Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 929/2019-T
Data da decisão: 2020-07-24  IVA  
Valor do pedido: € 1.332.594,76
Tema: IVA - Caducidade do direito de liquidação; Ilegalidade de procedimento de inspecção; Alteração do âmbito da inspecção; Princípios da boa-fé e justiça.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Filipa Barros e Dr. Álvaro Caneira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-03-2020, acordam no seguinte:

            

                1. Relatório

 

A...– FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO, doravante designado como ”Requerente” O “A...”, NIPC..., representado pelos seus Participantes e pela B...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., com sede na Avenida ..., nº..., ... direito, ...-... ..., veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), e no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro de 2018, apresentar pedido de pronúncia arbitral.

O Requerente pede a anulação das seguintes liquidações de IVA:

a) Liquidação de IVA n.º..., de 02-05-2016, referente ao período 201103T, no  valor de 1.057.415,90 € – Documento n.º 1;

b) Liquidação de IVA n.º..., de 02-05-2016, referente ao período 201106T, no  valor de 11.040,00 € – Documento n.º 2;

c) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201112T, no valor de 4.830,00 € – Documento n.º 3;

d) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201203T, no valor de 8.619,94 € – Documento n.º 4;

e) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201206T, no valor de 2.181,33 € – Documento n.º 5;

f) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201209T, no valor de 4.196,75 € – Documento n.º 6;

g) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201212T, no valor de 1.729,42 € – Documento n.º 7;

h) Liquidação de IVA nº 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201303T, no valor de 1.488,39 € – Documento n.º 8;

i) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201306T, no valor de 13.104,18 € – Documento n.º 9;

j) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201309T, no valor de 1.225,38 € – Documento n.º 10;

k) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 22-04-2016, referente ao período 201312T, no valor de 1.550,84 € – Documento n.º 11;

l) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201403T, no valor de 1.169,52 € – Documento n.º 12;

m) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 26-04-2016, referente ao período 201406T, no valor de 2.748,54 € – Documento n.º 13;

n) Liquidação de IVA nº 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201409T, no valor de 5.761,85 € – Documento n.º 14.

 

O Requerente pede também a anulação do despacho de indeferimento do pedido de reembolso relativo ao período 201409T (documento n.º 15)

O Requerente pede ainda a anulação das seguintes liquidações de juros compensatórios:

 

o) Liquidação de Juros Compensatórios n.º..., referente ao período 201103T, no valor de 207.659,10 € – Documento n.º 16;

p) Liquidação de Juros Compensatórios n.º..., referente ao período 201106T, no valor de 2.056,77 € – Documento n.º 17;

q) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201112T, no valor de 802,97 € – Documento n.º 18;

r) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201203T, no valor de 1.348,01 € – Documento n.º 19;

s) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201206T, no valor de 318,89 € – Documento n.º 20;

t) Liquidação de Juros Moratórios nº 2016..., referente ao período 201209T, no valor de 825,19 € – Documento n.º 21;

u) Liquidação de Juros Moratórios nº 2016..., referente ao período 201212T, no valor de 311,45 € – Documento n.º 22;

v) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2016..., referente ao período 201303T, no valor de 173,22 € – Documento n.º 23;

w) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2016..., referente ao período 201306T, no valor de 1.391,55 € – Documento n.º 24;

x) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201309T, no valor de 117,90 € – Documento n.º 25;

y) Liquidação de Juros Moratórios n.º 2016..., referente ao período 201312T, no valor de 185,38 € – Documento n.º 26;

z) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2016..., referente ao período 201403T, no valor de 89,20 € – Documento n.º 27;

aa) Liquidação de Juros Moratórios nº 2016..., referente ao período 201406T, no valor de 253,09 € – Documento n.º 28.

 

O Requerente pede ainda a devolução dos montantes pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31-12-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 17-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18-03-2020.

A AT apresentou Resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 03-07-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           O A... (“A...”) foi constituído ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2006, de 15 de Novembro, em desenvolvimento da Lei n.º 42/2004, de 18 de Agosto, e regulamentado pela Portaria n.º 277/2007, de 14 de Março, que aprovou o seu Regulamento de Gestão, posteriormente alterado por deliberação de Assembleia de Participantes de 10 de Agosto de 2007, 16 de Junho de 2009, 23 de Fevereiro de 2010, 13 de Julho de 2010 e 10 de Novembro de 2014 (documento n.º 29 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)           São objetivos gerais do A..., indicados no n.º 1 do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 227/2006, de 15 de Novembro:

a) Contribuir para o fomento do setor audiovisual em Portugal, nas suas vertentes cinematográfica, televisiva e multiplataforma, investindo em produção independente e outras atividades cinematográficas e audiovisuais, de modo a gerar um incremento quantitativo e qualitativo da produção e da coprodução nacional e, tendencialmente, uma valorização dos ativos das pequenas e médias empresas dos sectores ligados à produção cinematográfica, à produção independente de televisão e à produção de obras multiplataforma;

b) Contribuir para o desenvolvimento integrado do sector audiovisual, privilegiando intervenções orientadas para o reforço da sustentabilidade das atividades cinematográficas e audiovisuais, para o reforço da capacidade criativa e competitiva das pequenas e médias empresas (PME), independentes do setor e para o melhoramento da penetração nos mercados internacionais das obras produzidas ou coproduzidas por essas PME, aumentando deste modo o valor acrescentado do sector e as oportunidades de negócio; e

c) Constituir um instrumento de política pública para o sector do audiovisual, complementar relativamente a outras entidades e fontes de financiamento e apoio

C)           No desenvolvimento dos objectivos gerais do Fundo, são nomeadamente seus objectivos específicos:

a) Realizar investimentos capazes de facilitar o acesso das PME do sector e respectivos projectos de produção independente a outros financiamentos e parcerias, nacionais ou internacionais, públicos ou privados, procurando, dessa forma, partilhar e minorar o risco dos investimentos do Fundo;

b) Contribuir para promover uma maior aproximação entre o público e a criação cinematográfica nacional e, de um modo geral, para uma maior notoriedade e difusão da produção independente de cinema e de televisão, estimulando dessa forma, bem como por outros meios ao seu alcance, o crescimento do mercado e da procura;

D)           Foi efectuada uma acção inspectiva ao Requerente em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária junto pelo Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 

II.- OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

II.1. - Credencial e Período em Que Decorreu a Ação

 

Foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, em 2015-06-23, a Ordem de Serviço n.º OI2015..., com despacho para inspeção datado de 2014-06-24 para o ano de 2014. Posteriormente foram emitidas em 2015-10-23, as ordens de serviço n.º OI2015.../.../... com despacho de inspeção datado de 2015-10-23, para os anos de 2011, 2012 e 2013 em nome do sujeito passivo Fundo A...- Fundo Especial de Investimento (adiante designado por sujeito passivo, fundo ou A...), contribuinte n.º..., com sede na Av. ... n.º ... -Lisboa, ...-... Lisboa, da área do serviço de finanças de Lisboa ... - ... .

Em cumprimento do disposto na alínea i) do n.º 3 do art. 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) conjugado com o art. 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) foram remetidas as Cartas Aviso, pelos Ofícios n.º ... de 2015-06-26, com o registo dos CTT n.º RC ... PT e n.» ... de 2015-10-23, com o registo RC ... PT.

Os atos de inspeção, relativos ao exercício de 2014, foram iniciados em 2015-07-09, com a assinatura da ordem de serviço. Os atos de inspeção relativos aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, foram iniciados no dia 2015-11-03.

Em 2015-12-10 e 2016-03-09, o sujeito passivo foi notificado, através dos ofícios n.º ... e n.º..., com o registo dos CTT n.º RD ... PT e n.º RC ... PT, respetivamente, da prorrogação do prazo da ação inspetiva para o ano de 2014, iniciada em 2015-07-09, por dois períodos de 3 meses.

Os atos de inspeção foram concluídos no dia 2016-03-14, data em que foi entregue ao sujeito passivo a nota de diligência dos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 61.º do RCPITA.

 

II.2. - Motivo, âmbito e incidência temporal

Nos termos da alínea b) do artigo 13.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º, ambos do RCPITA, a ordem de serviço externa, para o ano de 2014, foi aberta com o objetivo de analisar o reembolso de IVA com o n.º .../..., solicitado no dia 2015/01/08 e relativo ao período de 1412T, à qual foi atribuído o código de atividade 1222110501.

As ordens de serviço para os anos de 2011, 2012 e 2013 foram abertas no seguimento da anterior e com o objetivo de analisar as operações realizadas pelo sujeito passivo e a legitimidade do direito à dedução do IVA.

 

II.3.- Outras situações

II.3.1. - Breve caraterização do fundo e atividade desenvolvida

O sujeito passivo constituiu-se como um fundo especial de investimento cinematográfico e audiovisual, reservado a participantes designados, assumindo a forma de esquema particular de investimento coletivo, estabelecido contratualmente entre os seus participantes, ao abrigo do disposto no n.º 11 do artigo 1.º do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo (RJOIC), aprovado pelo Decreto-lei n.º 252/2003, de 17 de outubro, com as respetivas alterações posteriores, estando-lhe vedada a recolha de capitais junto do público.

O fundo iniciou a sua atividade em julho de 2007, sendo constituído inicialmente por um período de sete anos. O fundo é gerido, desde 2010, pela sociedade C..., SA (...), NIPC..., com sede na Avenida ... n.º ... - Lisboa, ...- ... Lisboa.

A liquidação do fundo ocorreu em 2014-12-26.

O capital inicial do fundo, de 83.000.000,00 euros, corresponde à subscrição inicial, mas este foi reduzido, em 2014-11-10, para o montante efetivamente realizado, que foi de 23.900.000,00 euros, representado por 23.900 unidades de participação (UP), cada uma com o valor nominal de 1.000,00 euros.

A repartição final do capital do A... era a seguinte:

•    D..., e que está representado nas Assembleias de Participantes, pelo E... (...), detentor de 9.502 UP que representam 39,76% do capital do fundo;

•    F..., SGPS, SA, detentora de 7.713 UP que representam 32,27% do capital do fundo;

•     G..., SA, detentora cie 1.543 UP representativas de 6,46% do capital do fundo;

•     H..., SA, detentora de 2.571 UP que representam 10,76% do capital do fundo;

•     I..., SA, detentora de 2.571 UP representativas de 10,76% do capital do fundo.

Segundo o artigo 3.º do Regulamento de Gestão do fundo (Anexo 1 - pág. 2):

"1. O Fundo tem por objecto o Investimento em obras cinematográficas, áudio-visuais e multiplataforma, visando uma exploração alargada das mesmas, com vista a tendencialmente aumentar e melhorar a oferta e a aumentar o valor potencial dessas produções, com a finalidade última do fomento e do desenvolvimento da arte cinematográfica e do áudio-visual e atentos os objectivos gerais específicos no artigo 67º do Decreto- Lei n.º 227/2006, de 15 de Novembro.

2. O Investimento referido no número anterior realiza-se através das duas modalidades seguintes:

a) investimento indirecto, através da participação no capital e do financiamento de entidades com objecto compatível com tal investimento e que apresentem potencial de crescimento e valorização, nos termos previstos no artigo 20º;

b)    investimento   indirecto   na   produção   de   obras   cinematográficas,   audiovisuais   a multiplataforma, nos termos previstos no artigo 20º."

De acordo com o relatório de contas de 2014 (Anexo 2 - pág. 3):

"Os investimentos do A... revestiram duas modalidades distintas:

•     investimento Direto mediante investimento em obras em fase de projeto, revestindo a forma e as modalidades contratuais aprovadas pela Entidade Gestora;

•     Investimento Indireto, através da participação em PME's certificadas pelo IAPMEI que promovam    ou    invistam    em    produções    cinematográficas,    audiovisuais ou multiplataforma, com vista a atrair capitais e investidores adicionais, a partilhar riscos e a oferecer benefícios para além do financiamento, entre os quais apoios à gestão, é qualificação e a modernização das empresas e dos seus quadros."

É referido ainda que "/a/o longo do segundo semestre de 2013 terminaram os períodos de investimento dos vários investimentos indiretos".

"Assim, a repartição final dos investimentos, (...) é a seguinte:

 

"Com vista à dissolução e liquidação do fundo, no que respeita ao processo de desinvestimento, procedeu-se durante o exercício de 2014, à "saída" do A... das verbas participadas, em conformidade com o previsto contratualmente com as promotoras do Investimento. (...)

Em resumo:

 

"[D]os investimentos aprovados em AP, no montante total de € 21.942.201, contratualizaram-se € 21.412.201.º

 

As demonstrações financeiras do fundo foram preparadas em conformidade com o Decreto-lei nº 158/2009, de 13 de julho, e de acordo com a estrutura conceptual, normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) e normas interpretativas (NI) consignadas, respetivamente, nos avisos 15652/2009, 15656/2009 e 15653/2009, de 27 de agosto de 2009, constituindo no seu conjunto o Sistema de Normalização Contabilístico (SNC).

As contas de 2011, 2012, 2013 foram aprovadas na Assembleia de Participantes (AP) do dia 2014-11-10. Nesta AP foi ainda decidido dissolver e liquidar o fundo.

As contas de 2014, com referência ao dia 18 de dezembro de 2014 foram publicadas no Diário da República n.º 38 2.ª Série de 24 de fevereiro de 2015 e constam do Anexo 2.

II.3.2. - Enquadramento fiscal

O A... era um sujeito passivo de IRC e estava enquadrado no regime geral, não beneficiando, porém, de qualquer regime especial de tributação.

Em sede de IVA, o fundo encontrava-se enquadrado no regime normal trimestral e procede à dedução do IVA suportado através da afetação real de parte dos bens, uma vez que desenvolveria, simultaneamente, operações tributáveis que conferiam o direito à dedução de IVA, bem corno operações isentas e fora do campo do imposto que não conferiam direito à dedução.

Segundo o enquadramento dado pelo sujeito passivo4, as operações realizadas pelo A... no âmbito dos contratos de investimento indireto são:

•     Entradas de capital e a realização de empréstimos,

"não consubstanciam uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços para efeitos de IVA, pelo que se encontram fora do campo de incidência deste imposto";

•     Dividendos,                                                                                                                           l

"não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do IVA, dado não serem considerados como a remuneração de operações económicas para efeito deste imposto.';                                      

•     Mais-valias,

"decorrentes da alienação das participações sociais, logo constituem a contraprestação não económica na acepção do IVA, caindo, por conseguinte, fora do âmbito de sujeição a imposto.";

•     Juros,

"Caso sejam cobrados juros como remuneração pelos empréstimos concedidos, os mesmos beneficiam da isenção de IVA prevista na alínea a) do n.º 27 do artigo 9º do Código deste imposto.".

Assim, o sujeito passivo considerava que não lhe assistia o direito à dedução do IVA incorrido! com a aquisição de bens e serviços afetos a atividades isentas e a operações fora do campo do imposto, pelo que não pode deduzir qualquer IVA relativo aos encargos afetos às operações de investimento indireto.

