que se encontra a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º .../12...BEPRT, na qual se controverte a legalidade das correções à matéria coletável e ao cálculo do imposto do ano de 2009;

k)            Em todas as declarações periódicas de rendimentos modelo 22 apresentadas relativamente ao exercício de 2009 o Requerente acresceu no campo 217, do Quadro 07, o imposto suportado no estrangeiro com referência à totalidade dos dividendos de entidades residentes na União Europeia (€ 204.377,51), quando na determinação da matéria coletável apenas foi relevado 50% do rendimento (€ 693.379,51), afigura-se-lhe que, nos termos do artigo 68.º, n.º 1, do Código do IRC, apenas deveria ter acrescido o imposto suportado correspondente a tais rendimentos, isto é, o montante de € 102.188,75 (€ 204.377,51*50%);

l)             Tal acréscimo efetuado pelo sujeito passivo manteve-se sempre inalterado, não procedendo também os serviços de inspeção tributária a qualquer correção quanto a este ponto aquando da emissão da liquidação de IRC n.º 2012...;

m)          Nesta sequência, em 30.05.2012 o Requerente deduziu reclamação graciosa da autoliquidação do IRC de 2009, na qual, para além do reconhecimento da majoração de um donativo fiscal, no montante de € 120.000,00, se requereu a dedução do imposto suportado no estrangeiro indevidamente acrescido por inaplicabilidade do artigo 68.º do Código do IRC, no valor de € 102.188,75.

n)           Em fevereiro de 2013, o Requerente foi notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

o)           Em março de 2013, o Requerente exerceu o correspondente direito de audição prévia no seguimento do qual o Requerente foi notificado da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, no que concerne ao reconhecimento da majoração de um donativo fiscal no valor de €120.000,00, os mesmos convolam em definitivo a decisão de negar provimento ao pedido de dedução do imposto suportado no estrangeiro, no montante de € 102.188,75;

p)           Em 02.09.2013 o Requerente, não conformado com a posição da AT deduziu impugnação judicial, a qual correu os seus termos na 5.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º.../13...BEPRT.

q)           Em 30.12.2019, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, o Requerente apresentou naqueles autos de impugnação judicial requerimento com vista à extinção da instância judicial.

r)            Em 31.12.2019 o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral;

s)            Em 09.03.2020 foi notificada sentença de extinção de instância no âmbito do aludido processo de impugnação judicial.

 

A.2. Factos dados como não provados

      Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

18.          A matéria considerada comprovada tem suporte documental junto aos autos pelo Requerente, junto com o pedido arbitral e com o requerimento de 21-01-2020, bem assim como os documentos juntos em anexo à Contestação apresentada pela AT.

 

19.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, nº7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

B. DO DIREITO

B.1. Questão a decidir

 

20.          Do ponto de vista da AT, considerando o teor da resposta apresentada nos autos há que decidir a título prévio as exceções invocadas, a saber:

 

a.            Da inexistência do objeto da lide;

b.            Da suspensão da instância por causa prejudicial.

c.            Caso improcedam as exceções invocadas, importa decidir a questão de direito colocada ao Tribunal, a qual se refere à aplicabilidade do disposto no artigo 68º do CIRC e à dedutibilidade do imposto pago no estrangeiro. com referência à totalidade dos dividendos de entidades residentes na União Europeia

 

21.          Por razão de ordem lógica na determinação da tramitação do processo o Tribunal decidiu previamente, por despacho arbitral, a segunda questão suscitada uma vez que a mesma podia conduzir à suspensão da instância. Na verdade, do ponto de vista do Tribunal arbitral não estamos perante uma questão prejudicial, nem se vê que haja interesse na suspensão a lide, pelas razões que expôs no despacho arbitral proferido em 3-12-2020 que se dá por integralmente reproduzido.

 

22.          Vejamos, pois, se assiste razão à AT quanto à verificação dos pressupostos de inexistência do objeto da lide.

 

23.          Alega a AT que o objeto da lide se extinguiu por força da liquidação oficiosa emitida com referência ao ano de 2009, no seguimento da ação inspetiva instaurada e concluída pela UGC. Assim, alega a AT que a Requerente apresentou a 30 de maio de 2012 a reclamação graciosa, que tramitou com o n.º ...20120..., quando anteriormente tinha já apresentado em 29 de maio de 2012 a impugnação judicial que corre termos no TAF do Porto sob o n.º .../12...BEPRT.

 

24.          Segundo a AT esta impugnação tinha como objeto de análise a liquidação nº 2010..., datada de 01 de julho de 2010, ou seja, precisamente a liquidação que resultou da ação inspetiva.

 

25.          Ora, a autoliquidação apresentada anteriormente pela Requerente ficou prejudicada, necessariamente, pela liquidação oficiosa emitida no seguimento da inspeção, a qual corrigiu a matéria coletável e coleta do ano 2009. Na verdade, não faz sentido discutir com referência ao mesmo exercício uma autoliquidação e a correspondente decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, quando por força do processo inspetivo posterior, se alterou a realidade declarada pelo sujeito passivo, e emitiu nova liquidação, da iniciativa oficiosa, após correções determinadas na ação inspetiva.

