Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 93/2021-T
Data da decisão: 2021-11-21  IRS  
Valor do pedido: € 4.104,69
Tema: IRS – Inutilidade Superveniente da Lide.
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SUMÁRIO:

I. Verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do ato de liquidação que havia impugnado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Paulo Lourenço, designada no Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

 

RELATÓRIO

1.            A..., contribuinte fiscal nº..., residente ...,  ..., nos Países Baixos, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, de ora em diante abreviadamente designado por RJAT, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020 ..., relativo ao período de tributação de 2018, bem como à devolução de metade do valor pago, por se encontrar excluído da tributação.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 12 de fevereiro de 2021 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

3.            O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

No dia 3 de maio de 2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

4.            Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT o Tribunal Arbitral singular ficou constituído no dia 21 de maio de 2021.

5.            O Requerente fundamentou o seu pedido alegando que o ato de liquidação ora impugnado, ao concretizar um acréscimo de tributação resultante da consideração integral da mais-valia imobiliária e não apenas 50% do respetivo valor, era ilegal, padecendo de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

6.            Na verdade, a legislação nacional que apenas permite a consideração em 50% do valor das mais-valias realizadas para os residentes em Portugal é incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais, não respeitando, assim, o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 56.º, do Tratado da Comunidade Europeia (atual artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).

7.            No dia 25 de maio de 2021 foi efetuada a notificação do dirigente máximo do Serviço da AT do despacho proferido para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

8.            No dia 6 de julho de 2021, a Requerida veio responder, informando que, por despacho do dia 25 de junho de 2021, foi revogada a liquidação da liquidação supra mencionada, requerendo, em termos finais, a inutilidade superveniente da lide, tendo em conta a extinção do objeto do pedido de pronúncia arbitral.

9.            No dia 7 de julho de 2021, foi o Requerente notificado para se pronunciar sobre o requerimento da Requerida, tendo solicitado, no dia 13 de julho de 2021, a desistência do pedido, a devolução de metade do imposto pago, bem como a condenação da Requerida no pagamento integral das custas do processo.

 

SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

 

DO MÉRITO

MATÉRIA DE FACTO

Factos provados

Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)            No dia 15 de fevereiro de 2021 a AT foi notificada por e-mail da apresentação do pedido de pronúncia arbitral;

b)           No dia 21 de maio de 2021 o Tribunal Arbitral ficou constituído;

c)            No dia 25 de junho de 2021 foi revogado o ato de liquidação n.º 2020..., por despacho proferido pela senhora Subdirectora-geral para a área da Gestão Tributária-IR;

d)           A AT deu conhecimento da revogação do ato mediante requerimento apresentado no dia 6 de julho de 2021.

 

Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo

Tributário (CPPT) e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

MATÉRIA DE DIREITO

Da inutilidade superveniente da lide

Tendo sido revogado o ato de liquidação impugnado pelo Requerente nos presentes autos, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido.

A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277º do CPC, verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida.

Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar além por impossibilidade de atingir o resultado visado e aqui por já ter sido atingido por outro meio”.

Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o ato tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um ato que já se encontra suprimido da ordem jurídica.

Com a referida revogação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral.

Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do ato tributário impugnado pelo Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

DECISÃO

Termos em que se decide:

a)            Julgar extinta a instância;

b)           Absolver a Requerida da instância;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no valor de € 918,00.

 

VALOR DO PROCESSO

Atendendo ao disposto no artigo 32.º, do CPTA e no artigo 97.º-A, do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 8.213,00.

 

CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 918,00 a cargo da Requerida, já que foi esta que deu causa à presente ação, apenas tendo revogado e comunicado a anulação do ato após a constituição do tribunal arbitral, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de novembro de 2021.

 

O árbitro

Paulo Lourenço