No âmbito das operações realizadas pelo A..., nos contratos de investimento direto, o sujeito passivo refere que,

 

"[o] contrato de investimento directo materializa-se na cedência, pelas entidades promotoras, de parte dos direitos de exploração económica da obra (...). Neste sentido, as entidades promotoras deverão proceder à emissão de factura ou documento equivalente relativamente aos montantes recebidos como contrapartida pela cedência dos direitos, com liquidação à taxa de 20%.".

Considera o A... que a cobrança da sua quota-parte nas receitas de exploração das obras, bem como no redébito de serviços com auditores, advogados, consultores e outros (quer no investimento direto e quer no investimento indireto), são operações tributadas em IVA e como tal conferem o direito Integral à dedução do imposto incorrido a montante.

(...)

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. - Enquadramento Legal do A...

O A... é um mecanismo de financiamento criado em 2007 com o apoio de entidades públicas e privadas, destinado ao fomento e desenvolvimento das artes cinematográficas e do audiovisual. A sua criação foi prevista pela Lei n.º 42/2004, de 18 de agosto. "O produto da contribuição e dos investimentos objecto de contrato, previstos no artigo 23º, é consignado a um fundo de investimento de capital a criar por diploma próprio, destinado ao fomento e desenvolvimento das artes cinematográficas e do áudio-visual, constituindo sua receita própriaº( n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 42/2004), e foi concretizado pelo Decreto-lei n.º227/2006, de 15 de novembro.

De acordo com o preâmbulo do citado Decreto-lei,

"(...) o Estado assume claramente, por um lado, as suas responsabilidades na protecção e apoio à criatividade artística na área do cinema e do áudio-visual, reconhecendo que a preservação e afirmação do património e das identidades culturais exige políticas públicas que subtraiam os bens culturais à condição de meras mercadorias. (..,.) Por outro lado, porém, é criado simultaneamente, através do referido fundo de investimento, um instrumento complementar, que contempla a dimensão económica do sector do cinema e do audiovisual e a necessidade de promover a sua sustentabilidade, designadamente através do estímulo ao investimento e à participação do sector privado no desenvolvimento dessa indústria, bem como através do recurso a novos mecanismos financeiros. Mais próximo da realidade do mercado, o fundo tem como missão principal promover a consolidação e o desenvolvimento do tecido de pequenas e médias empresas do sector.

Pelo exposto, o fundo é configurado como um património financeiro autónomo,  sem personalidade jurídica. Funciona como um instrumento de direito privado com participação minoritária do Estado, ao qual é reservado o papel de zelar pelo cumprimento dos objectivos estratégicos que, em termos de política pública o mesmo se propõe atingir. (...)

Com a configuração acolhida no presente diploma, o fundo é colocado em sintonia com uma óptica de longo prazo e de desenvolvimento estrutural, que consagra o sector do cinema e do áudio-visual como um sector por excelência e de grande potencial da sociedade do conhecimento, com ritmos e capacidades de crescimento superiores aos de muitos outros sectores, assente em capital criativo e emprego qualificado, estreitamente associado à introdução e utilização de novas tecnologias, mas que apresenta ainda notórias desigualdades de desenvolvimento entre os seus diferentes subsectores, bem como insuficiências estruturais e lacunas de mercado. A abordagem de longo prazo que os mecanismos de financiamento agora introduzidos visam servir permite que o sector cinematográfico e áudio-visual seja mais facilmente integrado em estratégias de desenvolvimento nacionais e comunitárias mais abrangentes, inclusivamente em ligação com as intervenções dos fundos estruturais ou outros dispositivos europeus. (...)"

A natureza jurídica encontra-se definida no artigo 63.º do referido Decreto-lei que o concretiza, constituindo-se,

"(...) como um fundo de investimento cinematográfico e audiovisual, reservado a participantes designados, sob a forma de esquema particular de investimento coletivo estabelecido contratualmente entre os seus participantes, ao abrigo do disposto no n.º 11 do artigo 1º do anexo do Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro, estando-lhe vedada a recolha de capitais junto do público."

São objetivos gerais do Fundo,

-  Contribuir para o fomento do setor audiovisual em Portugal, nas suas vertentes cinematográficas, televisiva e multiplataforma, investindo em produção    independente   e   outras   atividades cinematográficas e audiovisuais, de modo a gerar o incremento quantitativo e qualitativo da produção e da coprodução nacional e, tendencialmente uma valorização dos ativos das pequenas e médias empresas dos sectores ligados à produção cinematográfica, à produção independente de televisão e à produção de obras multiplataforma;

-   Contribuir para o desenvolvimento integrado do setor audiovisual, privilegiando intervenções orientadas para o reforço da capacidade criativa e competitiva das pequenas e médias empresas (PME) independentes do setor e para o melhoramento da penetração nos mercados internacionais das obras produzidas ou coproduzidas por essas PME, aumentando deste modo o valor acrescentado do setor e as oportunidades de negócio;

- Constituir um instrumento de política publica para o setor audiovisual, complementar relativamente a outras entidades e fontes de financiamento e apoio.

No desenvolvimento dos seus objetivos gerais são, nomeadamente, seus objetivos específicos:

-  Realizar investimentos capazes de facilitar o acesso das PME do setor e respetivos projetos de produção independente a outros financiamentos e parcerias, nacionais ou internacionais, públicos ou privados, procurando, dessa forma, partilhar e minorar o risco dos investimentos do Fundo;

-  Contribuir para promover uma maior aproximação entre o público e a criação cinematográfica nacional e, de um modo geral, para uma maior notoriedade e difusão da produção independente de cinema e de televisão, estimulando dessa forma, bem como por outros meios ao seu alcance, o crescimento do mercado e da procura.

O Regulamento de Gestão do Fundo de Investimento para o Cinema e o Audiovisual foi aprovado pela Portaria n.º 277/2007, de 14 de março10, e o Fundo considera-se constituído na data de aprovação do presente Regulamento, por um período de sete anos contados a partir do inicio da sua atividade, em que os primeiros cinco anos correspondem a uma fase de investimento e os dois últimos anos a uma fase de desinvestimento.

Tem por objeto,

"(...) o Investimento em obras cinematográficas, audiovisuais e multiplataforma, visando urna exploração alargada das mesmas, com viste a tendencialmente aumentar e melhorar a oferta e a aumentar o valor potencial dessas produções, com a finalidade última do fomento e do desenvolvimento da arte cinematográfica e do áudio-visual e atentos objetivos gerais e específicos previstos no artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 227/2006, da 15 de Novembro."

Este investimento poderá ser realizado de forma direta ou indireta através da participação no capital do financiamento de entidades com objeto compatível com tal investimento e que apresentem potencial de crescimento e valorização.

Uma das formas em que se concretiza os investimentos do A... são os investimentos diretos, que se traduz no investimento em obras em fase de projeto, revestindo as formas e as modalidades contratuais aprovadas pelas Assembleias de Participantes, e que se concretiza na outorga do contrato de investimento direto na produção de obra cinematográfica.

Os investimentos diretos têm por objeto obras em fase de projeto, revestindo a forma e as modalidades contratuais aprovadas pela entidade gestora, enquanto os investimentos indiretos materializam-se através da participação do Fundo em PME's certificadas pelo IAPMEI que promovam ou invistam em produções cinematográficas audiovisuais ou multiplataforma, inclusivamente com vista a atrair capitais e investidores adicionais, a partilhar riscos e a oferecer benefícios para além do financiamento, entre os quais apoios à gestão, à qualificação e à modernização das empresas e dos seus quadros.

Encontrando-se os princípios a que deverá obedecer a política de Investimento do A..., no artigo 20." da Portaria n.º 277/2007 de 14 de março.

Por sua vez no artigo 23º da citada Portaria e nos termos do artigo 25.º do Regulamento de Gestão do Fundo encontra-se regulamentado como deverá ser feito o "Desembolso efectivo dos montantes a investir". O Fundo fica vinculado a efetuar os investimentos nos projetos que vierem a ser aprovados desde a celebração dos respetivos contratos, de financiamento ou outros. A disponibilização dos montantes correspondentes aos investimentos a efetuar pelo Fundo deverá ter lugar de forma faseada, à medida que se encontrem comprovadamente executadas as fases do processo produtivo e de exploração das obras, isto é, desenvolvimento, plano de produção, início da rodagem, final da rodagem, fim da montagem, cópia para visionamento, distribuição e promoção e inicio de exibição comercial.

Os financiamentos concedidos pelo Fundo são por este recuperados através da sua participação nas receitas de exploração das obras, proporcionalmente ao seu investimento, bem como através da valorização de outros ativos ligados aos investimentos indiretos, de acordo com o artigo 24.º da Portaria n.º 277/2007, de 14 de março, e nos termos do artigo 26.º do Regulamento de Gestão do Fundo sob a epígrafe "Recuperação de investimentos". As condições de recuperação do investimento são estabelecidas contratualmente, atentas as posições de outros financiadores, nacionais ou internacionais. O controlo das receitas de exploração das obras é feito através da contratação de serviços de collecting agente ou equivalente. Os ativos que ingressarem no Fundo em resultado da recuperação dos investimentos efetuados pelo mesmo constituem receitas do Fundo."

Ainda é de referir, que existe a obrigação deste fundo de investir entre 45% a 50% do seu capital em obras para televisão ou multiplataforma ficando a maior parte - 50% a 55% do seu capital afeto a projetos de cinema, de acordo com as alíneas a) e b) do n.º 6 do artigo 21.º do Regulamento de Gestão.

 

III.2. - Enquadramento em sede de IVA dado pelo A...

De acordo com o Relatório elaborado pela J..., SA, em 26 de Fevereiro de 2009 (Anexo 4) as operações do A... tiveram o seguinte enquadramento em sede de IVA:

III.2.1. - Contratos de Investimento Indireto

As participações no capital social de entidades produtoras, através da entrada inicial de capital e da realização de suprimentos e prestações acessórias ou suplementares, originam remunerações sob a forma de juros, dividendos, e ganhos de mais-valias com a venda ou liquidação de sociedades.

As entradas de capital, efetuadas pelo fundo, ao abrigo de contratos de investimento indireto, assim como a realização de empréstimos não constituem transmissões de bens ou prestações de serviços, para efeitos de IVA, são operações não económicas, pelo que se encontram fora do campo de incidência.

No que diz respeito aos dividendos resultantes das participações de capital nas referidas sociedades, considerando que a natureza do rendimento não configura uma contrapartida de um serviço prestado a título oneroso, os mesmos não são abrangidos pelo IVA.

Os juros cobrados, no âmbito dos empréstimos concedidos pelo A..., às sociedades participadas, os mesmos beneficiam da isenção de IVA consagrada na alínea a) do n.º 27 do artigo 9º do CIVA.

Em conclusão, o sujeito passivo considera que as operações em referência não são objeto de tributação em IVA, não decorrendo, da celebração de contratos de investimento indireto, quaisquer implicações para o A..., na vertente de liquidação deste imposto

Os valores do investimento indireto encontram-se registados, contabilisticamente, na rubrica investimentos financeiros. Os respetivos investimentos foram concretizados, através da participação no capital e/ou financiamento concedido às participadas, são registados ao valor de aquisição e ajustados no final de cada período de acordo com o método da equivalência patrimonial e de eventuais imparidades que existam.

 

III.2.2. - Contratos de Investimento Direto

De acordo com o relatório elaborado pela J..., SA elaborado a 26 de Fevereiro de 2009, o entendimento preconizado é de que:

"(...) os contratos de investimento direto consubstanciam a cedência por parte das sociedades produtoras das obras, de parte das receitas provenientes dos respetivos direitos de exploração económica, ficando o Fundo obrigado a entregar, como contrapartida, determinados montantes de investimento que constituem a sua remuneração.

Os contratos em análise englobam, desta forma, duas operações distintas, as quais cumpre analisar separadamente.

2.1 Cedência dos direitos de exploração económica das obras

Os montantes que, nos contratos de investimento direto firmados entre o A... e as produtoras, surgem identificados como "investimento", consubstanciam, em rigor, a contraprestação auferidas peias produtoras pela cedência de parte dos direitos de exploração económica da obra cinematográfica ou audiovisual objeto do contrato.

Com efeito, na sequência da celebração dos contratos em análise, o A... adquire o direito a receber uma percentagem dos direitos de exploração das obras, designadamente do direito de distribuição para exibição em salas de cinema, do direito de difusão em sistema de televisão, direito de comunicação pública da obra e de colocação à disposição do público através de internet.

A cedência de parte dos direitos de exploração de uma obra consubstancia, para efeitos de IVA, uma prestação de serviços, atento o carácter residual e abrangente deste conceito, consagrado no n.º 1 do artigo 4.º do Código deste imposto, enquadrando-se, por conseguinte, no âmbito de incidência do IVA.

Face ao exposto deverão as produtoras, nos termos do disposto no artigo 36º do Código do IVA, proceder à emissão de fatura ou documento equivalente, relativamente aos montantes recebidos como contrapartida pela cedência dos direitos e liquidar /VA à taxa de 20%.

2.2  Recebimento de uma percentagem da receita de exploração económica das obras financiadas

Conforme decorre da Cláusula 5.ª do contrato de investimento direto como contrapartida do investimento do A..., as produtoras afeiam ao Fundo determinadas percentagens das receitas da exploração económica das obras, em concreto, uma percentagem além ao reembolso integral do investimento, até à cessação do correspondente contrato.

O recebimento das percentagens das receitas de exploração económica das obras a atribuir pelas produtoras ao A... encontra-se, em termos gerais, sujeito a IVA, configurando, à face do conceito residual constante do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, uma prestação de serviços tributável.

Assim, o Fundo deve emitir uma fatura, com liquidação de IVA, à taxa normal de 20%, pelo recebimento da quota parte que lhe assiste nas eventuais receitas de exploração económica de obra."

III2.3. - Redébito de despesas incorridas pelo A... às sociedades produtoras

Os serviços com advogados, auditores, consultores e outros são redebitados pelo A... às sociedades produtoras quando existe uma relação direta e inequívoca entre os serviços adquiridos e a realização de prestações de serviços tributadas.

O sujeito passivo, regista na rubrica serviços secundários/receitas de exploração os serviços indicados no parágrafo anterior.

 

III.3. - Enquadramento em sede de IVA das operações efetuadas polo A...    

III.3.1 -Investimentos Indiretos

Os investimentos indiretos materializam-se através da participação do Fundo em PME's certificadas pelo IAPMEI que promovam ou invistam em produções cinematográficas audiovisuais ou multiplataforma, inclusivamente com vista a atrair capitais e investidores adicionais, a partilhar riscos e a oferecer benefícios para além do financiamento, entre os quais apoios à gestão, à qualificação e à modernização das empresas e dos seus quadros.