 

26.          Assim, colhe o argumento da AT quando alega que “o Requerente apresenta o pedido arbitral tinha já pleno conhecimento da inexistência jurídica da liquidação em questão, porquanto esta tinha sido primeiramente substituída pela sua 2ª autoliquidação a n.º 2011..., datada de 02 de junho de 2011, que por sua vez foi posteriormente substituída pela liquidação n.º 2012 ..., datada de 04 de janeiro de 2012 que teve origem no procedimento inspetivo referido supra. “

 

27.          Posto isto, resulta do probatório que a impugnação judicial apresentada pela Requerente que corre termos no TAF do Porto sob o n.º .../12...BEPRT tem como objeto a Liquidação n.º 2012..., de 04 de janeiro de 2012, liquidação relativa ao IRC de 2009, resultante da ação inspetiva realizada. Esta liquidação substituiu todas as anteriores. É esta e apenas esta a liquidação a atacar, já que só esta subsiste na ordem jurídica.

 

28.          Aplica-se ao caso, com as necessárias adaptações, a jurisprudência vertida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 09/01/2007, invocado pela AT, é claro e sintetiza a jurisprudência dominante quanto a esta questão:

 

“1. A liquidação adicional é aquela em que a AT verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei, com a manutenção de todos os efeitos do acto primitivamente praticado, o qual se adiciona ao primeiro concorrendo ambos para a definição da prestação legalmente devida;

2. Se depois da prática de um acto de liquidação adicional a AT, reconhecendo a razão do contribuinte, anula uma ou mais verbas nela contida desta forma diminuindo o montante da prestação tributária, mas procede a uma anulação total (que não parcial) e substituição da anterior liquidação por essa nova liquidação, passamos a encontramo-nos perante um novo acto de liquidação tendo o anterior deixado de existir juridicamente, pelo que a impugnação judicial que o visava anular perdeu o seu objecto, verificando-se uma impossibilidade superveniente da lide;

3 De tais liquidações adicionais/correctivas, apenas será impugnável a última delas que se mantenha erecta, por todas as outras anteriores terem sido anuladas e substituídas por esta”. 

 

29.          Trata-se de uma situação em tudo semelhante à inutilidade superveniente da lide determinada por perda de objeto quando, por exemplo, o ato objeto de impugnação desaparece da ordem jurídica na pendência da mesma em resultado de recurso hierárquico ou revogação do ato, qualquer que seja a razão. Nesse caso a instância deve ser extinta por impossibilidade da lide dado que o processo fica sem objeto.

 

O mesmo princípio explica o disposto no artigo 111.º, nº4 do CPPT ao prescrever que caso, posteriormente à receção a petição de impugnação, seja apresentada reclamação graciosa relativamente ao mesmo ato e com diverso fundamento, deve esta ser apensa à impugnação judicial, sendo igualmente considerada, para todos os efeitos, no âmbito do processo de impugnação”.

 

30.          Retornando ao caso dos autos, constata-se que a presente impugnação arbitral carece de objeto, porquanto visa a anulação do indeferimento parcial da reclamação graciosa e da autoliquidação subjacente, a qual foi substituída pela liquidação oficiosa emanada no seguimento da inspeção realizada. Não se alcança outra conclusão que não esta.

É, pois, no âmbito do processo de impugnação dessa liquidação (a única juridicamente subsistente) que as questões de direito suscitadas devem ser discutidas. E, sendo assim, o objeto do processo é inexistente, não se alcança qualquer utilidade na lide, pelo que se impõe a absolvição da instância.

Por último, diga-se que, em consonância com o despacho arbitral proferido em 3-12-2020, não se trata de questão prejudicial suscetível de conduzir à suspensão da instância, mas sim de inexistência de objeto da lide. Na verdade, nos presentes autos de processo arbitral o que está em causa é apreciar um pedido de “anulação parcial do ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2009 e, bem assim, pela anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada com referência ao mesmo”. No processo de impugnação judicial n.º .../12...BEPRT, a questão controvertida é a da legalidade das correções à matéria coletável e ao cálculo do imposto, na sequência da notificação da liquidação de IRC n.º 2012... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2012..., na qual se apurou um montante de IRC a pagar de € 7.737.253,83, com referência ao ano de 2009. Ora, não há dúvida que esta última liquidação de imposto, emitida oficiosamente e no seguimento da inspeção tributária realizada, substitui a anterior autoliquidação referente ao mesmo ano de 2009. Pelo que, a única sede processualmente admissível para discussão das questões de direito substantivo suscitadas pelo Requerente será a do processo judicial de impugnação da única liquidação de IRC subsistente e que se encontra em apreciação junto do TAF do Porto. De facto, inexiste uma causa comum à emissão dos atos contestados em ambos os processos – um é uma autoliquidação e uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa e o outro uma liquidação emitida na sequência de inspeção tributária. Trata-se de atos distintos, com autonomia e consequências próprias. O problema é que o presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido contra a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2009 e contra a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, apresentada nos termos do artigo 131.º do CPPT, as quais perderam a sua existência jurídica face à liquidação oficiosa, posterior, resultante do processo inspetivo realizado, relativo precisamente ao mesmo exercício de 2009. 

Alega o Requerente nas suas alegações que subsistem os atos tributários objeto do presente processo, o que é evidenciado pela decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa. Na verdade, a AT também não conduziu bem este procedimento, pois o procedimento de reclamação graciosa devia ter sido remetido aos autos de impugnação judicial, como a própria AT agora reconhece, contudo isso em nada altera o facto incontornável da inexistência de objeto da lide.

 

31.          Nestes termos, procede a exceção de inexistência do objeto da lide, invocada pela AT, pelo que, fica prejudicado o conhecimento das demais questões de direito invocadas pelo Requerente.

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Considerar procedente a exceção de inexistência de objeto da lide com a consequente absolvição da instância.

b)           Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 23.984,69, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 4 de janeiro de 2021

 

O Árbitro singular,

(Maria do Rosário Anjos)