No âmbito deste tipo de investimento e de acordo com o enquadramento dado pelo Fundo1, "3. Análise concreta i) Fase de investimento

(...)o investimento indirecto materializa-se na participação do A... no capita/ social das sociedades produtoras através de entradas iniciais de capital e da realização de financiamentos subsequentes, sob a forma de prestação acessórias, suplementares ou suprimentos.

As entradas de capital efetuadas peto Fundo ao abrigo dos contratos de investimento indirecto, bem como a realização de empréstimos não constituem transmissões de bens ou prestação de serviços, para efeitos de IVA, caindo, por conseguinte, fora do campo de sujeição do imposto.

No que respeita aos dividendos resultantes das participações de capital nas referidas sociedades, tendo em consideração que um rendimento deste tipo não pode ser considerado contrapartida efetiva de um serviço prestado a título oneroso, os mesmos não são abrangidos peio IVA.

Adicionalmente, Importa sublinhar que caso, no âmbito dos empréstimos concedidos pelo A..., sejam cobrados juros às sociedades participadas os mesmos beneficiam da isenção de IVA consagradas na alínea a) do n.º 27.º tio artigo 9.º do Código deste imposto.

ii) Fase de desinvestimento

A recuperação do investimento indireto realizado pelo F/CA através da aportação de meios financeiros a título de capitais próprios pode ser concretizada mediante a alienação da totalidade das participações de capital.

Tal como acima referido, uma mera atribuição patrimonial não pode ser considerada, sem mais, como uma prestação de serviços. Efetivamente, quer as "mais-valias" decorrentes da alienação de partes sociais, quer os ganhos resultantes da partilha de uma sociedade em liquidação, constituem operações não económicas na aceção do IVA, peio que se encontram fora do campo de incidência deste imposto.

Face ao exposto a alienação das participações sociais não é objecto de tributação em IVA."

No que respeita aos investimentos indiretos não existem correções a efetuar ao enquadramento dado pelo Fundo.

III.3.2 - Redébito de despesas incorridas pelo A...

Os redébitos de despesas às sociedades produtoras, associados à celebração de contratos e aos serviços de auditoria, consultadoria e advocacia constituem uma prestação de serviços nos termos do n.º 1.º, 2.º e n.º 4 do artigo 4.º, todos do Código do IVA (CIVA), na medida em que o A... é simultaneamente adquirente e prestador dos serviços referidos.

III.3.3 - Outras Prestações de Serviço realizadas

No âmbito da sua atividade, o A... presta serviços de apoio à gestão, auditoria, comissão de gestão, despesas de elaboração de contrato, apoio financeiro/jurídico, e jurídico, os quais constituem uma prestação de serviços nos termos dos artigos 1.º, 2.º e 4.º, todos do Código do IVA (CIVA).

III.3.4 - Investimentos Diretos

De modo a descrever e analisar as operações relativas ao investimento direto iremos socorrer-nos dos contratos celebrados entre o A... e as produtoras.

III.3.3.1 - Descrição do Contrato de Investimento Direto na Produção de Obra Cinematográfica

O contrato que se analisa corresponde ao contrato de investimento direto na produção de obra cinematográfica que nos foi disponibilizado pelo sujeito passivo17, que tem por objeto obras em fase de projeto, revestindo a forma e as especificidades contratuais aprovadas pela Assembleia de Participantes, sob proposta da C..., SA, (...), na qualidade de entidade Gestora do FUNDO.

Este contrato (Anexo 5) foi celebrado entre o Fundo A..., representado pela C... e a K..., Unipessoal, Lda, em que nos termos da cláusula primeira "1. As partes estabelecem as condições em que o A... investe financeiramente na produção da Obra (...), tendo a decisão de investimento, sido tomada pela Assembleia de participantes(...)" e "2. As quantias disponibilizadas no âmbito do presente Contrato destinam-se exclusivamente a dotar a PRODUTORA de meios financeiros para a produção da Obra, obrigando-se aquela a utilizá-las unicamente para o referido fim e segundo as condições estabelecidas no presente instrumento", (sublinhado nosso)

A cláusula segunda determina e especifica quando será disponibilizado o montante investido na obra (em diversas tranches), no entanto esse só será disponibilizado "(...)após o envio, por esta [PRODUTORA] à C..., de comunicação escrita solicitando o respetivo pagamento, devendo aquela comunicação conter, em anexo, sob pena de não produzir qualquer efeito, os documentos e demais elementos requeridos no Contrato relativos a cada uma das fases do processo produtivo e de exploração da Obra e que se encontram referidas na no n.º 2 da Cláusula Segunda e ainda declarações válidas emitidas pela Direcção Geral das Contribuições e impostos e pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, atestando que a PRODUTORA tem a sua situação contributiva regularizada perante aquelas entidades", nos termos da Cláusula terceira.

No que respeita à contrapartida do investimento, a cláusula quinta estabelece que:

"Como contrapartida do investimento do A... na produção da Obra, a PRODUTORA afecta ao FUNDO as seguintes percentagens da Parte PRODUTORA nas Receitas dos Direitos de Exploração da Obra:

(a)  80% (...) até ao reembolso integral do investimento do A..., sem prejuízo de, no caso de haver distribuição internacional da Obra, ser atribuído ao A... o direito a auferir um montante correspondente a pelo menos 10% das receitas líquidas que forem obtidas pelos respectivos distribuidores.

(b)  7%(...) apôs o reembolso integral do investimento e até à cessação do presente Contrato.

2. A PRODUTORA obriga-se a proceder aos pagamentos da remuneração do FUNDO nos termos previstos no número anterior."

Nos n.ºs 3 e 4 desta cláusula encontra-se discriminado o que é considerado receitas dos direitos de exploração da obra. Em caso de existência de 'Qualquer redução da parte que cabe à PRODUTORA nas Receitas dos Direitos de Exploração da Obra deverá ser previamente aprovada, por escrito, pela C..., reservando-se esta o direito de suspender a libertação das tranches a que está obrigada nos termos da cláusula segunda ou a resolver o contrato, conforme caso aplicável (n.º 9 da cláusula quinta).

Ainda no que respeita a investimento nos termos da cláusula sexta,

"Caso as partes venham a acordar na celebração de um Contrato de financiamento, através de investimento indirecto por parte do A... na PRODUTORA ou em veículo próprio a constituir para o efeito, podem aquelas acordar a conversão do crédito correspondente ao valor ainda não recuperado do presente investimento indirecto na PRODUTORA" (sublinhado nosso)

Para efeitos de depósito das receitas obtidas com a exploração da obra será aberta uma conta bancária, preferencialmente junto do L..., SA como determina e especifica a cláusula oitava. Acresce que de acordo com a cláusula 9.º do referido contrato;

"1. As remunerações relativas à percentagem que o FUNDO tenha direito em relação aos Direitos de Exploração da Obra serão pagas através de transferência bancária a ser efetuada mensalmente da conta bancária referida na cláusula anterior para a Conta do FUNDO (...)", e 2. Em simultâneo com a ordem de transferência, a PRODUTORA remeterá à C... a listagem das importâncias correspondentes às Receitas de Exploração da Obra por si recebidas no mês anterior.".

Na cláusula décima encontram-se as obrigações adicionais da Produtora em que, "A PRODUTORA é a única responsável pela planificação e execução de todas as fases do processo produtivo e de exploração da Obra nos prazos e condições apresentados ao A..., encontrando-se discriminado no n.º 2, sem prejuízo das demais obrigações constantes do contrato, as obrigações da PRODUTORA.

Durante a vigência do contrato,

"1. (...) a C... terá direito, sempre que entenda conveniente, a conhecer o estado de execução de todas as fases do processo produtivo, nomeadamente da rodagem, da montagem e, ainda, da exploração comercia/ da Obra. (...)

3. A C... terá, sempre que o requeira, o direito de auditar a PRODUTORA no que se refere à produção da Obra e demais actividades no âmbito do presente Contrato, e, bem assim, acesso a todos os livros da empresa, facultando a PRODUTORA a indicação e o acesso às contas bancárias que digam respeito à Obra, por si ou por uma entidade independente, ficando a PRODUTORA obrigada a fornecer à C... ou a quem esta indicar (...) todos os documentos (...)" (cláusula décima primeira).

Sobre a Produtora recai a obrigação de divulgar a participação financeira tendo de inscrever nos genéricos da Obra "Obra produzida com o investimento do A..." (cláusula décima segunda).

Este contrato espelha a forma como se concretiza o investimento do A... na Produção de Obra cinematográfica.

 

III.3.3.2 - Análise e Enquadramento face à realidade dos factos

Face à análise de todo o exposto nos pontos anteriores, nomeadamente o enquadramento legal do Fundo, o seu objeto, o Regulamento de Gestão e os contratos celebrados com as produtoras, tendo em conta a própria realidade dos factos, o que se verifica é que o A..., no âmbito da sua atividade, investe nas artes cinematográficas e audiovisuais através de financiamento, recuperando-o através da sua participação nas receitas de exploração das obras, proporcionalmente ao seu investimento, ou seja:

•     Nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da Portaria n.º 277/2007, de 14 de março'8,

"Os financiamentos concedidos pelo Fundo são por este recuperados através da sua participação nas receitas de exploração das obras, proporciona/mente ao seu investimento, bem como através da valorização de outros activos //gados aos investimentos indirectos";

•     Nos termos do n.º 1 do artigo 26.º do Regulamento de Gestão (Anexo 1), sob a epígrafe "Recuperação de investimentos",

"Os financiamentos concedidos pelo Fundo são por este recuperados através da sua participação nas receitas de exploração das obras, proporciona/mente ao seu investimento, bem como através da valorização de outros activos ligados aos investimentos indirectos";

•     Conforme se encontra vertido na cláusula 5.ª do Contrato de Investimento Direto na Produção de Obra Cinematográfica estabelecido entre o A... e as Produtoras,

"Como contrapartida do investimento direto na produção da Obra, a PRODUTORA afecta ao FUNDO as seguintes percentagens da Parte PRODUTORA nas Receitas dos Direitos de Exploração da Obra:

(a)  80% (...) até ao reembolso integral do investimento do A..., sem prejuízo de, no caso de haver distribuição internacional da Obra, ser atribuído ao A... o direito a auferir um montante correspondente a pelo menos 10% das receitas líquidas que forem obtidas pelos respectivos distribuidores.

(b)   7% (sete por cento) após o reembolso integral do investimento e até à cessação do presente Contrato."

•     Esta situação ainda é confirmada na ata n.º 17 da Assembleia de Participantes em que é referido, "(...) a Assembleia d& Participantes havia decidido que, numa fase inicial de apreciação de projectos (primeiros seis meses de actividade do Fundo), seria admissível a aprovação de investimentos com uma taxa de retorno (recuperação do investimento) mínima de 50% (ou seja, uma rentabilidade negativa de até 50%).

(...)

Salientou que a rentabilidade é apenas um dos objectivos do A..., que se deve verificar

na medida das possibilidades.

(...)

[Muito  embora  o A... prossiga  objectivos  de  política  pública  paralelamente   à rentabilidade, as estimativas com base nas quais são feitas as propostas de investimento não devem ser sobreavaliadas para esconder a circunstância de um determinado projecto.

Fica assim demonstrado que o retomo do investimento do A... é a participação nas receitas de exploração na proporção do seu financiamento.

Merece ainda referir e de acordo com as atas das assembleias de participantes, há determinados investimentos efetuados em que o Fundo perspetiva um reembolso do investimento inferior ao concedido, neste sentido, e a título exemplificativo, veja-se a Ata n.º 9 de Assembleia de Participantes, de 2008-06-05, folha 14 (Anexo 7):

" Projectos ... - ...- ... DA Produtora ... do Género Documentário

Foi realizada por M... uma apresentação dos projectos e do conteúdo dos documentários. Postos a votação, foi deliberada por unanimidade a aprovação do investimento de 35.000 € em cada documentário, com a ressalva de o A..., antes da assinatura dos contratos, tentar renegociar o contrato existente entre a Produtora e a G... para o projecto "...", propondo-se que este operador de televisão adquira os 3 projectos. Mais foi decidido que, caso a G... não concorde com esta proposta, o A... investirá apenas nos projectos que merecerem o apoio do referido operador de televisão adquira os 3 projetos (...)

Projecto "..." da Produtora ... do Género Longa Metragem

Feita uma apresentação do projecto por M..., N... afirmou que para fazer 60.000 espectadores teria de ser muito apoiado pelas televisões.

Posto à votação o investimento do A... neste projecto, foi deliberado por unanimidade o investimento de 122.660,00€ condicionando-se a aportação total do investimento do A... à celebração de um contrato de difusão de um operador de televisão e da alteração do contrato com o distribuidor O... por se considerar que este não protege os interesses do. A... ."

Na Declaração de Voto, "Projectos Aprovados", A.P. de 5 de junho de 200820, consta quais as percentagens de retorno para o A..., em relação ao montante financiado, relativamente aos projetos:

•     ... é esperada uma percentagem de retorno de 86.19%;

•     ...- Coração independente é esperada uma percentagem de retorno de 68,1 %;

•     O ... é esperada uma percentagem de retorno de 95,7%, e

•     ... é esperada uma percentagem de retorno de 86,8%.

A atribuição patrimonial efetuada pelo A... depende do cumprimento de certos requisitos pela entidade que é financiada que se encontra associado à realização de um dado projeto, e em retomo a Produtora afeta ao Fundo, na medida do seu investimento, uma percentagem das receitas de exploração,

Efetivamente o que existe é uma afetação das receitas de exploração, situação que decorre quer da Portaria n.º 277/2007, de 14 de março, quer do Regulamento de Gestão do Fundo, quer dos contratos que subjazem aos Investimentos Diretos.

É desta forma que se concretiza o retorno do investimento efetuado por parte do Fundo, não existindo uma cessão dos direitos de exploração económica da obra a favor do A... .

Quem é titular dos direitos de exploração económica da obra é a Produtora; é a esta que cabe a obrigação da exploração económica da obra. Não existe uma transferência onerosa desse direito para o A... que possa consubstanciar uma prestação de serviços para efeitos de IVA, não podendo estes montantes ser considerados

"(...) a contraprestação auferidas pelas produtoras pela cedência de parte dos direitos de exploração económica da obra cinematográfica ou audiovisual objecto do contrato. Com efeito, na sequência da celebração dos contratos em análise, o A... adquire o direito a receber uma percentagem dos direitos de exploração das obras, designadamente do direito de distribuição para exibição em salas de cinema, do direito de difusão em sistema de televisão, direito de comunicação pública da obra e de colocação à disposição do público através de internet.''

O Investimento direto consubstancia sim, o financiamento de obra cinematográfica ou audiovisual e que corresponde quer ao estatuído na Portaria n.º 277/2007, de 14 de março, que regulamenta o Fundo, que ao estatuído no Regulamento de Gestão do Fundo, quer ao conteúdo do contrato em que as declarações de vontade se cristalizaram.

O direito de exploração económica da obra encontra-se cometida à produtora, neste sentido, veja-se, ainda a cláusula décima do contrato sob a epígrafe "Obrigações adicionais da PRODUTORA" em que "1. A PRODUTORA é a única responsável pela planificação e execução de todas as fases do processo produtivo e de exploração da Obra nos prazos e condições apresentados ao A... ." (Sublinhado nosso).

Quem detém o direito de exploração económica da obra é a Produtora uma vez que não existe um proveito próprio e direto do A... . O que se verifica é que o A..., como forma de obter a recuperação do seu financiamento, é-lhe afeta uma percentagem das receitas de exploração sendo esta a forma que a Produtora amortiza os investimentos efetuados na produção da sua obra cinematográfica.

Neste sentido, não podemos inverter a operação e considerar que o investimento efetuado pelo Fundo na produção de obra cinematográfica e audiovisual, seja tido como uma prestação de serviços, considerando-o uma "contraprestação auferida pelas produtoras pela cedência de parte dos direitos de exploração económica da obra cinematográfica."

Assim conclui-se que não se afigura qualquer serviço de "cedência dos direitos económicos de exploração" prestado pela Produtora ao A..., pelo que, inexistindo esse serviço não existe qualquer operação sujeita a IVA, face ao disposto no n.º 1 do art.º 1,º do CIVA.

De harmonia com o preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA (CIVA) constituem pressupostos de tributação das referidas operações: i) serem efetuadas a título oneroso; ii) localizadas no território nacional, e iii) efetuadas por um sujeito passivo de imposto, agindo nessa qualidade.

Por sua vez, são sujeitos passivos de imposto, as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente, com caráter habitual ou ocasional, realizam uma ou várias operações no âmbito de uma atividade económica, nos termos do artigo 2.º do CIVA.

O que efetivamente ocorre é que o Fundo investe em obras cinematográficas, audiovisuais e multiplataforma, com vista a aumentar e melhorar a oferta bem como o aumento do valor potencial dessas produções, sendo os financiamentos concedidos pelo Fundo recuperados através da sua participação nas receitas de exploração das obras, proporcionalmente ao seu investimento.

Recordamos que para o enquadramento da questão da sujeição ou não das quantias entregues a título de financiamento, há que ter em conta o princípio subjacente ao IVA, como imposto sobre o consumo e que corresponde, basicamente, ao disposto na Diretiva 2006/112/CÉ do Conselho, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis.

O IVA é um imposto geral sobre o consumo abrange na sua incidência as transmissões de bens e/ou prestações de serviços efetuadas a título oneroso, por um sujeito passivo de imposto, agindo nessa qualidade e localizadas no território nacional, isto é, tributa a contraprestação de operações tributáveis.

Ora, reportando-nos ao caso em apreço e, de acordo com toda a informação recolhida, face às características do financiamento concedido, entre o A... e as Produtoras, este não é abrangido pelas normas de incidência do IVA, na medida em que não preenche o conceito de atividade económica.

Os artigos 4.º, n.º 2 da Sexta Diretiva e 9.º, n.º 1 da Diretiva IVA fazem corresponder ao conceito de atividade económica, todas as atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas.

A qualidade de sujeito passivo de IVA pressupõe, grosso modo, face ao disposto no n.º 1 do art.º 2.º do CIVA, a realização de certas atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços. A sujeição a imposto inclui, em geral, as operações delas decorrentes.

Por sua vez, a operação financeira existente da Produtora para o A... não é mais do que o reembolso do financiamento concedido, inclusive, e conforme resulta dos mapas em anexo, o A..., no momento da celebração do contrato já tem a expectativa de não recuperar o investimento efetuado. O reembolso do financiamento obtido também não consubstancia uma prestação de serviços para efeitos de IVA subsumível nas normas de incidência.

Analisadas as faturas emitidas pela Produtora ao A..., verifica-se que na descrição dos serviços prestados apenas se refere a "Tranche" correspondente e o contrato em vigor, com referência ao IVA liquidado, tendo este IVA sido indevidamente liquidado.

Face a todo o exposto, em suma, o que se verifica é a inexistência de qualquer prestação de serviços relacionado com a cessão dos direitos de exploração económica da obra, por parte da Produtora ao A..., tendo sido liquidado IVA indevidamente, uma vez que não existe qualquer operação sujeita a IVA, nos termos dos art.ºs 1.º n.º 1 e 2.º, ambos do CIVA. Estamos simplesmente perante uma operação de investimento/financiamento por parte do A... à Produtora, conforme se verifica da análise do enquadramento legal do Fundo, do seu Regulamento, dos contratos celebrados e da realidade factual subjacente, financiamentos esses que não são remunerados, e cuja recuperação é efetuada através da sua participação nas receitas de exploração das obras.

Estas operações, quer o financiamento, quer a recuperação do mesmo não preenchem o conceito de atividade económica não sendo, por isso, consideradas abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA.

III.4. - Direito à dedução do IVA suportado

O A... considera, no que respeita à dedução do IVA:

•     O IVA suportado com a aquisição de bens e serviços afetos aos contratos de investimento indireto, não poderá ser deduzido, porque considera que as operações realizadas nesse âmbito são na sua generalidade, operações fora do campo do imposto, com a exceção dos juros que se encontram abrangidos pelas normas de incidência do IVA, mas beneficiam da isenção consagrada do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.

•     O IVA suportado com a aquisição de bens e serviços afetos aos contratos de investimento direto, conferem direito à dedução integral do imposto, ao considerar que as operações ativas, nomeadamente a cobrança da sua quota parte nas receitas de exploração das obras constituem operações tributadas em IVA.

•      O IVA suportado com a aquisição de bens e serviços (advogados, auditores e consultores) redebitadas às sociedades produtoras, conferem direito à dedução integral do imposto.

•      No IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização comum aos Investimentos diretos e indiretos, é utilizado o mecanismo previsto no artigo 23º do Código do IVA.

Procedeu o sujeito passivo à dedução integral do IVA suportado resultante da aquisição da "cessão da exploração económica de obra".

O exercício do direito à dedução do IVA consubstancia uma das principais características do imposto sobre o valor acrescentado, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Diretiva (diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 197717), mais exatamente no seu art.º 17.º, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objetivos e subjetivos do exercício do mesmo direito à dedução.

Baseando-se o imposto em análise, num sistema de pagamentos fracionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.

O direito à dedução efetua-se de forma global, relativamente ao conjunto das operações realizadas pelo sujeito passivo com referência a um período determinado (mês, trimestre), mediante a subtração ao total do imposto devido pelas operações efetuadas a jusante no decurso desse período, do total do imposto dedutível pelas operações efetuadas a montante e exigível durante o mesmo período, (cfr. Emanuel Vidal Lima Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Comentado e Anotado, Editora Porto Editora, 9a Edição, página 417).

O sistema do direito à dedução está definido nos artigos 19.º a 22.º do CIVA, nas suas diversas abordagens: âmbito, condicionalismo, exclusão e momento do direito à dedução a assegura a neutralidade do imposto quanto aos sujeitos passivos fornecedores na cadeia de operações.

Os princípios gerais subjacentes ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos do imposto estão previstos nos artigos 19.º e 20." do CIVA, daí resultando que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços, estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.

O n.º 1 do artigo 19.º, estabelece o princípio da dedução que os sujeitos passivos deverão efetuar para apurar o imposto devido, indicando que o imposto suportado deve ser deduzido.

As diferentes alíneas deste n.º 1, mais não fazem do que concretizar as várias situações de onde pode decorrer imposto suportado, que se quer que se transforme em imposto dedutível. Por sua vez, o artigo 20.º condiciona a dedução do IVA suportado à utilização efetiva dos bens em que se suportou imposto em determinadas operações e exclui essa dedução quando os bens são utilizados em operações diversas, daí resultando a distinção entre operações que conferem e as que não conferem direito à dedução.

Regra geral, é dedutível todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício de um atividade económica, referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA, que confiram direito a dedução nos termos do artigo 20º do CIVA e tendo em conta as exceções enunciadas no artigo 21 º do CIVA.

Assim, confere direito à dedução o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos de imposto, e que sejam tributadas, isentas com direito à dedução ou, não tributadas que conferem esse direito. A alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, enumera como atividades económicas, as atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais.

Ainda sobre o direito à dedução esclarece o Ofício Circulado n.º 30103 de 2008-04-23 da Direção de Serviços do IVA - DSIVA, como regra geral é dedutível, com exceção das situações enunciadas no artigo 21º do CIVA, todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício de uma atividade económica referida na alínea a) do n.º1 do artigo 2.º do CIVA desde que respeite a transmissões de bens e a prestações de serviços que confiram direito a dedução nos termos do artigo 20.º do CIVA.

Ao invés, de harmonia com o art.º 20º do CIVA, caso o imposto suportado na aquisição de bens ou de serviços, exclusivamente afetos a operações isentas sem direito a dedução ou a operações fora do campo de incidência do imposto, não é admissível o exercício do direito à dedução.

No caso em apreço, as operações realizadas pelo Fundo tem diferentes enquadramentos em IVA, dado que realiza operações não sujeitas a Imposto e operações sujeitas e tributadas.

Ou seja, o sujeito passivo exerce:

•    Operações sujeitas e não isentas de IVA, que conferem direito à dedução;

•    Operações não sujeitas a IVA que não conferem direito à dedução, como sendo o financiamento e a aquisição de partes de capitai.

Tal como referido anteriormente no que concerne ao exercício do direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, o n.º 1 do artigo 20.º do CIVA determina que só é dedutível o IVA suportado na aquisição de bens e serviços destinados a serem utilizados na realização de operações de transmissão de bens ou prestação de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

"A contrário", há que concluir que a aquisição de bens e serviços para serem utilizados na realização de operações não sujeitas ou operações internas Isentas (designadas de isenções simples ou incompletas), não conferem o direito a dedução do imposto suportado. Nenhuma parcela de imposto suportado na aquisição de bens s serviços, utilizados exclusivamente na realização de operações sujeitas a imposto mas dele isentas e que não conferem direito à dedução, pode ser deduzida.

Assim, o montante de IVA dedutível assentará numa primeira etapa, na afetação dos bens e serviços adquiridos as operações ativas que conferem e que não conferem direito à dedução, nos termos gerais previstos na alínea a) do n.º1 do artigo 20.º do Código do IVA. Em relação ao apuramento do montante de IVA dedutível remanescente, relativo às aquisições de bens e serviços utilizados indistintamente em operações que conferem e que não conferem o direito à dedução, o sujeito passivo deverá atender ao disposto no regime estabelecido no artigo 23º do CIVA.

Como ficou demonstrado, o IVA suportado pelo Fundo na aquisição do serviço de cedência de exploração económica da obra, não tem subjacente uma prestação de serviços efetiva, tendo o imposto sido indevidamente liquidado, por parte da Produtora. Por sua vez, o Fundo só tem direito à dedução do IVA suportado com a aquisição de bens ou serviços afetos às operações ativas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º do CIVA, que na situação em análise prende-se com o redébito de despesas, e a prestações de serviço identificadas no ponto III.3.3 do presente relatório, ficando assim vedado o direito à dedução do IVA suportado com a aquisição da "cedência dos direitos de exploração económica na obra".

Em suma, o investimento/financiamento em apreço, bem como a sua recuperação, não consubstancia uma atividade económica para efeitos de IVA26, e como tal está fora do campo de incidência do imposto. A Produtora não presta um serviço ao Fundo, o IVA suportado pelo A... não se encontra relacionado de forma direta e imediata com operações tributáveis, circunstâncias estas que comprometem os pressupostos do exercício do direito à dedução, encontrando-se o sujeito passivo impedido de deduzir o IVA suportado na cedência de exploração económica de obra, atendendo a que não reúne os requisitos do art.019.ºe20.ºdoCIVA.

III.5. - Correções Propostas            .                     :   .    •   ,

III.5.1. - Correções ao imposto deduzido durante os anos de 2011 a 2014

De acordo com o referido anteriormente, apenas é dedutível o IVA suportado na aquisição de bens e serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos do nº 1 do artigo 20º do CIVA, destinadas à realização de operações sujeitas a IVA e dele não isentas.

Assim, o IVA deduzido indevidamente ascende a 1.117.062,04 euros:

 

III.5.2. - Reembolsos Solicitados

Em resultado das correções efetuadas no período 1409T, o reembolso solicitado no mesmo período não é devido, pelo que será indeferido.

Como não foram efetuadas correções ao período 1412T, o reembolso solicitado no montante de 17.539,75 euros é devido, pelo que o mesmo será deferido na totalidade.

No entanto alerta-se para o facto das correções propostas serem superiores ao valor do reembolso solicitado.

O resultado das correções indicadas no ponto III.5,1. implicam alterações nas declarações periódicas de IVA que se apresentam no (Anexo 9), e que faz parte integrante deste relatório.

(...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do art.º 60,º da Lei Geral Tributária (LGT) aprovada pelo D.L n.º 398/98 de 17 de dezembro, e do art.º 60.º do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), aprovado pelo Decreto-lei n.º 413/98 de 31 de dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro, foi a sociedade C..., SA na qualidade de sociedade gestora do Fundo A...- Fundo Especial de Investimento notificada através do oficio n.º... de 2016-03-16, da Direção de Finanças de Lisboa - Serviços de Inspeção Tributária, para exercer no prazo de 15 dias, o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório da Inspeção Tributária referente aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014.

O direito de audição foi exercido por escrito, conforme documento que deu entrada nesta Direção, em 2016-04-04, com o n.º 2016..., tendo o sujeito passivo contestado as correções propostas, como infra se enumera.

 

IX.1. ALEGAÇÕES DO SUJEITO PASSIVO 

 

IX. 1.1. Da repetição de procedimento inspetivo externo com referência à autoliquidação de IVA do primeiro e segundo trimestres de 2011

Começa por referir que a AT propõe correções ao IVA deduzido pelo A... nas suas autoliquidações de IVA relativas aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014. No entanto, e no que respeita ao primeiro e ao segundo trimestre de 2011, que tais períodos já foram objeto de uma ação inspetiva externa por parte da AT.

Alega que na declaração periódica de l VA relativa ao terceiro trimestre de 2011 o A... solicitou o reembolso dos valores de imposto acumulados à data, pedido este que despoletou um procedimento externo, por Despacho n.º DI..., que teve inicio com a visita dos técnicos de inspeção às instalações do Fundo, no dia 25 de novembro de 2011, data da assinatura do despacho, onde foram presencialmente formulados, por partes dos técnicos da AT diversos pedidos da esclarecimentos e requerida documentação aos representantes do Fundo e foi concluída no dia 23 de janeiro de 2012.

Em resultado desta foi confirmada a conformidade dos procedimentos de liquidação e dedução adotados pelo Fundo com referência às suas operações, e diferido na sua totalidade o reembolso de IVA solicitado na sua declaração de IVA com referência ao terceiro trimestre de 2011.

Assim, não compreende a posição da AT em propor a correção de montantes de IVA '(...) que não soja analisou especificadamente no âmbito de uma ação inspetiva em que esteve nas Instalações da exponente e aí recolheu todos os elementos que entendeu por bem solicitar e que inclusivamente reembolsou ao Fundo, por decisão que remonta há mais de quatro anos" (§ 19.º do direito de audição).

Não se verificando na presente situação " (...) nenhuma das situações que permitem excepcionar o princípio da proibição de existência de mais de um procedimento de inspecção ao mesmo sujeito passivo imposto e período de tributação."

Concluindo que "(...) não poderá prevalecer a correcção proposta pela AT aos montantes de imposto deduzidos pelo Fundo no primeiro e segundo trimestre de 2011, no montante global de € 1.063.4556,90, uma vez que os referidos períodos de imposto não só foram objecto de inspecção tributária (externa) por parte da AT em 2012 e, refira-se com um entendimento totalmente oposto quanto ao enquadramento em matéria de IVA com referência à modalidade de investimento Directo que agora se analisa; como a decisão do procedimento inspectivo, de deferimento do pedido de reembolso de IVA, e pressupostos/fundamentos subjacentes se consolidou e constitui caso decidido para todos os efeitos legais."

iX.1.2. - Da efetiva realização de prestações de serviços por parte das produtoras ao A...

Começa por fazer alusão aos conceitos de atividade económica e prestação de serviços para efeitos de IVA ( § 26.º ao § 30.º do direito de audição), para no § 31.º alegar que "(...) existe inequivocamente uma relação jurídica entre as Produtoras e o A... no âmbito da qual são transacionadas prestações reciprocas: O Fundo atribui uma quantia pecuniária aos produtores com vista à concretização de uma obra cinematográfica ou audiovisual; por seu turno, a produtora planifica e executa todas as fases do processo produtivo e de exploração da obra e transmite ao Fundo o direito de participar nas receitas de exploração económica das obras em percentagem definida contratualmente e durante a vigência de tais contratos".

Arrogando no § 32.º do direito de audição que "(...) O Fundo remunera os produtores pela planificação e execução de todas as fases do processo produtivo da obra e de exploração da mesma ...)", os Produtores não são os únicos titulares dos direitos de exploração das obras como pretende a AT, a clausula 10.a do modelo do contrato de investimento direto apenas confere aos produtores a obrigação de planificação e execução de todas as fases do processo de exploração da obra, a qual consubstancia igualmente componente do serviço prestado ao Fundo.

Concluindo no § 37.º que exista'(...) uma actividade económica subjacente à modalidade de Investimento Directo efectuado pelo Fundo nas produtoras e que estas últimas realizam prestações de serviços sujeitas a IVA nos termos gerais (in casu, a transmissão do direito à participação do Fundo nas receitas dos Direitos de Exploração da obra), imposto este dedutível pelo Fundo, nos termos gerais previstos no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA."

 

ix.2. Apreciação das Alegações do Sujeito Passivo

 

Por força do mecanismo próprio do IVA - que funciona pelo método indirecto subtrativo, método do crédito do imposto ou método das facturas, o sujeito passivo, relativamente a um determinado período, pode ficar numa situação de crédito de imposto, ou seja, que, relativamente a esse período, o montante de imposto a deduzir29 pelo sujeito passivo exceda o montante devido pelas operações tributáveis, e "Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes." (n.º 4 do artigo 22.º do CIVA).

Não obstante isto, a lei criou a possibilidade do crédito de imposto ser efetivamente reembolsado a pedido do sujeito passivo. Assim, se esse crédito persistir por mais de 12 meses por valor superior a € 250,00 o sujeito passivo poderá solicitar o seu reembolso, nos termos do disposto no n.º 5 do mesmo artigo; como o poderá fazer antes do fim do período de 12 meses quando se verifique a cessação de atividade ou passe a enquadrar-se no disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 29.º, 1 do artigo 54º ou 1 do artigo 61,º, desde que o valor do reembolso seja igual ou superior a (euro) 25, bem como quando o crédito a seu favor exceder (euro) 3000, como o autoriza o n.º 6 do mesmo art. 22.º do CIVA.

Como decorre do preceituado no n.º 8 do mesmo artigo, os reembolsos são efetuados «quando devidos», isto é, após a confirmação de que, no período a que se refere o pedido de reembolso, a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Para efetuar esta confirmação, a AT pode efetuar correções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, como decorre do preceituado no n.º 10 do mesmo artigo.

Sem prejuízo de se acolher o princípio da verdade da declaração, em que assenta a estrutura instrumental do IVA, há que reconhecer que o crédito invocado pelos contribuintes materializado no pedido de reembolso não pode ser um mero ato de inscrever um número, ou uma determinada quantia, numa declaração. Trata-se antes de um direito que deve ser comprovado por parte de quem o invoca, através de elementos que possam sustentar a verdade e exigibilidade desse mesmo direito.

Por isso, e tendo sempre presente que as funções essenciais da AT, esta deverá aquilatar da verdade e legitimidade do crédito de imposto invocado como suporte do pedido de reembolso. Sublinha-se que de acordo com o n.º 8 do citado normativo os reembolsos não devem ser efetuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso se considerar indevido.

Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir. E foi no cumprimento deste pressuposto que a Administração Tributária atuou.

Pelo que não assiste razão ao contribuinte quando advoga no seu direito de audição que a "nenhuma das situações que permitem excepcionar o princípio da proibição de existência de mais de um procedimento de inspecção ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação."

O princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspeção tributária, com consagração na Lei Geral Tributária (LGT), mormente artigo 63.º n.º 4 estabelece a proibição de dois procedimentos inspetivos sucessivos, quando estejamos perante urna identidade de imposto, de período de tributação e do mesmo

sujeito passivo,

" 4 - O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo sã a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas."

Para se subsumir a esta àquela proibição - em rigor limitação, pois admite derrogações -, é requisito que nos procedimentos inspetivos externos sob censura se verifiquem cumulativamente a identidade do inspecionado, do âmbito das inspeções efetuadas e da sua extensão, não proibindo o n.º 4 a possibilidade da realização, a um mesmo sujeito passivo, de tipos de procedimentos inspetivos externos distintos quanto aos fins, quanto ao âmbito ou quanto à extensão. Por outro e como já foi dito este princípio permite derrogações," (...) salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária (...)".

O procedimento ora em análise, é um procedimento inspetivo externo, credenciado por ordem de serviço, destinado à confirmação e indagação da situação tributária do sujeito passivo (n.º 1 e al. a) e b) do n.º 2 do art. 2º do RCPITA), com âmbito parcial (al. a) do n.º 1 do art. 14º do RCPIT) e extensão delimitada ao exercício de (n.º 3 do art. 14º do RCPIT) que originou as correções propostas pela inspeção Tributária à matéria tributável em sede de IVA do ano de 2011,2012, 2013 e 2014.

Enquanto o despacho que o sujeito passivo alude é um procedimento destinado à recolha, consulta e cruzamento de elementos abarcando os exercícios de 2009, 2010 e 2011, com âmbito parcial) por imposição legal do n.º 2 do art. 14º do RCPIT), que teve a sua origem num pedido de reembolso que o sujeito passivo fez no terceiro trimestre de 2011, e que não originou qualquer definição da situação tributária (elaboração de relatório) para o sujeito passivo, visou somente e apenas a confirmação dos pressupostos dos direito invocados pelo contribuinte perante a administração tributária, caindo na exceção do n.º 4 do artigo 63.º da LGT.

A ratio da norma procura garantir a proporcionalidade e a adequação entre os incómodos gerados ao sujeito passivo contribuinte pelos procedimentos inspetivos e os fins visados por tais procedimentos, com a necessidade daquele ver a sua situação definida pela tomada de posição da Administração Tributária, o que não significa, que seja impeditivo da realização de dois procedimentos externos de inspeção dirigidos ao mesmo inspecionado, quando num deles não haja qualquer tomada de posição da Administração Tributária sobre a situação tributária daquele.

Alega ainda o sujeito passivo no seu direito de audição que existe uma efetiva realização de prestações de serviços por parte das produtoras ao A..., mas tal não ocorre como ficou demonstrado no projeto de relatório o A..., no âmbito da sua atividade, investe nas artes cinematográficas e audiovisuais através de financiamento, recuperando-o através da sua participação nas receitas de exploração das obras, proporcionalmente ao seu investimento, tendo em conta a própria realidade dos factos, o enquadramento legal do Fundo, o seu objeto, o Regulamento de Gestão e os contratos celebrados com as produtoras. O investimento direto consubstancia sim, o financiamento de obra cinematográfica ou audiovisual e que corresponde quer ao estatuído na Portaria n.º 277/2007, de 14 de março, que regulamenta o Fundo, que ao estatuído no Regulamento de Gestão do Fundo, quer ao conteúdo do contrato em que as declarações de vontade se cristalizaram.

Quem detém o direito de exploração económica da obra é a Produtora uma vez que não existe um proveito próprio e direto do A... . O que se verifica é que o A..., como forma de obter a recuperação do seu financiamento, é-lhe afeta uma percentagem das receitas de exploração sendo esta a forma que a Produtora amortiza os investimentos efetuados na produção da sua obra cinematográfica.

Neste sentido, não podemos inverter a operação e considerar que o investimento efetuado pelo Fundo na produção de obra cinematográfica e audiovisual, seja tido como uma prestação de serviços, considerando-o uma "contraprestação auferida pelas produtoras pela cedência de parte dos direitos de exploração económica da obra cinematográfica." Estamos perante uma inexistência de qualquer prestação de serviços relacionado com a cessão dos direitos de exploração económica da obra, por parte da Produtora ao A..., tendo sido liquidado IVA indevidamente, uma vez que não existe qualquer operação sujeita a IVA, nos termos dos art.ºs 1.º n.º 1 e 2º, ambos do CIVA. Estamos simplesmente perante uma operação de investimento/financiamento por parte do A... à Produtora, conforme se verifica da análise do enquadramento legal do Fundo, do seu Regulamento, dos contratos celebrados e da realidade factual subjacente, financiamentos esses que não são remunerados, e cuja recuperação é efetuada através da sua participação nas receitas de exploração das obras.

Desta forma, e na sequência do exercício do direito de audição, considera-se que no momento presente não assiste razão ao sujeito passivo pelo que a correção proposta no ponto 111. do relatório, no montante de 1.117.062,04 euros, converte-se em definitiva nos termos e com os fundamentos apresentados.

 

E)            No que respeita à modalidade de Investimento Direto, o mesmo concretiza-se por via da celebração de contrato de investimento direto com produtoras de conteúdos audiovisuais dotando-as de meios financeiros com vista à execução de uma obra cinematográfica ou audiovisual, ficando o Fundo, como contrapartida pelo investimento realizado, titular de uma parte do direito a receitas de exploração econômica das referidas obras durante o período de vigência dos contratos  (Documento n.º 30 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            As receitas de exploração económica das obras a receber pelo A... não se limitam ao reembolso integral do investimento realizado pelo Fundo na obra, visando ainda auferir as receitas necessárias à rentabilização do investimento efetuado até que se verifique a cessação da relação contratual entre o A... e a Produtora (cláusula quinta n.º 1 do contrato tipo de investimento direto celebrado com a K..., Lda. junto como Documento n.º 30);

G)           Na CLÁUSULA QUINTA n.º 6 do contrato que consta do documento n.º 3 refere-se: “O Fundo e a Produtora acordam que o montante que será paga pela G..., no montante de € 42.600,00, não será contabilizado como receita e reverte na sua totalidade a favor do Fundo”;

H)           O modelo em que assenta o investimento efetuado pelo A... na modalidade de Investimento Direto inclui os seguintes fluxos monetários e de prestações de serviços:

i) O Fundo adianta uma quantia pecuniária às Produtoras com vista à concretização

de uma obra cinematográfica ou audiovisual;

ii) Como contrapartida, as Produtoras procedem à atribuição ao Fundo do direito a

participar numa parte das receitas de exploração económica das obras em percentagem definida contratualmente e durante a vigência de tais contratos;

iii) Na sequência do financiamento, Produtora planifica e executa todas as fases do

processo produtivo e de exploração da obra - em proveito próprio e em proveito indireto do Fundo, enquanto financiador;

iv) Após a conclusão da obra e consequente cedência do direito jurídico da exploração das obras por parte das empresas de exploração de conteúdos audiovisuais (G..., H..., I..., etc.), estas entidades procedem ao pagamento das receitas de exploração às Produtoras;

v) No mesmo momento, as Produtoras alocam ao Fundo a percentagem correspondente ao direito de participação nas receitas de exploração económica.

vi) O valor atribuído ao Fundo é debitado (faturado) por este às Produtoras.

 

I)             O A... desenvolveu o referido modelo de negócio desde a sua constituição, em 2007, até à sua liquidação;

J)            No que respeita à modalidade de Investimento Direto, o Requerente procedeu à liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (”IVA") nos débitos efetuados às Produtoras pela percentagem correspondente ao direito de participação nos direitos de exploração económica das obras (i.e., nas receitas de exploração), Deduzindo o IVA que lhe era debitado pelas Produtoras pela cedência do direito a participar nas receitas de exploração económica das obras;

K)           No que respeita à modalidade de Investimento Indireto, o Requerente nunca liquidou IVA sobre os financiamentos realizados, nem deduziu o IVA em relação aos inputs adquiridos no âmbito da atividade relacionada com o Investimento Indireto;

L)            O enquadramento em sede de IVA foi efectuado pelo Requerente aos seus outputs (investimentos diretos e indiretos) com base num parecer da consultora J... (documento n.º 31 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

M)          O enquadramento referido nunca foi questionado pela AT até à data da liquidação da R Contabilisticamente, os investimentos indiretos eram registados como investimentos financeiros uma vez que “incluía as participações de capital em participadas" e os investimentos diretos eram registados como ativos intangíveis;

N)           Desde o início da sua atividade, fruto da atividade desenvolvida, nomeadamente no âmbito dos Investimentos Diretos, o A... incorreu em IVA nos débitos que lhe foram efetuados pelas Produtoras;

O)           Todos os valores que lhe foram faturados a título de IVA pelas Produtoras foram pagos;

P)           Com especial relevância, durante os anos de 2009 e 2010, os montantes de IVA deduzidos nas declarações de IVA do A... correspondentes a este período foram sendo sucessivamente reportados para períodos posteriores, com as correspondentes variações inerentes às deduções e liquidações efetuadas em cada período, tendo sido incluídos no campo 61 da declaração periódica de IVA do primeiro trimestre de 2011 em montante que ascendia, à data, a € 1.086.530,28;

Q)           Em 11.11.2011, o Requerente solicitou à Autoridade Tributária o reembolso dos valores de IVA acumulados a seu favor até à data, no montante de € 1.123.611,51 de IVA referente ao terceiro trimestre de 2011 (Julho/Agosto/Setembro) (documento n.º 32 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

R)           Do montante reclamado, € 1.086.530,28 correspondiam a deduções de imposto efetuadas nas declarações de IVA do A... dos anos 2009 e 2010 (documento n.º 33 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S)            O pedido de reembolso efectuado em 2011 despoletou um procedimento de inspeção, determinado pelo despacho n.º DI..., que teve início em 25-11-2011 (Documento n.º 34 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

T)            Nesse procedimento inspectivo foram solicitados à Requerente e por esta enviados à Administração Tributária elementos por esta solicitados (documento n.º15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

U)           Da inspeção realizada em 2011 não resultaram quaisquer correções, tendo os SIT validado os procedimentos de liquidação e dedução de IVA adoptados pelo Fundo com referência às suas operações (em concreto no que respeita à modalidade de Investimento Direto);

V)           Consequentemente, por Despacho datado de 6 de Fevereiro de 2012, foi deferido o pedido do Requerente ao reembolso de IVA, no montante de € 1.123.611,51 (despacho de deferimento n.º ... que consta do Documento n.º 37 cujo teor se dá como reproduzido);

W)          Em 29-10-2014, na declaração periódica de IVA do terceiro trimestre de 2014, o Requerente solicitou novo reembolso de IVA no montante de 5.359,76 € (Documento n.º  38 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

X)           Em 08-01-2015, na declaração periódica de IVA do quatro trimestre de 2014, o Requerente solicitou novo reembolso de IVA no montante de 17.539,75 (documento n.º 39 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Y)            Este último pedido de reembolso desencadeou uma nova inspeção tributária ao Requerente, através da Ordem de Serviço n.º OI 2015..., referente ao ano de 2014, e datada de 23-06-2015 (Documentos n.ºs 40 e 41 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

Z)            Em 23-10-2015, e no decurso da anterior inspeção foram emitidas as ordens de serviço n.º 0I2015.../.../..., para os anos de 2011, 2012 e 2013 (documentos n.ºs 42, 43, 44 e 45 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

AA)        A 11-12-2015, o Requerente foi notificado da prorrogação por “três meses da inspeção realizada a coberto da Ordem de Serviço Ol 2015..., referente ao ano de 2014 (Documento n.º 46 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

BB)         A 03-03-2015 por fax, e a 15-03-2015 por correio, o Requerente foi notificado da prorrogação por três meses da inspeção realizada a coberto da Ordem de Serviço Ol 2015..., referente ao ano de 2014 (documentos n.ºs 47 e 48 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

CC)         A 21-03-2016 o Requerente foi notificado do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, através do qual os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa propunham:

a) Proceder a correções ao IVA deduzido pelo Fundo no valor de € 1.117.062,04 EUR;

b) Indeferir o pedido de reembolso de IVA no valor de €5.359.76, apresentado no terceiro trimestre de 2014 (201409T) e referente ao período compreendido entre o quarto trimestre de 2011 (201112T) até ao terceiro trimestre de 2014 (201409T);

c) Deferir o pedido de reembolso de IVA no valor de €17.539,75 apresentado no quarto trimestre de 2014 (201412T)

DD)        O Requerente exerceu o direito de audição sustentando que os investimentos diretos realizados pelo Fundo consubstanciavam uma atividade económica e, consequentemente, encontravam-se sujeitos a IVA por um lado, e permitiam a dedução do IVA dos Inputs adquiridos para esse fim;

EE)         Em Abril de 2016, o A... foi notificado do Relatório de Inspeção Tributária;

FF)         Entre Abril e Maio, na sequência da emissão do relatório final, o A... foi notificado das seguintes liquidações de IVA:

a) Liquidação de IVA n.º ..., de 02-05-2016, referente ao período 201103T, no  valor de 1.057.415,90 € – Documento n.º 1;

b) Liquidação de IVA n.º..., de 02-05-2016, referente ao período 201106T, no  valor de 11.040,00 € – Documento n.º 2;

c) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201112T, no valor de 4.830,00 € – Documento n.º 3;

d) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201203T, no valor de 8.619,94 € – Documento n.º 4;

e) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201206T, no valor de 2.181,33 € – Documento n.º 5;

f) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201209T, no valor de 4.196,75 € – Documento n.º 6;

g) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201212T, no valor de 1.729,42 € – Documento n.º 7;

h) Liquidação de IVA nº 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201303T, no valor de 1.488,39 € – Documento n.º 8;

i) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201306T, no valor de 13.104,18 € – Documento n.º 9;

j) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201309T, no valor de 1.225,38 € – Documento n.º 10;

k) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 22-04-2016, referente ao período 201312T, no valor de 1.550,84 € – Documento n.º 11;

l) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201403T, no valor de 1.169,52 € – Documento n.º 12;

m) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 26-04-2016, referente ao período 201406T, no valor de 2.748,54 € – Documento n.º 13;

n) Liquidação de IVA nº 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201409T, no valor de 5.761,85 € – Documento n.º 14.

GG)       O Requerente foi ainda notificado das seguintes liquidações de juros compensatórios:

o) Liquidação de Juros Compensatórios n.º..., referente ao período 201103T, no valor de 207.659,10 € – Documento n.º 16;

p) Liquidação de Juros Compensatórios n.º..., referente ao período 201106T, no valor de 2.056,77 € – Documento n.º 17;

q) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201112T, no valor de 802,97 € – Documento n.º 18;

r) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201203T, no valor de 1.348,01 € – Documento n.º 19;

s) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201206T, no valor de 318,89 € – Documento n.º 20;

t) Liquidação de Juros Moratórios nº 2016..., referente ao período 201209T, no valor de 825,19 € – Documento n.º 21;

u) Liquidação de Juros Moratórios nº 2016..., referente ao período 201212T, no valor de 311,45 € – Documento n.º 22;

v) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2016..., referente ao período 201303T, no valor de 173,22 € – Documento n.º 23;

w) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2016..., referente ao período 201306T, no valor de 1.391,55 € – Documento n.º 24;

x) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201309T, no valor de 117,90 € – Documento n.º 25;

y) Liquidação de Juros Moratórios n.º 2016..., referente ao período 201312T, no valor de 185,38 € – Documento n.º 26;

z) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2016..., referente ao período 201403T, no valor de 89,20 € – Documento n.º 27;

aa) Liquidação de Juros Moratórios nº 2016..., referente ao período 201406T, no valor de 253,09 € – Documento n.º 28;

HH)        No dia 28-04-2016, o A... foi notificado do despacho de indeferimento do pedido de reembolso que apresentou relativo ao período 201409T (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

II)           Em 22-06-2016 e 29-06-2016, sem renunciar ao Direito de Impugnação, o A... procedeu ao pagamento das liquidações de IVA e juros compensatórios (Documentos n.ºs 49 e 50 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

JJ)           O Requerente impugnou as liquidações no Tribunal Tributário de Lisboa, tendo o processo de impugnação judicial o n.º .../16...BELRS;

KK)         Foi organizado um único processo de inspecção com base nas quatro ordenes de serviço e foi elaborado um único Relatório da Inspecção Tributária;

LL)          A administração tributária não notificou o Requerente de qualquer despacho fundamentado alterando os fins, âmbito ou extensão do procedimento de inspecção;

MM)     Durante os anos 2009 e 2010 o A... suportou IVA nos débitos ficando a deter um crédito de imposto a deduzir nas declarações periódicas até que na declaração periódica correspondente ao 3.º trimestre de 2011, quando já ascendia a € 1.123.611,51, foi requerido o seu reembolso tendo o mesmo sido integralmente deferido e pago ao A...;

NN)       Em 30-12-2019, o Requerente o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, nos termos do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral e pela Administração Tributária na sua Resposta e em afirmações do Requerente que não são questionadas.

Não é controvertida a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

São impugnadas liquidações de IVA e juros compensatórios relativas aos anos de 2011, 2012, 2013 e 1014.

A inspecção iniciou-se com a ordem de serviço externa, para o ano de 2014, com o objetivo de analisar o reembolso de IVA e, na pendência do procedimento de inspecção foram emitidas ordens de serviço para os anos de 2011, 2012 e 2013 «abertas no seguimento da anterior e com o objetivo de analisar as operações realizadas pelo sujeito passivo e a legitimidade do direito à dedução do IVA» (Relatório da Inspecção Tributária).

O Requerente imputa às liquidações impugnadas os seguintes vícios:

a) Caducidade do direito à liquidação do IVA deduzido nas autoliquidações referentes aos anos 2009 e 2010;

b) Caducidade do direito à liquidação do IVA pelo facto da inspecção tributária de carácter externo ter uma duração superior a seis meses e não cumprimento da obrigação de fundamentação do alargamento da extensão temporal da inspecção;

c) Repetição de acção inspectiva externa, relativamente ao período de 2011;

d) Inexistência de fundamentos para a liquidação de juros compensatórios;

e) Existência de actividade económica sujeita a IVA; e

f) Enriquecimento sem causa e violação do princípio da neutralidade.

 

 

 

3.1. Questão da caducidade do direito de liquidação do IVA deduzido nas autoliquidações referentes aos anos 2009 e 2010

 

Durante os anos 2009 e 2010 o A... suportou IVA nos débitos ficando a deter um crédito de imposto a deduzir nas declarações periódicas até que na declaração periódica correspondente ao 3.ºtrimestre de 2011 foi requerido o seu reembolso tendo o mesmo sido integralmente deferido e pago ao A... .

Na liquidação relativa ao período de 2011 03, a Administração Tributária considerou indevidamente deduzido IVA no montante de € 1.027.619,40, relativo a facturas emitidas em 2009 e 2010.

Na redacção vigente em 2009 e anos posteriores, o artigo 94.º, n.º 1, do CIVA estabelece que «só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária».

 

3.1.1. A questão da caducidade do direito de liquidação à face dos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT

 

O Requerente invoca a caducidade do direito de liquidação com base nos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, relativamente ao IVA deduzido com base em facturas emitidas nos anos de 2009 e 2010.

O artigo 45.º da LGT estabelece o seguinte, na redacção posterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, no que aqui interessa:

 

Artigo 45.º

 

Caducidade do direito à liquidação

 

1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

 (...)

3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.

4. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

 

O Requerente defende que ocorreu a caducidade do direito de liquidação considerando que, aos casos de liquidação baseada em dedução indevida, é aplicável o prazo geral de caducidade do direito de liquidação de 4 anos a contar do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, que resulta dos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT.

Na verdade, com aplicação destas normas, verificando-se a exigibilidade do IVA com a emissão das facturas em 2009 e 2010 (artigo 8.º do CIVA), os prazos de 4 anos ter-se-iam iniciado em 01-01-2010 e 01-01-2011 para as deduções efectuadas em 2009 e 2010, respectivamente, pelo que terão terminado muito antes do início da inspecção, em 2015.

 Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que a Administração Tributária invoca, designadamente os acórdãos  de 07-12-2007, processo n.º 0303/07, e de 30-09-2009, processo n.º 0682/09, foi adoptada apenas relativamente a situações de indeferimento  de pedido de reembolso, que se considerou serem diferentes das de emissão de liquidações, como se evidencia no primeiro daqueles acórdãos:

O prazo de caducidade do direito liquidação, actualmente previsto no art. 45.º da LGT, reporta-se a actos de liquidação de tributos, que são actos que declaram uma obrigação tributária (...).

                É apenas em relação a estes actos de liquidação, em sentido estrito, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais actos podem ser praticados.

               Não é esse, porém, o caso dos actos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente.

                Por outro lado, o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efectuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efectuados reembolsos indevidos (o que seria absolutamente supérfluo, pois seria inimaginável interpretar o regime de reembolsos como permitindo o pagamento de reembolsos que não fossem devidos), mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido.

                Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir.

                Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º.

                Na verdade, não valem em relação aos actos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efectuar actos de liquidação, pois os actos de recusa, como actos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.

 

Como se vê, esta jurisprudência refere-se a pedidos de reembolso de IVA que se entendeu não serem abrangidas pela caducidade do direito de liquidação, por não valerem em relação aos actos de indeferimento, que apenas afectam a expectativa que o Sujeito Passivo tem de vir obter meios pecuniários, as mesmas razões de segurança jurídica que justificam a limitação de actos de natureza ablativa, como são os actos de liquidação, que retiram da esfera jurídica do contribuinte meios pecuniários que estavam na sua disponibilidade.

Esta distinção entre as duas situações foi recentemente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 05-02-2020, processo n.º 0844/12.0BELRA 01175/17, em que se refere: 

 

Ora, como resulta da factualidade antes descrita, no caso em apreço não estamos perante um acto de recusa de reembolso dos montantes declarados pelo sujeito passivo com fundamento em correcções efectuadas às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso (caso que foi analisado e discutido no acórdão de 12 de Julho de 2007, exarado no processo 303/07, invocado pela Recorrente), mas sim perante verdadeiros actos de liquidação adicional de imposto, praticados na sequência de uma inspecção tributária motivada pelo pedido de reembolso. Quer isto dizer que, tratando-se da prática de um acto tributário fundado em correcções quantitativas à matéria colectável determinadas por uma avaliação directa, por ocasião ou no âmbito de um procedimento de inspecção tributária e com base em dados contabilísticos apurados também por inspecção tributária à empresa relativamente à qual os actos de liquidação de IVA em falta haviam sido praticados, não existem razões que possam afastar a aplicação da regra da caducidade do direito à liquidação consagrada no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.

É certo que o IVA em falta é imputado ao último período de 2010, mas o Tribunal a quo entende, e com razão, que esse facto não é relevante para o efeito, uma vez que o prazo de caducidade se conta, segundo o n.º 4 do artigo 45.º da LGT, “a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2007. Assim, a liquidação daquele IVA em falta (por omissão de operações tributárias) teria de ter sido efectuada e o respectivo acto notificado ao sujeito passivo até 31 de Dezembro de 2010, o que só veio a acontecer em 4 de Setembro de 2011.

 

                Na mesma linha, distinguindo as duas situações, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo entendeu, no acórdão de 27-02-2019, processo n.º 02/18.0BALSB, que a situação analisada no referido acórdão de 2007 e a que foi objecto do acórdão arbitral de 27-06-2018 , proferido no processo n.º 494/2017-T (em que foi adoptada solução idêntica à que no presente acórdão se adopta), não têm «suficientes pontos em comum para que se possa concluir ocorrer uma efectiva contradição entre ambas».

                Por isso, tendo a liquidação adicional de IVA relativa ao 1.º trimestre de 2011 sido emitida em 02-05-2016 e tendo subjacentes actos de dedução praticados nos anos de 2009 e 2010, no valor global de € 1.027.619,40, tem de se concluir que ocorreu quanto a ela a caducidade do direito de liquidação, quanto àquele valor, o que constitui vício de violação de lei que justifica a sua anulação  nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                3.1.2. Caducidade do direito de liquidação à face do n.º 3 do artigo 45.º da LGT

 

                Embora o Requerente invoque os n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT para sustentar a caso do direito de liquidação, poderá equacionar-se também a possibilidade de aplicação do n.º 3 daquele artigo 45.º, que conduz a mesma conclusão.

Na verdade, poderá entender-se que a estes específicos casos de caducidade do direito de liquidação relativamente a deduções indevidas de IVA se aplica, antes, o n.º 3 deste artigo 45.º que, a partir da redacção introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, passou a estabelecer que,  «em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito». (   ) Esta redacção manteve-se até à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em que este n.º 3 passou a estabelecer que «em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito».

Referindo-se este n.º 3 a qualquer «qualquer dedução ou crédito de imposto» (...) ele é será aplicável à dedução de IVA. À face desta norma, o prazo de caducidade direito à liquidação por dedução indevida de IVA será o prazo do exercício do direito a dedução, isto é, coincide com o prazo para exercício do direito à dedução. Por isso, quando for efectuada uma dedução indevida de IVA, a Administração Tributária só poderá exercer o direito de liquidação do IVA indevidamente deduzido, no prazo legal de exercício do direito à dedução.

Sobre o prazo de exercício do direito à dedução, estabelece o  n.º 2 do artigo 98.º do CIVA que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução (...) só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução».

Assim, não sendo neste caso aplicável qualquer norma especial, é de quatro anos o prazo para exercício do direito à dedução. (   )

«O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º» (artigo 22.º, n.º 1, do CIVA), pelo que o nascimento do direito à dedução que se refere naquele  n.º 2 do artigo 98.º é necessariamente anterior ao momento em que o sujeito passivo está em condições de exercer esse direito, «mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período» (artigo 22.º, n.º 1, citado).

Por isso, para se iniciar a contagem do prazo de caducidade do direito à dedução não é necessário que ocorra o momento em que o sujeito passivo vem a estar em condições práticas de exercer o direito à dedução, iniciando-se o prazo desde o momento anterior em que o imposto dedutível se tornou exigível, normalmente no momento da emissão da factura que serve de suporte ao direito à dedução (artigo 8.º do CIVA).

Reflexamente, por força do n.º 3 do artigo 45.º da LGT, que faz coincidir o prazo de exercício do direito à dedução e o prazo de caducidade do direito de liquidação com fundamento em dedução indevida, também este prazo de caducidade se contará a partir desse momento.

É certo que, antes do exercício do direito de dedução, a Administração Tributária não tem a possibilidade prática de controlar o seu exercício, mas é uma solução legislativa que não se pode considerar estranha no nosso direito tributário, pois é a adoptada também nos outros principais impostos, designadamente no IRC e IRS, em que o prazo de caducidade do direito de liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.º 4, da LGT), meses antes dos termos dos prazos para serem apresentadas as declarações de rendimentos (artigos 120.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC e 60.º do CIRS), que permitirão à Administração Tributária exercer os respectivos direitos de liquidação. Inclusivamente, nestes casos de IRC e IRS a antecipação do termo inicial do prazo de caducidade do direito de liquidação até será maior do que resulta do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, pois «a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas» (artigo 22.,º, n.º 2, do CIVA).

  Por outro lado, o regime de contagem do prazo a partir do nascimento do direito à dedução, tem como corolário que há um único prazo de caducidade do exercício do direito à dedução relativamente a cada IVA dedutível, independentemente dos posteriores actos em que se concretiza esse exercício, designadamente declarações periódicas iniciais ou de substituição ou reporte para períodos seguintes.

Reflexamente, em face da coincidência de prazos que resulta do artigo 45.º, n.º 3, da LGT, também haverá um único prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida, contado do momento em que o IVA respectivo se tornou exigível e não um novo prazo iniciado com cada acto em que se concretizou esse exercício indevido, designadamente os sucessivos actos de reporte para períodos seguintes, nos casos em que o imposto a deduzir supere o montante devido pelas operações tributáveis, que o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA também considera exercício do direito de dedução (como se conclui aí se dizer que «o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes»).

Por isso que, não relevam para efeitos de determinar o prazo de caducidade do direito de liquidação os actos de exercício de direito à dedução: nem o acto que foi inicialmente praticado na declaração periódica, nem eventuais declarações de substituição, nem a dedução através de reporte do excesso para exercícios seguintes.

Assim, tendo as liquidações sido emitidas em 2016, tem de se concluir que foram emitidas para além do prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida o prazo que resulta dos artigos 45.º, n.º 3, da LGT e 98.º, n.º 2, do CIVA.

 

3.2. Caducidade do direito à liquidação do IVA pelo facto da inspecção tributária de carácter externo ter uma duração superior a seis meses e não cumprimento da obrigação de fundamentação do alargamento da extensão temporal da inspecção

 

                O Requerente suscita duas questões neste ponto: uma é a da ilegalidade da duração da inspecção por mais de seis meses; a outra é a de no âmbito da inspecção relativa ao ano de 2014 terem sido emitidas três ordens de serviço relativas aos períodos de 2011, 2012 e 2013 sem que tivesse sido notificado despacho fundamentando o alargamento.

 

                3.2.1. Quanto da duração da inspecção por mais de seis meses

 

O artigo 36.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) estabelece que «o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início», prazo este que pode ser ampliado por mais dois períodos de três meses.

Como tem vindo a entender o Supremo Tribunal Administrativo, o excesso do prazo de inspeção tributária não tem, só por si, efeito invalidante da notificação, apenas implicando a cessação do efeito suspensivo da caducidade do direito de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 46.ºda LGT. (   )

O artigo 36.º do RCPITA inclui actualmente uma norma em que se consagra este entendimento jurisprudencial, que é o n.º 7, aditado pela Lei nº 75-A/2014, de 30 de Setembro, que estabelece que «o decurso do prazo do procedimento de inspeção determina o fim dos atos externos de inspeção, não afetando, porém, o direito à liquidação dos tributos».

Assim, o Requerente não tem razão quanto a esta questão, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a este vício.

 

                3.2.2. Não cumprimento da obrigação de fundamentação da alteração da extensão da inspecção

               

                A inspecção em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que está subjacente às liquidações impugnadas foi iniciada apenas quanto ao período de 2014.

                Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, «nos termos da alínea b) do artigo 13.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º, ambos do RCPITA, a ordem de serviço externa, para o ano de 2014, foi aberta com o objetivo de analisar o reembolso de IVA com o n.º .../..., solicitado no dia 2015/01/08 e relativo ao período de 1412T, à qual foi atribuído o código de atividade 1222110501».

                Posteriormente, como também refere a Administração Tributária, «as ordens de serviço para os anos de 2011, 2012 e 2013 foram abertas no seguimento da anterior e com o objetivo de analisar as operações realizadas pelo sujeito passivo e a legitimidade do direito à dedução do IVA».

 

                Os artigos 14.º e 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA) estabelecem o seguinte:

 

Artigo 14.º

Âmbito e extensão

1 - Quanto ao âmbito, o procedimento de inspecção pode ser:

a) Geral ou polivalente, quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários;

b) Parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários.

2 - Considera-se ainda procedimento parcial o que se limite à consulta, recolha de documentos ou elementos determinados e à verificação de sistemas informáticos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, ou ao controlo de bens em circulação.

3 - Quanto à extensão, o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação.

 

Artigo 15.º

Alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento

1 - Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.

2 - O âmbito e extensão do procedimento de inspecção pode ser determinado a solicitação dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, nos termos do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro.

 

 

                O âmbito inicial da inspecção era apenas «analisar o reembolso de IVA com o n.º .../..., solicitado no dia 2015/01/08 e relativo ao período de 1412T» e a Administração Tributária, mesmo em relação ao ano de 2014, efectuou correcções relativamente aos períodos 2014 03, 2014 06 e 2014 09.

                Para além disso, com emissão de três novas ordens de serviço, a inspecção passou a destinar-se também a «analisar as operações realizadas pelo sujeito passivo e a legitimidade do direito à dedução do IVA» nos anos de 2011, 2012 e 2013.

                A tese da Administração Tributária de que não houve uma alteração da extensão da inspecção inicial, por cada uma destas ordens de serviço corresponder uma diferente inspecção, não tem qualquer suporte na matéria de facto fixada nem na lei.

                Na verdade, «o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários» e entre os tipos de procedimento incluem-se as «as acções preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária» (artigo 54.º, n. 1, da LGT).

                Ao procedimento tributário e, designadamente, às acções de inspecção tributária, aplica-se subsidiariamente o Código do Procedimento Administrativo, nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT e do artigo 4.º, alínea e) do RCPITA.

                Assim, o procedimento tributário segue a forma escrita (artigo 54.º, n.º 3, da LGT), é constituído por uma «sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública» e tem de ser organizado um processo administrativo, integrado pelo «conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento».

                E relativamente a cada procedimento tributário, designadamente de inspecção, tem de ser proferida uma única decisão, como decorre, em geral, do artigo 77.º da LGT e especificamente 62.º do RCPITA: «para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária».

                Assim, se é certo que numa mesma acção de inspecção podem ser englobados vários períodos (e mesmo vários impostos), também o é que não podem ser englobados vários procedimentos tributários distintos num único processo administrativo, nem o Relatório da Inspecção Tributária de um único processo de inspecção pode englobar a decisão final de vários procedimentos de inspecção, como decorre do teor expresso daquele artigo 62.º.

                Por outro lado, a tese da Administração Tributária de «não estamos perante uma extensão temporal da ação inspetiva realizada a coberta da Ordem de Serviço n.º OI2015..., mas antes perante quatro procedimentos de inspeção externos realizados a coberto das ordens de serviço n.º OI2015..., n.º OI2015..., n.º OI2015... e n.º OI2015..., que tiveram por objeto os anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, respetivamente, pelo que não tinha o Requerente que ser notificado de qualquer extensão temporal, porque esta não teve lugar» não tem correspondência com  a realidade, inclusivamente pela que foi percepcionada pelos próprios funcionários da Administração Tributária que superintenderam no procedimento inspectivo.

                Assim, o Chefe de Equipa assegurou que «foi elaborada notificação da conclusão da ação, a enviar ao sujeito passivo» e não de várias acções de inspecção.

                Por sua vez, o Chefe de Divisão disse: «Concordo com o parecer da Chefe de Equipa, bem como com o relatório da ação inspetiva», o que mostra bem que apenas conseguiu detectar no Relatório da Inspecção Tributária uma única acção de inspecção.

                O próprio funcionário que redigiu o Relatório da Inspecção Tributária também parece que, antes de ter sido confrontado com a questão suscitada pela oro Requerente, não tinha dúvidas de que tinha realizado uma única inspecção, fazendo múltiplas referências à «ação de inspeção, sempre no singular, e designadamente, aos «OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO»

De qualquer modo, não há qualquer disposição legal que permita elaborar um único relatório final e um único processo administrativo para várias inspecções o que basta para considerar ilegal a tese da Administração Tributária. Na verdade, ao contrário do que defende a Administração Tributária, para que seja proibida tal prática não é necessário que exista que norma que a proíba, bastando que não exista norma que o permita, pois, num Estado de Direito, a Administração Tributária está subordinada ao princípio da legalidade, que tem suporte nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, que estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos» [artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT]. À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». (   )

                Por isso, a realidade procedimental é a de um único procedimento de inspecção que inicialmente tinha como âmbito «analisar o reembolso de IVA com o n.º .../..., solicitado no dia 2015/01/08 e relativo ao período de 1412T» e, depois, foi alargado aos períodos de 2011, 2012 e 2013, sendo as respectivas ordens de serviço «abertas no seguimento da anterior e com o objetivo de analisar as operações realizadas peio sujeito passivo e a legitimidade do direito à dedução do IVA».

                Assim, está-se perante uma alteração do âmbito e da extensão da inspecção inicial a um contribuinte pré-selecionado e não perante realização de novas inspecções, decididas com aplicação dos critérios de selecção cuja observância é imposta pelo artigo 27.º do RCPITA.

                Trata-se de uma alteração da inspecção já iniciada, «durante a sua execução» (no seu «seguimento» como diz a Administração Tributária), sem nova aplicação dos critérios legais de selecção, que constitui precisamente a situação pressuposta na previsão do artigo 15.º, n.º 1, do RCPITA.

                Por isso, as razões pelas quais no seguimento da inspecção iniciada se decidiu ampliar a sua extensão a outros períodos tinham de ser indicadas em «despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada», como impõe o n.º 1 do artigo 15.º do RCPITA.

                Esta fundamentação é exigida por razões de transparência da actuação da Administração Tributária na selecção das inspecções a realizar, subjacentes à imposição da observância de critérios de selecção predefinidos na determinação dos contribuintes a inspeccionar (artigo 27.º do RCPITA), razões essas que valem também em relação às alterações da extensão das inspecções. O contribuinte tem direito a conhecer os «motivos que deram origem ao procedimento» [artigo 62.º, n.º 3, alínea e), do RCPITA] e também aqueles pelos quais o procedimento teve seguimento alargado a outros períodos de tributação.

                A tese defendida pela Administração Tributária de entender que houve várias inspecções num único procedimento e com organização de um único processo administrativo, a ser aceite, reconduzir-se-ia a permitir alterar a extensão dos procedimentos de inspecção, sem dar conhecimento ao inspeccionada das razões que deram origem a essa extensão, frustrando aquele desígnio legislativo de assegurar a transparência. 

                No caso em apreço, embora tenham sido notificadas à Requerente as novas ordens de serviço que alteraram o âmbito da inspecção, não consta de qualquer delas qualquer fundamentação, como se vê pelos seus campos 5, a isso destinados e, por isso, não pode entender-se que foi dado cumprimento a esta norma.

                As consequências da falta de despacho fundamentado são as que reiteradamente vem afirmando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-06-2016, processo n.º 01101/15:

 

Tendo em conta, que o sujeito passivo, não foi devidamente notificado através de despacho fundamentado, da alteração dos fins, do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo pela entidade que o ordenou, todas as conclusões referentes ao relatório de inspecção, relativas a tal alargamento são ilegais e, não poderão ter validade fiscal, nem fundamentar qualquer acto de liquidação.

               

                No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19-09-2018, processo n.º 01460/17, e de 04-12-2019, processo 02243/16.6BEBRG.

                Assim, na linha desta jurisprudência, tendo ocorrido alteração do âmbito e extensão da única inspecção efectuada sem que fosse notificado à Requerente qualquer despacho fundamentado, tem de se concluir que as liquidações efectuadas relativas aos períodos de 2011, 2012 e 2013 enfermam de vício procedimental que justifica a sua anulação.

   

                3.3. Repetição de ação inspectiva externa, relativamente ao período de 2011

 

                Tendo-se concluído que são ilegais as liquidações relativas ao período de 2011, por ilegalidade do procedimento tributário de inspecção tributária, que assegura eficazmente os interesses do Requerente fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelo Requerente.

 Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelo Requerente às liquidações relativas ao ano de 2011.

 

3.4. Questão da inexistência de fundamentos para a liquidação de juros compensatórios

 

O Requerente defende, em suma, que a imputação de responsabilidade por juros compensatórios depende dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual entre os quais a imputação ao sujeito passivo através de um juízo de censura, que se consubstancia na culpa.

 Defende ainda o Requerente que, no caso, em apreço, esse juízo de censura não p0de ser formulado, por ter existida uma inspecção anterior ao período de 2010, em que foi deferido um pedido de reembolso, aceitando a dedução de IVA, que o Requerente renovou em 2014.

No que concerne à liquidação de juros compensatórios constata-se que a única fundamentação é a que consta das demonstrações das liquidações de juros compensatórios, pois no Relatório da Inspecção Tributária não se faz qualquer referência a juros compensatórios.

Pelo contrário, no Relatório da Inspecção Tributária até há omissões explícitas de que se infere que se terá entendido que não havia lugar a juros compensatórios. Na verdade, nas páginas 4, 5, 6 e 7 do Relatório da Inspecção Tributária indicam-se as «Conclusões da Ação de Inspecção» relativamente a cada um dos períodos abrangidos pela inspecção e nos pontos I.1.3, relativos a indicação dos «Montantes sujeitos a juros», não se indica qualquer montante.

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.

Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte.(   )

Por outro lado, se é certo que, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo» (   ), também o é que isso não sucede necessariamente, em especial quando o contribuinte tem alguma razão para crer que a sua actuação foi legal.

É isso que sucede no caso em apreço, pois como o Requerente refere, os factos de, no exercício de 2011. ter ocorrido um «procedimento de inspecção», a que se refere o documento n.º 34 junto com o pedido de pronúncia arbitral, visando determinar se o Requerente tinha direito ao reembolso que então solicitara  e o pedido ter sido deferido têm potencialidade para que a requerimento ficasse convencida da regularidade do exercício do direito à dedução que continuou a fazer nos anos seguintes.

  Pelo exposto, as liquidações de juros compensatórios enfermam de vícios de violação do referido artigo 35.º, n.º 1, da LGT, que justificam que sejam anuladas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

 

3.5. Questões de Direito da União e violação dos princípios da legalidade, da justiça e da boa-fé

 

O Requerente imputa às liquidações impugnadas duas questões que envolvem aplicação do Direito da União, citando jurisprudência do TJUE, relativamente às quais sugere que se efectue reenvio prejudicial.

Além da violação do princípio da neutralidade fiscal, o Requerente imputa às liquidações impugnadas ainda violação dos princípios da legalidade, da justiça e da boa-fé, enunciados nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT.

O reenvio prejudicial implica um considerável atraso na prolação da decisão final, pelo que, sendo a celeridade uma característica primacial da arbitragem tributária, só em caso de necessidade será de efectuar o reenvio.

No artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que é obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º C-283/81.

 Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14). 

Quanto à questão do enriquecimento sem causa colocada pelo Requerente, há jurisprudência do TJUE que esclarece a solução adoptar.

 

3.5.1. Questão da compatibilidade das liquidações impugnadas com o Direito da União e com princípios da legalidade, da justiça e da boa-fé, enunciados nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT

 

O Requerente defende, em suma, que

– «a correção levada a cabo pela AT conjugada com a moldura legal que vigora no nosso ordenamento jurídico traduz-se num gritante atropelo do princípio da neutralidade que deverá nortear o sistema IVA, na medida em que não permite que a Produtora, que alegadamente liquidou indevidamente IVA que foi deduzido pelo A..., possa proceder à regularização a seu favor do imposto indevidamente liquidado e, por sua vez, proceda ao reembolso do mesmo ao Fundo compensando, assim, a correção que a AT promove da dedução efectuada»;

– «com a correção promovida pela AT à dedução efetuada pelo A... e com a impossibilidade legal de o mesmo ser ressarcido do imposto em resultado da utilização do mecanismo das existentes ao longo de todo o circuito económico é quebrada, ficando o A... onerado com regularizações previsto no artigo 78.º do Código do IVA, a cadeia de liquidações e deduções um imposto que suportou e cuja dedução lhe é agora corrigida pela AT»;

– «para além de o A... ficar onerado com essa carga fiscal adicional e de a neutralidade ser comprometida neste caso, verifica-se uma situação gritante de enriquecimento sem causa por parte da AT que recebeu o IVA liquidado pelas Produtoras e agora corrige o mesmo imposto que deveria ser deduzido pelo Fundo»;

– «o enquadramento promovido pelas Produtoras e A... não se traduziu em qualquer perda de receita fiscal por parte da AT, tendo o Fundo e as Produtoras agindo sempre de boa-fé nesse âmbito».

 

Na sua Resposta, a Administração Tributária diz o seguinte, em suma:

 

–  o IVA constante das faturas emitidas pelas Produtoras ao Requerente, para além de consubstanciar IVA indevidamente mencionado em factura que tem de ser entregue nos Cofres do Estado (art.º 2.º, n.º 1, al. c) e 27.º, n.º 2 do Código do IVA), também não confere direito à dedução nos termos do art.º 20.º, n.º 1, al. a) do mesmo Código;

– o Requerente defende que esta correção gera o enriquecimento sem causa e violação do princípio da neutralidade, visto que a AT não corrigiu o IVA liquidado a mais pelas Produtoras ao Requerente, não podendo já lançar mão do mecanismo do art.º 78.º do Código do IVA;

– ora, não é por já não se poder lançar mão do mecanismo do art.º 78.º do CIVA (regularizações), face ao limite temporal, que a correção efetuada pela AT deixa de ser devida ou que teria que ser feita correção oposta às Produtoras;

–  sendo que, como já vimos, o IVA constante das faturas emitidas pelas Produtoras ao Requerente consubstancia IVA indevidamente liquidado e tinha que ser entregue nos Cofres do Estado, ao abrigo das normas supra referidas;

– por outro lado, o direito à dedução não é um direito absoluto, antes estando dependente do preenchimento de todos os requisitos previstos nos artigos 19.º a 21.º do Código do IVA, que incumbia ao Requerente acautelar.

 

Como se vê, a tese  defendida pela Administração Tributária é a de que não deveria ter sido liquidado IVA ao Requerente nas facturas que lhe tinham sido emitidas pelas produtoras relativas aos investimentos directos, por não estar em causa uma actividade económica sujeita a IVA. Mas, como nessas facturas se mencionou IVA, a Administração Tributária entendeu que ele passa a ser devido, por força do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. c) e 27.º, n.º 2, do Código do IVA, não tendo o Requerente direito a dedução.

Consequentemente, a Administração Tributária entende que não devem ser anuladas as liquidações de IVA efectuadas nas facturas, nem restituído à Requerente o IVA que pagou e também que não pode exercer o direito à dedução.

 Este entendimento colide com a jurisprudência do TJUE, designadamente com o decidido no acórdão de 16-05-2013, proferido no processo n.º C-191/12, em que se afirma:

 

22           Importa recordar, a este respeito, que resulta de jurisprudência constante que o direito a obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado-Membro em violação das regras do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos às pessoas pelas disposições do direito da União, tal como têm sido interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Os Estados-Membros são, assim, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados em violação do direito da União (v., designadamente, acórdão de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail e o., C-591/10, n.º 24 e jurisprudência referida).

23           Portanto, o Estado-Membro deve, em princípio, reembolsar a totalidade do IVA que o sujeito passivo tenha sido impedido de deduzir em violação do direito da União.

24           Daqui decorre que o direito à repetição do indevido destina-se a resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando o encargo económico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efetivamente (acórdão de 20 de outubro de 2011, Danfoss e Sauer-Danfoss, C-94/10, Colet., p. I-9963, n.º 23).

25           Todavia, por via de exceção, essa restituição pode ser recusada quando conduza a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito. A proteção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordem jurídica da União não impõe a restituição de impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando se prove que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente sobre outras pessoas (acórdão de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o., C-398/09, Colet., p. I-7375, n.º 18).

 

No caso em apreço, está-se perante uma situação em que o Requerente pagou o IVA que lhe foi liquidado nas facturas emitidas pelas produtoras, que a Administração Tributária considera indevidamente liquidado, mas, através das liquidações impugnadas acaba por lhe recusar o direito a dedução, o que se reconduz a que o Requerente acaba por suportar efectivamente um encargo económico, designadamente porque já foi ultrapassado o prazo de 2 anos previsto no artigo 78.º do CIVA em que poderiam ser rectificadas as facturas, o que  nem dependia do Requerente, mas sim das produtoras.

Nestas situações, o Direito da União reconhece ao destinatário dos serviços a quem foi liquidado IVA o direito a «recuperar o imposto indevidamente facturado, de modo a que o princípio da efectividade seja respeitado» (acórdão do TJUE de 15-03-2007, processo n.º C-35/05).

Está ínsito nesta jurisprudência que, se a recuperação do imposto  indevidamente pago pelo destinatário dos serviços já foi concretizada por via do exercício do direito a dedução, será incompaginável com o princípio da efectividade a eliminação administrativa deste exercício por via da exigência do IVA deduzido, obrigando o destinatário a suportar efectivamente um encargo económico que não lhe incumbe suportar.

Como se refere no mesmo aresto, só «por via de exceção, essa restituição pode ser recusada quando conduza a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito», o que não acontece no caso em apreço.

Assim, aceitando a Administração Tributária a liquidação de IVA efectuada nas facturas, que até considera devido, e tendo recebido o imposto liquidado «não pode depois, para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto, entender que a mesma liquidação é inválida», como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-09-2015, proferido no processo n.º 01034/11.

Como se diz neste aresto,

«Dando de barato que a liquidação de IVA que a “B............” efectuou seja um erro, se a AT assim o entendia não lhe restava outro caminho – porque a isso está obrigada pelo princípio da legalidade que deve enformar toda a sua actividade ( art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e arts. 5.º, n.º 2, e 55.º da Lei Geral Tributária) – senão promover a sua correcção, designadamente promovendo a devolução do montante indevidamente recebido. Não o tendo feito, não pode obviar ao exercício do direito de dedução do imposto (sob pena de somar um erro em cima de outro).

A não ser assim, a AT estaria a locupletar-se com um imposto que considera não ser devido, numa clamorosa violação dos princípios por que deve pautar a sua actividade, designadamente os da boa-fé e da justiça. Por outro lado, estaria também a introduzir um desvio inadmissível naquele que é um dos princípios fundamentais do IVA: o direito à dedução do imposto que, como expressão do método subtractivo indirecto, constitui «a trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado» (XAVIER DE BASTO, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, Cadernos Ciência e Técnica Fiscal, n.º 164, pág. 41.); bem como estaria a reduzir a letra morta o desígnio de neutralidade prosseguido pelo imposto sobre o valor acrescentado».

 

No caso em apreço, é manifesta a boa-fé do Requerente, designadamente depois de na sequência do procedimento de inspecção efectuado em 2011 lhe ter sido reconhecido o direito à dedução do IVA pago nos investimentos directos que efectuou.

Assim, na linha desta jurisprudência, conclui-se que as liquidações impugnadas enfermam de vícios de violação dos princípios da neutralidade e dos princípios da boa-fé e da justiça, que justificam a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

O despacho de indeferimento do pedido de reembolso relativo ao período 201409T enferma dos mesmos vícios, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

3.6. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de anular todas as liquidações pelos fundamentos atrás referidos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões que são colocadas no processo.

 

4. Restituição de quantia paga e juros indemnizatórios

 

                Em 22-06-2016 e 29-06-2016 o Requerente pagou as quantias liquidadas e pede a devolução dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação das liquidações, o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias indevidamente suportadas, no montante de € 1.332.594,76.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso em apreço, conclui-se que os erros das liquidações se consideram imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira por força do disposto no n.º 2 deste artigo 43.º da LGT, pois foi ela que as emitiu, sem qualquer intervenção nesse sentido imputável ao Requerente.

Os juros indemnizatórios devem ser contados relativamente a cada liquidação desde a data em que foi efectuado o respectivo pagamento, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular as seguintes liquidações:

a) Liquidação de IVA n.º..., de 02-05-2016, referente ao período 201103T, no valor de 1.057.415,90 € – Documento n.º 1;

b) Liquidação de IVA n.º..., de 02-05-2016, referente ao período 201106T, no valor de 11.040,00 € – Documento n.º 2;

c) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201112T, no valor de 4.830,00 € – Documento n.º 3;

d) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201203T, no valor de 8.619,94 € – Documento n.º 4;

e) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201206T, no valor de 2.181,33 € – Documento n.º 5;

f) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201209T, no valor de 4.196,75 € – Documento n.º 6;

g) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201212T, no valor de 1.729,42 € – Documento n.º 7;

h) Liquidação de IVA nº 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201303T, no valor de 1.488,39 € – Documento n.º 8;

i) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201306T, no valor de 13.104,18 € – Documento n.º 9;

j) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201309T, no valor de 1.225,38 € – Documento n.º 10;

k) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 22-04-2016, referente ao período 201312T, no valor de 1.550,84 € – Documento n.º 11;

l) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201403T, no valor de 1.169,52 € – Documento n.º 12;

m) Liquidação de IVA n.º 2016..., de 26-04-2016, referente ao período 201406T, no valor de 2.748,54 € – Documento n.º 13;

n) Liquidação de IVA nº 2016..., de 21-04-2016, referente ao período 201409T, no valor de 5.761,85 € – Documento n.º 14.

o) Liquidação de Juros Compensatórios n.º..., referente ao período 201103T, no valor de 207.659,10 € – Documento n.º 16;

p) Liquidação de Juros Compensatórios n.º..., referente ao período 201106T, no valor de 2.056,77 € – Documento n.º 17;

q) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201112T, no valor de 802,97 € – Documento n.º 18;

r) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201203T, no valor de 1.348,01 € – Documento n.º 19;

s) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201206T, no valor de 318,89 € – Documento n.º 20;

t) Liquidação de Juros Moratórios nº 2016..., referente ao período 201209T, no valor de 825,19 € – Documento n.º 21;

u) Liquidação de Juros Moratórios nº 2016..., referente ao período 201212T, no valor de 311,45 € – Documento n.º 22;

v) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2016..., referente ao período 201303T, no valor de 173,22 € – Documento n.º 23;

w) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2016..., referente ao período 201306T, no valor de 1.391,55 € – Documento n.º 24;

x) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2016..., referente ao período 201309T, no valor de 117,90 € – Documento n.º 25;

y) Liquidação de Juros Moratórios n.º 2016..., referente ao período 201312T, no valor de 185,38 € – Documento n.º 26;

z) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2016..., referente ao período 201403T, no valor de 89,20 € – Documento n.º 27;

aa) Liquidação de Juros Moratórios nº 2016..., referente ao período 201406T, no valor de 253,09 € – Documento n.º 28.

 

C)           Anular o despacho de indeferimento do pedido de reembolso relativo ao período 201409T (documento n.º 15);

D)           Julgar procedentes os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente a quantia de € 1.332.594,76, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º , n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º , n.º 2, do Regulamento de € 1.332.594,76.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 18.054,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

              

Lisboa, 24- 07-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Filipa Barros)

(Álvaro Caneira)